Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
391/23.5YRPRT.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: EXTRADIÇÃO
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DIREITOS FUNDAMENTAIS
PRESTAÇÃO DE GARANTIAS PELO ESTADO REQUERENTE
ESTADO ESTRANGEIRO
RECUSA DE COOPERAÇÃO
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
CUMPRIMENTO DE PENA
PENA DE PRISÃO
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO/M.D.E./RECONHECIMENTO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O instituto da extradição constitui o mais antigo e emblemático instrumento de cooperação internacional.

As suas origens remontam aos primórdios da civilização, atravessando toda a História da Humanidade. A mais remota referência à figura que hoje se reconduz à extradição surge já na Bíblia e foi no antigo Egipto que teve lugar a celebração do que se pode considerar o primeiro caso histórico de tratado de extradição, o Tratado de Kadesh, por volta do ano 1291 a.C. Naturalmente, foi evoluindo com o decorrer dos tempos e só praticamente o século XIX trouxe mudanças profundas e duradouras no instituto, deixando-se de se aplicar aos delitos políticos e passando a ser colocado ao serviço da defesa de interesses ético-jurídicos da comunidade internacional.

II. Entre nós, realce-se o primeiro tratado de extradição, celebrado com Castela, no ano de 1360. Contudo, a primeira lei interna de extradição só surgiu com o DL n.º 437/75, de 16/08, a que sucedeu o DL n.º 43/91, de 22/01, sendo este já considerado um diploma geral de cooperação judiciária internacional em matéria penal, em que a extradição surge como uma das modalidades dessa cooperação, vindo a ser substituído pelo vigente DL n.º 144/99, de 31/08.

III. O nosso sistema atual de extradição estrutura-se em 3 níveis hierarquizados: no topo, a Constituição da República Portuguesa (Cfr. art. 33.º), num plano intermédio, o direito internacional, abrangendo um conjunto alargado de convenções internacionais a que Portugal está vinculado, seja no quadro do Conselho da Europa, seja no quadro da União Europeia, e num plano inferior o denominado direito interno, em particular, a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pelo citado DL n.º 144/99, de 31/08, e que entrou em vigor em 01/10/1999.

IV. Nos termos deste último diploma, o processo de extradição é um processo especial e urgente, regulado, em primeira mão, por esta lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Penal, com uma fase administrativa e uma fase judicial, onde não é possível discutir os factos imputados ao extraditado e em que a oposição apenas pode ter lugar com dois fundamentos (não ser o requerido a pessoa reclamada ou não se verificarem os pressupostos da extradição).

Consiste, na sua essência, em um Estado (requerente) pedir a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território do segundo, por infração cujo conhecimento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.

V. Feito este breve enquadramento histórico-normativo, e debruçando-se, agora, sobre o caso sub judice, ao contrário do alegado pelo recorrente, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre as garantias fornecidas pelo Estado requerente, como não submeter o extraditando a prisão ou processo por facto anterior ao pedido de extradição, computar o tempo de prisão que, no Estado requerido, foi imposto por força da extradição e não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

VI. Mais salientou o acórdão do Tribunal da Relação que, perante as garantias que foram prestadas, não existia nenhuma razão objetiva para descrer da seriedade desse comprometimento, pelas razões atinentes quer às normas constantes da Constituição da República Federativa do Brasil quer ao património cultural comum e, nomeadamente, o respeito pelos direitos fundamentais da pessoa humana, pelo que não se verifica também este fundamento para denegar a solicitada extradição.

VII. Citando também um acórdão deste Supremo Tribunal, recorda ainda, a propósito, que o Brasil é um Estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, sendo certo que subscreveu inúmeras convenções internacionais respeitantes aos direitos humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, razão pela qual as autoridades brasileiras não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando.

VIII. Nesta conformidade, o acórdão recorrido não é nulo, por omissão de pronúncia (art. 379.º n.º 1 c), do C.P.P.).

IX. Para concluirmos, estando, assim, reunidos os respetivos requisitos legais e não se verificando qualquer causa de inadmissibilidade ou de recusa facultativa da extradição, não se descortina razão válida para não deferir o pedido de extradição em questão, pelo que se acorda em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, manter o acórdão do Tribunal da Relação.

Decisão Texto Integral: Proc. n.º 391/23.5YRPRT.S1

(Extradição)

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Em 31/01/2024, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto com o seguinte dispositivo que passamos a transcrever:

Pelo exposto, após conferência, acordam os juízes subscritores em autorizar a extradição, para a República Federativa do Brasil, de AA, filho de BB e de CC, nascido em ...-...-1996, em ..., ..., com o Passaporte - Gb....46, emitido em12/08/22 e válido até 11/08/2030, residente na Rua dos ..., nº 85, 2º esq. ... ..., para aí cumprir a pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, remanescente da pena de prisão imposta, em que se mostra condenado nos processos supra identificados.

2. Inconformado, interpôs o requerido, em 09/02/2024, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a sua Motivação da seguinte forma (Transcrição):

I – O presente recurso tem como objeto o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto que decidiu pela extradição de AA para o Brasil, para cumprimento de pena de prisão de 3 anos e 8 meses;

II – Não tem como se justificar, porém, que a pretendida extradição para o Brasil vá ter como fim a reintegração ou ressocialização do aqui Recorrente;

III – O Recorrente terá que passar todo o período de prisão sozinho e sem visitas dos familiares, que se encontram a 7500km de distância e sem capacidades económicas para realizar viagens de tão longa distância;

IV – O ora Recorrente e a sua família, já têm a vida normalizada e integrada em Portugal;

V – A reinserção do AA seria feita, eficazmente, como exige a lei, em Portugal;

VI – A extradição coloca em causa o seu direito a receber visitas nos termos do art. 58º da Lei nº 115/2019, de 12 de Outubro, o que também é considerado tratamento desumano e degradante;

VII – O Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre as garantias fornecidas pelo Estado Requerente, baseando-se não só nas disposições legais, mas também em, nomeadamente, relatórios e avaliações de Organismos Internacionais, como o Comité contra a Tortura das Nações Unidas;

VIII – Deveria ter, por isso, requerido à República Federativa do Brasil garantias mais concretas para que pudesse ponderar corretamente sobre as condições do sistema prisional do Brasil;

IX – Incorreu o Tribunal a quo, desta forma, numa nulidade prevista no art. 379º nº1 al. c) do CPP;

X – Motivos pelo qual deve ser declarada nula a decisão do acórdão do Tribunal a quo.

Nestes termos e nos melhores de Direito e com o sempre Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser declarado procedente, assim, declarando nula a decisão do Tribunal a quo.

3. Por despacho da Senhora Desembargadora relatora, de 12/02/2024, foi tal recurso admitido, com efeito suspensivo.

4. Em 21/02/2024, O Ministério Público, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, defendendo, em síntese, que o acórdão em crise se mostra bem fundamentado, de facto e de direito, cumprindo integralmente o exame critico que a lei impõe, fez correta interpretação e aplicação do direito, não enfermando de qualquer vicio ou nulidade, não tendo sido violadas as normas invocadas pelo requerido ou quaisquer outras que cumpra apreciar, pelo que deve ser integralmente mantido, improcedendo totalmente a pretensão do requerido.

5. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso

Considerando o conteúdo das Conclusões da Motivação, que, como é conhecido, delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso, o recorrente entende que o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no art. 379.º n.º 1 c), do C.P.P., pois o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre as garantias fornecidas pelo Estado Requerente, baseando-se não só nas disposições legais, mas também em, nomeadamente, relatórios e avaliações de Organismos Internacionais, como o Comité contra a Tortura das Nações Unidas.

Assim, deveria ter requerido à República Federativa do Brasil garantias mais concretas para que se pudesse ponderar corretamente sobre as condições do sistema prisional do Brasil.

III. Fundamentação

1. Na parte que ora releva é do seguinte teor o acórdão recorrido:

(…)

II – Fundamentação.

1.- Fundamentos de facto.

Encontram-se provados os seguintes factos:

- O Requerido AA, no âmbito do Processo nº .....70-87.2019.........0313 da 2ª Vara Criminal da Comarca de ..., ... e processo n.º .....82-50.2019.........1313, que correu termos na 1ª vara criminal da comarca de ..., foi condenado nas penas de 3 anos e 8 meses de prisão e multa e na pena de 1 ano de prisão, pela prática de um crime de tráfico de droga, 1 crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e outro crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, previsto e punido respetivamente pelos artigos 33º da lei 11.343/06 e artigos 12º e 14º da Lei 10.826/03, por factos praticados nos dias 1 de Abril de 2019 e 5 de outubro de 2019.

- Em 18 de novembro de 2020, foi realizada a soma das penas do agente que totalizam 4 anos e 8 meses de prisão, remanescendo 3 anos e 8 meses de pena de prisão por cumprir.

- Os factos por que foi condenado são, em síntese, os seguintes:

No dia 01 de Abril de 2019, por volta das 22h35m, na Rua ..., Bairro de ..., em ..., o Autor tinha em depósito e guardava, com o fim de traficar ilicitamente, Cannabis sativa provida de Tetrahidrocanabinol, sem autorização.

Na mesma data e local o arguido era portador e mantinha á sua guarda arma de fogo e munições de uso permitido, sem autorização e em desacordo com a determinação legal.

No dia 05 de outubro de 2019, por volta das 18h, Rua ... n.º 556, Bairro de ..., ... o requerido possuía e mantinha sob sua guarda arma de fogo e munições de uso permitido, no interior da sua residência, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

- Na legislação penal brasileira ao crime aqui em apreço não corresponde pena de morte, nem pena ou medida de segurança com carácter perpétuo e, quer na legislação deste país, quer na legislação penal portuguesa, é o mesmo punível com pena privativa de liberdade superior a um ano.

- Nem o procedimento criminal por esse crime, nem a pena aplicada se encontram extintos, nomeadamente por prescrição, em qualquer das jurisdições e não pende nos tribunais portugueses qualquer processo criminal contra o extraditando pelos factos fundamento do pedido.

- Não se mostra extinto, por prescrição, o procedimento criminal respectivo perante a lei da República Federativa do Brasil ou a legislação portuguesa.

- As autoridades brasileiras pretendem que o requerido seja extraditado para a República Federativa do Brasil para cumprimento da referida pena de prisão.

- O requerido tem nacionalidade brasileira.

- Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, pelo despacho n.º 126/MJ/2023, assinado em 06.12.2023, declarou admissível o pedido de extradição.

- O pedido formal de extradição foi recebido neste Tribunal, mostra-se junto aos autos e encontra-se devidamente instruído, pela forma legalmente exigida pela Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

- Inexiste conhecimento de que se encontre pendente em Portugal qualquer processo com o mesmo objeto.

- O Requerido e o seu agregado familiar habitam em casa arrendada. A filha do Requerido de nome DD nasceu em território nacional. Duas filhas do Requerido, EE e DD, frequentam a creche na Santa Casa da Misericórdia do Concelho de .... O arguido trabalha para a S.........

*

Inexistem quaisquer outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão.

A convicção deste Tribunal quanto aos factos provados, formou-se com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos emanados das autoridades brasileiras e bem assim do teor do despacho de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, cuja veracidade não está colocada em causa. Os factos relativos ao requerido e seu agregado familiar resultam dos documentos que o próprio juntou com a oposição.

**

2. Fundamentos de Direito.

Tendo em conta a oposição deduzida pelo extraditando, as questões a decidir são as seguintes:

Consequências da extradição para o extraditando e sua família.

Condições no sistema prisional brasileiro.

Apreciemos.

O Ministério Público promove o cumprimento do pedido de extradição com origem na República Federativa do Brasil, para cumprimento de pena.

De acordo com o artigo 3º, com referência ao artigo 1º, ambos da Lei nº 144/99, de 31/08 – que aprova a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal - a extradição rege-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português, só havendo lugar à aplicação da lei da cooperação na falta desses instrumentos internacionais ou na sua insuficiência.

Por sua vez a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, subscrita em 23/11/2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 49/2008, de 18/07, publicada no DR nº 178, de 15/09/2008, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 67/2008, de 15/09, com entrada em vigor em 01/03/2010, no seu artigo 25º, nº 1, estabelece que “substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição.”

A República Federativa do Brasil invoca precisamente as normas desta Convenção para alicerçar a sua pretensão.

O pedido, que foi julgado admissível por despacho da Senhora Ministra da Justiça, refere-se a factos que consubstanciam crimes de tráfico de droga e posse ilegal de armas de fogo, p. e p. pelo (Lei 10.826/03 art.12 e art. 14º da Lei 11.343/06, art. 33º) pelo que o requerido aí foi sujeito a julgamento e condenado, por decisão transitada em julgado em 27/08/2020.

Tais factos são igualmente previstos e puníveis como crimes no Código Penal português com pena de prisão, (art. 21º do DL. nº 15/93 de 22/01 e art. 86º nº 1, al. c) e nº 2 da L. nº5/2006 de 23/02) cuja prática se reporta entre 01/04/2019 a 05/10/2019. Aos crimes em causa cabem-lhes as penas abstratamente aplicáveis de máximos iguais a 12 e 5 anos de prisão, respetivamente; isto é, penas de duração máxima não inferior a 1 ano, sendo que a pena por cumprir também não é inferior a 6 meses, e não se mostra extinta por efeito de prescrição.

O extraditando é o próprio e foi informado da matéria do pedido de extradição.

O pedido de extradição contém cópia dos documentos pertinentes, atesta a existência de ordem de detenção do extraditando e foi regularmente transmitido, obedecendo aos requisitos de forma e de conteúdo previstos no artigo 10º da Convenção CPLP.

Analisemos então os motivos apresentados pelo extraditando para a sua oposição ao pedido.

No caso em apreço, importa ter em atenção as normas da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (doravante denominada Convenção), que são aplicáveis primacialmente, pois as da Lei nº 144/99, de 31/08 só o serão em caso de falta ou insuficiência daquelas.

Estabelece-se na Convenção:

Artigo 1º Obrigação de extraditar

Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.

Artigo 2.º Factos determinantes da extradição

1 - Dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano.

2 - Se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade exige-se, ainda, que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses.

3 - Se a extradição requerida por um dos Estados Contratantes se referir a diversos crimes, respeitado o princípio da dupla incriminação para cada um deles, basta que apenas um satisfaça as exigências previstas no presente artigo para que a extradição possa ser concedida, inclusive com respeito a todos eles.

Artigo 3.º Inadmissibilidade de extradição

1 - Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos:

a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física;

b) Quando se tratar de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal;

c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infracção de direito comum;

d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objecto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição;

e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de excepção;

f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido.

2 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 não se consideram crimes de natureza política ou com eles conexos:

a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial protecção segundo o direito internacional;

b) Os actos de pirataria aérea e marítima;

c) Os actos a que seja retirada natureza de infracção política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido;

d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949;

e) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984.

Artigo 4.º Recusa facultativa de extradição

A extradição poderá ser recusada se:

a) A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido;

b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição for punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida;

c) A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido;

d) A pessoa reclamada não puder ser

e) A pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente.”

Relativamente ao pedido de extradição compete ao tribunal do Estado requerido apreciar apenas se é ou não o detido a pessoa reclamada e se estão verificados ou não os requisitos legais da pretendida extradição.

Só estes são fundamentos admissíveis da oposição, como claramente consta do artigo 55º, nº 2, da Lei nº 144/99.

Não obstante, o extraditando na sua oposição refere que se encontra integrado em Portugal com a sua família, duas filhas frequentam a creche da região onde habitam, uma das suas filhas já nasceu em Portugal, encontra-se a trabalhar e está à espera de ser chamado aos serviços competentes para adquirir a nacionalidade portuguesa e, por isso, não lhe pareça adequada a sua extradição. Conclui que com a sua extradição, ia enfrentar a vida prisional sozinho, visto que, o seu núcleo familiar está em Portugal e que por essa razão estaria a ser sujeito a terrorismo psicológico.

Como se pode ler no Ac. do STJ de 21/04/2021, Proc. nº 5/21.8YREVR.S12, “dispõe o art. 25º, nº 1, da referida Convenção que «A presente Convenção substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição.»

Tal significa que não tem aqui aplicação o art. 18º, nº 2, da L. 144/99 de 31/8, como bem se refere no ac. do S.T.J. de 30/10/20133: «da hermenêutica do preceito do artigo 4.º da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa resulta que ali se indicam taxativamente as situações de recusa facultativa da extradição».

Assim, a situação familiar do extraditando não configura qualquer causa de inadmissibilidade da extradição ou mesmo de recusa facultativa, já que qualquer problemática de índole familiar não consta elencada nem dos motivos de inadmissibilidade da extradição nem das causas de recusa facultativa da mesma.

Mesmo que assim se não entendesse no Supremo Tribunal de Justiça vem consolidado o entendimento, a que aderimos, de que “não se enquadra como motivo de recusa de extradição prevista no artigo 18º, nº 2, da LCJ “circunstâncias graves para a pessoa visada em razão de outros motivos de carácter pessoal”, o facto do extraditando ter família (filhos) a residir no nosso País. Tem-se decidido no sentido que o afastamento da família é uma consequência “inevitável” da extradição (…) e que não se sobrepõe ao superior interesse da cooperação internacional no prosseguimento da boa administração da justiça”.

Finalmente não se vislumbra que haja qualquer desproporção entre as suas condições de vida em Portugal por um lado e a importância do ato de cooperação aqui em causa por outro lado, que a ser deferido, será, por se verificarem os pressupostos legais para o efeito.

Condições no sistema prisional brasileiro

Pretenderá o requerido com fundamento no teor de um sumário de um acórdão do TRC que se for extraditado para o Brasil, teme poder ser submetido a condições prisionais que não garantam a sua inviolabilidade física e moral, o que não deixará de ser considerado tratamento cruel, desumano ou degradante, legitimando a recusa de extradição á luz do artigo 22º da Convenção.

A questão vem sendo suscitada amiúde nos tribunais quando está em causa a extradição para a República Federativa do Brasil e tem sido apreciada e decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Com efeito, no mencionado Acórdão do STJ pode ler-se: «(…) Brasil é um Estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, sendo certo que subscreveu inúmeras convenções internacionais respeitantes aos direitos humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e a Convenção de extradição entre os Estados membros da CPLP, razão pela qual as autoridades brasileiras não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando».

Como também se escreve no Ac. STJ de 7/9/2017, Proc. 483/16.7YRLSB.S1, «Tendo cada país um regime político-criminal próprio os países subscritores da Convenção da CPLP não deixaram de ter em conta uma comum identidade de princípios e valores de defesa dos direitos humanos quando reciprocamente se obrigaram à extradição enquanto forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, de forma a combater de forma eficaz a criminalidade.

E no que respeita ao Brasil, que é hoje indiscutivelmente um país democrático, é desde logo a Constituição da República que no seu art. 1.º garante a dignidade da pessoa humana, a independência dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) (art.º 2.º), a regência das suas relações internacionais com prevalência dos direitos humanos (…) e a concessão de asilo político (art.º 4.º). (…)

Para além disso, o Brasil é um Estado Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), que ratificou em 1992, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e que, à semelhança da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não deixam de lhe conferir o direito a um processo justo e equitativo, no modo como é consagrado pelo art.º 6.º desta Convenção e acolhido no art. 20.º da CRP, como, de resto, explanou o acórdão recorrido, do direito à publicidade, direito ao contraditório, direito à igualdade de armas, direito a estar presente, direito ao silêncio e direito a julgamento em prazo razoável».

Porque assim é, efetivamente, este argumento expendido pelo requerido não pode proceder.

Acresce que da Convenção também não consta a admissibilidade de recusa da extradição com motivo nas alegadas más condições do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação, sendo certo que, como se pode ainda ler no mesmo aresto à dita Convenção “encontra-se subjacente a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas”.

Daí que não se vê que que a extradição para o Brasil coloque em risco a integridade física ou a vida do requerido.

Mais acresce que no seu pedido de extradição, o Estado emissor, isto é a República Federativa do Brasil, prestou a garantia ao Estado requerido, isto é a Portugal, de, entre outras garantias: não submeter o extraditando a prisão ou processo por facto anterior ao pedido de extradição; computar o tempo de prisão que, no Estado requerido foi imposta por força da extradição; e não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Não existe, portanto, razão objetiva alguma para descrer da honestidade da prestação destas garantias, pelas razões que suprarreferimos relativas quer às normas constantes da Constituição da RFB quer ao património cultural comum e, nomeadamente, o respeito pelos direitos fundamentais da pessoa humana, pelo que também não se verifica este fundamento para denegar a impetrada extradição.

Também, pelo exposto não se alcança que o cumprimento do pedido de extradição viole ou seja contrário - “à segurança, à ordem pública ou a outros seus interesses fundamentais” - a qualquer dos interesses fundamentais do Estado Português.

Assim, porque estão reunidos os respetivos requisitos legais, e não se verificando qualquer causa de inadmissibilidade ou de recusa facultativa da extradição, cumpre deferir o pedido de extradição e autorizar a extradição.

(…)

2. Importa, antes de mais, referir que o instituto da extradição1 constitui o mais antigo e emblemático instrumento de cooperação internacional.

Como anota Mário Mendes Serrano2, as suas origens remontam aos primórdios da civilização, atravessando toda a História da Humanidade.

A mais remota referência à figura que hoje se reconduz à extradição surge já na Bíblia e foi no antigo Egipto que teve lugar a celebração do que se pode considerar o primeiro caso histórico de tratado de extradição, o Tratado de Kadesh, por volta do ano 1291 a.C.

Naturalmente, foi evoluindo com o decorrer dos tempos e só praticamente o século XIX trouxe mudanças profundas e duradouras no instituto, deixando-se de se aplicar aos delitos políticos e passando a ser colocado ao serviço da defesa de interesses ético-jurídicos da comunidade internacional.

Entre nós, realce-se o primeiro tratado de extradição, celebrado com Castela, no ano de 1360.

Contudo, a primeira lei interna de extradição só surgiu com o DL n.º 437/75, de 16/08, a que sucedeu o DL n.º 43/91, de 22/01, sendo este já considerado um diploma geral de cooperação judiciária internacional em matéria penal, em que a extradição surge como uma das modalidades dessa cooperação, vindo a ser substituído pelo vigente DL n.º 144/99, de 31/08.

O nosso sistema atual de extradição estrutura-se em 3 níveis hierarquizados: no topo, a Constituição da República Portuguesa (Cfr. art. 33.º), num plano intermédio, o direito internacional, abrangendo um conjunto alargado de convenções internacionais a que Portugal está vinculado, seja no quadro do Conselho da Europa, seja no quadro da União Europeia, e num plano inferior o denominado direito interno, em particular, a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pelo citado DL n.º 144/99, de 31/08, e que entrou em vigor em 01/10/1999.

Nos termos deste último diploma, o processo de extradição é um processo especial e urgente, regulado, em primeira mão, por esta lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Penal, com uma fase administrativa e uma fase judicial3, onde não é possível discutir os factos imputados ao extraditado e em que a oposição apenas pode ter lugar com dois fundamentos (não ser o requerido a pessoa reclamada ou não se verificarem os pressupostos da extradição).

Consiste, na sua essência, em um Estado (requerente) pedir a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território do segundo4, por infração cujo conhecimento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.

Comporta duas modalidades, podendo ser requerida para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade5.

3. Feita esta brevíssima incursão histórico-normativa sobre a figura em apreço, debrucemo-nos, agora, sobre as questões que o recorrente coloca, em sede de motivação do seu recurso.

Ora, analisado o acórdão recorrido, verifica-se que, ao contrário do alegado pelo recorrente, o mesmo pronunciou-se sobre as garantias fornecidas pelo Estado requerente, como não submeter o extraditando a prisão ou processo por facto anterior ao pedido de extradição, computar o tempo de prisão que, no Estado requerido, foi imposto por força da extradição e não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Mais salientou o acórdão do Tribunal da Relação que, perante as garantias que foram prestadas, não existia nenhuma razão objetiva para descrer da seriedade desse comprometimento, pelas razões atinentes quer às normas constantes da Constituição da RFB quer ao património cultural comum e, nomeadamente, o respeito pelos direitos fundamentais da pessoa humana, pelo que não se verifica também este fundamento para denegar a solicitada extradição.

Citando também um acórdão deste Supremo Tribunal6, lembra, a propósito, que o Brasil é um Estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, sendo certo que subscreveu inúmeras convenções internacionais respeitantes aos direitos humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e a Convenção de extradição entre os Estados membros da CPLP, razão pela qual as autoridades brasileiras não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando.

Deste modo, não se vê que que a extradição para o Brasil coloque em risco a integridade física ou a vida do requerido nem se vislumbra que haja qualquer desproporção entre as suas condições de vida em Portugal e a importância do ato de cooperação aqui em causa.

Nesta conformidade, o acórdão recorrido não é nulo, por omissão de pronúncia (art. 379.º n.º 1 c), do C.P.P.).

O recorrente tem todo o direito, obviamente, de discordar do decidido, mas não pode é imputar, por falta de fundamento, ao acórdão recorrido o vício da omissão de pronúncia nos termos em que o fez.

Para concluirmos, estando, assim, reunidos os respetivos requisitos legais e não se verificando qualquer causa de inadmissibilidade ou de recusa facultativa da extradição, não se descortina, na verdade, razão válida para não deferir o pedido de extradição em questão.

IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto pelo requerido AA e, em consequência, manter-se integralmente o acórdão recorrido.

Sem tributação (art. 73.º n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31/8).

STJ, 6 de março de 2024

(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Maria Teresa Féria de Almeida (Adjunta)

Antero Luís (Adjunto)

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1. Eduardo Correia, Direito Criminal, Vol. I, Almedina, 1963, pg. 187.

2. In Cooperação Internacional Penal, Vol. I, CEJ, 2000, pg. 15 e ss.

3. Na jurisprudência deste Supremo Tribunal, vejam-se, entre outros, os acórdãos de 17/1/2024, 31/5/2023, 22/3/2023, 3/12/2021, 21/8/2020 e 22/11/2017, cujos relatores são, respetivamente, os Senhores Conselheiros Ernesto Vaz Pereira, Lopes da Mota, Sénio Alves, Eduardo Loureiro, Margarida Blasco e Vinício Ribeiro, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

4. Neste sentido, fala-se em extradição ativa, na perspetiva do Estado requerente, e extradição passiva, na do Estado requerido.

5. Como é sabido, o mandado de detenção europeu (MDE), um procedimento judicial transfronteiriço simplificado, a funcionar desde 1/1/2004, veio, por sua vez, substituir os morosos procedimentos de extradição entre os países que integram a União Europeia (UE).

6. Acórdão de 21/4/2021, do qual é relator o Senhor Conselheiro Sénio Alves, Proc. nº 5/21.8YREVR.S1, consultável no sítio indicado.