Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P663
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: RECURSO DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA UNITÁRIA
Nº do Documento: SJ20070315006635
Data do Acordão: 03/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
1 - Tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, a uma só voz, que para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação. Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação.
2 - Em relação às decisões na al. d) do art. 432.º o âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal é fixado na própria alínea e não no art. 434.º do CPP, o que significa, que, mesmo relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, o recurso para o Supremo só pode visar o reexame da matéria de direito.
3 - Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação, que, nos termos do art. 428.º, n.º 1 conhece de facto e de direito.
4 - A pena única conjunta que deve ser aplicada quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é determinada atendendo, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente. Mas são também atendíveis os elementos a que se refere o art. 71.º do C. Penal, como as condições pessoais do agente que se reflectem, aliás no caso sujeito, na sua personalidade.
5 - Importa ter em atenção a soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação, a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares, construindo-se depois uma moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena unitária
6 - Sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena única em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes, sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares).
7 – Adequa-se a pena única conjunta de 17 anos, dentro de uma moldura de 7 anos a 46 anos e 7 meses de prisão – com o limite de 25 anos – de um agente de 24 anos que tendo antecedentes criminais pelos mesmos crimes e cumprindo pena por eles, aproveita as saídas precárias para cometer 3 crimes de rapto, 3 crimes de roubo, 2 crimes de burla informática, 2 crimes de violação, 1 crime de ameaça, 1 crime de coacção grave, 1 crime de extorsão 1 crime de furto e 3 crimes e está desinserido social laboral e familiarmente, mas cuja personalidade é “muito fruto de vivências traumáticas e de abandono, cuja construção da individualização foi realizada sem referências culturais, foi punido como reincidente, não revela consciência crítica do desvalor da sua conduta delituosa e apresenta um modo de vida sem noção dos limites sociais ou convencionais. *

* Sumário elaborado pelo relator
Decisão Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

O Tribunal Colectivo da 5ª Vara Criminal de Lisboa (Proc. n° …JDLSB) por acórdão de 13/7/06, condenou o arguido AA, com os sinais dos autos, como reincidente, na pena única de 20 anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares e pela autoria material dos respectivos crimes:

– 2 penas de 4 anos de prisão, pela prática de 2 crimes de rapto do art. 160°, n.º 1, al. b), 75° e 76°, do C. Penal;

– 1 pena de 3 anos de prisão pela prática de 1 crime de rapto do art. 160°, n° 1, al. a), 75° e 76°, do C. Penal;

– 3 penas três de 3 anos de prisão, pela prática de 3 crimes de roubo dos art.ºs 210°, n° 1 e n° 2, alínea b) e 204°, n° 2, al. f) e n°4, 75° e 76°, do C. Penal;

– 2 penas de 1 ano de prisão, pela prática de 2 crimes de burla informática do art. 22 1°, no 1,75° e 76°, do C. Penal;

– 2 penas de 7 anos de prisão, pela prática de 2 crimes de violação do art. 164°, n° 1, 75° e 76°, do C. Penal;

– 1 pena de 7 meses de prisão pela prática de 1 crime de ameaça do art. 153°, n° 1 e n°2, 75° e 76°, todos do C. Penal;

– 1 pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de 1 crime de coacção grave dos art.ºs 154°, n° 1 e 155°, n° 1, al. a), 75° e 76°, do C. Penal;

– 1 pena de 5 anos de prisão, pela prática de 1 crime de extorsão do art. 223°, n° 1 e n° 3, al. a), por referência ao art. 204°, n° 2, al. f) 75° e 76°, do C. Penal;

– 1 pena de 1 ano de prisão, pela prática de 1 crime de furto do art. 203°, n°1, 75°c 76°, do C. Penal;

– 3 penas de 10 meses de prisão, pela prática de 3 crimes de condução de veículo na via pública sem habilitação legal do pelo art. 3°, n° 1 e n°2, do DL n°2/98, de 03/01, 75° e 76°, estes do C. Penal.

Para tanto, partiu da seguinte factualidade.

Factos provados:

1. No dia 14 de Novembro de 2003, pelas 16.00 horas, BB, encontrava-se parada dentro do seu veículo da marca “BMW”, modelo 320D, de matrícula …-…-…, estacionado num parque sito na Avenida…….., em Lisboa, em frente ao pavilhão n° 3 do Estádio Universitário.

2. Os arguidos AA e CC, encontravam-se no mesmo local à mesma hora, quando avistaram BB e logo decidiu o AA abordá-la, no intuito de a levar à força para local mais isolado e lhe subtrair dinheiro e objectos de valor, propósito esse a que o CC aderiu, tendo ainda o AA a intenção de manter com a mesma relações sexuais.

3. Assim, no desenvolvimento do acordado, ambos os arguidos dirigiram-se para junto do veículo onde BB se encontrava, tendo o arguido AA apontado na sua direcção um objecto não identificado, que aquela entendeu ser uma pistola.

4. Ao mesmo tempo, o arguido AA disse-lhe para sair do lugar do condutor onde se encontrava sentada e passar para o banco do lado, para o vulgarmente designado lugar do pendura”, dizendo-lhe que, se ela não o fizesse, lhe estoirava a cabeça.

5. Sentindo receio pela sua vida e pela sua saúde, BB actuou conforme lhe fora intimado, cedendo ao arguido AA o lugar do condutor, assumindo este a condução do veículo.

6. O arguido CC sentou-se no banco da retaguarda da viatura, no lugar atrás de BB.

7. O arguido AA pôs, assim, o veículo em marcha, percorrendo várias artérias de Lisboa, conduzindo o mesmo.

8. Após cerca de 15 minutos em marcha, o arguido AA parou o veículo na Rua da ….., junto às instalações do Banco C. P. P. e, sempre apontando o que parecia a BB ser uma pistola, solicitou-lhe que esta lhe entregasse o seu cartão Multibanco e lhe fornecesse o respectivo PIN, bem como o telemóvel.

9. Esta, temendo que o arguido concretizasse as suas ameaças, designadamente efectuando sobre si um disparo, entregou-lhe o seu cartão Multibanco e forneceu- lhe o respectivo código de acesso, bem como um telemóvel cujas características e valor não foi possível apurar.

10. Nesse momento, o arguido CC pediu ainda dinheiro à BB tendo-lhe esta entregue o montante de 10 Euros.

11. O cartão Multibanco encontrava-se associado à conta bancária n° …….., do BPI, agência do R., de que era titular BB e onde estava depositado dinheiro desta.

12. Na posse desse cartão de débito emitido em nome de BB e conhecedor do respectivo código pessoal de acesso, o arguido AA saiu do interior do veículo e deslocou-se ao ATM instalado no exterior das instalações do C. P. P., sito na Rua da ….., n° …., em Carnide, Lisboa e digitando o código secreto do mesmo, procedeu ao levantamento de 80 (oitenta) Euros

13. Através da utilização do cartão de débito de BB e do uso abusivo do respectivo código pessoal de acesso, conseguiu o arguido AA apoderar-se de 80 (oitenta) Euros que gastou e utilizou em proveito próprio.

14. De seguida, o arguido AA entrou novamente na viatura onde se mantinha BB e o arguido CC, tendo-os conduzido para uma casa em ruínas, localizada na Quinta do …., em Carnide, num local descampado.

15. Uma vez parado o veículo, o arguido AA, sempre apontando o objecto semelhante a uma pistola, na direcção de BB, conduziu-a para dentro da referida casa em ruínas.

16. O arguido CC ficou fora do carro da BB, nas imediações da referida casa.

17. Já dentro da referida casa, o arguido AA, empunhando o objecto em tudo semelhante a uma pistola, disse a BB para se despir e ficar toda nua.

18. Uma vez que a BB não o fez, este desferiu-lhe um soco no nariz, fazendo com que a mesma caísse ao solo.

19. De seguida, e enquanto a BB ainda se encontrava no chão e pedia ao arguido para não lhe fazer mal, este agarrou numa tábua de madeira queimada, com pregos e bateu com a mesma no ombro e braço esquerdo daquela, para que a mesma lhe obedecesse e fizesse o que lhe era pedido.

20. Após, colocou uma das suas mãos no interior das calças da BB e disse-lhe para a mesma se despir completamente, pois, se o não fizesse, punha-a inconsciente com uma pancada na cabeça.

21. Em face das palavras proferidas pelo arguido, temendo pela sua vida e/ou integridade física a BB despiu-se.

22. Então, o arguido colocou o seu pénis dentro da boca da BB, mantendo-o aí durante alguns instantes.

23. Seguidamente, o arguido colocou a BB em cima de uma bancada, de frente para si e introduziu o seu pénis erecto no interior da vagina da BB, friccionando-o até ejacular, o que aconteceu já fora da vagina.

24. Acto contínuo, o arguido CC, que até esse momento se tinha mantido fora da casa em ruínas, encaminhou-se para a mesma, sendo que o AA disse no entretanto à BB para se “vestir bem”.

25. O arguido AA tomou novamente a condução do veículo propriedade de BB, tendo abandonado o mesmo e a BB no Bairro do ……, junto ao hipermercado “Feira Nova”.

26. Nesse momento, o arguido AA dirigiu-se a BB e proferiu as seguintes palavras: “não contes nada senão morres, mato-te, não morres hoje, morres amanhã”.

27. Como consequência directa e necessária da descrita conduta do arguido AA resultaram para BB as seguintes lesões:

— área escoriada nas faces posteriores do ombro e terço proximal do braço esquerdo, de eixo maior vertical com 10cm x 6cm, constituído por várias escoriações paralelas entre si, lineares e sensivelmente horizontais;

— contusão modelada em positivo no braço esquerdo, terço proximal da face pósteroxtema, avermelhada e sensivelmente quadrangular com 8cm de lado, no seio de área, arroxeada de eixo maior vertical com 14cm x 13cm;

— estigma ungueal no braço esquerdo, terço médio da face posterior, arciforme com concavidade para a esquerda com 2cm;

— área hiperemiada na mão direita, face posterior da transição cárpico-metacárpica do segundo raio, de eixo maior oblíquo para baixo e para a direita com 4cm x 1 de largura máxima, no seio da qual se individualizam quatro escoriações lineares, uma das quais sangrante ao toque, com cerca de 1 cm cada;

— escoriação na mão direita, face posterior do 3° metacárpico, linear, sensivelmente vertical com 0,7cm;

— contusão avermelhada na região dorsal, à direita da linha média e a nível dos últimos arcos cortais, de eixo maior oblíquo para baixo e para a esquerda com 12cm x 2cm de largura média;

— escoriação na perna direita, terço proximal da face anterior, arredondada com 2cm de diâmetro médio.

28. Tais lesões demandaram-lhe oito dias de doença, dos quais os três primeiros com afectação da capacidade para o trabalho (fisiológico) em geral.

29. Enquanto o arguido AA e BB permaneceram no interior da casa em ruínas, o arguido CC retirou da carteira desta, que ficara dentro da viatura, o seu telemóvel da marca “Nokia’ modelo 7210, com o IMEI ……….. e com o n°…………, no valor de 50 Euros.

30. Ao abordarem a BB, empunhando na sua direcção um objecto em tudo semelhante a uma arma de fogo e ao dizerem que lhe estoiravam a cabeça, caso a mesma não se deixasse conduzir, agiram os arguidos em comunhão de esforços e intentos, de forma deliberada, livre e consciente no intuito de privar aquela na respectiva liberdade ambulatória para lhe retirarem o dinheiro que conseguissem, sendo ainda intenção do arguido AA manter relações sexuais com ela.

31. Os arguidos bem sabiam que BB não pretendia, em momento algum acompanha-los e que só o fez por temer pela sua vida e pela sua saúde.

32. Ao amedrontarem a BB, através da exibição de um objecto semelhante a uma pistola, para lhe retirarem o cartão Multibanco, 10 Euros e um telemóvel de marca não apurada, agiram os arguidos, em comunhão de esforços de intentos, bem sabendo que tais objectos e dinheiro não lhes pertenciam e que se apoderavam dos mesmos pela força e intimidação e que agiam contra a vontade da mesma.

33. Ao utilizar o cartão Multibanco da BB em ATM tinha o arguido AA pleno conhecimento de que o cartão de débito por si utilizado da forma supra descrita não lhe pertencia e que tinha chegado às suas mãos com o desconhecimento e contra a vontade da entidade emissora, bem como contra a vontade do legítimo titular.

34. Actuou o arguido AA com o propósito de proceder ao levantamento de 80 Euros, bem sabendo que da sua actuação resultavam prejuízos para a entidade emissora do cartão ou para a sua titular.

35. Bem sabia o arguido AA que o código PIN do cartão por si utilizado é um dado informático confidencial e pessoal e que utilizava o mesmo contra a vontade da sua legítima titular.

36. O arguido AA sabia que a BB não pretendia manter consigo nenhum relacionamento de cariz sexual.

37. No entanto, o arguido AA agiu deliberada, livre e conscientemente, com a intenção de praticar com a BB acto sexual, satisfazendo a sua libido, com total desprezo pela pessoa e sentimentos da mesma, com recurso à força física e ao amedrontamento dela, colocando-a perante a impossibilidade de resistir.

38. Ao proferir a expressão “não contes nada senão morres, mato-te, não morres hoje, morres amanhã”, o arguido AA sabia que poderia gerar na BB temor pela sua saúde e pela sua própria vida, o que quis e veio efectivamente a suceder.

39. Ao retirar o telemóvel da marca «Nokia», modelo 7210, com o IMEI …….. e com o n° ……. a BB, pretendeu o arguido CC fazer seu este objecto, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que de tal forma actuava contra a vontade e em prejuízo da sua proprietária.

40. No dia 22 de Dezembro de 2004, pelas 13.30 horas, DD encontrava-se a falar pelo telemóvel dentro do seu veículo de marca “Seat”, modelo “Ibiza”, de matrícula …-…-…, que se encontrava estacionado num parque, em frente à Faculdade de Farmácia de Lisboa, na Avenida…….., em Lisboa.

41. O arguido AA, encontrava-se no mesmo local, à mesma hora, quando avistou DD e decidiu, desde logo abordá-la, no intuito de a levar para um local mais isolado, lhe subtrair o dinheiro e os objectos de valor que esta tivesse na sua posse, bem como de, com a mesma, manter relações sexuais.

42. Assim, para o efeito, o arguido AA dirigiu-se para junto do veículo onde a DD se encontrava, introduziu-se dentro do veículo e sentou-se no vulgarmente designado lugar do pendura.

43. O arguido AA disse à DD que se tratava de um “assalto” e para ela pôr o veículo em marcha, pois precisava de dinheiro, ao mesmo tempo que lhe apontava uma navalha de características não apuradas.

44. Sentindo receio pela sua vida e/ou pela sua saúde, DD actuou conforme lhe fora solicitado pelo arguido AA, conduzindo o veículo até um local descampado na zona de Carnide, em Lisboa, denominado “Azinhaga do……”, onde este a mandou parar.

45. Nesse momento, sempre empunhando a navalha na sua direcção, o arguido AA disse à DD para esta lhe dar o dinheiro que tivesse, o que esta fez, entregando-lhe 7,20 Euros.

46. Tendo o arguido considerado que tal montante não era suficiente para as suas pretensões, sempre apontando a navalha em direcção à DD, pediu-lhe ainda que esta lhe entregasse o seu cartão Multibanco e respectivo PIN.

47. Esta, temendo que o arguido concretizasse as suas ameaças, designadamente desferindo-lhe um golpe com a navalha, entregou-lhe o seu cartão Multibanco e forneceu-lhe o respectivo código de acesso.

48. Tal cartão encontrava-se associado à conta com o n.° ……………., da Caixa Geral de Depósitos, agência de Beja, de que era titular o pai da DD e onde estava depositado dinheiro dele, que a mesma estava autorizada a levantar.

49. De seguida o arguido, sempre apontando a navalha na direcção da DD, disse-lhe para ela ir para dentro do porta-bagagens do veículo, ao que esta acedeu.

50. Acto contínuo, o arguido AA tomou a condução da viatura e deslocou-se ao ATM instalado no exterior das instalações do C. P. P., sito na Rua da ……, n° ……, em Carnide, Lisboa.

51. Aí, pelas 14.13 horas, na posse do cartão de débito supra mencionado e conhecedor do respectivo código pessoal de acesso, o arguido AA, digitando o código secreto do mesmo, procedeu ao levantamento de 150 Euros.

52. Através da utilização do referido cartão de débito e do uso abusivo do respectivo código pessoal de acesso, conseguiu o arguido apoderar-se de 1 50 (cento e cinquenta) Euros que gastou e utilizou em proveito próprio.

53. Após, o arguido AA entrou novamente dentro da viatura onde mantinha a DD dentro do porta-bagagens e deslocou-se com a mesma, novamente, para a Azinhaga do ………..

54. Uma vez parada a viatura, o arguido AA abriu o porta-bagagens e agarrou a DD à força com uma mão, mantendo a navalha na outra e conduziu-a para dentro da acima referida casa em ruínas, para onde já tinha levado a BB, com intenção de com aquela manter relacionamento sexual.

55. Já dentro da casa em ruínas o arguido disse à DD “Deixa lá ver essa cona”.

56. Receando pelo que o arguido lhe pudesse fazer, a DD baixou as calças e as cuecas.

57. Acto contínuo o arguido mandou-a sentar em cima de uma mesa de madeira que estava no local e perguntou-lhe se a mesma tinha namorado.

58. Tendo ela respondido que não, o arguido disse “então também precisas”.

59. Apercebendo-se a DD, nesse momento, de que era intenção do arguido Fernando Miguel manter consigo relações sexuais, a mesma solicitou-lhe que pusesse um preservativo.

60. O arguido aceitou colocar um preservativo, até porque transportava um consigo, entregando-o a ela para que esta o colocasse no seu pénis.

61. No entanto, como se encontrava muito nervosa, a DD não conseguiu abrir a embalagem, tendo-a devolvido ao arguido, que abriu a embalagem, e, após ter baixado as suas calças e cuecas, colocou o preservativo no pénis.

62. De seguida o arguido colocou-se em frente à DD, que se encontrava ainda sentada em cima da mesa e penetrou-a na vagina, com o seu pénis erecto, durante breves instantes.

63. Não conseguindo alcançar o prazer que pretendia, o arguido ordenou á DD que despisse as calças completamente, o que esta fez.

64. Acto contínuo o arguido virou-a de costas para si e introduziu lhe o seu pénis erecto dentro do ânus dela.

65. A DD referiu ao arguido que tal lhe causava fortes dores, mas este prosseguiu com a penetração, durante cerca de dois ou três minutos, friccionando o seu pénis no ânus da mesma até ejacular, o que sucedeu já fora do ânus.

66. Após, o arguido disse à DD que esta, então, já se podia ir embora, referindo lhe”e agora não vás dizer nada, porque senão apanho-te a morada.

67. A DD fugiu do local conduzindo o seu veículo.

68. Como consequência directa e necessária da descrita conduta do arguido resultaram para DD lesões traumáticas ao nível do ânus que lhe demandaram cinco dias de doença, com afectação para o trabalho em geral.

69. Ao abordar a DD, empunhando na sua direcção uma navalha, agiu o arguido AA de forma deliberada, livre e consciente no intuito de privar a mesma na respectiva liberdade ambulatória para lhe retirar o dinheiro que conseguisse e com ela manter relações sexuais.

70. O arguido bem sabia que DD não pretendia, em momento algum acompanhá-lo, e que só o fez por temer pela sua vida e pela sua saúde.

71. Ao amedrontar a DD, através da exibição de uma navalha, para lhe retirar o cartão Multibanco e 7,20 Euros, agiu o arguido bem sabendo que tal não lhe pertencia e que se apoderava dos mesmos pela força e intimidação e que agia contra a vontade daquela.

72. Ao utilizar o cartão Multibanco mencionado em 48 em ATM tinha o arguido AA pleno conhecimento de que o cartão de débito por si utilizado da foi-ma supra descrita não lhe pertencia e que tinha chegado às suas mãos com o desconhecimento e contra a vontade da entidade emissora, bem como contra a vontade do seu legítimo titular.

73. Actuou o arguido com o propósito de proceder ao levantamento de 150 Euros, bem sabendo que da sua actuação resultavam prejuízos para a entidade emissora do cartão ou para o seu titular.

74. Bem sabia o arguido que o código PIN do cartão por si utilizado é um dado informático confidencial e pessoal e que utilizava o mesmo contra a vontade do seu legítimo titular.

75. O arguido AA bem sabia que a DD não pretendia manter consigo nenhum relacionamento de cariz sexual e, ainda assim, agiu de forma deliberada, livre e consciente, com a intenção de praticar com esta acto sexual, satisfazendo a sua libido, com total desprezo pela pessoa e sentimentos da mesma, com recurso à força física e ao amedrontamento dela, colocando-a perante a impossibilidade de resistir.

76. No dia 22 de Fevereiro de 2005, pelas 17.25 horas, no parque de estacionamento sito na Avenida …………, junto à morgue do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, o arguido AA aproximou-se de EE, que se encontrava a entrar para o veículo de marca “Mitsubishi”, modelo “Pagero”, de matrícula …-…-… e encostou-lhe uma faca, de 20 cm de comprimento, na região lombar.

77. Ao mesmo tempo, o arguido AA disse a EE para sair do lugar do condutor onde já se encontrava sentada e passar para o banco do lado, para o vulgarmente designado “lugar do pendura”, dizendo-lhe que se ela não o fizesse lhe espetava a faca.

78. Sentindo receio que o arguido concretizasse o que anunciava, EE actuou conforme lhe fora solicitado, cedendo ao arguido o lugar do condutor, assumindo este a condução do veículo.

79. O arguido AA pôs, assim, o veículo em marcha, percorrendo várias artérias de Lisboa, conduzindo o mesmo.

80. Após cerca de 15 minutos em marcha, o arguido AA parou o veículo num local isolado, na Azinhaga do ………, em Lisboa, e, sempre apontando a faca em direcção à EE, solicitou-lhe que esta lhe entregasse a carteira.

81. Temendo pela sua vida e saúde, EE entregou ao arguido 25 (vinte e cinco) Furos em notas e ainda uma quantia não determinada em moedas.

82. Embora já estivesse na posse deste montante monetário, o arguido AA não abandonou o local nem deixou que a EE o fizesse, mantendo sempre a faca na mão para que ela a pudesse ver e a dissuadisse de fugir.

83. Pretendia ainda o arguido levar EE até à máquina ATM mais próxima e levá-la a levantar e entregar-lhe o máximo de dinheiro que conseguisse.

84. Para o efeito, o arguido perguntou assim à EE se esta tinha cartão Multibanco, ao que esta respondeu afirmativamente, advertindo contudo o arguido de que não tinha dinheiro nessa conta.

85. Encostando-lhe a faca ao corpo, o arguido disse à EE que esta teria de arranjar o dinheiro, fosse de que maneira fosse.

86. Assim, sob orientação do arguido AA e sempre com a faca apontada para si, EE ligou para a sua mãe e, alegando necessitar do dinheiro de imediato para o pagamento de uma multa, pediu-lhe que transferisse para a sua conta a quantia de 200 Euros.

87. Passados alguns minutos a mãe de EE efectuou uma transferência no valor de 200 Euros para a conta n° ………. do M. G., por esta titulada, ficando, de imediato, a conta aprovisionada com o montante de 233,40 Euros.

88. Tendo conhecimento desta situação, o arguido, assumindo mais uma vez a condução do veículo de matrícula …-…-…, deslocou-se com a EE a um posto de abastecimento de combustíveis da “BP”, sito na Estrada de ……, em Lisboa, com intenção de aí proceder ao levantamento do montante de 200 Furos num ATM.

89. Pelas 17.51 horas, verificando que a referida caixa Multibanco não permitia efectuar levantamentos, o arguido disse para a EE regressar novamente para a viatura (para o lugar do ‘pendura), pois teriam de se deslocar a um outro ATM.

90. O arguido e a EE voltaram assim novamente para dentro da viatura, tendo o arguido conduzido a EE até às instalações do B. M. G., sitas na Rua ………, n° ……., em Lisboa.

91. Aí, o arguido ordenou a EE que procedesse ao levantamento de 200 Furos, o que esta fez, receando que algum mal lhe acontecesse, efectuando dois levantamentos de 100 Euros cada, que guardou consigo.

92. De seguida o arguido e a EE entraram de novo para dentro do veículo, tendo aquele conduzido esta para a já mencionada casa em ruínas, na Quinta do ….., para onde tinha conduzido BB e DD.

93. Aí, o arguido pediu a EE os 200 Furos que esta acabara de levantar no ATM, tendo ela lhe entregue tal montante de imediato, por recear que algum mal lhe acontecesse se o não fizesse.

94. Nesse momento o arguido entregou as chaves do carro a EE, tendo esta imediatamente começado a correr em direcção á sua viatura e logrado pôr-se em fuga do local.

95. Em momento não determinado, aproveitando um momento de distracção da EE, o arguido subtraiu-lhe ainda o seu telemóvel de marca “Mitsubishi” modelo M320, com o JMEJ ………., que fez coisa sua.

96. Ao abordar a EE, empunhando na sua direcção uma faca, agiu o arguido AA de forma deliberada, livre e consciente no intuito de privar a mesma na respectiva liberdade ambulatória para a constranger a entregar-lhe o dinheiro que tivesse.

97. O arguido bem sabia que EE não pretendia, em momento algum acompanhá-lo e que só o fez por temer pela sua vida e pela sua saúde.

98. Ao amedrontar a EE. através da exibição de uma faca, para lhe retirar o montante de 25 Euros, agiu o arguido bem sabendo que tal não lhe pertencia e que se apoderava de tal montante pela força e intimidação e que agia contra a vontade daquela.

99. Ao pedir à EE que esta arranjasse dinheiro na sua conta, fosse de que maneira fosse, empunhando na sua direcção uma faca, agiu o arguido bem sabendo que, com tal conduta gerava nela terror pela sua saúde e pela sua própria vida, o que quis e veio efectivamente a suceder, tendo a mesma ligado para a sua mãe a pedir que esta depositasse dinheiro na sua conta, apenas pelo temor que o arguido lhe causou.

100. Ao determinar a EE a deslocar-se a uma caixa ATM e a levantar dinheiro da sua conta, amedrontando-a com a exibição de uma faca, agiu o arguido com o propósito de a obrigar a entregar-lhe uma determinada quantia em dinheiro, o que conseguiu, assim obtendo vantagens patrimoniais que sabia serem indevidas e a que não tinha qualquer direito.

101. Com efeito, EE só procedeu à entrega das referidas quantias, cedendo a todas as exigências, porque afectada na sua liberdade pessoal, tinha medo que algum mal lhe pudesse acontecer.

102. Ao retirar o telemóvel a EE, pretendeu o arguido fazer seu este objecto, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que de tal forma actuava contra a vontade e em prejuízo daquela, sua proprietária.

103. Nas datas em que conduziu os veículos supra mencionados o arguido AA não era titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir nos termos do Código da Estrada, como não o é ainda hoje.

104. O arguido conduziu de forma livre e voluntária, consciente de não estar habilitado nos termos do Código da Estrada para tal actividade.

105. Os arguidos AA e CC sabiam que todas as suas acima descritas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.

106. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 2 de Março de 2000, transitado em julgado, no âmbito do Processo n° …….PULSB, da 2 Secção, da T Vara Criminal de Lisboa, fora o arguido AA já condenado, por factos ocorridos no dia 16 de Maio de 1998, pela prática:

— de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 210°, n.° 1 e n° 2 e 204° n° 2, alínea f) e n° 4, ambos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão;

— pela prática de um crime de roubo, na forma tentada, nos termos das disposições acima referidas e artigos 22°, 23°e 73°, todos do Código citado, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão;

— pela prática de dois crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158 ° n° 1 e n° 2, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão (duas penas de 1 ano e 6 meses cada);

— pela prática de dois crimes de coacção sexual, p. e p. pelo artigo 163°, do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão (duas penas de 4 anos e 6 meses cada);

— pela prática de um crime de roubo, p. p. pelos artigos 2 10°, n° 1 e n° 2 e 204°, n° 1 e n°2, alíneas e) e O do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão.

e, depois de efectuado o competente cúmulo, na pena única de oito anos e seis meses de prisão

107. O arguido AA manteve-se preso à ordem do processo acima referido desde 17 de Maio de 1998 até 17 de Junho de 2005, data na qual passou a estar sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem dos presentes autos.

108. Em 14-11-2003,22-12-2004 e 22-02-2005, o arguido AA encontrava-se ainda em cumprimento da pena de prisão em que fora condenado no âmbito do Processo n° …….PULSB, da 20 Secção, da 7° Vara Criminal de Lisboa, no Estabelecimento Prisional de Leiria.

109. No entanto, entre 13-11-2003 e 17-11-2003, entre 17-12-2004 e 22-12-2004 e entre 1 8-02-2005 e 24-02-2005, beneficiou de saídas precárias, aproveitando as mesmas para praticar os factos acima descritos, em total desrespeito pelo voto de confiança que lhe havia sido dado pelo Director do Estabelecimento Prisional de Leiria e pelo Mm° Juiz do TEP, ao autorizarem as suas saídas precárias (de curta duração e prolongada) durante o cumprimento da pena.

110. Com esta sua actuação o arguido manifestou igualmente grave desrespeito pelo sancionamento anterior, no âmbito do Processo n.º ……..PULSB, da 2° Secção, da 7° Vara Criminal de Lisboa, que se traduziu, além do mais, na prática de factos idênticos pelos quais tinha sido condenado, logo que posto em liberdade (ainda que precária), demonstrando um total alheamento e desconsideração pela decisão judicial que sobre si recaiu.

111. Aos 19 de Maio de 2006 o arguido AA não padecia de qualquer doença psiquiátrica que pudesse servir como factor atenuante ou de inimputabilidade para os actos por si praticados, existindo indicadores que apontam para o diagnóstico de perturbação de personalidade anti-social.

112. Apresenta ele uma personalidade de ressonância íntima extratensiva, contendo na sua dinâmica interna, fragilidade e imaturidade numa estruturação sem valores ou crítica, muito fruto de vivências traumáticas e de abandono, cuja construção da individualização foi realizada sem referências culturais, apresentando hoje um modo de vida sem noção dos limites sociais ou convencionais. Apresenta ainda indicadores de angústia de origem na infância, com ansiedade, por vezes difícil de controlar, desenvolvendo um processo de impulsividade, imediatismo, inconsequência e baixo limiar de tolerância à frustração e revela facilidade de relacionamento com os pares mas de uma forma superficial, sem ligações de afecto consequentes e sem plano de vida a organizar, associando-se comportamento e historial de adição tóxica, numa atitude de manutenção do princípio do prazer, negligenciando o real.

113. O arguido AA tem como antecedentes criminais a condenação mencionada em 108.

114. À data dos factos o arguido AA tinha concluído no Estabelecimento Prisional os cursos de formação de podador, pedreiro, carpinteiro e de iniciação à informática. Tem como habilitações literárias o 6° ano de escolaridade.

115. O arguido CC não tem antecedentes criminais.

116. O arguido CC trabalhava como montador de palcos e chapitôs, auferindo uma quantia média mensal entre os 400/500 Euros. Actualmente encontra-se desempregado e reside com a mãe, um irmão, a irmã e a companheira, sendo que esta se encontra grávida. Tem como habilitações literárias o 5º ano de escolaridade.

117. O arguido CC confessou parcialmente os factos e revelou arrependimento.

118. Em consequência da conduta do arguido AA foi a BB assistida aos 14/11/03 na urgência do Hospital de Santa Maria, cuidados de saúde esses que importaram no montante de 51,00 Euros.

119. Em consequência da conduta do arguido AA foi a DD assistida aos 22/12/04 na urgência do Hospital de Santa Maria, cuidados de saúde esses que importaram no montante de 51,00 Euros.»

Factos não provados:

Com relevância para a decisão final não se provaram os seguintes factos:

A) Que nas circunstâncias mencionadas em 2 fosse intenção do arguido CC possibilitar que o AA mantivesse com a BB relações sexuais.

B) Que o CC estivesse, nas circunstâncias mencionadas em 16, a vigiar o local para, no caso de alguém aparecer, dar disso imediatamente conta ao arguido AA.

C) Que o AA tivesse virado a BB de costas para si e tentado introduzir o pénis pelo ânus da mesma.

D) Que na situação enunciada em 24 o arguido CC tenha entrado na casa e dito ao AA que tinham de ir embora.

E) Que o CC soubesse que a BB não pretendia manter com o AA relacionamento de cariz sexual,

F) Que o CC soubesse da intenção do AA de manter relações sexuais com a BB e decidisse ajudá-lo nessa tarefa, vigiando o local onde aquele se encontrava com esta para se certificar que ninguém se aproximava do mesmo.

G) Que nas circunstâncias mencionadas em 43 o AA tivesse dito à DD que só precisava de 20,00 Euros para o consumo de produtos estupefacientes.

H) Que a navalha mencionada em 43 tivesse cabo de madeira de cor castanha escura com metal amarelo nas extremidades, pregos amarelos e com uma lâmina de cerca de 10cm em metal prateado.

I) Que a conta bancária mencionada em 48 fosse da titularidade da DD e que nela estivesse depositado dinheiro desta.

J) Que os cuidados de saúde prestados à BB tenham sido consequência da conduta do arguido CC.

Inconformado, recorreu para a Relação de Lisboa (recurso n.° ………….), colocando as questões da reincidência, do reconhecimento dos locais, do reconhecimento presencial, da prova e da pena aplicada.

Aquele Tribunal Superior, por acórdão de 28.11.2006, decidiu, por maioria, julgar improcedente o recurso e confirmar o acórdão recorrido. O voto de vencido expressa o entendimento de que a pena única deveria ser fixada em 16 anos de prisão.

Mantendo-se inconformado, recorre agora o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo na sua motivação:

1 - Erro na apreciação da prova

1.1 – Violado o disposto na alínea b) no n° 3 do art. 412 do C.P.P, porquanto o tribunal não atribuiu qualquer valoração ao exame ginecológico.

1.2 – Violado o disposto na alínea c), n° 2 do art. 410º do C.P.P porquanto o tribunal recorrido minimizou os relatórios do IML e assentou as suas convicções exclusivamente nos depoimentos das alegadas vítimas.

1.3 – Violada a alínea b) no n° 3 do art. 412 do C.P.P porquanto a correcta apreciação dos relatórios do IML impõem necessariamente uma decisão diversa da recorrida.

1.4 – O Arguido reitera na íntegra, todo o exposto no recurso para o tribunal recorrido, quanto aos alegados crimes de violação cometidos nos dias 14 de Novembro de 2003 e 22 de Dezembro de 2004.

1.5 – A condenação por ter violado a Sra BB, com coito oral e vaginal encontra-se em contradição com o relatório de (fls. 11), do Instituto de Medicina Legal.

1.6 – A condenação pelo alegado crime de violação cometido no dia 22 de Dezembro de 2004 está em contradição com o relatório de fls. 317 a 321do Instituto de Medicina Legal

2 - Medida da Pena

2.1 – O Recorrente não se conforma com a medida da pena, uma vez que a pena de vinte anos à luz do art. 40º do C.P. é excessiva.

2.2 – A aplicação da pena de vinte anos põe claramente em causa o defendido no n° 1 do art. 40º do C.P..

2.3 – Violado o n° 1 do art. 40º do C.P porquanto a pena de vinte anos de prisão aplicada ao Recorrente não visa a reintegração do mesmo na sociedade.

2.4 – As alegadas vítimas não eram menores.

25 – O mesmo colectivo aplicou 5 anos de prisão, a um outro Arguido por ter violado consecutivamente, (provado pelo menos 3 vezes) uma criancinha de 9 anos,

2.6 – O Arguido é um jovem com 24 anos, que irá passar grande parte da sua vida na prisão

2.7 – A pena aplicada ao Arguido terá de ser necessária drástica e consideravelmente reduzida.

2.8 – Vai nesse sentido o voto de vencido do Venerando Juiz Desembargador Dr. R. M. C.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas. requer que se dignem admitir o presente recurso, por legal e tempestivo, e revogar o Acórdão de 29 de Novembro de 2006, proferido pela 5 Secção, substituindo a pena pela mesma aplicada, por uma outra consideravelmente inferior, fazendo-se assim a costumada

Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido que se pronunciou no sentido de que o acórdão recorrido não só não merece qualquer censura, como também não violou qualquer preceito legal e, por isso, deve ser mantido, aliás, como o foi o acórdão da 1.ª Instância, devendo ser negado provimento ao recurso.

Distribuídos os autos neste Tribunal, a 21.2.2007, teve vista o Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência. No seu decurso, o Ministério Público sustentou que não se verificou o invocado erro de apreciação da prova em relação a duas violações, pois a matéria de facto dada como provada é compatível com os exames de medicina legal. Quanto à medida da pena lembrou que trata de um perigoso cadastrado não obstante a sua idade, reincidente que cometeu todos os crimes, graves, em saídas precárias do estabelecimento prisional e cujas penas vão de 7 a 46 anos e 7 meses de prisão, pelo que, se se pode aceitar uma baixa da pena única, ela não deve ser nunca inferior a 18 anos de prisão. A defesa manteve a sua motivação, insistindo na errada apreciação da prova e na excessiva pena de prisão que, sustenta, deve ser drasticamente reduzida, como sugere o voto de vencido na Relação.

Cumpre, assim, conhecer e decidir.

2.1.

E conhecendo.

Suscita o recorrente, como se viu, as questões do erro na apreciação da prova e da medida da pena.

Vejamos, por imperativo metodológico, a primeira delas.

Sustenta o recorrente que a circunstância de o tribunal não ter atribuído qualquer valoração ao exame ginecológico violou o disposto na alínea b) no n° 3 do art. 412.º do CPP (conclusão 1.1) e o minimizado os relatórios do IML e assentou as suas convicções exclusivamente nos depoimentos das alegadas vítimas violou o disposto na alínea c), n° 2 do mesmo artigo (conclusão 1.2), devendo a correcta apreciação dos relatórios do IML impor necessariamente uma decisão diversa da recorrida, com o que se violou a al. b) no n° 3 do art. 412.º (conclusão 1.3)

Reitera a motivação para a Relação quanto aos crimes de violação de 14.11.2003 e 22.12.2004 (conclusão 1.4), encontrando-se a violação de BB em contradição com o relatório de (fls. 11), do Instituto de Medicina Legal. (conclusão 1.5) e a violação de 22.11.2004 em contradição com o relatório de fls. 317 a 321do Instituto de Medicina Legal (conclusão 1.6).

Estas e outras questões relativas à questão de facto foram colocadas perante a Relação de Lisboa que sobre elas se pronunciou da seguinte forma:

«Assenta a alegação do recorrente no facto de os relatórios médicos efectuados às ofendidas BB e DD, logo a seguir aos factos, serem inconclusivos relativamente ao facto de terem sido violadas pelo arguido.

Pode ler-se na motivação de recurso, quanto ao crime de 14/11/2003:

«O Arguido foi condenado por ter violado a Sra BB, com coito oral e vaginal.

Acontece que no mesmo dia 14 de Novembro de 2003, foi a referida ofendida submetida a exame genético (fls 11), no Instituto de Medicina Legal, sendo que o respectivo relatório relata haver lacerações no hímen de cópula não recente, ou seja, que teria a paciente tido cópula havia mais de 10 dias.

Assim sendo, tendo a paciente tido cópula havia mais de 10 dias, nunca poderia ter sido violada naquele mesmo dia pelo Arguido, ou por outrem, de cópula completa, pelo que tal alegada violação é falsa e como tal o Arguido nunca poderia ter sido condenado por tal alegado crime.»

No que concerne ao crime ocorrido no dia 22/12/04, escreveu-se na motivação:

«De igual modo, quanto ao alegado crime de violação cometido no dia 22 de Dezembro de 2004, a ofendida também foi submetida a exame ginecológico, junto do Instituto de Medicina Legal, porque teria sido violada por coito anal e vaginal.

Nas conclusões do relatório de fis. 317 a 321, encontra-se afirmado que a laceração do hímen da paciente, teria sido produzida havia mais de 10 dias, pelo que não tem correspondência com a verdade tal alegada violação, porque as análises ginecológicas anal e vaginal, foram negativas, sendo certo que no relatório de fls 312 é afirmado que nas lâminas de exsudado vaginal e anal, assim como nas cuecas, não revelou a presença de material celular masculino, pelo que esta vítima, naquele dia, jamais foi violada pelo ora condenado, ou fosse por quem fosse. Em suma mentiu.»

Por um lado, nem só o exame ginecológico tem capacidade para provar a existência de uma violação. Esta pode ser provada por quaisquer outros meios de prova, nomeadamente testemunhal. O tribunal assentou, nesta parte, a sua convicção não só nos exames médicos efectuados às vítimas, mas essencialmente nos depoimentos destas, que, no dizer do mesmo tribunal, depuseram “de forma serena, coerente, pormenorizada e sem demonstrar vestígio algum de animosidade contra os arguidos, convencendo, por isso, o tribunal da veracidade das suas declarações”

Por outro lado, as conclusões do arguido resultam de uma leitura apressada e tendenciosa dos exames médicos invocados.

Na verdade, do exame da ofendida BB extrai-se que «é a mesma portadora de um hímen com duas soluções de continuidade de etiologia traumática (lacerações) apresentando terem sido produzidas há mais de dez dias — sugestivas portanto, medico-legalmente, de cópula não recente.» Posteriormente, após realização dos exames pedidos e acusando eles “detecção de sémen nas cuecas da ofendida”, foi elaborado o relatório definitivo de cujas conclusões se pode extrair:

«1 ... a pesquisa de material celular de origem masculina nas amostras de exsudado vaginal revelou-se negativa;

2..- o que está de acordo com a informação da examinanda, referindo “ejaculação extra-vaginal”;

38 Convertem-se em definitivas as conclusões expressas em 17/11/03;

48 A conjugação das anteriores conclusões permite, medico-legalmente, admitir que BB tenha sido vítima de “violação”, como consta na informação.»

Por sua vez, nas conclusões do exame médico da ofendida DD pode ler-se:

«lª. . . . . . . . .

2ª ... portadora de um hímen com uma solução de continuidade de etiologia traumática – laceração não recente (entendendo-se medico-legalmente como tal denotar haver sido produzida há mais de dez dias, o que se mostra de acordo com a informação da examinanda referindo relações sexuais prévias):

38 As lesões a nível do ânus eram recentes e denotavam terem resultado de traumatismo de natureza perfuro-contundente, podendo ter sido um pénis de adulto em erecção».

Ou seja, as ofendidas não mentiram, como alega o recorrente. Reconheceram terem tido relações sexuais prévias (mais de dez dias antes dos factos dos autos), justificativas das lesões constatadas, facto que não exclui a verificação da violação por parte do arguido, violação que não tem necessariamente de deixar marcas e que é demonstrada pelo exame médico, no caso da ofendida DD, face às lesões existentes no ânus (com esta ofendida o arguido teve relações vaginais e anais), sendo certo que em ambos os casos as ofendidas foram bem claras desde o início que a ejaculação foi extra-vaginal, tal como referido na matéria de facto provada, não tendo deixado quaisquer vestígios nas ofendidas e que o arguido, num dos casos, chegou mesmo a usar preservativo, para o qual ejaculou.

Ou seja, ao dar como provados os factos respeitantes aos crimes de violação de que foi autor o arguido AA, o tribunal não só não decidiu contra as conclusões periciais, como as tomou em consideração para, conjugadamente com os restantes meios de prova, declarar como verificada determinada factualidade que aquelas próprias conclusões admitem ter acontecido.

Em suma, foi a correspondente prova devidamente valorada, sem atropelo de qualquer norma ou princípio de direito probatório, estando a convicção do tribunal a quo suficientemente apoiada na prova e sujeita ao contraditório, não se vislumbrando qualquer erro na apreciação da mesma.»

Sucede que, como se escreve no Ac. de 8/2/2007 (proc n.º 159/07-5, com o mesmo relator), tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, a uma só voz, que para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação. Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação.

Em relação às decisões na al. d) do art. 432.º o âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal é fixado na própria alínea e não no art. 434.º do CPP, o que significa, que, mesmo relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, o recurso para o Supremo só pode visar o reexame da matéria de direito.

Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação, que, nos termos do art. 428.º, n.º 1 conhece de facto e de direito.

Como se viu, entende o recorrente que se verificam dois vícios que podem inquinar a matéria de facto: insuficiência da matéria da facto provada para a decisão – art. 410.º, n.º 2, als. b) e c) do CPP, entendendo que se verificava contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova.

Mas essa alegação já foi proficientemente sindicada pela Relação, não cabendo agora o seu conhecimento a este Supremo Tribunal de Justiça.

Damos, assim, por assente a matéria de facto transcrita e que não sofre de qualquer vício de que devesse conhecer oficiosamente este Tribunal.

2.2.

Quanto à questão da medida da pena, sustenta o recorrente que ela é excessiva à luz do art. 40º do C. Penal (conclusão 2.1), pondo claramente em causa o defendido no n° 1 desse artigo (conclusão 2.2), pois uma pena de vinte anos de prisão não visa a reintegração do mesmo na sociedade (conclusão 2.3), acrescendo que as “alegadas vítimas” (sic) não eram menores. (conclusão 2.4) e que o mesmo colectivo aplicou 5 anos de prisão, a um outro Arguido por ter violado consecutivamente (provado pelo menos 3 vezes) uma criancinha de 9 anos (conclusão 2.5).

Refere que é um jovem com 24 anos, que irá passar grande parte da sua vida na prisão (conclusão 2.6), pelo que terá de ser drástica e consideravelmente reduzida. (conclusão 2.7), indo nesse sentido o voto de vencido (conclusão 2.8).

Constata-se, assim, que o recorrente só impugna a pena única conjunta.

Escreve-se, a propósito na decisão recorrida:

«e) Porque a qualificação jurídica dos factos provados não foi impugnada, nem merece reparo por parte deste tribunal, passemos à última das questões suscitadas pelo recorrente, mais concretamente à determinação da medida concreta das penas aplicadas, em especial da pena única encontrada, que o recorrente considera excessiva.

Consagra o art. 71.º, do CP, que a determinação da medida da pena, «... dentro dos limites definidos na 1e4 é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção» – no 1 do preceito –, estipulando depois o n° 2 que «Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele...», passando, seguidamente a enumerar, exemplificativamente, um conjunto delas.

O art. 40.º, daquele mesmo Código estipula, por sua vez, no seu n° 1, que «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» e, no seu n° 2, que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

Assim o doseamento das penas está, consequentemente, subordinado aos critérios da culpa e da prevenção.

A culpa que fixa o limite para além do qual nenhuma pena pode ser aplicada.

(…)

A prevenção que fixa o limite para aquém do qual nenhuma pena pode ser aplicada.

Assim, a necessidade de tutela de bens jurídicos não é dada como um ponto exacto da pena, mas como uma espécie de “moldura de prevenção”, cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do quantum de pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias.

Dentro daquela “moldura de prevenção” actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial, dentro da qual a função de socialização constitui o factor mais relevante. Pelo que, o ponto de partida é verificar se o agente está carecido de socialização, pois “se uma tal carência se não verificar, tudo será questão, em termos de prevenção especial, de conferir à pena uma função de suficiente advertência do agente, o que permitirá que a medida da pena desça até perto do limite mínimo de defesa do ordenamento jurídico, ou mesmo que com ele coincida”

Ponderando o exposto, vejamos o caso concreto.

(…) Perante a pluralidade de crimes, todos eles numa relação de concurso real ou efectivo, impõe-se a realização de cúmulo jurídico entre as respectivas penas, segundo as regras definidas no art. 77.°, n.°s 1 e 2, do CP, que dispõe:

«1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes»

O tribunal recorrido justificou do seguinte modo a pena única encontrada:

«A pena única aplicável ao arguido AA tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, sendo o limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

No caso sub judice o limite máximo é, pois, de 25 anos de prisão, uma vez que somatório das penas parcelares atinge os 46 anos e 7 meses enquanto o limite mínimo é de 7 anos de prisão.

Ponderando os factos e a personalidade do arguido, designadamente que o mesmo tem antecedentes criminais, que os crimes foram praticados durante o beneficio de medidas de flexibilização de uma pena que cumpria, a actividade delituosa se prolongou temporalmente, que o mesmo não revela consciência crítica do desvalor da sua conduta delituosa, que apresenta um modo de vida sem noção dos limites sociais ou convencionais e que importa aplicar uma pena de prisão que possibilite a efectiva reintegração social do arguido, entende-se como adequada a pena única de 20 anos de prisão.

Ora, perante tal argumentação que de todo subscrevemos sem reservas e tendo em conta os critérios legais atendíveis, numa moldura penal que vai de 7 anos a 46 anos e 7 meses de prisão, limitado este tecto máximo pela pena máxima de 25 anos de prisão prevista no nosso ordenamento jurídico-penal, não podemos deixar de concordar com a pena imposta.»

No voto de vencido escreve-se:

«Vencido; concederia recurso, já que se me afigura que a pena única aplicada ao arguido, tendo nomeadamente em conta o limite mínimo a considerar – 7 anos – (art. 77.º, n.º 2, do C. P.) nunca deveria ultrapassar os 16 (dezasseis) anos de prisão, dadas as circunstâncias do caso, e apesar das mesmas.»

Nos termos do disposto no art. 77.º, n.º 1, do C. Penal, na sua redacção actual, «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.»
É este o quadro normativo em que se move o Tribunal na determinação da pena única conjunta a aplicar.
Não quer isto dizer que não sejam atendíveis os elementos a que se refere o art. 71.º do C. Penal, mas não se pode esquecer que isso já aconteceu em relação a cada uma das penas parcelares e que tudo se terá de reflectir na personalidade do agente, atenta a globalidade dos factos.
A pena aplicável tem como limite superior a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos (tratando-se de pena de prisão) e 900 dias (tratando-se de pena de multa); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes" (art. 77º, n.º 2, do C. Penal).
A pena aplicável ao arguido varia entre 7 anos e 46 anos e 7 meses.
E são atendíveis as condições pessoais do agente, como já decidiu este Supremo Tribunal de Justiça (cfr. por todos o Ac. de 17.3.05, proc. n.º 124/05-5, com o mesmo Relator) e que se reflectem na sua personalidade.
Por outro lado importa ter em atenção a soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico (como refere Figueiredo Dias, Direito Penal 2, pág. 284, cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I, 411 e Robalo Cordeiro, JDC 278), em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares e é depois construída uma moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena única – art. 77.º, n.º 2 do C. Penal, tendo em atenção os factos e a personalidade do agente
Sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena única em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação – a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes, sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares). É, pois, de toda a relevância a consideração do quantum do limite mínimo a considerar.
No que se refere às condições pessoais do recorrente, como notaram as instâncias, ele mostra-se sem emprego, familiar e socialmente e desinserido, “com perturbações de personalidade anti-social, apresentando uma personalidade de ressonância íntima extratensiva, contendo na sua dinâmica interna, fragilidade e imaturidade numa estruturação sem valores ou crítica, muito fruto de vivências traumáticas e de abandono, cuja construção da individualização foi realizada sem referências culturais”.

“Apresentando hoje um modo de vida sem noção dos limites sociais ou convencionais”, e ainda “indicadores de angústia de origem na infância, com ansiedade, por vezes difícil de controlar, desenvolvendo um processo de impulsividade, imediatismo, inconsequência e baixo limiar de tolerância à frustração e revela facilidade de relacionamento com os pares mas de uma forma superficial, sem ligações de afecto consequentes e sem plano de vida a organizar, associando-se comportamento e historial de adição tóxica, numa atitude de manutenção do princípio do prazer, negligenciando o real”. Não revela, pois, o recorrente, consciência crítica do desvalor da sua conduta delituosa, que apresenta um modo de vida sem noção dos limites sociais ou convencionais.

Mas vem assente que essa personalidade é “muito fruto de vivências traumáticas e de abandono, cuja construção da individualização foi realizada sem referências culturais, apresentando hoje um modo de vida sem noção dos limites sociais ou convencionais.” Ou seja, a censura por ter transformado no que é hoje, não lhe é imputável num grau com significado.

Por outro lado, tendo praticado crimes durante o benefício de medidas de flexibilização de uma pena que cumpria, tendo-se a actividade delituosa prolongado temporalmente, também é verdade que concluiu no Estabelecimento Prisional diversos cursos de formação profissional.

Os crimes são de elevada ilicitude, se atendermos ao modo de execução, à reiteração (vários crimes contra cada uma das ofendidas, com um intervalo de um ano e depois de 2 meses).

Importa ainda analisar os poderes de cognição deste Tribunal em matéria de medida concreta da pena.
Não oferece dúvidas de que é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação.
Tendo sido posto em dúvida que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade caibam dentro dos poderes de cognição do tribunal de revista (Cfr. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, § 82 II 3), deve entender-se que a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada (Neste sentido, Maurach e Zipp, Derecho Penal, § 63 n.º m. 200, Figueiredo Dias, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197 e Simas Santos e Correia Ribeiro, Medida Concreta da Pena, Disparidades, pág. 39).
A esta luz, e atendendo aos poderes de cognição que a este Supremo Tribunal assistem, impõe-se concluir, face à génese da personalidade do agente e ao seu investimento na formação profissional no meio prisional, que a pena concreta a fixar se deve aproximar mais da pena parcelar mais elevada (7 anos de prisão) e menos do limite máximo absoluto (25 anos), dando, no caso, mais valor ao princípio de exasperação, mantendo, no entanto, um grau de severidade compatível com a gravidade dos factos e a personalidade do agente.
Assim, tendo presente o comando do art. 369.º, n.º 3 do CPP, fixa-se a pena única conjunta em 17 anos de prisão.
3.
Pelo exposto, acordam os Juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso trazido pelo arguido AA.
Custas, do decaimento, pelo recorrente, com 3 Ucs de taxa de Justiça.

Lisboa, 15 de Março de 2007

Simas Santos
Costa Mortágua
Rodrigues da Costa