Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S3445
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
TREINADOR
LACUNA
ANALOGIA
PRATICANTES DESPORTIVOS
INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
DANO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200905200034454
Data do Acordão: 05/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA REVISTA
Sumário :
I – O contrato de trabalho do praticante desportivo (CTPD) constitui uma espécie própria de vínculo laboral, cujo regime normativo – Lei n.º 28/98, de 26 de Junho –, consagra as especificidades da relação jurídica que se propõe regular.

II – Nos termos e para os efeitos enunciados no aludido diploma, um treinador de modalidades desportivas não deve ser qualificado como praticante desportivo.

III – Todavia, a falta de regulação própria para os contratos de trabalho de outros agentes desportivos, que não se encontram regulados naquele diploma, designadamente dos treinadores, não determina, sem mais, a aplicação da lei geral do trabalho, antes impõe, face a uma reconhecida lacuna de previsão, o recurso aos instrumentos de integração previstos no artigo 10.º do Código Civil e, por via deles, a aplicação, a tais agentes, do regime vertido na Lei n.º 28/98.

IV – Daí que, por via da referida integração de lacuna, a um contrato de trabalho celebrado com um treinador de futebol seja de aplicar aquela lei, e não o Código do Trabalho.

V – Nesse quadro, verificando-se a resolução com justa causa do contrato de trabalho, o trabalhador/treinador tem direito a uma indemnização pelos danos causados, não podendo esta exceder o valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo (artigo 27.º, n.º 1, do referido normativo legal).

VI – Sobre o demandante recai o ónus de alegar e provar os danos, patrimoniais e não patrimoniais, efectivamente suportados, pois só assim poderá o tribunal conferi-los, relevá-los e quantificá-los.

VII – Diversamente, de acordo com o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação dos Treinadores de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 27, de 22-07-97 e com portaria de extensão no BTE, 1.ª Série, n.º 37, de 10-10-97), a rescisão com justa causa do contrato confere ao treinador o direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato tivesse terminado no seu termo, deduzidas das que eventualmente venha a auferir pela mesma actividade durante o período em causa.

VIII – Esta norma convencional, em confronto com o n.º 1 do artigo 27.º do CTPD, não pode ser considerada mais penalizante para o trabalhador, pois, embora mande operar a referida dedução – e o texto legal não o faz –, quantifica expressamente o montante da indemnização, fazendo-o sempre pelo limite máximo (retribuições devidas como se o contrato tivesse terminado no seu termo).

IX – Acresce, ainda, que sendo notória a similitude entre as situações factuais que suportam um despedimento ilícito e uma resolução com justa causa – ambas se ancoram num comportamento infraccional do empregador –, mal se entenderia que a lei, ao menos expressamente, tivesse reservado a faculdade dedutiva para as situações de despedimento, como faz no n.º 3, do mencionado artigo 27.º.

X – Por isso, a um treinador de futebol que resolveu com justa causa o contrato de trabalho com o clube/empregador em Junho de 2004, por aplicação do aludido CCT, às retribuições que lhe são devidas como se o contrato tivesse terminado no seu termo, devem ser deduzidas as que ele veio a auferir pela mesma actividade, ao serviço de outra entidade desportiva, durante o período em causa.

XI – E, tendo ao serviço desta entidade auferido remuneração superior à que auferia ao serviço da ré, não lhe é devido qualquer valor indemnizatório por esta.

XII – Mas ainda que ao caso não fosse aplicável o CCT – mas sim o n.º 1 do artigo 27.º da LCTD –, idêntica seria a solução, pois o trabalhador não alegou nem provou, como lhe competia, os danos decorrentes da resolução do contrato, uma vez que dos autos apenas resulta que a perda das retribuições, decorrente da resolução vinculística, foi compensada pelos proventos auferidos, durante o mesmo período, pela prestação de actividade similar a favor de outra entidade desportiva.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


1- RELATÓRIO


1.1.

AA intentou, no Tribunal do Trabalho do Porto, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente do contrato individual de trabalho, contra “Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD”, pedindo, além do mais, que a Ré seja condenada a pagar-lhe a retribuição atinente ao mês de Julho de 2004 - € 8.300,0 – e a indemnização de €91.300,00, devida pela resolução com justa causa, que operou, do vínculo laboral firmado entre as partes.
No seu instrumento contestatório, a Ré nega a verificação da justa causa resolutiva invocada pelo Autor, mais aduzindo que, sem embargo de tal, sempre importaria deduzir, à eventual indemnização que lhe fosse devida, o valor correspondente às remunerações que o demandante recebeu, entre Agosto de 2004 e Junho de 2005, ao serviço do Futebol Clube do Porto.
1.2.
Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a lavrar sentença que, na procedência da acção, condenou a Ré a pagar ao autor:
“- a quantia de € 8.300,00 (oito mil e trezentos euros) a título de remuneração relativa ao mês de Junho de 2004;
- a quantia de € 91.300 (noventa e um mil e trezentos euros) a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa.
A estas quantias acrescem juros de mora, à taxa legal, desde 16/8/2004 até integral pagamento”.
Debalde apelou a Ré, porquanto o Tribunal da Relação do Porto confirmou na íntegra a sentença impugnada.
1.3.
Mantendo-se irresignada, a Ré pede a presente revista, onde convoca o seguinte quadro conclusivo:
1- a dedução dos valores referidos no art. 40º do CTT não contraria em nada o regime legal da cessação do contrato de trabalho. Decorre da responsabilidade civil contratual onde radica este regime. Com ou sem cláusula do CCT, à indemnização estabelecida no n.º 3 do art. 443º do CT sempre seriam dedutíveis os valores percebidos pelo trabalhador em razão da resolução do seu contrato, como o seriam caso se tratasse do seu despedimento ilícito;
2- na base do art.º 443º estão os arts. 562º e segs. do C. Civil, relativos à chamada “obrigação de indemnização”;
3- o empregador deve colocar o trabalhador na situação em que este se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido, maxime indemnizando-o pelo lucro cessante, isto é, pelos benefícios que deixou de obter em consequência da cessação do contrato;
4- este lucro cessante é, precisamente, a perda das retribuições relativas ao período que medeia entre a data da cessação (neste caso, da resolução unilateral) e a data prevista para a caducidade do contrato;
5- o art. 40º do CCT, ao admitir que àquele valor deverão ser deduzidas as retribuições que venha a receber no exercício da mesma actividade, consagra, tão-somente, a regra civilística da “compensatio lucri cum damno”, nos termos da qual sempre que o facto constitutivo de responsabilidade tenha produzido ao lesado, não apenas danos, mas também lucros, estes devem compensar-se com aqueles;
6- ao declarar nulo o art. 40º do CCT dos treinadores de Futebol, a sentença recorrida violou os arts. 383º n.ºs 2 e 3 do CT e 562º e segs. do C. Civil;
7- o art. 40º n.º 1 do CCT deve, pois, ser considerado incontroversamente legal;
8- sendo, em consequência, a indemnização que ao recorrido couber deduzida das retribuições que auferiu pela mesma actividade no período em causa, ao serviço do F.C.P. SAD;
9- o que se traduz na inexistência de qualquer indemnização, porque inexistente qualquer dano ou prejuízo;
Mesmo que assim se não entenda,
10- à luz do Ac. deste S.T.J: de 24/1/04, proferido no Processo n.º 06S1821, existindo uma lacuna legislativa no que concerne à especificidade da relação laboral desportiva estabelecida com treinadores desportivos profissionais, é, nos termos do art. 10º do Código Civil, aplicável analogicamente aos contratos de trabalho celebrados com estes treinadores o regime jurídico do praticante desportivo, designadamente no que concerne a dois aspectos fundamentais: à temporalidade dos contratos e aos critérios de reparação no quadro da cessação do contrato;
11- o art. 27º n.º 1 da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho (LCTTD) estabelece que no caso de rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, o empregador “incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”;
12- ou seja, o cômputo indemnizatório decorrerá da comprovação dos danos causados, não podendo ultrapassar (limite máximo) o montante das retribuições vincendas;
13- exactamente o inverso do previsto no art. 443º n.º 3 do C.T., na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão recorrido;
14- ou seja, a indemnização a que o recorrido podia almejar na sequência da sua resolução contratual teria de se fundar na estatuição do art. 27º da LCTTD;
15- assim sendo, a procedência do pedido indemnizatório dependeria da alegação e prova de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo recorrido;
16- ao determinar o “quantum” indemnizatório independentemente da existência e prova, a sentença recorrida violou, pois, o referido preceito legal, aplicável analogicamente, nos termos do mencionado art. 10º;
Termos em que deve ser concedida a revista, revogando-se o Acórdão recorrido e, em consequência, absolvendo-se a recorrente do pedido de indemnização formulado pelo Autor.
1.4.
O Autor contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
1.5.
No mesmo sentido, e com a expressa discordância da ré, se pronunciou a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta.
1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2- FACTOS

Sem prejuízo de virem a ser pontualmente convocados os factos tidos por pertinentes, dá-se aqui por inteiramente reproduzida a factualidade firmada pelas instâncias, que não vem censurado nem se afigura passível de alteração – 713º n.º 6 e 726º do Código de Processo Civil.
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3- DIREITO

3.1.
A controvérsia das partes, nesta fase recursória, mostra-se circunscrita a uma única questão:
- a de saber como deve ser calculada a indemnização devida ao Autor que, na sua qualidade de treinador de futebol profissional, resolveu com justa causa o contrato de trabalho que o ligava à Ré.
Com efeito, é já pacífico, nesta etapa adjectiva, que estamos perante um vínculo laboral a termo e que ao Autor assistia motivo bastante para operar, como fez, a sua resolução.
No que especificamente concerne à vertente indemnizatória, como agora releva, considerou, em síntese, o Acórdão em crise:
- por virtude do disposto no art. 443º n.º 3 do Código do Trabalho de 2003, que entendeu convocável no caso, a resolução do contrato de trabalho a termo, acobertado em justa causa subjectiva, confere ao trabalhador uma indemnização que não pode ser inferior à quantia correspondente às retribuições vincendas;
- esse valor mínimo tem natureza imperativa, atento o disposto no art. 383º n.ºs 1 e 3 do mesmo Código, já que os valores das indemnizações só podem ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva dentro dos limites fixados no Código do Trabalho;
- por isso, nos termos conjugados dos arts.14º n.º 1 da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e 533º n.º 1 al. a) do mencionado Código, deve ser considerado nulo o segmento do art. 40º n.º 1 do CCT aplicável, na parte em que prevê a dedução, no cômputo indemnizatório, das retribuições que o treinador de futebol haja eventualmente auferido durante o período remanescente do contrato resolvido.
Em conformidade com o entendimento assim expresso, confirmou integralmente a sentença da 1ª instância, dado que o valor da indemnização nela fixada respeitou a previsão do falado art. 443º n.º 3.
Censura a recorrente a tese sufragada pelo Acórdão, coligindo, para tal, a seguinte fundamentação:
- como o regime geral da responsabilidade civil – onde se insere a vertente indemnizatória plasmada no Código do Trabalho – consagra o princípio nuclear de que a entidade patronal deve colocar o trabalhador na situação em que este se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido, maxime indemnizando-o pelo lucro cessante, isto é, pela perda das retribuições atinentes ao período que medeia entre a data da cessação e a data prevista para a caducidade do vínculo, sempre seriam dedutíveis, no cômputo indemnizatório, os valores entretanto percebidos pelo trabalhador em momento ulterior à resolução operada;
- o art. 40º do CCT limita-se a consagrar essa dedução, devendo ser considerado, por isso, “incontroversamente legal”;
- sem embargo – e na esteira do Acórdão deste Supremo Tribunal de 24/1/07 (revista n.º 1821/06) – por aplicação analógica, ao caso vertente, do regime jurídico do praticante desportivo, a indemnização devida ao Autor teria de se ancorar no art. 27º n.º 1 da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, segundo o qual não poderá tal indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato tivesse cessado no seu termo;
- como o sobredito preceito estabeleceu um valor ressarcitório máximo, a indemnização a que o Autor poderia almejar dependeria da alegação e prova – que ele não fez – dos danos patrimoniais e não patrimoniais efectivamente sofridos.

3.2.
Antes de enfrentar a questão que nos é colocada, importa coligir a factualidade, pacificamente firmada pelas instâncias, que com ela se conexiona directamente:
a) Por documento escrito denominado “contrato de trabalho desportivo” e datado de 1/7/2003, que constitui o documento de fls. 10, cujo teor se dá por reproduzido, o autor obrigou-se a prestar, ao serviço e em representação da ré, a sua actividade de treinador, para exercer as funções de treinador de guarda-redes, durante duas épocas desportivas, com início em 1/7/2003 e termo em 30/6/2005;
B) em contrapartida, a ré obrigou-se a pagar ao autor a remuneração mensal ilíquida de €7.000,00 (sete mil euros), perfazendo o valor total de € 168.000,00 (cento e sessenta e oito mil euros), estando já incluídos os subsídios de férias e de Natal;
C) em aditamento ao contrato referido em a), e na mesma data, a ré, através dos documentos escritos juntos a fls. 11 e 12 dos autos, cujo teor se reproduz, comprometeu-se a providenciar um apartamento até ao valor mensal de € 1.300,00, e uma viagem Lisboa/Newark/Lisboa para o autor, esposa e filhas por cada época desportiva;
d) com data de 1/10/2003, o autor e a ré outorgaram documento escrito, denominado “contrato de prestação de serviços”, que constitui o documento de fls. 72 a 74, cujo teor se dá por reproduzido, pelo qual acordaram que o autor prestaria os seus serviços como treinador de guarda-redes junto da equipa principal da Ré, mediante remuneração no montante global de € 174.3000,00, pelo período do contrato, em vinte e uma prestações mensais, iguais e sucessivas, a serem liquidadas no último dia útil do mês a que dissessem respeito;
e) acordaram ainda através do documento referido em d), que o contrato teria o seu início no dia 1/10/2003 e o seu termo no dia 30/6/2005, revogando o contrato referido em a);
f) o autor continuou a exercer a sua actividade de treinador de guarda-redes junto da equipa principal, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, nos mesmos termos que vinha exercendo;
g) no dia 16/8/2004, o autor enviou à ré, via fax, a carta que constitui o documento de fls. 13 e 14, cujo teor se reproduz, resolvendo o contrato com efeitos a partir da recepção da carta, com fundamento na falta culposa de pagamento da retribuição de Julho de 2004, na violação de garantias legais e convencionais, na lesão de interesse patrimoniais e na ofensa à sua integridade moral, honra e dignidade;
h) por contrato escrito que constitui o documento de fls. 175 a 177, cujo teor se reproduz, o autor comprometeu-se a prestar à Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD, em regime de exclusividade, os seus serviços como técnico-adjunto da equipa de futebol sénior, mediante o pagamento da quantia global ilíquida de € 120.000,00 por época desportiva, em doze prestações mensais, por duas épocas desportivas, com início em 19/8/2004 e termo em 30/6/2006;
i) no período compreendido entre Agosto de 2004 e Junho de 2005, a Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD pagou ao autor as quantias descriminadas nos documentos de fls. 188 a 198, cujo teor se reproduz.
3.3.1.
Até á fase alegatória da presente revista, sempre as partes – e também as instâncias – enquadraram normativamente a questão indemnizatória mediante um simples confronto entre o CCT aplicável (Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação Nacional de Treinadores de Futebol e a Liga Portuguesa a de Futebol Profissional) e o Código de Trabalho de 2003, em cuja vigência temporal se operou a questionada resolução vinculística.
Com efeito, só nas vertentes alegações recursórias é que a Ré – convocando o já citado Acórdão deste Supremo de 24/1/2007 – veio admitir, pela primeira vez, a aplicação analógica do novo “regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo”, condensado na Lei n.º 28/98, de 26 de Junho.
Estando, patentemente, no domínio da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nada impede a incursão deste Supremo Tribunal (que até seria sempre oficiosa – art. 664º do Código de Processo Civil) neste confronto alargado sobre o bloco normativo efectivamente atendível.
O sobredito Acórdão de 24/1/2007 (subscrito por quatro adjuntos, nos termos do art. 728º n.º 1 e 2 do C.P.C., entre os quais o ora relator e o Ex.mo Conselheiro Pinto Hespanhol) começa por afirmar que o contrato de trabalho do praticante desportivo constitui uma espécie própria de vinculação laboral, cujo regime normativo – a anunciada Lei n.º 28/98 – consagra as especificidades da relação jurídica que se propõe regular.
Logo após, e sem embargo de entender que um treinador de modalidades desportivas não deve ser qualificado como praticante desportivo, nos termos e para os efeitos enunciados no aludido diploma, acaba por sufragar o entendimento de que a falta de regulação própria para os contratos de trabalho de outros agentes desportivos, designadamente dos treinadores, não determinava, sem mais, a aplicação da lei geral do trabalho, antes impunha, face a uma reconhecida lacuna de previsão, o recurso aos instrumentos de integração previstos no art. 10º do Código Civil e, por via deles, a aplicação, a tais agentes, do regime vertido na Lei n.º 28/98.
Nesse sentido, ali se exarou como segue:
“... a existência de uma verdadeira lacuna de previsão resulta do facto do próprio legislador reconhecer (...) as especialidades que a actividade desportiva comporta neste preciso domínio e a manifesta dificuldade do regime geral do contrato de trabalho para dar cabal resposta a essas especificidades, o que convoca, por força dos princípios gerais, o recurso aos instrumentos de integração previstos no art.º 10º do Cod. Civil e, por esta via, ao regime especial do CTPD, por valerem na situação em causa as razões justificativas da concreta regulamentação normativa da Lei n.º 28/98”.
Em abono da solução alcançada, discorreu-se que o universo desportivo constitui uma realidade socialmente diferenciada, que tem vindo a ser regulada, numa prática constante e generalizada, em termos que se afastam, nos aspectos fundamentais, das leis gerais do trabalho (seja quanto à temporalidade do vínculo, seja quanto à inexistência do direito à reintegração em caso de despedimento sem justa causa, seja mesmo quanto ao cálculo da indemnização em caso de ruptura unilateral).
Continuamos a subscrever por inteiro a tese acolhida pelo Acórdão em análise e, transpondo-a para o concreto dos autos, somos a rejeitar liminarmente a aplicabilidade ao caso do Código do Trabalho, havendo antes que convocar a normação da Lei n.º 28/98.
3.3.2.
Sob a epígrafe “Cessação do Contrato de trabalho desportivo”, dispõe o artigo 26º daquela Lei:
1- O Contrato de trabalho desportivo pode cessar por:
a) (...);
b) (...);
c) Despedimento com justa causa promovido pela entidade empregadora desportiva;
d) Rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo;
e) (...);
f) (...);
g) (...).
2- (...).
No tocante à “Responsabilidade das partes pela cessação do contrato”, preceitua, por sua vez, o sequente artigo 27º:
“1- Nos casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo anterior, a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.
2- (...).
3- Quando, em caso de despedimento promovido pela entidade empregadora, caiba o direito à indemnização prevista no n.º 1, do respectivo montante devem ser deduzidas as remunerações que, durante o período correspondente à duração fixada para o contrato, o trabalhador venha a receber pela prestação da mesma actividade a outra entidade empregadora desportiva”.
Como se vê, o transcrito preceito parifica, no seu n.º 1, as situações de despedimento e de resolução pelo trabalhador, onerando o prevaricador com o pagamento de uma indemnização à parte lesada “pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato”.
Mas vai mais longe: consagra um limite indemnizatório máximo, enquanto guarda absoluto silêncio sobre um seu eventual limite mínimo.
Idêntica paridade já não se antolha, porém, no seu n.º 3: a dedução remuneratória aí prevista vem circunscrita ao “... caso de despedimento promovido pela entidade empregadora”.
É altura de referir que as partes inseriram, no convénio inicialmente aprazado, uma cláusula do seguinte teor:
“Décima segunda”
“Aos casos omissos no presente contrato aplicam-se as disposições do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional”.
Sucede que esse CCT (publicado no BTE, 1ª Série, n.º 27, de 22/7/97 e com PE no BTE, 1ª Série, n.º 37, de 10/10/97) estipula, no seu art. 40º n.º 1:
“A rescisão do contrato com fundamento nos factos previstos no n.º1 do artigo anterior confere ao treinador o direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato tivesse cessado no seu termos, deduzidas das que eventualmente venha a auferir pela mesma actividade durante o período em causa”.
Não se vê que esta norma convencional, no confronto com o art. 27º n.º 1, possa ser entendida como mais penalizante para o trabalhador:
- sendo embora certo que manda operar a dedução contemplada na sua parte final – e o texto legal não o faz – não é menos verdade que quantifica expressamente o montante da indemnização, fazendo-o sempre pelo limite máximo estabelecido no mencionado preceito.
Por outro lado, ainda que o art. 27º n.º 3 reserve a sua previsão dedutiva para os casos de despedimento, também se não alcança que a Lei n.º 28/98 contenha alguma normação imperativa que impeça as partes de subscrever, em regulamentação convencional, regime idêntico para os casos de resolução com justa causa por banda do trabalhador.
De resto, sendo notória a similitude entre as situações factuais que suportam um despedimento ilícito e uma resolução com justa causa – ambas se ancoram num comportamento infraccional do empregador – mal se entende que a lei, ao menos expressamente, tenha reservado a faculdade dedutiva para as situações de despedimento.
Somos a concluir, pois, pela directa aplicação da falada norma convencional.
Sendo assim, resta recuperar a factualidade atendível, de onde se evidencia que o Autor:
- auferia, ao serviço da Ré, um vencimento mensal líquido de € 8.3000,00 até ao termo do contrato, previsto para 30/6/05, pelo que a indemnização a seu favor ascenderia a € 91.300 (€ 8.300 x 11) como, de resto, vem peticionado;
- auferiu, ao serviço do F.C.P., entre 1 de Agosto de 2004 e 30/6/05, a quantia global de € 77.357,75, à qual importa adicionar o valor dos “vales” descontados durante o mesmo período, num total de € 44.455,14.
O confronto as duas verbas evidencia que as retribuições auferidas pelo Autor, durante o período relevante, excederam o valor da indemnização que lhe era devida pela Ré.
Como assim, nada por esta lhe é devida.
3.3.3.
Mas, a nosso ver, a situação não seria diferente se fosse de convocar apenas o regime legal, enunciado no art. 27º n.º 1 da Lei n.º 28/98.
Nesse caso – já o sabemos – teríamos apenas um tecto para o cômputo indemnizatório mas, ao invés, não teríamos um limite mínimo.
Esse quadro normativo consequencia, naturalmente, que sobre o demandante recaia o ónus de alegar e provar os danos, patrimoniais e não patrimoniais, efectivamente suportados, pois só assim poderá o tribunal conferi-los, relevá-los e quantificá-los.
No caso dos autos, o Autor limitou-se a aduzir, na petição inicial, que:
“18º”
“Os comportamentos da R., que ficaram descritos, constituem justa causa de resolução do contrato pelo A. – art. 441º, 2 do Código de Trabalho:
- falta culposa do pagamento pontual da retribuição;
- violação culposa das garantias legais e convencionais do A.;
- lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
- ofensa à honra e dignidade do A.
Em consequência (sublinhado nosso),
19º
E nos termos do art. 443º, 3 do Código do Trabalho, tem o A. direito a uma indemnização não inferior à quantia correspondente às retribuições vincendas, isto é, a Euros 91.300,00 (8.300,00 x 11), acrescida de juros de mora à taxa legal contados da data da citação”.
Como se vê, o Autor não dá a menor notícia dos danos sofridos, quiçá por haver invocado o art. 443º n.º 3 do Código do Trabalho de 2003 e por certamente entender que, à luz desse normativo, a indemnização reclamada decorria, em quantitativo legalmente taxado, do mero reconhecimento de que a resolução se produzira com justa causa.
Mas, com o devido respeito, não é assim.
Por um lado, os danos previstos no art. 443º são apenas os danos conexos com a perda do emprego, havendo que destrinçar entre estes e aqueles que, servindo embora de fundamento à resolução do contrato, emergem de factos ilícitos e culposos causados pelo empregador (cfr. Júlio Vieira Gomes in “Direito do Trabalho”, 2007, 1º vol., pág. 10063).
O mesmo sucede com os danos ressarcíveis à luz do art. 27º n.º 1 da Lei n.º 28/98.
Por outro lado, consigna este preceito que “... a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato ...”.
Comentando tal normativo, escreve João Leal Amado:
“Somos assim remetidos para as disposições civilísticas, designadamente para os arts. 562º e ss. do C. Civil, relativos à chamada “obrigação de indemnização”, sendo que, de acordo com o princípio nuclear consagrado nesse art. 562º, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Vale isto por dizer que o empregador deve colocar o praticante na situação em que este se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido, maxime indemnizando-o pelo lucro cessante, isto é, pelos benefícios que o praticante deixou de obter em consequência do despedimento ilícito (v. o art. 564º/1 do C. Civil)” (in “Vinculação Versus Liberdade O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo”, págs. 304 e 305).
Mais esclarece este Autor que consiste “... este lucro cessante, basicamente, na perda das retribuições relativas ao período que medeia entre a data do despedimento [ou, dizemos nós, da resolução justificada] e a data prevista para a caducidade do contrato”.
No caso vertente – e á míngua de qualquer alegação que justificasse posicionamento diferente – apenas sabemos que a perda das retribuições, decorrente da resolução vinculística, foi compensada pelos proventos auferidos, durante o mesmo período, pela prestação de actividade laboral similar a favor de outra entidade desportiva.
Da assinalada insuficiência probatória sempre haveria de se ressentir a pretensão do Autor – art. 516º do C.P.C. – onerado que estava com o respectivo ónus – art. 342º n.º 1 do C.C..
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4- DECISÃO
Em face do exposto:
A- concede-se a revista;
B- absolve-se a Ré do pedido indemnizatório deduzido pelo Autor, revogando-se, nessa parte, o Acórdão impugnado, que confirmara, no que a tal respeita, a sentença da 1ª instância.
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Custas da Revista pelo Autor e, nas instâncias, por ambas as partes, na proporção do seu decaimento.
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Lisboa, 20 de Maio de 2009

Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis