Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B4031
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARAÚJO BARROS
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
NULIDADE PROCESSUAL
SANAÇÃO DA NULIDADE
DIVISÃO
REMISSÃO
QUESTÃO NOVA
RECURSO
Nº do Documento: SJ200501130040317
Data do Acordão: 01/13/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 8802/02
Data: 07/09/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Sumário : 1. Como decorrência do princípio do contraditório, consagrado, entre outros, no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, é proibida a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.

2. A violação do princípio do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art. 201º, nº 1, do Código de Processo Civil, não constituindo nulidade de que o tribunal conhece oficiosamente, pelo que se tem por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo (artigos 203º, nº 1 e 205º, nº 1, do mesmo diploma).

3. A decisão proferida pela Relação, nos termos do artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, por mera remissão para os fundamentos da sentença recorrida, não pode significar o afastamento, puro e simples, do dever constitucional que o tribunal tem de fundamentar as decisões.

4. Assim, o acórdão não pode fundamentar-se na decisão recorrida quando sejam suscitadas questões que a recorrente deduz pela primeira vez porque, nomeadamente, apenas resultantes da aplicação do direito na sentença recorrida, aquela o não pôde fazer ou se não justificava que o fizesse em momento anterior.

5. Em tais casos, o acórdão é nulo por omissão de pronúncia (al. d), 1ª parte, do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil).

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"A" - Central de Cervejas, SA" intentou, no Tribunal Civil de Lisboa, acção declarativa comum, sob a forma ordinária, contra "B - Sociedade de Apoio Técnico, L.da" pedindo:

- a) se declare resolvido o contrato celebrado entre autora e ré em 5 de Junho de 1997;

- b) se condene a ré a pagar à autora a quantia de 20.000.000$00, a título de indemnização pelo incumprimento;

- c) e se condene a ré a pagar a importância de 871.000$00, correspondente a juros vencidos e ainda nos vincendos.

Alegou, para tanto, em resumo, que

- no exercício da sua actividade celebrou com a ré, com início em 10/11/92, um contrato, em cujos termos a ré se obrigou: a comprar os produtos fabricados pela autora; a não adquirir nem vender no estabelecimento e durante a vigência do contrato, produtos similares aos fabricados e comercializados pela autora; em caso de trespasse, cessão de exploração ou transmissão, inserir no respectivo contrato cláusula que obrigue o trespassário, cessionário ou transmissário a permanecer vinculado ao presente contrato, sem qualquer reserva;

- a autora comprometeu-se a: fornecer à ré os produtos que fabrica e comercializa; pagar à ré como contrapartida da celebração do contrato e apoio à comercialização dos produtos, a quantia de 10.000.000$00;

- aquela importância de 10.000.000$00 foi entregue;

- as partes acordaram que o contrato vigoraria até que a ré adquirisse à autora pelo menos 650.000 litro de cerveja, a contar da data da assinatura;

- a partir de Dezembro a ré deixou de adquirir à autora os seus produtos;

- em 02/06/97, a autora procedeu à resolução do contrato e interpelou a ré para pagar a indemnização contratualmente prevista de 20.000.000$00.

Contestou a ré sustentando, em síntese, que:

- o estabelecimento denominado "...." cessou a sua actividade em 03/06/95;

- com o encerramento do estabelecimento, a ré deixou de comercializar produtos da autora;

- nos termos da cláusula 5ª do referido contrato, a resolução implicaria a devolução à autora de parte da verba citada na cláusula 3ª (10.000.000$00) proporcional ao tempo de duração do contrato ainda por decorrer;

- o contrato foi celebrado sem prazo;

- o art. 85º, n° 1, do Tratado da União Europeia, dispõe que são incompatíveis com o Mercado Comum todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações e empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados Membros e que tenham por objecto ou efeito impedir ou restringir ou falsear a concorrência no Mercado Comum;

- embora o art. 6° do Regulamento (CEE) n° 1984/83 da Comissão de 22/06/83, disponha que o n° 1 do art. 85° do Tratado da União Europeia é inaplicável nos acordos entre apenas duas empresas, o certo é que o art. 8° dispõe que tal não é aplicável quando o acordo é celebrado por tempo indeterminado ou por um período que exceda cinco anos, na medida em que a obrigação de compra exclusiva diga respeito a certas cervejas e outras bebidas determinadas;

- o contrato celebrado não é válido;

- uma vez que ambas as partes quiseram o contrato, atento o disposto no art. 293º do C.Civil, o prazo deverá converter-se em cinco anos;

- como o contrato teve a duração de 56 meses, a obrigação da ré consiste tão só na devolução da quantia de 667.000$00.

Na réplica alegou a autora que:

- a impossibilidade subjectiva de cumprimento do contrato, a existir, verificou-se praticamente desde a outorga do contrato, pelo que a ré sabia à data da outorga que o contrato não era para cumprir;

- o estabelecimento em causa foi transmitido a terceiros, voltando a reabrir com a designação de "Café-Café";

- o art. 6° do Regulamento (CEE) n° 1984/83, da Comissão de 22/06/83, não se aplica ao contrato sub judice, mas apenas aos contratos de distribuição exclusiva;

- no local onde se situa o estabelecimento, existem outros que vendem cerveja de outras marcas, pelo que não se afectaram as regras da concorrência.

- os contratos deste tipo têm sempre prazo, e só por mero lapso foi omitido e que é o referido pela ré no art. 15° (cinco anos);

- a ré está em incumprimento desde 30/06/95, o que significa que na sua tese teria que devolver 4.833.333$00.

Exarado despacho saneador, condensados e instruídos os autos, procedeu-se a julgamento, com decisão acerca da matéria de facto controvertida, após o que foi proferida sentença em que se decidiu:

a) declarar nulo o contrato celebrado entre autora e ré por violação de norma imperativa;

b) condenar a ré a entregar à autora o montante de 10.000.000$00, dela recebido como contrapartida da celebração do mesmo contrato, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento.

Inconformada, apelou a autora, sem êxito embora, já que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 9 de Julho de 2003, por mera remissão nos termos do nº 5 do art. 713º do C.Proc.Civil, decidiu confirmar a sentença recorrida.

Interpôs, então, a autora recurso de revista, concluindo as suas extensas e prolixas conclusões (que, como é óbvio, nos absteremos de transcrever) com a invocação da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (alínea d) do nº 1º do art. 668º do C.Proc.Civil) e, na medida em que o acórdão se limitou a aderir à sentença da 1ª instância, da violação das disposições dos arts. 3º do C.Proc.Civil, 2º e 5º do Dec.lei nº 371/93, de 29 de Outubro, e 405º, 406º e 802º do C.Civil.

Não houve contra-alegações.

O Tribunal da Relação, pronunciando-se acerca das nulidades invocadas pela recorrente, entendeu que o acórdão recorrido não padece de qualquer dos vícios que lhe são imputados.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.
Encontra-se assente nos autos a seguinte factualidade:

i) - a autora é uma sociedade comercial que tem por objecto a indústria de refrigerantes e comercialização quer dos produtos que fabrica quer de outras empresas designadamente da Sociedade "C", SA;
ii) - a ré é uma sociedade comercial, que se dedica, entre outras à venda a retalho de cervejas;

iii) - em 10/11/92 autora e ré outorgaram o documento cuja cópia se encontra a fls. 79 e seguintes, que denominaram "contrato";

iv) - do referido documento consta, entre outras coisas, que a ré "é titular do estabelecimento designado Discoteca ...., sito em Rua de Cascais ..., Lisboa";

v) - consta ainda (cláusula 1ª) que "o 2° outorgante obriga-se a comprar, qualquer que seja o respectivo fornecedor, para revenda no citado estabelecimento, os produtos fabricados e ou comercializados pela A... relacionados em Anexo 1..." (doc. de fls. 80);

vi) - consta ainda (cláusula 2ª) que "o 2° outorgante obriga-se ainda a: Não adquirir nem pôr à venda no mencionado estabelecimento produtos similares ao produto, nem sequer permitir a terceiros que o façam;... Em caso de trespasse, cessão de exploração ou transmissão por qualquer outro título do estabelecimento, no seu todo ou em parte, inserir no respectivo contrato cláusula que obrigue o trespassário, cessionário ou transmissário a permanecer vinculado ao presente contrato, sem qualquer reserva... e inserir cláusula idêntica a esta em futuros trespasses, cessões de exploração ou transmissões do mesmo estabelecimento» (doc. fls. 81);

vii) - consta também (cláusula 3ª) que "como contrapartida da celebração do presente contrato a A apoia a comercialização dos produtos, mediante a entrega ao 2° outorgante de quantia de 10.000.000$00, acrescidos de IVA a 16%";

viii) - consta ainda (cláusula 4ª) que "a violação pelo 2° outorgante das obrigações assumidas... confere à A a faculdade de mediante simples comunicação escrita ao 2° outorgante, resolver de imediato o contrato" (doc. fls. 81);

ix) - consta ainda que "em caso de incumprimento das demais obrigações poderá a parte lesada, ou a que nisso tiver interesse, ou que não tenha dado origem ao facto causal, declarar resolvido o contrato mediante comunicação escrita à contraparte faltosa se esta não puser termo ao incumprimento ou não reparar as suas consequências no prazo que lhe tiver sido fixado... o qual não pode ser inferior a 8 dias" (doc. fls. 82);

x) - consta ainda que "a ocorrência de quaisquer circunstâncias que tornem definitivamente impossível... o cumprimento das obrigações assumidas dará à parte que não tenha dado origem ao facto causal, ou à qual tal facto se não refira, ou à legitimamente interessada, a faculdade de resolver de imediato o contrato..." (doc. fls. 82);

xi) - consta também que "o não exercício da faculdade de resolução... não poderá em caso algum ser havido como renúncia à faculdade de resolução, perante outras violações..." (doc. fls. 82);.

xii) - consta ainda (cláusula 5ª) que "a resolução do contrato prevista no n° 1 da cláusula anterior (4ª) dá à A direito a exigir do 2° outorgante uma indemnização, que a título de cláusula penal se fixa no dobro da quantia indicada na cláusula 3ª" (doc. fls. 82);

xiii) - consta ainda que em ambas as hipóteses previstas nos n°s 2 e 3 da cláusula anterior (4ª) a resolução do contrato implicará, sem prejuízo de quaisquer outras indemnizações a que haja lugar, a devolução à A da parte da verba referida na citada cláusula 3ª, proporcional ao tempo de duração do contrato ainda por decorrer";

xiv) - consta também (cláusula 6ª) que "o presente contrato é válido até à compra pelo 2° outorgante de 650.000 litros de cerveja a contar da data da sua assinatura" (doc. fls. 82);

xv) - a autora entregou à ré o montante referido em vii);

xvi) - a autora enviou à ré, sob registo com aviso de recepção, a carta datada de 02/06/97, cuja cópia se encontra a fls. 13, em que se diz: "... verifica-se que até ao presente não foi paga a indemnização por incumprimento contratual devida pela B à A..." e ainda que "tal indemnização ascende a 20.000.000$00..." (doc. fls. 13);

xvii) - pela referida carta pretendeu a autora resolver o contrato em causa;

xviii) - as partes, caso tivessem estipulado prazo para o contrato referido em iii), teriam fixado o de cinco anos;

xix) - pelo menos desde 30/06/95 que a ré deixou de consumir os produtos comercializados pela autora;

xx) - a partir de Dezembro de 1994 a ré deixou de adquirir à autora os seus produtos;

xxi) - a ré transmitiu o estabelecimento referido em iv), que reabriu com a denominação "Café-Café";

xxii) - tendo celebrado um contrato idêntico ao referido em v) com empresa que comercializa produtos similares aos da autora;

xxiii) - o estabelecimento " ..." cessou a sua actividade em 30/06/95;

xxiv) - o "Banana ..." perdeu clientela.

Sustenta a recorrente que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia (nº 1, al. d), do art. 668º do C.Proc.Civil): por um lado porque se não pronunciou acerca da invocada nulidade da sentença da 1ª instância por violação do contraditório; por outro lado na medida em que, limitando-se a aderir àquela sentença, não se pronunciou acerca das conclusões formuladas na apelação impugnatórias da solução de direito a que chegara a decisão recorrida.

Quanto à alegada violação do princípio do contraditório entendemos que não assiste à recorrente razão.

Senão vejamos.

Reportando-se, é certo, à violação de normas comunitárias, a ré, na contestação, invocou expressamente a invalidade do contrato celebrado com a autora, se bem que pugnando pela sua conversão em negócio similar, mas com a duração de cinco anos (artigos 11º a 13º da contestação).

Sendo que na réplica a autora teve oportunidade de se pronunciar sobre a matéria dessa excepção e, efectivamente, lhe respondeu, designadamente nos artigos 18º a 23º, pugnando pela validade do negócio.

Na sentença proferida a final, tendo-se em consideração quer a excepção invocada pela ré quer a matéria de facto tida como assente (em derradeira análise resultante das alegações factuais das partes) veio a julgar-se e declarar-se nulo o contrato celebrado, não com a justificação legal apresentada pela ré (que se teve por inaplicável) mas porque se entendeu que "a cláusula que impõe à ré a obrigação de unicamente vender produtos da autora no estabelecimento é nula por violação do regime consagrado no Dec.lei nº 422/83, de 3 de Dezembro" e que "a referida nulidade inquina todo o contrato, ferindo-o de nulidade".

É verdade que o art. 3º, nº 3, do C.Proc.Civil estabelece que "o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem".

Consagra-se, nesta norma (entre outras) o princípio do contraditório, designadamente através da proibição da decisão-surpresa, isto é, da decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes. (1)

Todavia, mesmo admitindo que, in casu, o M.mo Juiz da 1ª instância, ao exarar a sentença, cingindo embora a sua actividade ao disposto no art. 664º do C.Proc.Civil (sujeição, quanto à matéria factual, à alegação das partes, mas liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito) veio a concluir por uma solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, certo é que "a violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art. 201º, nº 1: dada a importância do contraditório é indiscutível que a sua inobservância pelo tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa". (2)

Ora, porque a omissão da audição das partes (salvo no caso de falta de citação) não constitui nulidade de que o tribunal conhece oficiosamente, a eventual nulidade daí decorrente tem que ser invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo (arts. 203º, nº 1 e 205º, nº 1, do C.Proc.Civil).

É evidente, porém, que embora tenha apelado da sentença da 1ª instância, a recorrente nas alegações que apresentou não refere minimamente a irregularidade que agora denuncia, motivo por que, não o tendo feito, não só a mesma se havia que ter como sanada, mas ainda o acórdão recorrido não tinha que se pronunciar acerca da sua possível existência.

Não enferma, assim, neste concreto aspecto, o acórdão recorrido da nulidade por omissão de pronúncia.

Já no contexto do segundo aspecto focado pela recorrente se nos afigura, sem qualquer margem para dúvidas, ser razoável a pretensão daquela (e isto apesar de a Relação ter entendido que de nenhuma nulidade enferma o acórdão em crise).

Esta questão tem, sobretudo, a ver com a prolação do acórdão recorrido por remissão para os termos da decisão da 1ª instância, ao abrigo do disposto no art. 713º, nº 5, do C.Proc.Civil.

Não se coloca em causa a faculdade que assiste à Relação, em sede de apelação, "quando confirmar inteiramente e sem qualquer declaração de voto o julgado em 1ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos" de se limitar a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada (citado art. 713º, nº 5). (3)

Mas o facto de a lei processual permitir tal remissão não pode significar o afastamento, puro e simples, do dever de fundamentar as decisões. "Sobretudo quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução do objecto do litígio, impõe-se a fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como das razões de direito que justificam a decisão". (4)

Assim, e nomeadamente, "a elaboração do acórdão por mera remissão não pode abranger questões ex novo suscitadas perante o tribunal de 2ª instância, e que, por serem de conhecimento oficioso, devam ser por ele apreciadas".(5)

Mas também, como não pode deixar de ser, o acórdão não pode fundamentar-se na decisão recorrida quando sejam suscitadas questões que as partes deduzem pela primeira vez porque, nomeadamente, o não puderam fazer ou não se justificava que o fizessem em momento anterior.

Pressuposto é que se não trate de questões insusceptíveis de apreciação como são, por exemplo, as questões de que, por anteriormente indiscutidas, o tribunal ad quem não possa conhecer.

No caso sub judice, como vimos, peticionado o pagamento de uma indemnização por incumprimento pela ré do contrato de distribuição celebrado, esta ré, se bem que invocando a invalidade desse contrato, limitou-se a formular a pretensão de o ver convertido noutro negócio jurídico idêntico, com estipulação de prazo.

E, se bem que a autora, na réplica, apenas haja abordado esta precisa questão, a sentença da 1ª instância, por razões jurídicas não abordadas por nenhuma das partes (atento o disposto nos arts. 3º, 11º e 13º do Dec.lei nº 422/83, de 3 de Dezembro, cujo regime não sofreu alteração substancial com a publicação dos Decs.lei nº 370/93 e nº 371/93, de 29 de Outubro, afigura-se-nos que, em termos objectivos, a proibição de venda imposta à ré no seu estabelecimento de bens (produtos) similares os da autora viola as normas da concorrência - cita, aliás, o Ac. RL de 26/01/95, in CJ Ano XX, pag. 199), veio a decidir declarar nulo o referido contrato, em conformidade ordenando a restituição do que, em sua execução, havia sido prestado.

Ora, nas alegações da apelação, impugnando a decisão da 1ª instância, a recorrente suscitou diversas questões (verdadeiras questões e não meros argumentos) cuja apreciação deveria, em seu entender, determinar a revogação da decisão recorrida.

Em mera síntese aponta-se a invocação, além do mais, de que "os contratos deste tipo, atento o pouco peso que têm no mercado relevante, são insusceptíveis de afectar as regras da concorrência"; que "nenhum vício pode existir que torne nula a cláusula de venda exclusiva inserida no conteúdo do contrato dos autos, uma vez que esta não é susceptível de impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado relevante" (junta, aliás, para coonestar o seu entendimento, uma decisão do Conselho da Concorrência); que "ainda que se entendesse ser o contrato passível de afectar a concorrência no mercado nacional, sempre seria de considerá-lo justificado à luz do art. 5º do Dec.lei nº 371/93, diploma este que seria o aplicável ao contrato"; que "não existiu um desequilíbrio desproporcionado entre os prejuízos que para o mercado poderiam resultar da restrição de vendas, que vinculava a apelada e as vantagens inerentes a essa restrição"; que "este contrato deveria, por trazer outras vantagens para o mercado, ser considerado como válido à luz da legislação nacional de defesa da concorrência".

Sobre todas estas questões - que relevam para efeitos de impugnação do decido na 1ª instância - silenciou o acórdão recorrido, na justa medida em que se limitou a remeter para os fundamentos daquela decisão.

Na qual, obviamente, se não afloraram os aspectos (que a apelante suscitou nas alegações) que poderiam conduzir a solução diferente daquela a que chegou. Todavia, aspectos esses que, fundamentando a sua impugnação, não podem deixar de ser apreciados.

Em consequência, não pode deixar de se concluir que, ao não se debruçar sobre as questões que a apelante suscitou, o acórdão recorrido omitiu pronúncia, violando o comando do art. 660º, nº 2, do C.Proc.Civil, pelo que enferma da nulidade prevista na al. d) - 1ª parte - do nº 1 do art. 668º (aqui aplicável por força do preceituado o art. 716º, nº 1, do mesmo diploma).

Em contrário não pode sustentar-se, como faz a Relação no acórdão de fls. 276, que se trata de questões que não foram suscitadas pela recorrente perante o tribunal recorrido. Na verdade, como já atrás referimos, as questões suscitadas pela recorrente nas alegações da apelação não são novas no sentido prevenido pela lei processual (arts. 676º, nº 1, 680º, nº 1, 684º, nº 3 e 690º do C.Proc.Civil): elas só não foram focadas na sentença objecto do recurso na medida em que não eram necessárias (nem a implicavam) à conclusão de direito a que aquela chegou.

Doutro passo, inserem-se, sem qualquer dúvida, na temática da decisão apelada, com directa implicação na análise do binómio nulidade/validade do negócio.

Por último, e quando assim não fora, haveria que atentar em que no decurso dos autos foi esta a primeira vez em que a recorrente (antes disso não havia justificação para tal) pôde suscitar, como suscitou, as questões e razões que, em seu entender, impunham que se decidisse pela declaração de validade do contrato, em contrário do que se decidira na sentença apelada.

Assim sendo, considerando a nulidade de que o acórdão recorrido padece, é indubitável a procedência do recurso interposto.

Todavia, a nulidade por omissão de pronúncia não pode ser suprida pelo STJ (art. 731º, nº 1, do C.Proc.Civil). Donde, e como consequência da sua declaração, devem os autos baixar ao tribunal recorrido, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, se possível pelos mesmos juízes (nº 2 do citado art. 731º).

E, em face da conclusão apontada, prejudicado fica o conhecimento das demais questões suscitadas pela recorrente.

Pelo exposto, decide-se:
a) - julgar procedente o recurso de revista interposto pela ré "A - Central de Cervejas, SA";
b) - anular, por omissão de pronúncia, o acórdão recorrido, determinando, em consequência, a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para, se possível, com os mesmos juízes, proferir novo acórdão em que conheça das questões suscitadas pela apelante cuja apreciação omitiu;
c) - não tributar o recurso, por força do disposto no artigo 2º, al. g), do Código das Custas Judiciais, que entendemos analogicamente aplicável à situação em presença.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2005
Araújo Barros
Oliveira Barros
Salvador da Costa
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(1) José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, "Código de Processo Civil Anotado", vol. 1º, Coimbra, 1999, pag. 9.
(2) Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o Novo Processo Civil", Lisboa, 1997, pag. 48.
(3) Neste sentido é praticamente uniforme a jurisprudência do STJ. Cfr. a título de mero exemplo, os Acs. de 15/12/98, no Proc. 703/98 da 1ª secção (relator Machado Soares); de 26/06/2001, no Proc. 974/01 da 1ª secção (relator Ferreira Ramos); de 28/01/2003, no Proc. 1907/03 da 6ª secção (relator Nuno Cameira); e de 22/04/2004, no Proc. 644/04 (relator Abílio Vasconcelos).
O próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou acerca da questão, considerando que, não obstante o imperativo constitucional de os tribunais deverem fundamentar as suas decisões - art. 205º, nº 1, da Constituição - a norma do art. 713º, nº 5, do C.Proc.Civil não padece de qualquer inconstitucionalidade (Ac. nº 151/99, de 9 de Março, no Proc. 857/98, in DR II S de 05/08/99 - relatora Maria Helena Brito).
(4) Cfr. o citado Ac. TC nº 151/99.
(5) Ac. STJ de 14/03/2002, no Proc. 3974/03 da 2ª secção (relator Duarte Soares).