Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
131/08.9TARGR-G.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CID GERALDO
Descritores: HABEAS CORPUS
PENA DE PRISÃO
CUMPRIMENTO DE PENA
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 04/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - O habeas corpus é um meio, procedimento, de afirmação e garantia do direito à liberdade (art. 27.º e 31.º da CRP), uma providência expedita e excecional – a decidir no prazo de oito dias em audiência contraditória art. 31.º, n.º 3, da CRP – para fazer cessar privações da liberdade ilegais, isto é, não fundadas na lei, sendo a ilegalidade da prisão verificável a partir dos factos documentados no processo.
II - Tem sublinhado a jurisprudência deste STJ que a providência de habeas corpus constitui uma medida expedita perante ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei. Não constitui um recurso sobre actos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais. Esta providência não se destina a apreciar erros de direito e a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes de privação da liberdade.
III - O arguido enviou um email para o STJ a apresentar pedido de habeas corpus com fundamento na ilegalidade da prisão, contendo no seu requerimento declarações vagas, invocando que terão ocorrido supostas ilegalidades no processo n.º 72/18.1T9RGR com a intenção de o prejudicar directamente e prendê-lo e que neste processo (131/08.9TARGR) foi condenado injustamente, por estar inocente e porque os advogados de defesa para se protegerem uns aos outros se recusam a fazer revisão de sentença no processo 131/08.9TARGR que descredibiliza o processo 72/18.1T9RGR.
IV - Quando às invocadas ilegalidades ocorridas no processo n.º 72/18.1T9RGR, verifica-se que o peticionante não está preso, nem detido à ordem desse processo, pelo que falece um pressuposto essencial do processo de habeas corpus (art. 222.º, n.º 1, do CPP) e as matérias que pretende discutir relativas a supostas ilegalidades, relacionadas v.g. com defensores oficiosos nomeados que não o defenderam, com conluios para o prejudicarem e levaram à condenação de um inocente, não cabem no âmbito da apreciação da providência de habeas corpus (que não é um recurso) e na qual não se vai analisar o mérito da decisão/sentença que determina a prisão, nem tão pouco analisar eventuais erros procedimentais (cometidos pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede própria (de acordo com as regras processuais vigentes).
V - Por outro lado, o arguido está preso em cumprimento de pena - em consequência da revogação da liberdade condicional – tendo sido condenado, por acórdão de 27-06-2012, transitado em julgado em 23-10-2013, pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, na pena de 6 anos de prisão proc. n.º 72/18.1T9RGR-E.S1.
VI - Estando preso em cumprimento de pena de prisão, por entidade competente e por facto que a lei permite, não se verifica qualquer fundamento para o deferimento do pedido de habeas corpus.
Decisão Texto Integral:


Processo nº 131/08.9TARGR-G.S1

Providência de Habeas Corpus

Acordam, precedendo audiência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

1. O arguido AA, vem, nos termos dos arts. 31; 220; 221; 222 e 223 do CPP, requerer providência de Habeas Corpus, em virtude de prisão ilegal, nos termos e com os fundamentos seguintes:

 AA, vem, por este meio, de acordo com o descrito nos arts. 31; 220; 221; 222 e 223, apresentar habeas corpus para libertação imediata, uma vez que, o processo 72/18.... só foi viável dado a revisão de sentença com base nos novos dados presentes no processo 131/08…, origem de tudo, não foi feita, logo a condenação e a forma como foi conseguida no processo 72/18.... não se trata de um erro, mas de crime intencional, com a intenção de prejudicar directamente AA e prendê-lo algo que está na Alçada deste digníssimo tribunal de reverter.

O tribunal da condenação está há anos a passar falsas informações a esses tribunal para esconder os crimes que seus magistrados e procuradores cometem contra cidadãos inocentes, como é o caso de AA, que foi condenado no processo 131/08…, inocente onde pagou por um crime que não cometeu e ao denunciar o sucedido cometem o crime novamente de prender um homem inocente porque os advogados de defesa para se protegerem uns aos outros recusam-se a fazer revisão de sentença no processo 131/08.... que descredibiliza o processo 72/18.... demonstrando efectivamente os crimes cometidos pelo tribunal e seus agentes.

Assim sendo, com base nesse habeas corpus requer a sua libertação imediata e a instauração de uma investigação aos processos referenciados junto com a instauração de um processo contra o tribunal da condenação e seus agentes pelos crimes denunciados. Solicita ser constituído assistente na investigação bem como no processo.

Desde já, agradece toda a atenção e compreensão dispensada em relação ao requerido, ficando à V./disposição para o que for necessário para o efeito.

Sem outro assunto de momento, subscreve com elevada estima e consideração.

E. Deferimento.

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2. O Senhor Juiz lavrou despacho, nos termos do disposto no artigo 223.º n.º 1, do CPP, informando o seguinte:

 Nos termos e para os efeitos do art. 223º, nº 1, do Código de Processo Penal, informa-se V.ª Ex.ª, Venerando Juiz Conselheiro, do seguinte:

O arguido dos presentes autos, AA foi condenado, à ordem dos presentes autos, por decisão transitada em julgado, na pena de 06 anos de prisão.

Inexiste, pois, qualquer fundamento para ser considerada ilegal a prisão do arguido.

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3. Notificados o Ministério Público e o Ilustre mandatário do arguido, realizou-se a audiência nos termos dos artigos 223.º, n.º 2 e 424.º, do CPP.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. O arguido AA enviou um email para o STJ no dia 9.4.2022, a apresentar pedido de habeas corpus com fundamento na ilegalidade da prisão.

Tal requerimento contém declarações vagas, não se logrando descortinar, com clareza, qual o fundamento pelo qual apresentou pedido de habeas corpus.

Por um lado, ao referir que “o processo 72/18.... só foi viável dado a revisão de sentença com base nos novos dados presentes no processo 131/08…, origem de tudo, não foi feita, logo a condenação e a forma como foi conseguida no processo 72/18.... não se trata de um erro mas de crime intencional, com a intenção de prejudicar directamente AA e prendê-lo algo que está na Alçada deste digníssimo tribunal de reverter”, podemos concluir que pretende discutir neste processo (131/08…) matérias relativas a supostas ilegalidades que terão ocorrido no processo nº 131/08…com a intenção de prejudicar directamente AA e prendê-lo (…)”, que não cabem no âmbito da apreciação da providência de habeas corpus (que não é um recurso).

Por outro lado, ao referir que “O tribunal da condenação está há anos a passar falsas informações a esses tribunal para esconder os crimes que seus magistrados e procuradores cometem contra cidadãos inocentes, como é o caso de AA, que foi condenado no processo 131/08...., inocente onde pagou por um crime que não cometeu e ao denunciar o sucedido cometem o crime novamente de prender um homem inocente porque os advogados de defesa para se protegerem uns aos outros recusam-se a fazer revisão de sentença no processo 131/08.... que descredibiliza o processo 72/18…”, parece pretender dizer que foi condenado injustamente neste processo 131/08...., por estar inocente e porque os advogados de defesa para se protegerem uns aos outros se recusam a fazer revisão de sentença no processo 131/08.... que descredibiliza o processo 72/18….

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II.2. Porém, compulsados os elementos existentes nestes autos, verificamos que no Processo Comum (Tribunal Colectivo) n° 131/08…, do ... Juízo do Tribunal Judicial ..., o arguido, AA, além de outros, foi condenado como co-autor de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 Janeiro, na pena de seis anos de prisão.

Desta decisão recorreram, além de outros, o arguido AA, alegando nulidade do acórdão; nulidade da prova e impugnando a matéria de facto.

Por acórdão datado de 18 de Setembro de 2012, do Tribunal da Relação ..., foi decidido negar provimento ao recurso do arguido AA, confirmando o acórdão recorrido, o qual transitou em julgado em 23.10.2013 (refª ...42).

Vejamos então, se a pretensão do requerente se enquadra no disposto no artigo 222.º do Código de Processo Penal – ilegalidade da prisão.

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II.3. O habeas corpus é um meio, procedimento, de afirmação e garantia do direito à liberdade (arts. 27.º e 31.º, CRP), uma providência expedita e excecional – a decidir no prazo de oito dias em audiência contraditória art. 31.º/3, CRP – para fazer cessar privações da liberdade ilegais, isto é, não fundadas na lei, sendo a ilegalidade da prisão verificável a partir dos factos documentados no processo. Enquanto nas palavras do legislador do Decreto-lei n.º 35 043, de 20 de outubro de 1945, «o habeas corpus é um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade», hoje, e mais nitidamente após as alterações de 2007, com o acrescento do n.º 2 ao art. 219.º, CPP, o instituto não deixou de ser um remédio excecional, mas coexiste com os meios judiciais comuns, nomeadamente com o recurso (arts. 219.º/2, 212.º, CPP, no respeitante a medidas de coação).

A jurisprudência deste Supremo Tribunal vai no sentido de “os fundamentos do «habeas corpus» são aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos susceptíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão” (Ac. STJ de 19-05-2010, CJ (STJ), 2010, T2, pág.196).

Tem sublinhado a jurisprudência deste Supremo Tribunal que a providência de habeas corpus constitui uma medida expedita perante ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei. Não constitui um recurso sobre actos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais. Esta providência não se destina a apreciar erros de direito e a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes de privação da liberdade (Ac. STJ de 20/09/2017, Proc. 82/17.6YFLSB, e jurisprudência aí citada (máxime: por remissão para o Ac. de 4.02.2016, proc. 529/03.9TAAVR-E.S1).

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II.4. Quanto ao pedido de habeas corpus por prisão ilegal, dispõe o art. 222.º:

«1- A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial».

Como foi acima referido, o arguido fundamenta a providência em prisão ilegal, invocando (do que conseguimos entender), que terão ocorrido supostas ilegalidades no processo nº 72/18… “com a intenção de prejudicar directamente AA e prendê-lo (…)”, e que neste processo (131/08…) foi condenado injustamente, por estar inocente e porque os advogados de defesa para se protegerem uns aos outros se recusam a fazer revisão de sentença no processo 131/08.... que descredibiliza o processo 72/18….

Porém, não assiste qualquer razão ao requerente.

Por um lado, quando às invocadas ilegalidades ocorridas no processo nº 72/18…., verifica-se que o peticionante não está preso, nem detido à ordem desse processo, pelo que falece um pressuposto essencial do processo de habeas corpus (art. 222.º, n.º 1, do CPP) e as matérias que pretende discutir relativas a supostas ilegalidades, relacionadas v.g. com defensores oficiosos nomeados que não o defenderam, com conluios para o prejudicarem e levaram à condenação de um inocente, não cabem no âmbito da apreciação da providência de habeas corpus (que não é um recurso) e na qual não se vai analisar o mérito da decisão/sentença que determina a prisão, nem tão pouco analisar eventuais erros procedimentais (cometidos pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede própria (de acordo com as regras processuais vigentes).

Por outro lado, o que acontece é que, como se expôs no ponto II.2., nesse processo n.º 131/08… o arguido está preso em cumprimento de pena - em consequência da revogação da liberdade condicional - sendo certo que ali tinha sido condenado, por acórdão de 27.06.2012, transitado em julgado em 23.10.2013, pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, na pena de 6 anos de prisão Proc. N.º 72/18…[1]

Portanto, está preso em cumprimento de pena de prisão, por entidade competente e por facto que a lei permite.

Não se verifica, pois, qualquer fundamento para o deferimento do presente pedido de habeas corpus.

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III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus formulado por AA.

Custas pelo peticionante, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC`s.

 

Lisboa, 21 de Abril de 2022

Cid Geraldo (Relator)

 Leonor Furtado 

Eduardo Loureiro

    

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[1] Como foi, aliás, referido no recente acórdão deste Supremo Tribunal de10.03.2022, proc. 72/18.1T9RGR-E.S1, relatora: Maria do Carmo Silva Dias, que indeferiu a providência de habeas corpus formulado pelo mesmo ....