Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
829/12.7TBABF.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: TÁVORA VICTOR
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA DIFERENÇA
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
REPARAÇÃO DO DANO
RESSARCIMENTO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / INDEMNIZAÇÃO EM DINHEIRO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 8.ª Edição, p. 704 e ss.;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 6.ª Edição. Almedina Coimbra 1989, p. 876 e ss.;
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, Almedina, Coimbra, 5.ª Edição, p. 874 e ss.;
- Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, I, Almedina, Coimbra, p. 508 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 566.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 609.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 10-2-2004, PROCESSO N.º 03A4468;
- DE 31-05-2011, PROCESSO N.º 851/04. 7BBGC.P1.S1.
Sumário :
I - Para fixação da indemnização em dinheiro, por via da responsabilidade civil, deverá lançar-se mão da “teoria da diferença” apurando-se a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos.

II - Mau grado a preferência do legislador vá para o ressarcimento do lesado através de reconstituição natural, o certo é que reconhecendo a impossibilidade ou dificuldade de trilhar sistematicamente essa via, estabelece o CC, no art. 566.º, n.º 1, o princípio da indemnização em dinheiro “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. É, no caso que particularmente nos interessa, a impossibilidade de obter a restituição do objecto do lesado que foi perdido ou cuja recuperação não é mais possível por não estar já sob o domínio do lesante e não lhe ser viável recuperá-lo – compensatio lucri cum damno.

III - Apesar de se ter apurado que o prédio onde se encontrava depositado o material havia sido vendido à ré, a qual por seu turno acabou por vender este último a terceiros; e provada que seja a propriedade do material, em nada a mesma é afectada pela sorte da acção de anulação do contrato de compra e venda reportado ao prédio que ... e mulher intentaram e registaram em 22-06-1999.

IV - Não tendo o autor alegado factos que tivessem permitido ao Tribunal fixar o prejuízo efectivo que sofreu, a fim de permitir a aplicação ao caso em análise do art. 566.º do CC, nomeadamente no que concerne à teoria da diferença, bem andou a Relação ao revogar a decisão de 1.ª instância condenando a ré a pagar àquele a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença, lançando mão do disposto no art. 609.º, n.º 2 do NCPC (2013).

Decisão Texto Integral:    
 

1. RELATÓRIO.



     Acordam na 7ª Secção Cível



    AA intentou a presente acção contra BB-Unipessoal, Lda., com sede no Vale …, lote … – Parque Industrial – …, pedindo que a sua condenação no pagamento da quantia de 88.500 € (oitenta e oito mil e quinhentos euros), acrescida de juros moratórios até integral pagamento, correspondente ao valor da brita e do pó de pedra do Autor, de que a Ré se apropriou sem o consentimento daquele.

     Citada, a Ré apresentou contestação, mas esta foi desatendida por extemporaneidade.

    Preferida sentença, a mesma concluiu pela seguinte decisão: “(…) face ao exposto, julga-se a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de 88.500,00 € (oitenta e oito mil e quinhentos euros), acrescida de juros moratórios até integral pagamento.”            

    Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação, tendo a 2ª instância, na parcial procedência daquele, revogado a decisão proferida, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença, acrescida de juros moratórios contados desde a citação até integral pagamento.

     Por seu turno, inconformado, recorreu, de revista o Autor, pedindo que seja dado provimento ao recurso, e, em conformidade, revogado o Acórdão recorrido e substituído por outra decisão que condene a Ré no pagamento da quantia de € 88.500,00 deduzida da quantidade de brita e pó de pedra que se venha a provar, em sede de liquidação da execução de julgados, que foram utilizados pelo rendeiro da propriedade, tudo acrescido dos respectivos juros moratórios até integral pagamento.

     Apresentou as seguintes,


     Conclusões.


     Revista do Autor.


    1) O Tribunal a quo errou na interpretação dos arts.º 562° e 566°, n.º 2, ambos do Código Civil.

    2) Na medição do dano, o acórdão recorrido aferiu-o pelo valor aquisitivo da coisa (sic), em detrimento do valor da coisa e consequente diminuição da esfera patrimonial do lesado.

    3) Quer a reconstituição natural, quer a reconstituição por equivalente constituem formas de reposição, que visam manter intacto o património do lesado tal como estaria hipoteticamente se não se tivesse verificado o facto causador do dano.

    4) Quando a indemnização deva ser fixada em dinheiro, toma como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data, se não existissem danos.

    5) Ou seja, o valor a ter em conta não é o aquisitivo, mas o valor que os bens dissipados pela lesante tinham no património do lesado; o valor será assim o valor de substituição por outro equivalente para reintegração no património do lesado.

    6) Só dessa forma se mantém intacto o património do lesado, tal como ele existiria, caso não houvesse o facto danoso.

    7) Ora, no caso sub iudice, de pouco interessa qual o valor despendido pelo recorrido aquando da compra do bem.

    8) O que verdadeiramente releva, é qual a diminuição verificada no património daquele.

    9) Ora, a referida diminuição equivale, in casu, à privação de poder dispor de 19.500 toneladas de britas e 15.000 toneladas de pó de pedra, valorizadas respectivamente a 3 € e 2 € por tonelada; esta foi a perda verificada na esfera patrimonial do recorrente.

   10) Como, quer o lesado, quer a lesante, estão de acordo que a reconstituição por sucedâneo satisfaz melhor os interesses de ambos, deverá ser este o valor que servirá de referência para, a partir daqui, se efectuar em sede de liquidação, a dedução das quantidades de inertes dispensadas ao rendeiro.

    

    Por seu turno a Ré BB Unipessoal Lda. recorreu subordinadamente pedindo que, na procedência do recurso, seja revogada a decisão e substituída por outra que absolva a recorrente.


     Recurso subordinado da Ré BB - Unipessoal, Ldª:


     Conclusões.


  1) O acórdão recorrido condenou a recorrente no pagamento da quantia de 6.000,00 pelo facto de ter utilizado o material que se encontrava depositado na Herdade que adquiriu, por compra, em 2008, sustentando que por tê-lo feito em proveito próprio e sem qualquer título deve ser responsabilizada pelos danos que provocou nos termos do disposto no art.º 483º, n° 1 do Cc."

   2) O acórdão recorrido para além de uma errada aplicação do direito aos factos, não se pronunciou sobre questões que lhe foram colocadas e que lhe cabia conhecer,

   3) Nomeadamente a melhor posse da recorrente, o facto de não ter sido peticionado na acção o reconhecimento do direito de propriedade do A. e a circunstância dos contratos de compra e venda relativamente ao material pertencente à Herdade do Monte …, serem nulos por se tratarem de venda de coisa alheia;

   4) Limitando-se a afirmar, sem fundamentar, que a Recorrente deveria ser responsabilizada no pagamento de 6.000,00 € por ter, sem título, utilizado bens, propriedade de um terceiro.

    5) Aparentemente, resulta do acórdão recorrido que a propriedade do A., em que se funda o alegado direito a ser ressarcido, não se louva na usucapião, ao contrário do que se sustentou na decisão da primeira instância, pois que o Tribunal não se pronuncia sobre esta matéria, mas na celebração de contratos de compra e venda da brita e pó de pedra.

   6) No entanto, quer o contrato celebrado entre o CC e a DD, S.A., quer os subsequentes - entre CC e a EE e entre esta e o A., todos no ano de 2003, eram contratos nulos por se tratar de venda de coisa alheia, já que, quando foram celebrados tais contratos, o vendedor não era proprietário do prédio Monte …, ao qual pertenciam os referidos materiais - ponto 7 dos factos assentes; mas sim FF e mulher, GG.

   7) Sendo nulos não poderiam fundamentar qualquer condenação da Recorrida por responsabilidade civil, uma vez que um dos efeitos da nulidade é, precisamente, a não produção de quaisquer efeitos.

   8) Por outro lado, desconhecendo a Recorrente que a tal brita, pedra e material, que ali se encontravam, haviam sido objecto de negócio autónomo, a sua utilização e cedência não pode ser considerada ilícita ou sequer abusiva,

   9) Sendo certo que apenas é gerador de responsabilidade civil, o facto praticado com dolo ou culpa, conforme disposto no art. 483º do cc.

  10) Cabendo ao A., nos termos do 483º daquele diploma, provar a culpa da R., o que este nem sequer alegou.

   11) O A. não alegou factos que se pudessem ter como assentes e de onde pudesse decorrer que exercia a posse pública e pacífica do material depositado na herdade do Monte Gordo, tendo sido dados por confessados factos conclusivos; pelo que não se verificam os pressupostos da usucapião, que não foi invocada;

   12) Na PI, o A. apenas faz referência a uma actuação ilícita da R. não fazendo qualquer referência ao reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o material;

   13) Face à não contestação da R. a confissão dos factos articulados pelo Autor deve abranger apenas os que admitam confissão e nos termos em que ela seja admissível, estabelecendo a lei uma cominação semi-plena nos termos do 56r do NCPC;

   14) O A. não invocou quaisquer factos demonstrativos da posse sobre o material, sendo que os mesmos eram propriedade do prédio Monte …, logo, dos titulares como tal inscritos.

  15) Conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/05/2013, os actos jurídicos, pela sua própria natureza, são insuficientes para demonstrar a existência de um poder de facto sobre as mesmas e por isso podem ser praticados por qualquer pessoa, ainda que esta não tenha nenhum poder sobre a coisa.

  16) O Autor adquiriu a posse mediante celebração de escritura pública de compra e venda com os anteriores proprietários - cuja posse se presume porque é titulada, pelo que acedeu na posse daqueles, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1256º do Código Civil.

   17) A posse da Recorrente durou assim de 1999 até à presente data, de forma ininterrupta, pacífica e pública, sendo assim anterior à aquisição pelo A. por via do contrato celebrado com a EE, e por isso a melhor posse, até porque actual, prevalecendo sobre a da A.

   18) Considerou-se por seu turno, no acórdão, a existência de facto ilícito por parte da recorrida ao se ter apropriado de material que não lhe pertencia, sem título;

   19) Afirmação que não se pode aceitar já que, como se referiu a Recorrida, adquiriu o prédio, aos seus anteriores proprietários, mediante celebração de escritura pública, o qual incluiu naturalmente os frutos naturais e civis do imóvel - entre os quais a pedreira ali existente de onde provieram a tal brita e pó de pedra e Tuvenan.

   20) Nunca tendo sido interpelada, fosse de que forma fosse pelo Recorrente, desconhecendo a existência de quaisquer contratos sobre o material, ou de que o R. se arrogava proprietário do mesmo, facto esse que não foi sequer alegado,

  21) Assim a sentença proferida em primeira instância, está ferida de nulidade na medida em que determinou a condenação da Recorrente no pagamento do valor peticionado pelo A., a título de enriquecimento sem causa, sendo nula, por excesso de pronúncia e por condenar em objecto diverso do pedido, nos termos das alíneas d) e e), do no 1 do art. 615º do CPC;

  22) Isto porque a condenação no valor peticionado a título de indemnização com base no alegado enriquecimento sem causa não foi pedida e não tem nenhum fundamento de facto porque o A. nada a esse respeito alegou; pelo que a Ré não pôde opor-se a esse inexistente pedido e respectiva causa de pedir.

   23) O ordenado pagamento não podia ser decretado por a tanto se oporem os princípios do contraditório e do dispositivo, como se vê das disposições conjugadas dos art. 5.º e 609.º do CPC.

  24) Por seu turno, o Acórdão recorrido, ao determinar a condenação da Recorrente no pagamento do valor correspondente ao preço das aquisição do material, por dele ter disposto sem título, sustentando a ilicitude da disposição violou o disposto no art.º 483º do CC.

  25) O acórdão recorrido violou o disposto no art.º 567º, 609º, 615º, nº d), todos do NCPC bem como os arts.º, 350º, 352º, a 361º, 473º, 474º e 481º, 1251º, 1252º, 1256º, 1257º, 1262º, 1263º, a), b), 1267º, 1268º, 1269º, 1270º, 1297º, 1299º, 1300º, do CC

 26) Pelo que deve ser revogado, substituindo-se o mesmo por outro que determine a absolvição da Recorrente do pedido,

  27) Ou, caso assim não se entenda, deve ser permitido à recorrente proceder à reconstituição natural da situação existente uma vez que é ainda possuidora de grande parte do material reivindicado pelo A., sendo apenas condenada no pagamento dos montantes que se vierem a apurar relativamente ao material cedido/utilizado, descontando aquele que igualmente foi entregue ao alegado rendeiro, pela impossibilidade de recuperação do aludido material.

     Pelo supra exposto, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e em conformidade, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que absolva a Recorrente.

    

    O ora relator usando da faculdade a que se reporta o art.º 656º do Código de Processo Civil, decidiu singularmente o recurso, negando ambas as revistas.

    

   Ainda inconformado, o Autor AA requereu que sobre o decidido recaia um acórdão.

    Apresentou para tanto repositório extenso sobre as razões da sua discordância que sintetizaremos no seguinte:

  - Nos termos do artigo 562º do Código Civil, o dever de indemnizar tem por objecto reparar um dano através da reconstituição da fortuna que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso imputável. Por conseguinte o dano é o de extensão actual e não aquele cuja avaliação reporta de pretérito como sucedeu com o decidido singularmente.

   - De qualquer forma o Autor não comprou aquele material por € 6.000. Recebeu a Brita e pó de pedra para pagamento de honorários de consultoria que a firma lhe devia e que entretanto entrou em falência. Os € 6.000 representam apenas a diferença entre o valor da brita e pó de pedra e o valor dos honorários em dívida.


    Não houve contra-alegações.

    Cumpre decidir.


*


    2. FUNDAMENTOS.


   Com interesse para a decisão da causa deu a Relação como provados os seguintes,


     2.1. Factos.


   2.1.1. Em 2001, CC acordou com DD, S.A. ceder-lhe a exploração da pedreira existente no prédio misto denominado “Monte …”, composto por cultura arvense, solo subjacente de cultura arvense, montado do sobro e azinho, oliveiras e barranco, com a área de 290,45 ha inscrito na matriz sob o art.º 3 da Secção B da freguesia de …, urbano, composto por edifício de rés-do-chão, com a área de 220 m2, inscrito sob o art. 129 da freguesia de Aldeia …, descrito na Conservatória do Registo Predial de A… sob o nº…/1986 1…3 da Aldeia … e 4…/13…6 de ….

  2.1.2. Em 2001, a titularidade do prédio referido em 1) encontrava-se inscrita no registo predial a favor de CC.

   2.1.3. Pela apresentação um, de 22/06/1999, encontrava-se registada, no registo predial, acção deduzida por FF e mulher GG, contra CC, em que era pedido o cancelamento do registo de aquisição a favor de CC em função da declaração de nulidade da escritura outorgada em 28/10/98 e o reconhecimento dos Autores como únicos e legítimos proprietários do prédio identificado em 1).

   2.1.4. No período compreendido entre 2001 e 2003, a DD S.A. procedeu à extracção da pedra do prédio referido em 1), transformando-a em brita e pó de pedra, empilhando-a junto ao Monte do mesmo prédio.

  2.1.5. A. DD, S.A. actuou na convicção de exercer um direito próprio, sem lesar direitos de outrem, à vista de toda a gente, e sem que ninguém se opusesse.

  2.1.6. Com a conclusão da obra da Auto-Estrada, a DD S.A., entregou a CC, como contrapartida da exploração, 13.000 metros cúbicos (equivalente a 19.500 toneladas) de britas e, 10.000 metros cúbicos (equivalente a 15.000 toneladas) de pó de pedra.

 2.1.7. Extraídas do prédio identificado em 1), transformadas e amontoadas em pilhas na zona do Monte do referido prédio.

  2.1.8. Em 21 de Março de 2003, o CC celebrou acordo com EE – Exploração de Granitos, Lda. intitulado “Contrato de Compra e Venda”, com as seguintes cláusulas:

   - “1.ª Cláusula: O primeiro outorgante é dono de toda a partida de britas, pó de pedra e Tuvenan, que se encontra em montões e espalhado no solo, fazendo tipo piso e bancadas nas imediações das casas da Herdade Monte … sita na Aldeia …, num raio aproximado de duzentos metros, material que adquiriu à Firma DD, S.A, com sede em …, P…, e declara que vende a totalidade desse material ao segundo outorgante, que por sua vez declara comprá-la pelo preço de 5.000,00 € que já entregou e de que este contrato constitui recibo.

  - 2.ª Cláusula: O segundo outorgante, uma vez que ainda não tem data para levantar o material agora transaccionado, toma conhecimento que o terreno onde se encontra depositado o material constante deste contrato está arrendado ao Dr. HH, pelo que a manutenção daquele material nesse local deverá ser negociada entre o segundo outorgante e o rendeiro da propriedade.”

  2.1.9. Em 27 de Maio de 2003, a referida EE – Exploração de Granitos, Lda. celebrou contrato com o A., intitulado “Contrato de compra e venda”, com as seguintes cláusulas:

  - “1.ª Cláusula: O primeiro outorgante é dono de toda a partida de britas, pó de pedra e Tuvenan, que se encontra em montões e espalhado no solo, fazendo tipo piso e bancadas nas imediações das casas da Herdade Monte … sita na Aldeia …, num raio aproximado de duzentos metros, material que adquiriu ao seu antigo dono CC, cujo contrato de compra e venda se anexa a este e que foi material fabricado e adquirido por aquele Sr. CC à firma DD, S.A, com sede em …, P….

  - 2.ª Cláusula: O primeiro outorgante declara que vende todo esse material que se encontra em montões e espalhado no solo fazendo tipo piso e bancadas ao segundo outorgante, que, por sua vez, declara comprá-la pelo preço de 6.000 € que já entregou e de que este contrato constitui recibo.

 2.1.10. A partida de pedra referida nos contratos identificados a 6) e 7) corresponde à descrita no ponto 4).

 2.1.11. A EE – Exploração de Granitos, Lda. e o Autor actuaram na convicção de exercer um direito próprio, sem lesar direitos de outrem, à vista de toda a gente e sem que ninguém se opusesse.

2.1.12. Em 12 de Junho de 2008, a Ré celebrou uma escritura pública com FF e mulher GG, intitulada de “compra e venda”, com o seguinte teor:

  - “(...) Que o registo de aquisição do prédio a favor dos primeiros outorgantes foi efectuado (e mostra-se em vigor), através do averbamento de conversão requerido pela apresentação um, de dezoito de Março de 2008, da acção registada pela inscrição F, apresentação um, de vinte e dois de Junho de 1999, em que era pedido que os primeiros outorgantes fossem considerados os únicos proprietários do prédio.”

  - “Que pelo preço global de quinhentos mil euros, já recebido, os primeiros outorgantes vendem, à representada da segunda outorgante, o identificado prédio misto, correspondendo à parte urbana o valor de cento e sessenta e três mil cento e noventa e cinco euros, e à parte rústica o valor de trezentos e trinta e seis mil oitocentos e cinco euros.”

  - “Que sobre o prédio mostram-se ainda registadas, provisoriamente por natureza, outras duas acções (...).”

  2.1.13. A R., arrogando-se proprietária do material descrito em 4), transmitiu parte a terceiros e, utilizou outra, em seu proveito próprio.

  2.1.14. Sem consentimento ou contrato com o A.

  2.1.15. O material que a R. transmitiu a terceiros e usou em seu próprio beneficio, foi utilizado na beneficiação de caminho rurais e vicinais, sendo impossível proceder à sua recuperação.

  2.1.16. A tonelada de brita tem o valor de 3 €.

  2.1.17. A tonelada de pó de pedra tem o valor de 2 €.


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   2.2. O Direito.


   Nos termos do preceituado nos arts.º 608.º nº 2, 635.º nº 3 e 690.º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:


   - Bosquejo da presente acção.

   - O arbitramento da indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual à luz do critério adoptado na lei.

   - O caso concreto à luz dos factos provados e das considerações supra-expostas.


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   2.2.1. Bosquejo da presente acção.


   Na procedência total da acção em 1ª instância foi proferida sentença condenando a Ré BB-Unipessoal Lda., a pagar ao Autor AA a quantia de € 88.500,00 acrescida de juros moratórios até integral pagamento.

    Interposto recurso de apelação pela Ré BB-Unipessoal Lda., foi, por acórdão da Relação, julgado parcialmente procedente, pelo que, revogando a decisão proferida, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença, acrescida de juros moratórios contados desde a citação até integral pagamento.

   Inconformado recorreu o Autor de revista pedindo que, na procedência do recurso, se revogue o acórdão da Relação substituindo-se o mesmo por decisão que condene a recorrida no pagamento da quantia de € 88.500,00 deduzida da quantidade de brita e pó de pedra que se venha a provar em sede de liquidação da execução de julgados, que foram utilizados pelo rendeiro da propriedade, tudo acrescido dos respectivos juros moratórios até integral pagamento.

   Por seu turno, inconformada, recorre, também, subordinadamente de revista a BB-Unipessoal Lda., pedindo que, na respectiva procedência, se substitua o decidido por acórdão que absolva a recorrente.

 

   A sentença de 1ª instância fundamentou o decidido no instituto do enriquecimento sem causa – artigos 474º ss do Código Civil. Tal entendimento não foi perfilhado pela 2ª instância que apontou para o instituto da responsabilidade civil, - artigos 483º ss do referido Diploma - à luz do qual solucionou o diferendo entre as partes. Porque concordamos com a via seguida por último, iremos analisar a questão sob este prisma, nomeadamente tentando aquilatar do preenchimento dos requisitos do instituto citado, dando igualmente especial ênfase à problemática da indemnização em si.


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   2.2.2. O arbitramento da indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual à luz do critério adoptado na lei.

        

    A indemnização representa o corolário do percurso do iter conducente ao ressarcimento do lesado, concretizado na verificação dos princípios da responsabilidade civil, a saber o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre tal facto e o referido dano, consagrados desde logo no artigo 483º do Código Civil onde se mencionam as traves mestras do instituto; “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

  2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.

   A questão que nos é dado apreciar e decidir confronta-se com o modus operandi da indemnização ou, mais concretamente, como é que a mesma se concretiza, na prática, tendo como princípio orientador, à partida, o artigo 562º nº 1 do Código Civil, onde se pode ler que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. O princípio normativo inserto no dispositivo citado consagra o princípio da colocação do lesado na situação em que estaria se não fosse a lesão; todavia, reconhecendo a impossibilidade ou dificuldade de trilhar sistematicamente essa via da restituição natural, estabelece o CC. no artigo 566º nº 1 o princípio da indemnização em dinheiro “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. É, no caso que particularmente nos interessa, a impossibilidade de obter a restituição do objecto do lesado que foi perdido ou cuja recuperação não é mais possível por não estar já sob o domínio do lesante e não lhe ser viável recuperá-lo – compensatio lucri cum damno. Contudo a composição em dinheiro apresenta-se como subsidiária da reconstituição natural, podendo, no entanto, funcionar igualmente como complementar da primeira[1]. E como se calcula a indemnização em dinheiro? A resposta é-nos dada pelo nº 2 do artigo 566º onde pode ler-se que “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. Quer assim dizer, o normativo em análise consagra “a teoria da diferença” segundo a qual “a indemnização deve manifestamente medir-se por uma diferença entre a situação real em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que o mesmo se encontraria sem o dano sofrido”[2]. Está em causa a diferença entre a situação actual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento.


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   2.2.3. O caso concreto à luz dos factos provados e das considerações supra-expostas. Refutação das objecções da Ré.


Apreciando da bondade do decidido pela Relação quando entendeu revogar parcialmente a sentença de 1ª instância e condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia que vier a liquidar-se, diremos o seguinte:

   Em 27 de Maio de 2003, o Autor AA comprou à EE – Exploração de Granitos Lda. a brita e pó de pedra existente no prédio identificado no ponto 2.1.1. pelo preço de € 6.000,00 a qual tinha sido, por seu turno, adquirida a CC e era proveniente da entrega que A. DD, Lda. lhe havia feito em virtude da cessão de exploração do prédio que lhe havia outorgado.

    Nos termos do preceituado no artigo 1287º do Código Civil que “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião. Resulta provado que o Autor outorgou em 27 de Maio de 2003, com a EE, contrato de compra e venda onde diz adquirir e esta última vender-lhe, todo o material de britas pó de pedra e Tuvenan que se encontrava espalhado no solo do prédio identificado em 2.1.1., pelo preços de € 6.000,00. A EE e o Autor actuaram na convicção de exercer um direito próprio, sem lesar os direitos de outro, à vista de toda a gente e sem ninguém que se opusesse. O material assim transferido para a esfera jurídica do Autor havia sido adquirido pela EE em 21 de Março de 2003 a CC sendo certo que por seu turno o mesmo o havia recebido da Firma DD, SA., a titulo de pagamento proveniente do contrato de exploração que tinha celebrado com o Autor. Nos termos do preceituado no artigo 1299º do Código Civil “A usucapião de coisas não sujeitas a registo dá-se quando a posse, de boa-fé e fundada em justo título, tiver durado três anos, ou quando, independentemente da boa-fé e de título, tiver durado seis anos. A posse do Autor tem de considerar-se de boa-fé, já que foi adquirida por contrato de compra e venda, nos termos do artigo 1259º do Código Civil, que define como titulada “a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir independentemente quer do direito do transmitente quer da validade substancial do negócio jurídico”. Se a isto acrescentarmos que, nos termos do artigo 1256º nº 1, “Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor, concluímos que tem vindo processar-se uma sucessão de posses do material com idênticas características, o que permite ao Autor arvorar-se como seu proprietário, desde que, em 2001 as posses se têm vindo a transferir[3], tendo em linha de conta também que é patente, ainda que de forma tácita, a invocação da usucapião que decorre dos factos alegados na Petição Inicial. Teremos igualmente que atender que nesta parte funciona também o estatuído no artigo 1256º nº 1 do Código Civil, onde se lê que “aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor”. Poderá destarte concluir-se que a propriedade do material se transmitiu validamente através de contrato de compra e venda, nos termos do preceituado no artigo 874º ss do Código Civil.

    Por seu turno, A Ré BB, em 27 de Maio de 2003, que entretanto adquirira por € 500.000,00 o prédio em causa de FF e mulher, usou o material em causa que ali se encontrava depositado e cedeu-o a terceiros. Todavia o circunstancialismo não altera os dados da questão no que toca à titularidade do material que no caso vertente havia sido transmitido ao Autor; sendo certo que, provada a propriedade do material que aqui está em causa, teremos de concluir que em nada a mesma é afectada pela sorte da acção de anulação do contrato de compra e venda reportado ao prédio que FF e mulher intentaram e registaram em 22 de Junho de 1999.

    No mais que a BB sustenta em benefício da sua tese, diremos que não pode proceder, como iremos demonstrar.

    Refere a recorrente que a Relação não se pronunciou sobre várias questões que lhe haviam sido colocadas: é o que se passa com a melhor posse da recorrente, o facto de não ter sido peticionado na acção o reconhecimento do direito de propriedade do Autor, e a circunstância de a compra e venda relativamente ao material pertencente à Herdade do Monte … ser nula por se tratar de venda de coisa alheia.

     Vejamos:

     No que toca à falta de pronúncia sobre aquilo que a Ré BB chama a sua melhor posse, não foi a mesma equacionada nas suas alegações de recurso para a Relação, único momento em que o podia fazer, já que a contestação foi desentranhada por extemporaneidade. E, de qualquer forma, também a questão não releva, já que a transacção do prédio entre a BB e FF e mulher não tem a ver com o negócio que aqui está em causa e reportado a venda do material que se encontrava no mesmo, como acima referimos e que o acórdão da Relação já tinha dito, o que bastaria para irrelevar a abordagem de tal ponto. Isto, desde logo, porque o Autor adquirira os materiais através de contrato de compra e venda e aqueles vinham sendo transferidos regulamente através de uma cadeia de transmissões, por tempo e molde que permitiu ao Autor, invocando a acessão de posses obter o tempo necessário para usucapir. Aliás os factos integradores da usucapião de posse pacífica de boa-fé não foram válida e atempadamente impugnados, tendo sido dados por assentes. Entendemos terem entrado tais expressões já no âmbito da linguagem comum e assim ser admissível o seu uso especialmente quando os factos que as mesmas traduzem não forem impugnados.

     Por outro lado e de certo modo como corolário do que temos vindo a referir, é infrutífera a argumentação da Ré ao pretender que a aquisição pelo Autor da pedra em análise configure uma venda de coisa alheia; é que, na verdade, não é pelo simples facto de aquele material ter sido extraído do terreno que o mesmo lhe está necessariamente ligado, já que seria necessário a Ré provar, por impeditivo do direito do Autor, que o prédio em causa tinha sido negociado e adquirido com a pedra em análise, o que não logrou fazer. E não se diga que ao pedido de indemnização falta o pressuposto da culpa, porque a Ré não saberia que o material existente no prédio não pertenceria, não fazia parte do negócio que celebrara com FF e mulher; é que, considerando que o material se encontrava destacado no solo e em montões, deveria ter indagado dos vendedores se o mesmo estava a ser incluído na transacção do imóvel o que não prova ter feito, sendo certo que em nenhum momento, nomeadamente na escritura de compra e venda do prédio de fls. 19 ss, há qualquer referência aos materiais. 

    Assim sendo, terá de concluir-se que a Ré BB utilizou os materiais em seu benefício, sendo certo que terá que indemnizar o seu legítimo proprietário, o ora Autor; essa indemnização terá que fazer-se em dinheiro, já que não é possível a reconstituição natural - artigos 562º e 566º nº 1 do Código Civil. É bem certo que na sua alegação de recurso a BB pede que, a ser considerada como provada a presente acção, lhe seja permitido proceder à reconstituição natural da situação existente uma vez que refere ser ainda possuidora do material reivindicado pelo Autor sendo apenas condenada no pagamento dos montantes que se vierem a apurar relativamente ao material cedido/utilizado, descontando aquele que igualmente foi entregue ao alegado rendeiro, pela recuperação do referido material. Só que este pedido não pode ser validamente formulado em alegações de recurso; os recursos não se debruçam sobre matéria nova sendo certo que a questão em análise que deveria ter sido colocada na contestação; a não apreciação desta ditou a fixação dos factos provados[4] e a estes teremos exclusivamente de atender para decidir da causa pontos 2.1.13. a 2.1.15.

    A indemnização terá que processar-se de harmonia com os elementos constantes dos autos. E aqui, como bem se salienta no Acórdão da Relação recorrido, “muito embora a DD tivesse entregado ao CC como contrapartida da exploração, 13.000 metros cúbicos (equivalente a 19.500 toneladas) de britas e, 10.000 metros cúbicos (equivalente a 15.000 toneladas) de pó de pedra e os preços daqueles materiais sejam, a tonelada, respectivamente de 3 € e de 2 €, a verdade é que quando o Autor adquiriu tais materiais, os adquiriu por 6000 € - cfr. Ac. fls. 141. Foi este o valor da “coisa” adquirida e será este o valor que corresponderá ao prejuízo sofrido pelo Autor. Mas também não deixa de ser verdade que a petição inicial confessada refere no artigo 20º que o Autor inclusive em troca dos serviços de guarda e depósito do material descrito em 14º dava ao rendeiro da propriedade pequenas quantidades de pó de pedra para reparação e manutenção dos caminhos internos da propriedade.

    Nesta conformidade, terá que admitir-se que o valor do material usado pela Ré já não terá o valor inicial de € 6.000,00, mas certamente inferior, sendo certo todavia que o Autor não alegou factos que tivessem permitido ao tribunal fixar o prejuízo efectivo a fim de permitir a aplicação ao caso em análise do artigo 566º, nomeadamente no que concerne à teoria da diferença. Disto se apercebeu o Tribunal que lançando mão do disposto no artigo 609º nº 2 do Código de Processo Civil revogou a decisão proferida em 1ª instância condenando a Ré a pagar ao autor a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença, acrescida de juros moratórios contados desde a citação até integral pagamento, como entendeu a decisão do relator da qual o Autor reclama. No que toca aos problemas que o mesmo levanta na sua reclamação entendemos que não tem razão. Quanto à reconstituição do património da Autora não há nos autos elementos que permitam atribuir ao material outro valor para além daquele que lhe foi conferido.

    Do que se deixa dito resulta que o decidido singularmente agiu com acerto quando entendeu negar as revistas.

                           

    Poderá assim entender-se à guisa de sumário e conclusões.


   1) Para fixação da indemnização em dinheiro, por via da responsabilidade civil, deverá lançar-se mão da “teoria da diferença” apurando-se a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos.   


  2) Mau grado a preferência do Legislador vá para o ressarcimento do lesado através de reconstituição natural, o certo é que reconhecendo a impossibilidade ou dificuldade de trilhar sistematicamente essa via, estabelece o CC. no artigo 566º nº 1, o princípio da indemnização em dinheiro “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. É, no caso que particularmente nos interessa, a impossibilidade de obter a restituição do objecto do lesado que foi perdido ou cuja recuperação não é mais possível por não estar já sob o domínio do lesante e não lhe ser viável recuperá-lo – compensatio lucri cum damno.

    

  3) Apesar de se ter apurado que o prédio onde se encontrava depositado o material havia sido vendido à Ré ..., a qual por seu turno acabou por vender este último a terceiros; e provada que seja a propriedade do material, em nada a mesma é afectada pela sorte da acção de anulação do contrato de compra e venda reportado ao prédio que FF e mulher intentaram e registaram em 22 de Junho de 1999.


  4) Não tendo o Autor alegado factos que tivessem permitido ao Tribunal fixar o prejuízo efectivo que sofreu, a fim de permitir a aplicação ao caso em análise do artigo 566º, nomeadamente no que concerne à teoria da diferença, bem andou a Relação ao revogar a decisão de 1ª instância condenando a Ré a pagar àquele a quantia que vier a liquidara-se em execução de sentença, lançando mão do disposto no artigo 609º nº 2 do Código de Processo Civil.



   3. DECISÃO.


    Pelo exposto acordamos em confirmar o decidido singularmente ao negar as revistas.

    Custas dos recursos pelos recorrentes respectivos.


 Lisboa, 14 de Julho de 2017


Távora Victor (Relator)

Silva Gonçalves

António Joaquim Piçarra

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[1] Cfr. Antunes Varela “Das Obrigações em Geral” I, 6ª Edição. Almedina Coimbra 1989, pags. 876º ss. Menezes Leitão “Direito das Obrigações” I, Almedina, Coimbra, 5ª Edição, pags. 874 ss. Ribeiro de Faria “Direito das Obrigações” I, Almedina, Coimbra, pags. 508 ss; Almeida Costa “Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 8ª Edição pags. 704 ss. Na Jurisprudência cfr. Acs. STJ de 10-2-2004 ((P. 03A4468); 31-5-2011 8 (P. 851/04. 7BBGC.P1.S1).

[2] Cfr. Antunes Varela Ob. cit pags. 876.

[3] Efectivamente “a propriedade do material transferiu-se para o Autor por mero efeito do contrato sendo certo que a posse do mesmo se vinha transmitindo primeiro da ... SA para ..., como contrapartida da exploração levada a efeito no prédio deste; seguidamente do ... para a ...– Exploração de Granitos por contrato de compra e venda e finalmente para o Autor também por contrato de compra e venda.

[4] Diga-se aliás que não tem fundamento a pretensão da Ré BB de que, na falta de contestação da Ré só os factos provados por documento poderão ser considerados provados. Esta tese não encontra fundamento à luz do artigo 567º do Código de Processo Civil não encontrando igualmente cobertura por qualquer das excepções a que alude o artigo 568º do mesmo Diploma Legal.