Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1276/10.0PAESP.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: ARMA PROIBIDA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
FINS DAS PENAS
EXTORSÃO
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA VALORAÇÃO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Data do Acordão: 06/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES
Doutrina: - Eduardo Correia, Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora, Acta da 28ª Sessão realizada em 14 de Abril de 1964.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292.
- Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição), 668.
Legislação Nacional: CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 50.º, N.º1, 77.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 08.03.05 E 09.11.18, PROFERIDOS NOS PROCESSOS N.ºS 114/08 E 702/08. 3GDGDM. P1.S1.
Sumário : I  -   A pena única deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação ente si, mas sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.

II -  Com a pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e da gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda considerar, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.

III - Os factores de determinação das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, segundo Eduardo Correia, “aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração”.

IV - À pena conjunta é inaplicável o instituto da atenuação especial, que só é susceptível de aplicação às penas singulares.

V - O recorrente foi condenado pela prática, em concurso real, de dois crimes de violência doméstica, de dois crimes de extorsão e de um crime de detenção de arma proibida, na pena conjunta de 5 anos e 6 meses de prisão.

VI - Os factos apresentam-se numa relação de estreita afinidade e têm por vítimas os pais do arguido que foram objecto de maus tratos físicos e psíquicos, que por vezes foram proibidos de entrar na sua própria casa e que foram constrangidos a entregar quantias monetárias ao filho. Conquanto os crimes tenham sido perpetrados no período em que consumiu substâncias estupefacientes e bebidas alcoólicas, o largo lapso de tempo em que a conduta perdurou, cerca de 7 anos, não permite a redução da pena conjunta fixada.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 1276/10. 0PAESP, do 1º Juízo da comarca de Espinho, o arguido AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material, em concurso real, de dois crimes de violência doméstica, dois crimes de extorsão e um crime de detenção de arma proibida na pena conjunta de 5 anos e 6 meses de prisão.

O arguido interpôs recurso.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação apresentada:

«1ª- Conforme supra se procurou demonstrar, a douta sentença recorrida não decidiu de acordo com o direito.

2ª- Na determinação e escolha da medida da pena, a sentença recorrida entendeu como justa e adequada a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

3ª- O recorrente entende que a pena de prisão efectiva é excessiva e não é a mais adequada a conseguir a reintegração do arguido na sociedade.

4ª- A convicção do Tribunal “a quo” de que o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, não é compatível com as comprovadas perturbações psíquicas do arguido.

5º- A anomalia psíquica de que padece o arguido não lhe permite ter um controle da sua impulsividade, levando a que a sua conduta não possa ser considerada como“livre” e “voluntária”, como considerou, e em nosso entender mal, o Tribunal “a quo”.

6º- Com efeito, apesar de ser considerado imputável, não pode deixar de relevar a sua incapacidade para se auto determinar de forma plena, como o pode fazer uma pessoa mentalmente sã.

7º- Sendo certo que, aquando dos seus surtos/crises provocadas pela sua “Perturbação da sua Personalidade” (conforme refere o relatório médico a fls 276 dos autos), o arguido, na prática, possui um livre arbítrio seriamente reduzido.

8º- Pelo que, ao condenar o arguido tendo como base os factos provados de que agiu de forma livre, voluntária e consciente, fê-lo, salvo o devido respeito, sem atender aos relatórios médicos constantes dos autos, sem atender às concretas condições da sua vida, da sua personalidade.

9º- Se tivesse atendido às concretas condições de vida do arguido, teria condenado em pena única substancialmente inferior, nunca superior a 5 anos de prisão.

10º- E, além de condenar em pena nunca superior a 5 anos, devia ter decidido pela suspensão da sua execução.

11º- Sendo a suspensão da pena uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo, deverá o Tribunal ponderar sobre a personalidade do arguido, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta anterior e posterior à prática dos factos em causa, bem como todo o circunstancialismo envolvente da infracção.

12º- Não pondo em causa o facto da conduta do arguido ser grave, havia que avaliar e ponderar a necessidade da pena de prisão efectiva e a sua repercussão na recuperação pessoal do arguido.

13ª- O arguido é ainda um homem novo, tem o apoio dos seus irmãos e também de seus pais, que o que mais querem é vê-lo medicamente tratado e integrado socialmente.

14ª- Sendo certo que a execução da pena de prisão deve ser sempre “ a última ratio”, a solução final, privilegiando a lei a aplicação de medida não detentiva.

15ª- A lei penal substantiva fornece outras soluções igualmente eficazes e mais adequadas ao caso em apreço.

16ª- No caso do arguido, entendemos que a sua reintegração na sociedade poderá passar pelo já aconselhado pelo perito psiquiatra que efectuou a sua avaliação clínicopsiquiátrica:

“É nosso parecer que deve ser compelido a frequentar consulta de psiquiatria com periodicidade curta, visando o tratamento do seu alcoolismo e controle da sua impulsividade…”sublinhado nosso.

17ª- Não cremos por isso que exista verdadeira necessidade de se lançar mão da prisão efectiva, privando o arguido ora recorrente da liberdade por 5 anos e 6 meses de prisão.

18ª- O art. 52º do C. Penal fornece ao julgador uma variedade de regras de conduta, obrigações e exigências indeterminadas que compete a este adaptar na perspectiva do delinquente. E pode até impor cumulativamente, assim mantendo compatibilizadas as exigências de prevenção geral e especial.

19ª- O Tribunal, salvo o devido respeito, não privilegiou, e devia tê-lo feito, a aplicação de medidas não detentivas.

20ª- Ao não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido ora recorrente, violou as normas jurídicas supra referidas, nomeadamente o art. 40º nº 1, art. 50º nº 1 e nº 2, art. 52º nº 3, art. 70º, art. 71º al. c) e d) do nº 2, art. 72º nº 1, todos do Código Penal.

21ª- Pelas razões expostas, e as que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, condenando o arguido em pena não superior a cinco anos de prisão, que deverá ser suspensa na sua execução, ainda que subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determinando que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, nos termos do art. 50º nº 1 e nº 2 do C. Penal».

Na contra-motivação o Ministério Público alegou:

«Por acórdão proferido nos presentes autos, foi o arguido AA condenado pela prática de dois crimes de violência doméstica, previstos e punidos pelo art. 152.º, n.º 1, al. d) e 2, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão por cada um deles, dois crimes de extorsão, na forma continuada, previstos e punidos pelos arts. 223.º, n.º 1 e 30.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão por cada um deles e um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23/02 revista pela Lei n.º 17/2009, de 6/05, na pena de 9 meses de prisão e em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

Inconformado com o mesmo, o arguido veio do acórdão interpor recurso, em síntese, alegando, por um lado, que a convicção do tribunal de que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente não é compatível com as comprovadas perturbações psíquicas do arguido, por outro, pondo em causa a medida da pena, que no seu entendimento, nunca devia ser superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo que conclui terem sido violados os arts. 50.º, n.º 1 e 2, 52.º, n.º 3, 70.º, 71.º, al. c) e d) do n.º 2 e 72.º, n.º 1, do Código Penal.

Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que não assiste razão ao arguido.

Por economia processual, dão-se aqui por integralmente reproduzidos os factos considerados provados e não provados e a fundamentação da matéria de facto do acórdão proferido.

Quanto à primeira questão invocada, como resulta dos autos, foi efectuada ao arguido exame de psiquiatria cujo relatório se encontra a fls. 179 a 182 e em que se conclui que o arguido sofre de personalidade anormal psicopática com acentuação dos traços sociopáticos, toxicodependência sem precisão e alcoolismo crónico e é imputável para os factos de que foi acusado.

Assim, ao contrário do por si referido na motivação de recurso, sendo imputável, à data dos factos, tinha capacidade para avaliar a ilicitude dos seus actos, bem como para se determinar de acordo com essa avaliação e agir de modo diferente.

Quanto à medida da pena, entendemos igualmente não haver reparo a fazer na decisão recorrida relativamente à medida concreta da pena determinada para cada um dos crimes praticados pelo arguido, que, na nossa perspectiva, fez uma aplicação correcta dos critérios definidos no art. 71º, do Código Penal.

Com efeito, como refere a propósito Jorge de Figueiredo Dias em “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 228, essa medida terá de ser dada, desde logo, pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, tutela essa que assume um carácter prospectivo, traduzido na protecção das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida – ideia de prevenção geral positiva ou prevenção de integração

Terá como limite inultrapassável a culpa e subjacente ainda uma ideia de prevenção especial de socialização.

Terá, ainda, em conta, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime, - pois a não ser assim, violar-se-ia o princípio da proibição de dupla valoração -, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente as enumeradas no n.º 2, do mesmo artigo.

No caso, entendemos que ao contrário do alegado pelo arguido, foi feita uma adequada ponderação sobre os elementos que depõem a seu favor e contra si, não se verificando em concreto qualquer circunstância anterior, posterior ou contemporânea do crime que determine uma atenuação especial da pena, nos termos do art. 72.º, do Código Penal.

Sendo correctas as medidas concretas das penas determinadas e a pena única aplicada nos termos do art. 77.º, do Código Penal, nunca a pena de prisão poderia ser suspensa na sua execução.

Com efeito, o artigo 50.º, do Código Penal prevê a suspensão da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, se atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Ora, para além da pena aplicada ser superior a cinco anos, entendemos que mesmo que tal não acontecesse, tendo em conta toda a matéria de facto considerada provada no acórdão, designadamente, a gravidade e reiteração das condutas levadas a cabo pelo arguido, a falta de ocupação profissional, os seus antecedentes criminais, a sua incapacidade para deixar de consumir álcool e substâncias psicoativas e especialmente o facto de recusar reiteradamente submeter-se a todas as tentativas de realização do tratamento necessário e adequado à doença de que padece, não seria possível formular um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do arguido, não sendo possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Pelo que, parece-nos, não haver reparo a fazer à medida da pena determinada relativamente à qual cremos não terem sido violadas as normas mencionadas pelo arguido, sendo certo que no âmbito da execução da pena de prisão aplicada, caso se entenda dever ser mantida, será tida certamente em conta a doença de que o arguido padece.

Pelo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido».

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronuncia no sentido da confirmação do acórdão impugnado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


                                          *

Única questão que o arguido AA suscita no recurso é a da escolha e medida da pena única, entendendo dever ser aquela reduzida para patamar não superior a 5 anos de prisão, com suspensão da sua execução, sendo caso disso, subordinada a regime de prova ou ao cumprimento de deveres e à observância de regras de conduta.

O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:

«1. O arguido reside com os seus pais na Rua XX, nº XXXX, em Espinho, e já esteve internando várias vezes no Hospital de Aveiro, Serviço de Psiquiatria, e frequentou de forma irregular o CAT de Santa Maria da Feira, para tratamento de problemas relacionados com a toxicodependência e alcoolismo crónico.

2. O arguido desde data não concretamente apurada, mas seguramente desde o ano de 2004, diariamente, insulta os seus pais BB e CC, chamando-os de “filhos da puta” e “cabrões”.

3. O arguido de forma constante apelida o pai de “boi”, “vai para o caralho”, “você não é homem nenhum”, e a mãe de “puta”, “vaca” “você não é mulher nenhuma”. O arguido profere estas expressões de forma repetida dirigindo-se aos pais até estes cederem e lhe entregarem quantias em dinheiro.

4. O arguido, nas mesmas circunstâncias de tempo, exige aos seus pais quantias em dinheiro e, perante a recusa destes, parte diversos objectos e desfere pontapés nas portas até as arrombar.

5. Muitas vezes, os pais do arguido refugiam-se no interior do seu quarto, mas o arguido sempre com o intuito de lhes exigir dinheiro, desfere pontapés na porta para estes cederem e, em caso negativo, chega a arrombar a porta provocando o pânico nos seus progenitores.

6. O arguido, por diversas vezes, fazendo uso de facas, exige quantias monetárias aos pais, afirmado que os mata senão lhe derem dinheiro. A mãe do arguido, sempre sob ameaça do mesmo, tem que recorrer aos vizinhos para lhe emprestarem dinheiro para poder dar ao filho aquilo que ele exige.

7.O arguido, em regra, anda sempre com uma navalha.

8. O arguido já chegou a desferir murros na face do pai, provocando-lhe ferimentos.

9. O arguido, muitas vezes, fecha-se no interior da residência e proíbe os pais de lá entrarem, até satisfazerem as suas exigências, obrigando-os a abandonar a sua habitação para ficar em casa de terceiros.

10. No dia 21 de Novembro de 2010, cerca das 20h45m, o arguido, mais uma vez, exigiu aos pais que lhe dessem dinheiro, como estes não tinham ou não podiam lhe dar dinheiro, este em alta voz disse à mãe que era “uma puta e uma vaca”. Perante a atitude do arguido, os pais refugiaram-se no quarto. Nessa altura, o arguido de forma violenta desferiu pontapés na porta até esta ficar bloqueada.

11. Nesse dia, como a porta ficou bloqueada os progenitores do arguido tiveram que chamar os Bombeiros Voluntários de Espinho para saírem do quarto.

12. A situação no dia em causa só acalmou com a intervenção da PSP de Espinho e dos Bombeiros.

13. No dia 09 de Fevereiro de 2011, cerca das 16h45m, o arguido dirigiu-se ao seu pai dizendo-lhe “seu grande filho da puta”, "eu hoje dou – te um tiro”. E, mesmo com a presença da PSP de Espinho, o arguido ainda tentou agredir o pai na presença dos agentes de autoridade, que impediram a prática de tal acto.

14. Nesse mesmo dia, o arguido munido de um pau em madeira, com 50 cm de comprimento, aproximadamente, com três pregos espetados num dos topos, disse à mãe que lhe ia dar com ele.

15. No dia em causa a PSP de Espinho apreendeu ao arguido o pau de madeira supra descrito e uma navalha com 7,5cm de comprimento com a inscrição “STAINLESS”.

16. O arguido, nesse mesmo dia, referiu aos pais que tinha guardada uma pistola numa casa devoluta e que era para usar contra os pais e irmãos.

17. Em consequência da actuação do arguido, os pais, nesse dia, foram pernoitar em casa de uma filha.

18. Após, estes actos, em data não concretamente apurada, mas que se situa no mês de Março de 2011, o arguido voltou a ameaçar os pais com uma navalha.

19. Em todo o período descrito, o arguido actuou sempre com o propósito de afectar como afectou o bem - estar físico, psiquíco, tranquilidade, honra e consideração dos ofendidos. Não obstante, saber que lhes devia respeito enquanto seus pais e que eram pessoas bastante vulneráveis, uma vez que a sua mãe tem 74 anos de idade e o seu pai 76 anos, estando ambos fisicamente debilitados.

20. O arguido ao actuar da forma descrita agiu ainda de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito, concretizado, de causar medo e receio nos ofendidos e assim determiná-los a entregar-lhes as quantias monetárias que pretendia para proveito próprio, bem sabendo que agia contra a vontade dos ofendidos e visava a obtenção de uma vantagem económica que sabia não ter direito.

21. O arguido conhecia as características da arma que tinha em seu poder e sabia que não a podia deter com a intenção de utilizá-la como instrumento de agressão contra os seus familiares.

21. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

22. O arguido viveu até aos 23 anos na Suiça com os seus pais, tendo aí concluído o 6º ano de escolaridade, tendo desde cedo iniciado o consumo de substâncias psicotrópicas.

Efectuou até à data, mas sem sucesso, várias tentativas de reabilitação da sua toxicodependência. Tem dois filhos do seu casamento. Actualmente padece igualmente de um consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Não tem qualquer ocupação laboral, permanecendo grande parte do tempo no domicílio. Tem uma reforma de invalidez correspondente a € 200,00. Tem em caso de recuperação de comportamentos aditivos o apoio da sua família que é aliás numerosa.

23. Dá-se como reproduzido o seu CRC que consta dos autos de fls. 298 a 305».


                                                                     *

Sob a alegação de que padece de doença grave do foro psiquiátrico susceptível de tratamento médico adequado, doença que o leva a ter atitudes impulsivas, agressivas e descontroladas, contexto este em que perpetrou os comportamentos delituosos pelos quais foi condenado, razão pela qual não se pode afirmar, como o tribunal recorrido afirmou, terem sido aqueles praticados de forma plenamente consciente e livre, entende que a pena única que lhe foi imposta deve ser reduzida para medida não superior a 5 anos de prisão, com suspensão da sua execução, pena de substituição que lhe permitirá continuar o tratamento a que se encontra actualmente submetido, tendo em vista a sua reabilitação, tanto mais que beneficia de apoio familiar dos irmãos e até dos próprios pais.

Observação prévia a fazer é a de que o arguido AA na motivação de recurso, corpo e conclusões, não impugnou as penas singulares que lhe foram cominadas pela autoria material dos crimes de violência doméstica, extorsão e detenção de arma proibida pelos quais foi condenado, razão pela qual os poderes de cognição deste Supremo Tribunal estão limitados à sindicação da pena única ou conjunta.

A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do artigo 77º do Código Penal, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 3 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 9 anos e 9 meses de prisão.

Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas[1]. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto. Como esclareceu o autor do Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora[2], a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck[3], que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.

Posição também defendida por Figueiredo Dias[4], ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.

Adverte no entanto que, em princípio, os factores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, «aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração»[5].

Daqui que se deva concluir, como concluímos, que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos[6], tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele[7].

Obviamente que à pena conjunta é inaplicável o instituto da atenuação especial, instituto que só é susceptível de aplicação às penas singulares.

Analisando os factos verifica-se que todos eles se mostram conexionados entre si, apresentando-se numa relação de estreita afinidade, a eles se encontrando subjacente comportamento reiterado do arguido AA ao longo dos últimos sete anos, tendo por vítimas os respectivos pais que, no seu domicílio, foram objecto de maus tratos físicos e psíquicos, bem como de violências e ameaças, por vezes proibidos de entrar na sua própria casa, constrangidos a entregar quantias monetárias em proveito do arguido.

O arguido em 1997 foi condenado pela prática dos crimes de dano, furto qualificado e simples e detenção de explosivos. Em 2000 foi condenado pela autoria de crime de furto e em 2003 pela autoria de crime de ofensa à integridade física simples. Foi ainda condenado em 1995 e em 2002 pelos tribunais de Martigny e St. Maurice e de Lausanne, sendo a última condenação em 5 meses de prisão e expulsão do território suíço por 3 anos. 

Conquanto os crimes objecto dos autos hajam sido perpetrados em período em que o arguido AA consumiu substâncias estupefacientes e bebidas alcoólicas, circunstância que de algum modo terá influenciado o seu comportamento, o largo lapso de tempo durante o qual aquela conduta perdurou, cerca de 7 anos, a par do comportamento delituoso anteriormente assumido, quer na Suiça quer em Portugal, conduzem à conclusão de que aquele tem tendência criminosa, razão pela qual a pena conjunta fixada em 1ª instância não deve ser objecto de qualquer redução, pena que, por superior a 5 anos de prisão, não pode ser suspensa na sua execução – n.º 1 do artigo 50º do Código Penal.

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Termos em que se acorda negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando em 6 UC a taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 5 de Julho de 2012

Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa


[1] - O nosso legislador penal não adoptou o sistema da absorção (punição com a pena concreta do crime mais grave), o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto.

[2] - Acta da 28ª Sessão realizada em 14 de Abril de 1964.
[3] - Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição), 668.
[4] - Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292.
[5] - Proibição de dupla valoração defendida por Eduardo Correia no seio da Comissão Revisora do Código Penal e ali maioritariamente aceite, ao ser rejeitada proposta apresentada pelo Conselheiro Osório no sentido de os critérios gerais de determinação da medida da pena serem também aplicáveis à determinação da pena única – acta já atrás referida.
[6] - Personalidade referenciada aos factos, ou seja, reflectida nos factos, visto que estes, como resultado da vontade e actuação do delinquente, espelham a sua forma de pensar e o seu modo de ser, o seu temperamento, carácter e singularidade, isto é, a sua personalidade.
[7] - Tem sido este o entendimento por nós assumido, como se pode ver, entre muitos outros, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 08.03.05 e 09.11.18, proferidos nos Processos n.ºs 114/08 e 702/08. 3GDGDM. P1.S1.