Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
763/16.1T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
NEXO DE CAUSALIDADE
TAXA DE ALCOOLEMIA
Data do Acordão: 06/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PRESUNÇÕES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 666.º, N.º 1, 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 349.º E 351.º.
REGULAMENTA O REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADA PELA LEI N.º 98/2009, DE 04 DE SETEMBRO: - ARTIGO 14.º, N.º 1, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 15-11-2006, PROCESSO N.º 06S2829;
- DE 04-11-2009, PROCESSO N.º 154/07.5TTPDL.1.S1;
- DE 19-11-2014, PROCESSO N.º 177/10.7TTBJA.E1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. Traduzindo-se as presunções judiciais em juízos de valor formulados perante os factos provados, as mesmas referem-se ao julgamento da matéria de facto, logo, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça extrair as ilações pretendidas.

II. Em matéria de acidentes de trabalho a lei consagra a exclusão da responsabilidade do empregador em determinadas situações, estatuindo expressamente que aquele não tem de reparar os danos decorrentes do acidente sempre que se verifiquem as circunstâncias enunciadas no n.º 1, do art.º 14.º, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

III. A alínea a), do n.º 1, do art.º 14.º, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, prevê duas hipóteses de descaracterização do acidente: uma, decorrente de atuação dolosa provocada pelo sinistrado e outra, prevista na segunda parte, se o acidente provier de ato ou omissão do sinistrado que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.

IV. A descaracterização do acidente prevista na segunda parte da alínea a), do n.º 1, do art,º 14.º, da citada lei, exige que: a) as condições e regras de segurança estabelecidas pelo empregador ou pela Lei se mostrem conexionadas com o risco decorrente da atividade profissional exercida, ligadas à própria execução do trabalho que o sinistrado se obrigou a prestar no exercício da sua atividade laboral; b) o sinistrado tenha conhecimento de tais condições e regras de segurança; c) e que se verifique o nexo de causalidade entre o ato ou omissão cometida pelo trabalhador e o acidente de que este foi vítima, ocasionado por violação das referidas regras.

V. Para descaracterizar um acidente de trabalho quando o sinistrado apresenta álcool no sangue, ainda que em grau suscetível de influenciar o comportamento humano e de afetar as respetivas faculdades intelectuais ou capacidades psicomotoras, é necessário demonstrar, por quem tem esse ónus, a existência do nexo de causalidade entre aquela situação e a verificação do acidente, ou seja que o grau de alcoolemia foi a causa do acidente, ou que, pelo menos, o influenciou.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

 Relatório:

 1. AA propôs, em 02.01.2017, ação emergente de acidente de trabalho contra BBS.A. – agora denominada CC S.A. – e DD Lda., pedindo a condenação solidária das Rés, a pagarem‑lhe as seguintes quantias:

 a) EUR 3 119,62 até perfazer a idade da reforma por velhice e de EUR 4.159,49 a partir daquela idade, a título de pensão por morte, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 25.02.2016 até efetivo e integral pagamento;

b) EUR 9 159,68, a título de pensão anual agravada por atuação culposa do empregador, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 25.02.2016 até efetivo e integral pagamento;

 c) EUR 5 533,68, a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 25.02.2016 até efetivo e integral pagamento;

 d) EUR 1 844,56, a título de subsídio por despesas de funeral, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 25.02.2016 até efetivo e integral pagamento;

e) EUR 50 000, a título de danos não patrimoniais emergentes da morte de seu marido, o sinistrado, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 25.02.2016 até efetivo e integral pagamento;

f) EUR 50 000, a título de danos não patrimoniais sofridos pela Autora, em consequência da morte de seu marido, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 25.02.2016 até efetivo e integral pagamento.

 Pede ainda que se proceda à remição da pensão indicada em 1, verificados os pressupostos legais.

Para o efeito, alegou, em síntese, que no dia 17.02.2016, pelas 13h30m, o seu marido EE, encontrava-se nas instalações fabris da sua empregadora, a 2ª Ré, e quando se deslocava para o seu posto de trabalho, atravessando o cais de carga ali existente, súbita e inesperadamente desequilibrou-se e caiu desamparado dessa plataforma para o solo, onde embateu com a cabeça e corpo. Em consequência da queda sofreu traumatismo crânio-encefálico, tendo sido transportado ao hospital, e ainda nesse dia transferido para o Centro Hospitalar do Porto onde veio a falecer no dia 25.02.2016. A Ré empregadora não dotou, como devia, o cais de proteções ou vedações na respetiva berma, com vista a impedir a queda do mesmo, situado a cerca de 1 metro do solo, pelo que o acidente se ficou a dever a violação, por parte da 2ª Ré, das normas de segurança que no caso se impunham.

   

2. A Ré seguradora contestou alegando que o sinistrado apresentava, no momento da queda, uma TAS de 4,2g/l, o que determinou que ele perdesse a noção da relação tempo/espacial, não conseguindo de forma minimamente adequada definir os espaços, pelo que deu a queda sem esboçar qualquer reação de defesa. Ou seja, quando caiu, o sinistrado já se encontrava sem capacidade cerebral ativa ou, no mínimo, com essa capacidade completamente distorcida.

Por outro lado, o sinistro ocorreu quando o sinistrado se encontrava na pausa do almoço, em local interdito a peões, pelo que o mesmo não dá direito a reparação nos termos do artigo 14º, nº1, alíneas a) e c) da LAT.

Concluiu pedindo a total improcedência da ação.

3. A Ré empregadora contestou invocando que o acidente se ficou a dever a negligência grosseira do sinistrado – artigo 14º, nº1, al. b) da LAT – já que ele apresentava uma TAS de 4,2g/l e a sua queda ocorreu em local devidamente assinalado com a proibição de circulação a peões.

No que diz respeito à inexistência de guarda-corpos refere que nenhuma regra de segurança impõe a colocação dos mesmos no cais de carga das suas instalações até porque são impeditivos das operações de carga que ali ocorrem.

Concluiu pela improcedência da ação. 

 

4. Foi proferida sentença pelo Tribunal da 1.ª instância que decidiu julgar a ação improcedente, absolvendo as rés dos pedidos.

 

5. Inconformada, a autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação que julgou a apelação procedente e decidiu:

a) Condenar as Rés a pagar à Autora a pensão anual e vitalícia, devida desde 26.02.2016, no montante de EUR 3 112,88 – sendo EUR 2 971,21 da responsabilidade da Ré seguradora e EUR 141,67 da responsabilidade da Ré empregadora – até perfazer a idade da reforma por velhice, pensão obrigatoriamente remível, e no montante de EUR 4 150,51, sendo EUR 3 961,62 da responsabilidade da Ré seguradora e EUR 188,89 da responsabilidade da Ré empregadora, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho.

b) Condenar a Ré seguradora a pagar à Autora a quantia de EUR 5 533,68 a título de subsídio por morte.

c) Condenar as Rés a pagar à Autora, sobre as quantias referidas em 1 e 2 os juros de mora, à taxa legal, contados desde 26.02.2016 e até integral pagamento.

d) Julgar improcedentes os pedidos de condenação na indemnização por danos não patrimoniais e subsídio por despesas de funeral e dos mesmos se absolve as Rés.      

6. Inconformadas, as rés interpuseram, individualmente, recurso de revista.

A) A Ré Seguradora apresentou as seguintes conclusões:

I. O presente recurso versa sobre o acórdão de 11.09.2018 do Tribunal da Relação do Porto que acordou em conceder provimento ao recurso apresentado pela então Apelante e ora Recorrida e, em consequência, revogou a sentença de 26.01.2018 do Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 1, condenando a Seguradora nos seguintes termos:

1. Se condena as Rés a pagar a Autora a pensão anual e vitalícia, devida desde 26.02.2016, no montante de EUR 3 112.88 - sendo EUR 2 971,21 da responsabilidade da Ré seguradora e EUR 141,67 da responsabilidade da Ré empregadora - até perfazer a idade da reforma por velhice, pensão obrigatoriamente remível, e no montante de EUR 4 150,51, sendo EUR 3 961,62 da responsabilidade da Ré seguradora e 188,89 da responsabilidade da Ré empregadora, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho.

2. Se condena a Ré seguradora a pagar à Autora a quantia de EUR 5.533,68 a título de subsídio por morte.

3. Se condena as Rés a pagar à Autora, sobre as quantias referidas em 1 e 2 os juros de mora, à taxa legal, contados desde 26.02.2016 e até integral pagamento.

4. Se julga improcedentes os pedidos de condenação na indemnização por danos não patrimoniais e subsídio por despesas de funeral e dos mesmos se absolve as Rés.

II. A aqui Recorrente não concorda com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto porque o douto Tribunal eliminou o facto 32 "muito provavelmente, a TAS que o sinistrado apresentava terá pelo menos contribuído para a sua queda e diminuído a sua capacidade para se proteger da mesma, nomeadamente, ao nível da cabeça", sem que tenham formado qualquer convicção sobre o mesmo, violando o princípio do inquisitório (art.º 411.º do CPC), o que constitui uma nulidade (art.º 615.º, n.º 1 al. d), do CPC) oportunamente arguida.

III. O Tribunal da Relação interpretou erradamente o juízo do julgador de Primeira Instância, pois este não ficou com dúvidas razoáveis quanto ao facto de a TAS ter contribuído para o acidente, por isso mesmo deu como provado o facto 32.

32. Muito provavelmente, a TAS que o sinistrado apresentava terá pelo menos contribuído para a sua queda e diminuído a sua capacidade para se proteger da mesma, nomeadamente ao nível da cabeça [eliminado],

IV. Por isso, o Tribunal da Relação eliminou erradamente o referido facto, que tinha sido dado como provado pela Primeira Instância, sem fundamentar essa eliminação com base na sua convicção quanto à prova produzida,

V. Ou seja, o Tribunal da Relação eliminou o facto 32, mas absteve-se de tomar posição quanto ao nexo causal entre a TAS e o acidente.

 VI. Ora, se o Tribunal da Relação não pretendia tomar posição quanto à sua convicção acerca do nexo causal entre a TAS e o acidente atendendo a toda a prova produzida e demais factos, ainda que eliminasse a expressão «Muito provavelmente» não devia ter eliminado o facto dado como provado pela 1.ª Instância.

VII. Se a decisão do julgador, neste caso da 1.ª Instância, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que, diga-se desde já, aconteceu nos presentes autos.

VIII. Conforme orientação jurisprudencial prevalecente - o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1.ª instância, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respetiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, está em melhor posição.

IX. Por um lado, só dos factos dados como provados, designadamente dos factos 30 e 31, é possível extrair o nexo entre a TAS de 4,3 g/l e o acidente de trabalho:

30. O sinistrado apresentava aquando da queda, uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 4,3 g/l.

31. Devido à TAS que apresentava aquando da queda, o sinistrado tinha pelo menos muito diminuídas as capacidades cognitivas, sensitivas, volitivas e motoras, bem como a noção da relação tempo/espacial, não estando orientado nem equilibrado.

X. Por outro lado, dúvidas não restam quanto ao nexo causal entre a TAS e as alterações físicas e psíquicas que o infeliz Sinistrado apresentava, tendo em conta:

a) Relatório da autópsia: indicava que o Sinistrado não tinha quaisquer feridas ou escoriações, seja nos membros superiores, seja nos membros inferiores – o que demonstra, desde logo, não teve qualquer reação de defesa, contrariamente ao que sucederia se não tivesse uma TAS, conforme explicado pelo médico, aquando do seu depoimento.

b) Documentação clínica: Indicava que o Sinistrado «tinha hálito etílico e antecedentes pessoais de alcoolismo (múltiplas vindas ao SU por queda)».

c) Depoimento dos médicos: entre os quais, o médico indicado pela Seguradora que descreveu e explicou que é possível alguém encontrar-se com uma TAS tão elevada (4,3 g/l) e parecer estar num estado «normal». Segundo o médico este estado designa-se de «Obnubilacão cerebral que é quando perdemos a consciência».

XI. Deste modo, não se entende, salvo o devido respeito, a razão pela qual os Senhores Desembargadores eliminaram o facto 32, sem terem fundamentando a sua posição e terem interpretado a convicção da Primeira Instância, devido à expressão «muito provavelmente» como se o douto Tribunal tivesse dúvidas quanto ao nexo existente entre a TAS e o acidente de trabalho.

XII. Ademais, também se concluiu, que o Sinistrado caiu de um metro de altura, sem ter tido qualquer tipo de reação em proteger-se da queda, tendo sofrido um violentíssimo traumatismo crânio-encefálico (TCE), por se encontrar no já referido estado de obnubilacão cerebral.

XIII. Assim, o acidente de trabalho mortal deveu-se ao estado de quase inconsciência que o Sinistrado apresentava - devido à TAS de 4,3 g/l - encontrando-se, salvo o devido respeito, provado o nexo causal entre as condições físicas e psicológicas que o Sinistrado apresentava e o acidente.

XIV. Os elementos factuais existentes no processo são suficientes para pr... o duplo nexo causal que o Tribunal da Relação parece referir no seu acórdão: de uma banda, o nexo causal entre a TAS e as alterações físicas e psíquicas que o Sinistrado apresentava aquando do acidente; de outra banda, o nexo causal entre as referidas alterações que o Sinistrado apresentava e a ocorrência do acidente: relembramos que, se o Sinistrado estivesse num estado de «normal» consciência, teria reagido instantaneamente, protegendo-se com os braços, as mãos e as pernas, o que não sucedeu.

XV. É plausível, segundo as regras da experiência, o nexo de causalidade entre a TAS e o acidente porque se verificam todas as premissas.

XVI. O Sinistrado morreu porque teve um TCE gravíssimo, resultante da queda de uma plataforma de um cais de carga (onde estava interdita a sua presença), com apenas um metro de altura - cfr. factos 17 a 21.

XVII. A referida queda verificou-se quando o Sinistrado apresentava uma TAS de 4,3 g/l, a qual lhe diminuía muito as capacidades cognitivas, sensitivas, volitivas e motoras, bem como a noção da relação tempo/espacial, não estando orientado nem equilibrado - cfr. factos 30 e 31. De tal modo que o mesmo não se encontrava capaz de se proteger da referida queda - cfr. facto 14.

XVIII. Donde que, o acidente se verificou porque o Sinistrado apresentava uma TAS de 4,3 g/l: o Sinistrado caiu, num estado de obnubilação pormenorizadamente explicado em julgamento, devido à TAS de 4,3 g/l com que se encontrava e só por este motivo a queda tão pequena - Um metro frise-se! - comportou o TCE que esteve na origem da sua morte.

XIX. Por fim, o Tribunal da Relação não descaraterizou o acidente de trabalho, argumentando que a sinalização existente no local de acidente era referente à proibição de circulação de peões apenas quando existia a circulação dos empilhadores, ou seja, fez depender a primeira sinalética da segunda.

XX. A interpretação dos sinais efetuada pela Relação, salvo o devido respeito, descontextualizada e rebuscada - no sentido de que a proibição de circulação de peões está relacionada com a circulação no cais dos empilhadores que transportam a carga para os camiões, porque aquela depende desta - é errada e viola as disposições substantivas sobre segurança e saúde no trabalho previstas na Portaria n.º 1456-A/95, de 11 de dezembro, relativa às prescrições mínimas de colocação e utilização da sinalização de segurança e de saúde no trabalho, e nos artigos 281.º do Código do Trabalho e 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro.

XXI. Primeiramente, e conforme os factos provados (cfr. p.e. factos 18 e 23) que não foram eliminados, era expressamente proibido, em qualquer altura (inclusive na hora de almoço), a circulação de peões no cais de carga e descarga.

XXII. Em segundo lugar, para além da falta de cabimento legal, nunca durante todo o processo foi sequer equacionada a interpretação conjunta dos sinais, nunca sequer se tendo referido se os mesmos se encontravam juntos (como parece presumir o Tribunal da Relação).

XXIII. O Sinistrado entrou numa zona totalmente proibida, violando normas de segurança e saúde no trabalho, bem como a legislação específica sobre sinalização prevista na Portaria n.º 1456-A/95, de 11 de dezembro.

XXIV.      A violação das condições de segurança por parte do Sinistrado, sem causa justificativa, dá origem à descaracterização do acidente de trabalho.

XXV. Em face do exposto:

a) Só da matéria dada como assente é possível extrair a relação causal entre a TAS e o acidente;

b) O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto padece de uma nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, porquanto não se pronunciou sobre uma questão que devia apreciar na eliminação do facto 32 - o nexo causal entre a TAS de 4,3 g/l e o acidente - pelo que deve ser declarado nulo o Acórdão recorrido, baixando o processo à Relação para que os Senhores Desembargadores refiram a sua convicção relativamente a este nexo causal, atendendo à prova produzida e demais factos provados;

c) Ao que acresce a violação a lei substantiva pelo Acórdão recorrido, por fazer uma errada interpretação da Portaria n.º 1456-A/95, de 11 de dezembro, relativa às prescrições mínimas de colocação e utilização da sinalização de segurança e de saúde no trabalho, do artigo 281.º do Código do Trabalho e do artigo 15.º da Lei n.9102/2009, de 10 de setembro.

B) O recurso da empregadora não foi admitido por despacho do relator, que transitou em julgado.

7. A autora contra-alegou, defendendo a improcedência dos recursos.

8. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser negada a revista.

9. Nas suas conclusões, a recorrente seguradora suscitou as seguintes questões que cumpre solucionar:

- A nulidade do acórdão recorrido, com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;

- A descaracterização do acidente devido a negligência grosseira do sinistrado e à violação, por este, das condições e regras de segurança estabelecidas pela empregadora.

                                                           II

A) Fundamentação de facto:

O Tribunal da 1.ª Instância fixou a seguinte factualidade:

1. No dia 25.02.2016, faleceu o sinistrado EE.

2. À data do seu falecimento, o sinistrado era casado com a Autora.

3. E trabalhava para a Ré empregadora “DD, S.A.”, que o havia contratado para, sob sua autoridade e direção, lhe prestar as funções correspondentes à categoria profissional de “...”.

4. Auferindo, como contrapartida do seu trabalho, retribuição base de EUR 635,02, paga catorze vezes por ano; e subsídio de alimentação, no valor mensal de EUR 112,64, pago onze vezes por ano.

5. Para além das referidas quantias, o sinistrado auferia mensalmente EUR 22,45, a título de “prémio de assiduidade”, pelo menos 11 vezes por ano, desde que não faltasse ao serviço.

6. O prémio de assiduidade não está antecipadamente garantido aos trabalhadores da R. Empregadora. Dependendo da efetiva assiduidade do trabalhador, concretamente da circunstância do trabalhador não apresentar qualquer ausência no respetivo mês de pagamento, com exceção de ausência motivada pelo gozo de férias.

7. O horário de trabalho do sinistrado era das 08:00 horas às 17:00 horas, com intervalo para almoço das 12:30 às 13:30 horas.

8. No dia 17 de fevereiro de 2016, de acordo com o seu horário de trabalho, previamente estipulado pela Ré empregadora, o sinistrado entrou às 8h00 horas ao trabalho e deveria sair às 17h00 horas.

9. Nesse dia, depois de almoço, por volta das 13h30m, o sinistrado encontrava-se nas instalações fabris da Ré empregadora (sitas na EN 109, apartado 20, ..., ...), concretamente na plataforma que serve de cais de carga dos veículos pesados e que dá acesso ao armazém, a fumar um cigarro e a conversar com um motorista externo à R. Empregadora, FF.

10. A dada altura, ao caminhar pelo cais de carga, o sinistrado caiu da plataforma do cais de carga, de uma altura de cerca de um metro, para o solo do pavilhão, onde embateu com a cabeça e corpo.

11. Sofrendo em consequência direta e necessária dessa queda, um traumatismo crânio-encefálico (TCE).

12. Tendo sido transportado para as urgências do Centro Hospitalar de ... e posteriormente, dada a gravidade da sua situação clínica, transferido para o Centro Hospitalar do Porto, onde veio a falecer, no dia 25 de fevereiro de 2016, pelas 20h30m.

13. O sinistrado entrou no Centro Hospitalar Entre o Douro e Vouga hemodinamicamente estável, sem evidência de outros traumatismos e apresentando uma TAS de 4,3 g/l.

14. O sinistrado não apresentava lesões nos membros superiores e inferiores.

15. Quando entrou no Centro Hospitalar do Porto, o sinistrado apresentava melhoria neurológica, com abertura dos olhos espontânea e localização da dor.

16. Tendo apresentado agravamento clínico já durante o internamento.

17. A morte do sinistrado deveu-se a “lesões traumáticas crâniomeningo‑encefálicas complicadas com broncopneumonia em fase exsudativa”, resultantes da queda, constituindo tais lesões traumáticas causa adequada da sua morte.

18. A zona do cais de carga onde o sinistrado se encontrava aquando da queda, estava afeta à circulação de empilhadores e à movimentação de paletes.

19. Ninguém ordenou ao sinistrado para aí se deslocar ou posicionar.

20. O sinistrado não tinha nesse local que realizar qualquer tarefa no quadro das suas funções.

21. A plataforma do cais de carga de onde o sinistrado caiu, encontrava-se elevada a uma distância de cerca de 1 metro do solo.

22. E não tinha na ocasião, nomeadamente na respetiva berma, quaisquer proteções e/ou vedações.

23. Aquando da queda do sinistrado, existia na zona do cais de carga onde se encontrava um sinal de interdição de acesso a peões e outro sinalizando a circulação de empilhadores.

24. A borda do cais de carga estava assinalada por pintura de cor amarela.

25. Após a queda do sinistrado e por indicação da Autoridade Para As Condições do Trabalho (ACT), a Ré empregadora colocou vedações de proteção (que se abrem quando necessário, para carregar os camiões) na plataforma onde sucedeu o acidente, como forma de procurar evitar outras quedas.

26. A ACT já tinha anteriormente visitado as instalações da Ré empregadora, sem que tivesse indicado a necessidade de colocar barreiras de proteção no cais de carga.

27. Só dando essa orientação à Ré empregadora após o acidente ter ocorrido.

28. A colocação de guarda-corpos no cais onde ocorreu o acidente podia dificultar as operações de carga dos camiões, circulação de empilhadores e movimentação de paletes.

29. A generalidade dos cais deste tipo em uso em empresas industriais não tem quaisquer guarda-corpos.

30. O sinistrado apresentava aquando da queda, uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 4,3 g/l.

31. Devido à TAS que apresentava aquando da queda, o sinistrado tinha pelo menos muito diminuídas as capacidades cognitivas, sensitivas, volitivas e motoras, bem como a noção da relação tempo/espacial, não estando orientado nem equilibrado.

32. Muito provavelmente, a TAS que o sinistrado apresentava terá pelo menos contribuído para a sua queda e diminuído a sua capacidade para se proteger da mesma, nomeadamente ao nível da cabeça [eliminado pelo Tribunal da Relação].

33. A queda do sinistrado foi o primeiro acidente ocorrido no local aqui em causa, ao fim de 40 anos de funcionamento da plataforma onde se verificou.

34. A Ré empregadora tem cerca de 189 trabalhadores.

35. A Ré empregadora não procede a controlos diários de alcoolémia.

36. Nem tem ao seu serviço peritos em identificação ou despistagem de trabalhadores alcoolizados.

37. A morte do sinistrado causou à Autora tristeza e desgosto.

38. Aquando do acidente, a Ré empregadora tinha a responsabilidade infortunística-laboral por acidentes de trabalho sofridos pelo sinistrado, transferida para a Companhia de BB, S.A. (entretanto redenominada de CC, S.A.), através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., com base na retribuição anual de EUR 9.904,04 [(EUR 635,02 x 14 meses de retribuição base) + (EUR 92,16 x 11 meses de subsídio de alimentação)].

B) Fundamentação de Direito:

B1) Os presentes autos respeitam a ação emergente de acidente de trabalho participado em 3/3/2016, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 10/9/2018.

Assim sendo, o regime legal aplicável é o seguinte:

– O Código de Processo do Trabalho, na versão atual;

– O Código de Processo Civil, na versão atual;

– A Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

B2) A recorrente seguradora sustenta que o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, com o fundamento de que o Tribunal da Relação eliminou erradamente o ponto 32 dos factos provados «sem fundamentar essa eliminação com base na sua convicção quando à prova produzida» abstendo-se de «tomar posição quanto ao nexo causal entre a TAS e o acidente».

Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, norma aplicável aos acórdãos proferidos pela Relação, por força do n.º 1 do artigo 666.º do mesmo código, é nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento [alínea d)].

O vício a que se reporta este normativo traduz-se no incumprimento, por parte do juiz, do dever prescrito no n.º 2 do artigo 608.º, do mesmo código, que estabelece o seguinte: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

No caso concreto, o acórdão recorrido não enferma da nulidade que lhe é imputada pela recorrente.

Com efeito, da leitura do acórdão recorrido resulta com clareza que o Tribunal da Relação se pronunciou sobre os pontos da matéria de facto impugnada pela apelante, mais concretamente sobre os pontos nºs.13, 19, 20, 23, 26, 29, 30, 31, 32, 33 e, bem assim, sobre o aditamento de um facto.

No que diz respeito ao facto constante do ponto 32, o Tribunal da Relação teceu as seguintes considerações:

«O facto 32 corresponde à resposta conjunta aos seguintes quesitos: 36. De repente, pelo efeito dessa TAS que apresentava, o sinistrado caiu desamparado da referida plataforma (berma do cais) para o pavimento? 37. Se não fosse a TAS que o sinistrado apresentava e o facto de se encontrar numa zona de acesso interdita a peões, a queda não teria ocorrido? 38. Ou, a ocorrer, e atenta a altura diminuta da queda (um metro), sempre o sinistrado teria tido capacidade de se proteger da mesma, evitando o TCE? 41. Tendo sido por isso que deu uma queda de um metro, sem esboçar qualquer reação de defesa, batendo lentamente com a cabeça no chão? 59. A queda ocorreu única e exclusivamente por desequilíbrio do sinistrado, causado pela situação de embriaguez em que se encontrava? 62. O estado de embriaguez do sinistrado levou a que o mesmo se posicionasse precisamente na borda do cais? 77. Caso não estivesse embriagado, o sinistrado, ainda que se desequilibrasse por desatenção ou por outra razão, e caísse, proteger-se-ia instintivamente? 78. Evitando ou minorando as consequências do contacto com o solo, designadamente ao nível do crânio?

Todos os referidos quesitos estão relacionados com o nexo de causalidade entre a TAS que o sinistrado apresentava e a queda que sofreu.

Quando responde aos quesitos o Juiz pode tomar, em regra, 4 atitudes: a) dar resposta totalmente positiva; b) dar resposta totalmente negativa; c) dar resposta de conteúdo restritivo; d) dar resposta de conteúdo explicativo. Quando aprecia a prova produzida em audiência deve o Juiz guiar-se por padrões de forte probabilidade relativamente à veracidade dos factos que aprecia, e não de certeza absoluta, por ser esta última quase inatingível. Mas se o Juiz, socorrendo-se desses padrões de forte probabilidade, ficar na incerteza acerca da veracidade de determinado facto, ou seja, se no seu espírito não for possível afastar a dúvida razoável, então, e tendo em conta as regras da repartição do ónus da prova, terá ele de decidir contra a parte onerada com a respectiva prova – artigo 414º do CPC – e dar o facto como não provado.

Ora, o facto 32 – Muito provavelmente, a TAS que o sinistrado apresentava terá pelo menos contribuído para a sua queda e diminuído a sua capacidade para se proteger da mesma, nomeadamente ao nível da cabeça – permite concluir que no espírito do julgador ficou dúvida razoável quanto ao facto de a TAS ter contribuído para o acidente.

E perante a dúvida do julgador a resposta aos quesitos 36, 37, 38, 41, 59, 62, 77 e 78 só poderia ser «não provados» [e não a resposta que consta do facto 32] atendendo às regas do ónus da prova a que já aludimos.

Deste modo, e com os fundamentos expostos considera-se não provado o facto 32 e assim se elimina o mesmo da matéria de facto.»

Daqui decorre que o Tribunal da Relação não omitiu o conhecimento do pedido de alteração da decisão quanto à matéria de facto, em particular sobre o ponto 32.

Alega a recorrente que o Tribunal da Relação não fundamentou a eliminação daquele facto com base na sua convicção quando à prova produzida, e que se absteve de tomar posição quanto ao nexo causal entre a TAS e o acidente.

No entanto, esta questão já se prende com a análise e decisão sobre a matéria de facto em si mesma e não com uma concreta questão cujo pedido de apreciação tivesse sido omitido.

A eventual incorreção na fixação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação poderá consubstanciar erro de julgamento e não uma situação geradora de nulidade como alega a recorrente.

A recorrente defende ainda que a matéria de facto dada como assente permite extrair a relação casual entre a TAS e o acidente.

Daqui decorre que a recorrente pretende a aplicação de uma presunção judicial, nos termos dos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, para se concluir no sentido da existência de nexo de causalidade entre o grau de alcoolemia apresentado pelo sinistrado e a produção do acidente, o que conduziria à descaracterização deste, ao abrigo do preceituado no artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009.

Segundo o artigo 349.º do Código Civil, «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido», sendo que, nos termos do artigo 351.º do Código Civil, «as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal».

Como se refere no acórdão desta Secção de 4/11/2009, proferido no processo n.º 154/07.5TTPDL.1.S1, disponível em www.dgsi.pt, «traduzindo-se as presunções judiciais em juízos de valor formulados perante os factos provados, as mesmas referem-se ao julgamento da matéria de facto», e continua referindo: «(…) não cabe a este Supremo Tribunal extrair ilações da matéria de facto assente, mas sim aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (…). Ao Supremo Tribunal de Justiça compete ajuizar, por ser uma questão de direito, se as presunções judiciais extraídas pelas instâncias violam o disposto nos artigos 349.º e 351.º citados, isto é, se foram tiradas de factos desconhecidos (não provados) ou irrelevantes para firmar factos desconhecidos ou se exigem um grau superior de segurança na prova, ou, ainda, se conflituam com a factualidade material provada ou contrariam um facto que tenha sido submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal considerou não provado (…)».

Nestes termos, não há fundamento legal para que este Supremo Tribunal exerça censura sobre a matéria de facto fixada pela Relação (artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), devendo ser com base nos factos apurados que hão de ser resolvidas as questões suscitadas no recurso.

B3) A recorrente sustenta que o acidente dos autos ocorreu porque o sinistrado apresentava uma TAS de 4,3 g/l, o que originou a queda que sofreu, e também porque entrou numa zona totalmente proibida, violando normas de segurança e saúde no trabalho e, bem assim, a Portaria n.º 1456-A/95, de 11 de setembro, relativa às prescrições mínimas de colocação e sinalização de segurança e saúde no trabalho.

O artigo 14º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro dispõe:

«1. O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:

a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;

b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;

c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.

2. Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.

3. “Entende-se por negligência grosseira, o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão».

No caso dos autos provou-se:

8. No dia 17 de Fevereiro de 2016, de acordo com o seu horário de trabalho, previamente estipulado pela Ré empregadora, o sinistrado entrou às 8h00 horas ao trabalho e deveria sair às 17h00 horas.

9. Nesse dia, depois de almoço, por volta das 13h30m, o sinistrado encontrava-se nas instalações fabris da Ré empregadora (sitas na EN 109, apartado 20, ..., ...), concretamente na plataforma que serve de cais de carga dos veículos pesados e que dá acesso ao armazém, a fumar um cigarro e a conversar com um motorista externo à R. Empregadora, FF.

10. A dada altura, ao caminhar pelo cais de carga, o sinistrado caiu da plataforma do cais de carga, de uma altura de cerca um metro, para o solo do pavilhão, onde embateu com a cabeça e corpo.

11. Sofrendo em consequência direta e necessária dessa queda, um traumatismo crânio‑encefálico (TCE).

12. Tendo sido transportado para as urgências do Centro Hospitalar de ... e posteriormente, dada a gravidade da sua situação clínica, transferido para o Centro Hospitalar do Porto, onde veio a falecer, no dia 25 de fevereiro de 2016, pelas 20h30m.

(…)

18. A zona do cais de carga onde o sinistrado se encontrava aquando da queda, estava afeta à circulação de empilhadores e à movimentação de paletes.

19. Ninguém ordenou ao sinistrado para aí se deslocar ou posicionar.

20. O sinistrado não tinha nesse local que realizar qualquer tarefa no quadro das suas funções.

23. Aquando da queda do sinistrado, existia na zona do cais de carga onde se encontrava um sinal de interdição de acesso a peões e outro sinalizando a circulação de empilhadores.

24. A borda do cais de carga estava assinalada por pintura de cor amarela.

(…)

30. O sinistrado apresentava aquando da queda, uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 4,3 g/l.

31. Devido à TAS que apresentava aquando da queda, o sinistrado tinha, pelo menos, muito diminuídas as capacidades cognitivas, sensitivas, volitivas e motoras, bem como a noção da relação tempo/espacial, não estando orientado nem equilibrado.

No acórdão deste Supremo Tribunal de 19/11/2014, proferido no processo 177/10.7TTBJA.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, sumariou-se, na parte que aqui releva, o seguinte, a propósito das alíneas a) e b) do n.º 1, do art.º 14.º, da Lei n.º 98/2009:

«I – O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que (a) provier de ato ou omissão do sinistrado que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, ou (b) que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.

II - A descaracterização do acidente (de trabalho) prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 14.º da NLAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro) exige a conjunção cumulativa dos seguintes requisitos: a existência, por um lado, de condições de segurança e o seu desrespeito por parte do destinatário/trabalhador; em atuação voluntária, embora não intencional, por ação ou omissão, e sem causa justificativa; por outro lado, impõe-se que o acidente seja consequência, em termos de causalidade adequada, dessa conduta.

III – A negligência grosseira, prevista na alínea b) da norma enquanto causa exclusiva descaracterizadora do acidente, preenche-se na assunção, pelo sinistrado, por ação ou omissão, de um comportamento temerário em alto e relevante grau, causalmente determinante da eclosão do evento infortunístico, considerando-se como tal a atuação perigosa, audaciosa e inútil, reprovada por um elementar sentido de prudência.»

No caso dos autos, como se assinala no acórdão recorrido, relativamente à proibição de circulação de peões no cais de carga foi formulado o seguinte quesito em sede de 1.ª instância: «55: E bem sabendo (o sinistrado) que se tratava de uma zona de circulação proibida a peões, onde lhe era vedado estar?»

A este quesito o Tribunal de 1.ª instância respondeu o que consta do ponto n.º 23 supracitado, ou seja que «Aquando da queda do sinistrado, existia na zona do cais de carga onde se encontrava um sinal de interdição de acesso a peões e outro sinalizando a circulação de empilhadores».

Embora se tenha provado que existia na zona do cais de carga um sinal de interdição de acesso a peões e outro sinalizando a circulação de empilhadores, o certo é que não resulta dos factos materiais considerados provados a necessária vinculação causal entre a falta de observação da sobredita interdição e a produção do acidente que vitimou o sinistrado.

O artigo 563.º do Código Civil, sob a epígrafe «Nexo de causalidade», ao estatuir que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», acolheu a teoria da causalidade adequada, na sua formulação mais generalizada.

No caso concreto, a factualidade provada não nos permite concluir que a falta de observação da sinalização existente pelo sinistrado foi a causa adequada do acidente, pelo que não se verifica o circunstancialismo previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT.

No que concerne à TAS que o sinistrado tinha aquando do acidente, importa ter presente o decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15/11/2006, proferido no processo n.º 06S2829, disponível em www.dgsi.pt, no qual se refere «(…) para descaracterizar um acidente de trabalho quando o sinistrado apresenta álcool no sangue – ainda que em grau suscetível de influenciar o comportamento humano e de afetar as respetivas faculdades intelectuais ou capacidades psico‑motoras – se torna necessário demonstrar, por quem tem esse ónus, a existência do nexo de causalidade entre aquela situação e a verificação do acidente. Por outras palavras, que o grau de alcoolemia foi a causa do acidente, ou que, pelo menos, o influenciou».

Analisando a matéria de facto provada, afigura-se-nos que, não obstante a prova de que o sinistrado apresentava uma TAS de 4,3g/l, certo é que não se provou que o acidente ocorreu por causa deste estado alcoólico, ou seja, não se provou o nexo de causalidade entre aquela taxa de álcool no sangue e a eclosão do acidente.

Por isso, também não se verifica o circunstancialismo previsto no artigo 14º, nº 1, al. b) da LAT.

No caso concreto a factualidade provada não permite concluir pela descaracterização do acidente que vitimou o sinistrado.

                                               III

            Decisão:

 Face ao exposto acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 26 de junho de 2019.

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

António Leones Dantas