Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
216/07.9TTCBR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
Data do Acordão: 04/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO
Doutrina: - Carlos Alegre, in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª ed., pág. 136.
Legislação Nacional: CÓDIGO DO TRABALHO/2003: - ARTIGO 249.º, N.ºS 1, 2 E 3, 252.º, N.º3, 260.º, N.º 1, 349.º, N.º3
LEI N.º 100/97, DE 13-9: - ARTIGO 26.º, N.ºS 1, 2, 3, 4, 37.º, N.º 3
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 8/3/1995, IN BMJ 445/371;
-DE 03/02/1999, CJ/STJ, I, 271;
-DE 17/10/2001, REVISTA 166/01;
-DE 05/12/2001, REVISTA 1313/01.
Sumário : I- Conforme resulta do nº 3 do artigo 26º da Lei 100/97 de 13 de Setembro, constitui retribuição, para efeito de acidentes de trabalho, tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
II- As ajudas de custo não visam, em regra, pagar o trabalho ou a disponibilidade para o trabalho, antes se destinam a compensar as despesas realizadas pelo trabalhador por ocasião da prestação do trabalho ou por causa dele.
III- Só assim não será quando estas compensações excedem as despesas suportadas, pois conforme resulta da parte final do artigo 260º nº 1 do CT/2003, a parte excedente dessas despesas deverá considerar-se retribuição, no caso de se tratar de deslocações frequentes.
IV- Vivendo o sinistrado em Pombal e tendo sido contratado para trabalhar em Espanha mediante o pagamento duma quantia mensal a título de salário, não integra a sua retribuição para efeito de acidente de trabalho a quantia de 21 euros por cada dia de trabalho efectivo, que foi acordado lhe seria paga a título de ajuda de custo.
V- Mas recebendo o sinistrado valores mais elevados que lhe eram pagos sob esta designação, já deverão estes, na parte excedente a 21 euros/dia, ser considerados retribuição, pois a R, entidade patronal, não alegou nem provou que tivesse alterado aquele montante diário pago a este título, dado que relativamente a esta importância já funciona a presunção do artigo 249º nº 3 do CT/2003.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


1----
AA e BB, residentes em Coimbra,
e
CC, residente na Ucrânia, intentaram uma acção com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra

Companhia de Seguros DD S.A, com sede em Lisboa
e
EE - Construções S.A, com sede também em Lisboa, pedindo a condenação das RR a pagarem:
- às AA. - € 4.836, a título de subsídio por morte e € 3.224, a título de despesas de funeral com transladação;
- à A. AA € 6.720 de pensão anual;
- à A. BB a pensão anual de € 4.480
- à A. CC a pensão anual de € 2.240, valores a que devem acrescer os juros de mora, à taxa legal, a contar da data da morte.

Alegaram para tanto e, em síntese, serem viúva, filha e mãe, respectivamente, de FF, que faleceu vítima de acidente, quando trabalhava para a sua entidade patronal - a Ré EE -, consistindo o acidente em ter sofrido uma queda quando efectuava trabalhos de carpintaria. Alegaram ainda que o sinistrado auferia anualmente o montante de 22 600 euros, tendo a Ré, entidade empregadora, transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a Ré, Companhia de Seguros DD, mas limitada ao salário anual de 10 601.50 euros, devendo assim ser a responsável pela diferença salarial não transferida. Mais alegaram que o sinistrado ajudava e prestava assistência à A. sua mãe, pelo que também esta terá direito a pensão.

Contestou a Ré DD, sustentando, no essencial, que o acidente se deveu à violação, pela entidade empregadora, das normas de segurança legalmente previstas, por inexistência de qualquer equipamento de protecção individual ou colectiva, designadamente cinto de segurança, guarda-corpos, redes de protecção ou plataformas com guarda-corpos, concluindo pela improcedência da acção quanto a si, devendo ser a Ré EE a responsável pelas consequências deste acidente de trabalho.

A Ré, EE-Construções, também contestou, sustentando que o sinistrado auferia apenas a retribuição mensal ilíquida de € 452, sendo o resto pago a título de ajudas de custo. De qualquer forma o seguro cobria a totalidade dos valores que lhe eram pagos, concluindo pela improcedência da acção quanto a si.
Houve resposta da Ré DD, sustentando que a retribuição para si transferida era apenas no montante anual de € 10.601,50, sendo € 452 (x14) a título de remuneração e € 388,50 (x11) a título de ajudas de custo, mantendo quanto ao mais a posição já expressa na contestação.

Saneado o processo e seleccionados os factos relevantes para a decisão da causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo-se respondido, no seu final, à matéria constante da base instrutória.

Seguidamente foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:
1 — Absolver a Ré EE Construções, S.A., dos pedidos contra si formulados.

2 — Condenar a Ré Companhia de Seguros DD, S.A. a pagar :

a) à A. AA
- a pensão anual e vitalícia de € 3.180,45 (três mil cento e oitenta euros e quarenta e cinco cêntimos), com início a 16 de Fevereiro de 2007, que passará para € 4.240,60 quando atingir a idade da reforma por velhice ou, independentemente da idade, se vier a padecer de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;


- o subsídio de morte no valor de € 2.418 (dois mil quatrocentos e dezoito euros) e
- as despesas de funeral no montante de € 3.224 (três mil duzentos e vinte e quatro euros).
b) à A. BB
- a pensão anual e temporária de € 2.120.30, com início a 16 de Fevereiro de 2007, até aos 22 ou 25 anos e enquanto frequentar o ensino secundário ou superior, respectivamente;
- o subsídio de morte no valor de € 2.418 (dois mil quatrocentos e dezoito euros).
c) à A. CC
- a pensão anual e vitalícia de € 1.060.25 (mil e sessenta euros e vinte e cinco cêntimos) com início a 16 de Fevereiro de 2007.
Mais condenou nos juros de mora, à taxa legal.

Inconformadas apelaram as AA, mas o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a sentença da 1ª instância.
Novamente inconformadas, trazem-nos as AA a presente revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:
l.A questão em causa na presente Revista é a mesma da Apelação, ou seja, saber se as quantias recebidas pela vítima sob a designação de ajudas de custo integram o conceito de retribuição com base na qual devem ser calculados os direitos emergentes do acidente de trabalho em causa.
2. A "retribuição normalmente auferida" a que se referem os n°s 1 e 2 do art. 26.° da Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro (LAT), contempla as atribuições patrimoniais com carácter de obrigatoriedade, fundada normativa ou contratualmente, de correspectividade com a efectiva prestação de trabalho, e de regularidade e periodicidade do seu pagamento, excluindo-se as que se destinem a compensar custos aleatórios (ajudas de custo, reembolso de despesas de deslocação, de alimentação ou de estada), por não poderem ser consideradas contrapartidas da disponibilidade do trabalhador para prestar trabalho.
3. Segundo a Doutrina "Para o conceito de "retribuição normalmente recebida", usado pelo artigo 26.° da LAT, o artigo 82.° da LCT fornece um critério que associa três aspectos: a obrigatoriedade, fundamentada normativa ou contratualmente; a co-respectividade com a efectiva prestação do trabalho e a regularidade e peridodicidade do seu pagamento."
4. Com base neste critério, é possível excluir, quase liminarmente, os acrescentos salariais que assumam o expresso carácter de liberalidade, como são de excluir os que se destinem a compensar custos aleatórios (ajudas de custo, reembolso de despesas de deslocação, de alimentação ou de estada ou participação nos lucros da empresa), por não poderem ser consideradas contrapartidas do trabalho prestado.
5. Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador (artigo 258.° n° 3 do C.T.).
6. Por outro lado indo trabalhar para Espanha teria que ganhar mais. Tal é um uso relevante (artigo 258.°, n° 1 do C.T).
7. Dispõe a alínea a) do n° 1 do Artigo 260.° do C.T. que as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador."
8. Forçoso será conciliar estes dois preceitos, a qual terá que ser feita nos seguintes termos:
9. Cabe à entidade patronal, nos termos do artigo 344.°, n°l e 350.°, n° 1 do Código Civil, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalações e outras equivalentes, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do artigo 260.° do C.T. e de valer a presunção do artigo 258.°, n°3 do C.T., no sentido de que se está perante prestação com natureza retributiva.
10. Uma fez feita essa prova, entra em aplicação a norma especial do artigo 260.°, n°l do C.T., que estabelece que ajudas de custo revestem natureza retributiva e em que termos e em que medida a revestem. Essa norma especial afasta, torna inaplicável as presunções do artigo 258.° do C.T.
11. A entidade patronal (EE) não logrou infirmar a natureza retributiva das prestações auferidas pelo trabalhador, pelo que é de valer a presunção de que se está perante prestações com natureza retributiva.
12. Apenas vem provado, com interesse para esta questão, que FF foi admitido ao serviço da EE, por acordo celebrado e junto a fls. 296 a 301, mediante o qual a este competia o desempenho da categoria de carpinteiro, mediante a remuneração mensal de 452,00€ e, quando destacado, acrescida da quantia diária de 21,00€, a título de ajudas de custo por cada dia de trabalho efectivo.
13. Vem ainda provado que FF auferiu no mês de Setembro de 2006 (15 dias) a remuneração líquida de 827,00€; no mês de Outubro de 2006 a de 1.438,00€; no mês de Novembro de 2006 a de 1.584,00€; no mês de Dezembro de 2006 a de 1.153,00€; no mês de janeiro de 2007 a de 1.638,00€ e no mês de Fevereiro (7 dias) a de 471,80€.
14. Consta ainda dos factos provados que FF residia em Pombal, encontrando-se deslocado da sua residência e que a Ré EE Construções pagou ao A, parte das quantias supra referidas atrás referidas, a título de ajudas de custo.
15. Não vem provada a causa concreta dos pagamentos referidos ao trabalhador, qual o correspectivo dessa contrapartida, designadamente se a prestação da actividade laboral ou da respectiva disponibilidade do trabalhador, em si mesmas, ou a compensação devida pela Ré EE ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas ao seu serviço, como neste caso se tornava necessário que tais importâncias revestissem, nos termos do artigo 260.°, n°l do C.T., a natureza de retribuição e se subsumissem à noção de ajudas de custo ou a outras prestações.
16. No caso concreto o Tribunal tinha elementos de facto e de direito para fixar o objecto ou a quantidade da condenação em valor superior.
17. O Tribunal deveria determinar o valor da retribuição e partir dos valores mensais dados como provados e determinar assim o valor anual.
18. O total líquido dos valores auferidos nos 146 dias que o sinistrado trabalhou foi 7.111,80 €, ou seja uma média diária de 48,71€ (7.111.80 €/146 dias) e uma média anual de 17.779,50 € (48.71€ x 365= 17.779,50 €).
19. Por força da referida presunção de natureza retributiva, deve integrar a retribuição, para efeitos de reparação por acidente de trabalho, a média anual de 17.779,50€, que era aquilo que a entidade empregadora pagava em média anual ao sinistrado a título de retribuição.
20. Cabe ao Tribunal encontrar a medida da obrigação de indemnizar, no quadro legalmente definido com vista à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho, em que é indispensável saber-se o valor da retribuição.
21. Não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, deverá o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566,°n° 3 do Código Civil) e não em valores manifestamente inferiores.
22. O Tribunal dispondo de elementos de facto que, reflectindo a realidade procurada e dela se aproxima e que permitem fixar o conteúdo da obrigação, impõe-se-lhe, em obediência ao n.° 3 do artigo 566.° do Código Civil, definir o quantum da condenação em pelo menos 17.779,50 € anuais.
23. O valor encontrado pelo Tribunal recorrido é arbitrário e não tem correspondência, nem no valor contratado, nem nos valores dados como provados.

24. A retribuição anual a atender para efeitos de indemnização é de pelo menos 17.779,50 €, valor este manifestamente superior ao fixado pelo Tribunal.

Pede-se assim a revista do acórdão, condenando-se as RR tal como peticionado.
As recorridas não alegaram.
A Ex.mª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso, sustentando que as quantias discriminadas no ponto 7 da matéria de facto integram a retribuição do sinistrado.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2----
Para tanto, foi considerado o seguinte quadro factual:
2.1- FF, nascido a … de Abril de …, faleceu em 15 de Fevereiro de 2007, no estado de casado com a A. AA.
2.2- A A. AA nasceu a … de Junho de ….
2.3- A A. BB, nascida a … de Julho de …, encontra-se registada como filha de FF e AA.
2.4- FF encontra-se registado como filho de CC.
2.5- CC nasceu a 7 de Junho de 1941.
2.6- Entre a Ré EE Construções, S.A. e FF foi celebrado o acordo junto a fls. 296 a 301, cujo teor aqui se dá por reproduzido, mediante o qual a este competia o desempenho da categoria de carpinteiro, mediante a remuneração mensal de € 452 e, quando destacado, acrescida da quantia diária de € 21, a título de ajudas de custo por cada dia de trabalho efectivo.
2.7- FF auferiu no mês de Setembro de 2006 (15 dias) a remuneração líquida de € 827; no mês de Outubro de 2006 a de € 1438;
no mês de Novembro de 2006 a de € 1584; no mês de Dezembro de 2006 a de € 1.153; no mês de Janeiro de 2007 a de € 1.638 e no mês de Fevereiro (7 dias) a de € 471,80.
2.8- FF residia em Pombal, encontrando-se deslocado da sua residência.
2.9- A Ré EE Construções pagou ao A parte das quantias supra referidas em 2.7, a título de ajudas de custo.

2.10. No dia 7 de Fevereiro de 2007, quando se encontrava ao serviço da Ré EE Construções, S.A. a desempenhar as funções de carpinteiro numa obra em Espanha, em circunstâncias que não foi possível apurar concretamente, FF sofreu uma queda.
2.11- Devido a essa queda FF sofreu lesões das quais resultou a sua morte.
2.12- FF encontrava-se a efectuar trabalhos de cofragem em altura.
2.13 - No local não existiam plataforma de trabalho com guarda corpos, guarda corpos nem redes de protecção que pudessem evitar o perigo de queda em altura.
2.14- (...) sistemas que eram possíveis de colocação no local.
2.15- CC está desempregada e não pode trabalhar.
2.16- FF, a partir dos rendimentos auferidos, ajudava e prestava assistência a CC, enviando-lhe frequente e periodicamente dinheiro.
2.17- CC dependia do dinheiro que FF lhe enviava para pagar as suas contas e assegurar a sua sobrevivência.
2.18- O cadáver de FF foi transladado de Espanha para a Ucrânia.
2.19- As despesas com a transladação foram suportadas pela A. AA.
2.20- Mediante contrato de seguro, ramo acidentes de trabalho, a Ré EE, Construções, S.A., havia transferido para a Ré Companhia de Seguros DD, S.A. a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho que pudesse advir a FF, mediante a remuneração anual de € 10.601,52 (remuneração base € 452x14+ajudas de custo 388,50 euros x11).

3----

E decidindo:
Sabido que as conclusões das alegações delimitam o objecto do recurso (arts. 690º, nº. 1, e 684º, nº. 3 do CPC, "ex vi" art. 1º, nº. 2, a), do CPT), constatamos que a única questão que se coloca a este Tribunal prende-se com a determinação da retribuição do sinistrado, matéria que em sede de acidente de trabalho, está regulada no seu artigo 26ºda Lei 100/97 de 13/9, que estabelece as regras para se determinar o quantitativo da retribuição.


Assim e quanto às indemnizações devidas por incapacidade temporária, absoluta ou parcial, serão estas calculadas com base na retribuição diária, ou na 30ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta represente a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado, conforme resulta do seu nº 1.
Já quanto às pensões devidas por morte do sinistrado ou por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, serão as mesmas calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado, entendendo-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade, conforme resulta dos seus nºs 2, e 4.
Assim sendo, para compensar o trabalhador pelas perdas salariais resultantes dum acidente de trabalho de que tenha sido vítima, temos em qualquer dos casos que atender à retribuição por si auferida.
Da mesma forma, para compensar os familiares economicamente dependentes do sinistrado, da perda de rendimentos que representou para eles a morte do sinistrado, temos também que atender à retribuição anual por este auferida.

Ora, conforme resulta do nº 3 do preceito, constitui retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
São assim dois os elementos integrantes da retribuição a atender em sede de acidentes de trabalho:
a) de um lado, as prestações recebidas pelo trabalhador, qualificadas como parte integrante da retribuição, a determinar de acordo com normas Código do Trabalho de 2003 que regulam esta matéria.
b) Do outro lado, outras prestações recebidas com carácter de regularidade, apenas se excluindo as que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.

Assim sendo, temos de considerar como retribuição aquilo que o trabalhador recebe como contrapartida do trabalho que presta à sua entidade patronal, conforme resulta do artigo 249º nº 1 do CT/2003, que ao tempo vigorava.

Por outro lado, esta compreende a remuneração de base e outras prestações regular e periodicamente feitas ao trabalhador, seja em espécie ou em dinheiro (nº2), presumindo-se até que todas as prestações da entidade patronal ao trabalhador constituem retribuição.

No entanto, as prestações regularmente recebidas só serão de considerar como retribuição se não se destinarem a compensar o sinistrado por custos aleatórios que teve de suportar por causa do trabalho, conforme advém do nº 3 do artigo 26º da Lei 100/97,
regime legal que definiu mais claramente em que consiste a retribuição a atender para reparar o acidente de trabalho ao excluir expressamente do conceito de retribuição aqueles rendimentos do trabalhador que se destinam a compensá-lo de custos aleatórios que teve de suportar por causa do trabalho, exclusão que não constava da lei anterior.

Esta era a orientação corrente na jurisprudência no domínio da vigência da Lei 2127, que já se orientava neste sentido, afastando do conceito de retribuição a atender em sede de acidente de trabalho, os valores recebidos pelo trabalhador e que eram meramente compensatórios de despesas por si realizadas com deslocações ao serviço da entidade patronal, conforme se colhe dos acórdãos de STJ de 8/3/95, in BMJ 445/371 e principalmente pgª 379.
Nesta linha, era também jurisprudência corrente no domínio daquela lei, que as ajudas de custo não visavam, em regra, pagar o trabalho ou a disponibilidade para o trabalho, antes se destinavam a compensar as despesas realizadas pelo trabalhador por ocasião da prestação do trabalho – acórdãos de 17/10/2001, Revista 166/01; de 05/12/01, Revista 1313/01; e de 03/02/99, CJ/STJ, I, 271.

A lei em vigor ao tempo da ocorrência do acidente dos autos, também exclui do conceito de retribuição os valores que o sinistrado receba e que se destinem a compensá-lo por custos aleatórios, conforme advém do nº 3 do artigo 26º da Lei 100/97.
Face ao exposto e tendo a reparação dum acidente de trabalho mortal como finalidade compensar os familiares do sinistrado perda do rendimento do trabalho que o sinistro lhes ocasionou, temos de incluir neste rendimento o conjunto de valores regularmente recebidos pelo trabalhador, salvo os que se destinavam a compensá-lo por custos aleatórios que tinha ou teve de suportar por causa do trabalho.

Esta questão transporta-nos para a problemática da determinação das importâncias compensatórias de despesas suportadas pelo trabalhador, nelas se integrando as ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações feitas em serviço da entidade patronal, ou pela sua colocação em novas instalações da empresa (1).
Efectivamente, é a própria lei que considera que estes rendimentos recebidos pelo trabalhador a estes títulos não constituem retribuição, pois que se destinam a compensá-lo ou a reembolsá-lo de despesas que teve de realizar por causa do trabalho (artigo 260º nº 1).
Só assim não será quando estas compensações excedem as despesas suportadas, pois conforme resulta da parte final do preceito, a parte excedente dessas despesas deverá considerar-se retribuição, no caso de se tratar de deslocações frequentes.
Ou seja, em princípio estes valores não constituem retribuição dada a sua natureza compensatória de despesas suportadas pelo trabalhador.
No entanto, a parte desses valores que excedem as despesas suportadas, já constituirão retribuição se se tratar de deslocações frequentes, pois nestes casos, já se pode ver nos rendimentos que excedem tais despesas uma contrapartida do trabalho.
Por isso e face à regularidade do seu recebimento resultante da frequência e carácter continuado dessas deslocações, já é razoável que se considerem esses excedentes como valores integrantes da retribuição.

3.1----

No caso presente o sinistrado estava trabalhar em Espanha.

Por outro lado e conforme se colhe do acordo que foi celebrado entre ele e a recorrida, competia-lhe o desempenho das funções da categoria de carpinteiro, mediante a remuneração mensal de € 452. E, quando destacado, acresceria a quantia diária de € 21, a título de ajudas de custo por cada dia de trabalho efectivo.

Ora, residindo o sinistrado em Pombal e encontrando-se a trabalhar em Espanha, é óbvio que estava deslocado da sua residência.
Daí que tenhamos de considerar como ajuda de custo o montante de 21 euros por dia efectivo de trabalho, pois a situação de deslocado justificava o pagamento desta quantia que fora acordada para ser paga a este título.
No entanto, temos de considerar como verdadeira retribuição tudo o que a recorrida pagou como ajuda de custo e que excedeu este valor, pois não alegou nem provou que se tivessem alterado os valores diários que tinham sido acordados, pois, quanto a esse excedente do montante diário acordado para ajudas de custo, tem que funcionar a presunção do nº 3 do artigo 349º do CT, presunção que a R não elidiu.
Alias é sintomático que uma parte substancial da retribuição coberta pela seguradora seja constituída por ajudas de custo, (a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho estava transferida para a seguradora mediante a remuneração anual de € 10.601,52, assim repartida - remuneração base € 452x14+ajudas de custo 388,50 x11), o que só vem demonstrar que no espírito da própria empresa estava ínsita a ideia de que uma parte da retribuição era paga sob a designação de ajudas de custo.
Assim, tendo o sinistrado auferido no mês de Setembro de 2006 (15 dias) a remuneração líquida de € 827; no mês de Outubro de 2006 a de € 1438; no mês de Novembro de 2006 a de € 1584; no mês de Dezembro de 2006 a de € 1.153; no mês de Janeiro de 2007 a de € 1.638 e nos 7 dias de Fevereiro (7 dias) a de € 471,80, perfazem estes valores o montante total de 7 111.80 euros e que corresponde o montante diário de 48,71 euros, valor a que devemos atender dado que a retribuição era variável.
Efectivamente, devemos lançar mão da média correspondente ao tempo de trabalho prestado, pois o contrato não chegou a atingir um ano, período a considerar face ao disposto no nº 3 do artigo 252º do CT/2003.
Por isso, e atento o valor médio diário acima referido, o sinistrado auferiria a retribuição anual de 17 779,15 euros.
No entanto, e dado que os valores que o sinistrado recebeu, integraram também as ajudas de custo que foram acordadas, conforme consta do facto 2.9, pois a Ré, EE Construções, incluía nos montantes que lhe pagou a parte respeitante a ajudas de custo, temos de deduzir àquele montante anual, o que este receberia em ajudas de custo.

Como estas atingiriam o total de 4851 euros, (21 euros x 21 dias x 11 meses), pois sendo pagas apenas nos dias de trabalho efectivo não seriam pagas nas férias, consideramos que a retribuição anual a atender para cálculo dos direitos das beneficiárias será do valor de 12 928,15 euros (17 779,15 euros – 4851 euros).
Como a seguradora só responde pelo montante anual de € 10.601,52 (remuneração base € 452x14+ajudas de custo de 388,50 euros x 11), constatamos que há uma diferença de 2 326,63 euros que não estão cobertos pela retribuição para ela transferida.
Por isso e nos termos do artigo 37º nº 3 da Lei 100/97, terá de ser a entidade patronal a responsabilizar-se pelo pagamento das pensões correspondentes.

Nestes termos e fazendo contas, deverá R, entidade patronal, pagar às beneficiárias os seguintes valores:

a) - à A AA (viúva):
a pensão anual e vitalícia de 697,98 euros (30%), com início em 16/2/2007, (o sinistrado faleceu a 15/2) e que passará para o montante anual de 930,65 euros, quando atingir a idade da reforma por velhice ou, independentemente da idade, se vier a padecer de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho:
b) - à A. BB
- a pensão anual e temporária de € 465, 32 euros, com início a 16 de Fevereiro de 2007, até aos 22 ou 25 anos e enquanto frequentar o ensino secundário ou superior, respectivamente;
c) à A. CC
- a pensão anual e vitalícia de € 232,66 euros com início a 16 de Fevereiro de 2007.

Estas pensões serão actualizáveis de acordo com os critérios já seguidos pelo Tribunal de 1ª instância.
Por outro lado, as pensões em dívida serão pagas por uma só vez, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data de vencimento de cada duodécimo.

4----

Termos em que se acorda em conceder parcialmente a revista, indo consequentemente R, EE - Construções S.A, condenada a pagar às AA as seguintes pensões anuais:

a) - à A AA (viúva):
a pensão anual e vitalícia de 697,98 euros (30%), com início em 16/2/2007, (o sinistrado faleceu a 15/2) e que passará para o montante anual de 930,65 euros, quando atingir a idade da reforma por velhice ou, independentemente da idade, se vier a padecer de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho:
b) - à A. BB (filha):
- a pensão anual e temporária de € 465, 32 euros, com início a 16 de Fevereiro de 2007, até aos 22 ou 25 anos e enquanto frequentar o ensino secundário ou superior, respectivamente;
c) à A. CC (mãe):
- a pensão anual e vitalícia de € 232,66 euros com início a 16 de Fevereiro de 2007.

As custas do recurso, bem como nas instâncias, serão na proporção do vencido.

Lisboa, 13 de Abril de 2011

Gonçalves Rocha (Relator)

Sampaio Gomes

Rodrigues Pereira
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1)-Fora deste âmbito estão pois prestações como p. ex. ajudas de custo, reembolso de despesas de deslocação, etc, conforme advoga Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais 2ª ed. pág. 136.