Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A1337
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ200705240013371
Data do Acordão: 05/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : 1) A fixação dos factos materiais de causa baseada nos meios de prova produzidos e de livre apreciação do julgador não cabe no âmbito do recurso de revista, ressalvadas as situações excepcionais do nº 2, “in fine” do artigo 722º CPC.
2) O dever de comunicação das cláusulas contratuais constante do artigo 5º do Decreto-Lei nº 466/85 de 25 de Outubro destina se a que o aderente conheça antecipadamente o conteúdo contratual, isto é, as cláusulas a inserir no negócio.
3) O dever acontece na fase de negociação, ou pré contratual, e deve ser acompanhado, se solicitado pelo aderente, de esclarecimentos necessários, possibilitando-lhe conhecer o significado e as implicações das cláusulas.
4) O ónus da prova da comunicação cabe ao contraente que submete as cláusulas ao outro, bastando-se com a remessa do contrato, com todo o seu clausulado, ao aderente para que este o devolva uma vez firmado, designadamente tratando-se de uma sociedade comercial que dispõe de melhores meios de estudo e de analise do que um contraente individual.
5) Só uma grave distorção lesiva dos princípios da boa fé e lisura contratuais gera a nulidade do contrato nos termos do artigo 9º nº 2 do Decreto-lei nº 446/85.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

“... – Companhia Portuguesa de Locação Financeira Mobiliária SA” intentou acção, com processo ordinário, contra “... – Construções e Obras Públicas Limitada”, AA e BB pedindo a declaração da resolução dos seis contratos de locação financeira datados de 4 de Dezembro de 1991, a entrega do equipamento locado e o pagamento das quantias em divida num total de 22.087.304$00, acrescida de juros.

Na 6ª Vara Cível da Comarca de Lisboa a acção foi julgada procedente e os Réus condenados no pedido.

Apelou a Ré “...” mas a Relação de Lisboa confirmou o julgado.

Pede, agora, revista assim concluindo:

- Ao contrário do referido na decisão recorrida, não cabia aos Réus provar a não negociação particular das cláusulas contratuais gerais integrantes dos contratos celebrados entre Autora e Réus, já que esse seria sempre um ónus que recairia sobre a Autora (isto de acordo com as regras civilísticas do ónus da prova, mas também de acordo com as regras instituídas pela directiva comunitária 93/13 da CEE), pelo que não tendo a mesma feito prova em relação a estes elementos, não poderiam eles ser dado como provados simplesmente por os Réus não os terem provado, porque tal ónus recaia sobre a Autora que nada fez para provar tais aspectos.

- É manifesta a existência, neste caso, de erro na apreciação por parte dos Tribunais recorridos da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, violando assim o estatuído no art. 659, nº 3 do C.P.C., do qual se fez uma incorrecta interpretação e aplicação, e que conduziu, necessariamente, a uma decisão contrária a essa mesma prova.

- É inequívoco, neste caso em particular, estarmos perante contratos nos quais se recorreu ao uso de cláusulas contratuais gerais e aos quais, portanto, se aplica o regime jurídico instituído pelo DL 446/85, de 25 de Outubro (sucessivamente alterado pelos DL 220/95 e DL 249/99).

- O referido diploma legal que veio regular esta matéria, nos seus artºs 5º e 6°, vem estabelecer um especial dever de comunicação (art. 5°) e um específico dever de informação (art. 6°) a cargo do proponente do contrato de adesão (deveres esses que são pré-contratuais e nunca contratuais ou pós-contratuais), que obrigam, o primeiro, a que essas cláusulas contratuais gerais devam ser comunicadas na íntegra ao aderente (aqui recorrente), e o segundo, a que seja explicado ao aderente o conteúdo e alcance prático – jurídico das referidas cláusulas.

- A aqui recorrida não cumpriu os seus deveres de comunicação e informação em relação às cláusulas gerais do contrato atinentes às questões relativas a juros e à indemnização por resolução do contrato, tal como lhe é exigido legalmente, sendo que o ónus da prova em relação a tal matéria lhe competia, tal como determina o art. 5º, nº 3 do DL 446/85, estabelecido para o dever de comunicação e aplicável analogicamente em relação ao dever de informação.

- É que o dever de comunicação e de informação tem o exacto conteúdo que o Legislador lhe quis dar: cada uma das cláusulas constantes do contrato tem de ser efectivamente explicada ao aderente, sob pena de se considerar violado o dever de informação consagrado na Lei em questão. Entender de outra forma seria, aliás, presumir que o aderente tem forçosamente de possuir capacidades e habilitações técnicas específicas para entender o conteúdo de tais contratos, inúmeras vezes (quase sempre) pejados de termos que pelas suas especificidades não são perceptíveis para o comum dos cidadãos — o que é inaceitável.

- Por força da violação destes deveres a lei prevê, por um lado, o preenchimento dos pressupostos do dolo negativo (por violação do dever de informação) e consequente obrigação de indemnizar a cargo da recorrida, aferida de acordo com as regras gerais da responsabilidade civil, e, por outro lado, mais importante ainda, prevê a exclusão de tais cláusulas dos contratos singulares aqui em causa celebrados entre Autora e Réus, nos termos do art. 8° do referido DL 446/85.

- O art. 16° das Condições Gerais (bem como o art. 9º nº 6) de cada contrato subscrito pela recorrente, integram-se claramente no conceito de cláusulas abusivas, cujo conteúdo é manifestamente atentatório e contrário à boa-fé, uma vez que, de acordo com essa primeira cláusula, em caso de resolução do contrato celebrado, a aqui recorrida ficaria na posse de todo o equipamento, podendo assim, face à inflação, negociar o mesmo pelo respectivo preço de aquisição, além do que obteria as prestações entretanto vencidas, juros sobre as mesmas com as sucessivas capitalizações e indexações, juros de mora sobre estes juros, uma indemnização no valor de 20% do total das rendas vincendas, juros sobre este valor e juros de mora sobre estes juros capitalizados.

- Chamando à colação os valores fundamentais do direito referidos no art. 16º do DL 446/85, facilmente concluímos que uma norma deste género (bem como o n°.6 do art. 9 das condições gerais dos contratos em questão) é manifestamente contrária à boa-fé que deve nortear as relações comerciais, importando para a aqui recorrente um desequilíbrio injustificável nas prestações por si assumidas, desequilíbrio esse que já se verifica naturalmente pela própria natureza destes contratos de adesão, mas que foi ainda mais exponenciado pela aqui recorrida ao integrar as cláusulas ora em análise;

- É, assim, manifesta a nulidade das referidas cláusulas, por serem contrárias à boa-fé (artºs 15º e 12° do DL 446/85), constituindo a sua aplicação um verdadeiro negócio usurário, proibido no artº 281º do Código Civil.

- A Decisão recorrida viola o disposto nos art°s 5º, 6º, 8°, 12°, 15° e 16° do DL 446/85, de 25 de Outubro (sucessivamente reformulado pelo DL 220/95, de 31 de Agosto, e pelo DL 249/99, de 7 de Julho), dos quais fez uma incorrecta interpretação e aplicação ao caso em apreço.

Contra alegou a Autora em defesa do julgado.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto:

A) A autora dedica-se à actividade de locação financeira de bens de equipamento.
B) A autora deu em locação financeira a ... Lda. um camião ...N1O através do contrato n° 2944/1.
C) A autora deu em locação financeira a ... Lda. um camião ...N1O através do contrato n°2944/2.
D) A autora deu em locação financeira a ... Lda. uma viatura ... através do contrato n° 2944/3.
E) A autora deu em locação financeira a ... Lda. uma viatura ... através do contrato n°2944/4.
F) A autora deu em locação financeira a ... Lda. uma viatura ... Corolla através do contrato n°2944/5.
G) A autora deu em locação financeira a ... Lda. uma viatura ... Corolla através do contrato n°2944/6.
H) Os referidos contratos de locação foram celebrados para vigorar pelo prazo de três anos contados das datas de entrega dos referidos bens.
1) Os referidos bens foram entregues a ... Lda.
J) E as entregas ocorreram nos termos constantes dos autos de recepção (doc.7 a 12)
L) ... Lda. acordou com a autora entregar-lhe 36 rendas mensais no que respeita ao lº contrato.
M) E sendo a primeira de 2.600.000$00.
N) E as restantes 395.058$00 cada.
O) ... Lda. acordou com a autora entregar-lhe 36 rendas mensais no que respeita ao 2° contrato.
P) E sendo a primeira de 2.850.000$00.
Q) E as restantes de 441.571$00 cada.
R) ... Lda. acordou com a autora entregar-lhe 12 rendas trimestrais no que respeita ao 3º contrato.
S) E sendo a primeira de 536.000$00.
T) E as restantes de 269.184$00 cada.
U) ... Lda. acordou com a autora entregar-lhe 12 rendas trimestrais no que respeita ao 4° contrato.
V) E sendo a primeira de 310.000$00.
X) E as restantes de 156.480$00.
Z) ... Lda. acordou com a autora entregar-lhe 12 rendas trimestrais no que respeita ao 5° contrato.
AA) E sendo a primeira de 310.000$00.
BB) E as restantes de 156.539$00.
CC) ... Lda. acordou com a autora entregar-lhe 12 rendas trimestrais no que respeita ao 6° contrato.
DD) E sendo a primeira de 310.000$00.
EE) E as restantes de 156.539$00
FF) Os Réus AA e BB obrigaram-se como fiadores e principais pagadores de todas as importâncias resultantes dos contratos de locação financeira celebrados entre a autora e a ... Lda.
GG) A Ré BB assinou os documentos 13 a 17 quando estavam apenas apostos selos e sem que dos mesmos constassem quaisquer palavras.
HH) As rendas, condições de pagamento e juros foram negociados entre autora e os réus antes da assinatura dos documentos.
II) Os Réus deixaram por entregar as rendas 18° a 27° (7.02.92 a 7.11.92) do 1° contrato.
JJ) Os Réus deixaram por entregar as rendas 14° a 23° (7.02.91 a 7.11.91) do 2° contrato.
LL) Os réus deixaram por entregar as rendas 5° a 8° (22.02.91 a 22.11.91) do 3° contrato.
MM) Os Réus deixaram por entregar as rendas 6° a 8° (22.04.91 a 22.10.91) do 4° contrato.
NN) Os Réus deixaram por entregar as rendas 5° a 7° (22.04.91 a 22.10.91) dos contratos.
00) Os Réus deixaram por entregar as rendas 40 a 7° (22.02.91 a 22.11.91) do 6° Contrato.
PP) Acordaram ainda a autora e ... Lda. que os indicados montantes das rendas acrescia IVA.
QQ) E que desde as datas estabelecidas para entrega das rendas até à efectivação daquelas seriam devidos juros à taxa anual de 24%.
RR) E que a titulo de indemnização a ... entregaria á autora 1/5 do valor residual e das rendas vincendas até à data da resolução.
SS) E que sobre tal quantitativo seriam devidos juros desde a resolução.
TT) A autora endereçou carta registada com aviso de recepção a ... Lda. com o teor que consta de fis. 80.
UU) Até à data da petição ... Lda. não devolveu à autora nenhuma das seis viaturas supra referidas.
VV) A autora enviou a ... Lda. a comunicação cujo teor consta de fis. 82 e procedeu a notificação judicial avulsa da ... Lda., nos termos que constam de fls. 84 e 85.

Foram colhidos os vistos.

Nuclearmente, são suscitadas três questões pela recorrente, na conclusão da sua alegação: erro na apreciação da prova; incumprimento dos deveres de comunicação e de informação das cláusulas contratuais; existência de cláusulas abusivas.

Conhecendo,

1- Erro na apreciação da prova.
2- Clausulas contratuais gerais.
3- Clausulas abusivas.
4- Conclusões.

1- Erro na apreciação da prova.

A recorrente refere terem sido dado por assentes factos não provados, por tomados ao arrepio das regras do ónus da prova.
Porém, não justifica tal afirmação, por referencia aos pontos concretos da base instrutória, antes dizendo, genericamente, ter sido violado “o estatuído no artigo 659º nº 3 do CPC, do qual se fez uma interpretação e aplicação, e que conduziu, necessariamente, a uma decisão contrária a essa mesma prova.”
Sem razão, porém.
Quanto ao questionar dos factos em si, nunca é de mais repetir que o Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de revista, que é, só conhece matéria de direito, “ex vi” do artigo 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro).
A fixação dos factos materiais da causa, baseados na prova livremente apreciada pelo julgador, não cabe no âmbito do recurso de revista.
Em consequência, este Supremo Tribunal limita-se a encontrar o regime jurídico adequado aplicando-o aos factos que, definitivamente, foram fixados pelo tribunal recorrido (artigo 729º nº 1 do CPC).
Só em situações de excepção – violação de lei expressa que exija certo tipo de prova para a existência de determinado facto ou de norma reguladora da força probatória de algum meio de prova – constantes do nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil.
Apenas a Relação pode censurar as respostas ao questionário ou anular a decisão proferida pela 1ª instância, no uso dos poderes conferidos pelos nºs 1 a 4 do artigo 712º daquele diploma.
Mas se, na fase de conhecimento do mérito o STJ deparar com insuficiente matéria de facto para decidir de direito ou o acervo factual contiver contradições inviabilizadoras dessa decisão deverá devolver o processo ao tribunal recorrido para ampliar a decisão de facto, sempre nos limites da matéria alegada.

A esta faculdade se refere o Cons. Amâncio Ferreira ao apodá-la do poder oficioso “de exercer tacitamente censura sobre o não uso por parte da Relação dos poderes de alteração ou anulação da decisão de facto, sempre que entenda dever esta decisão ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, ante o estatuído no nº 3 do artigo 729” (apud “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6ª ed., 226).
“In casu”, não ocorre nenhuma situação permissiva de intervenção deste Supremo Tribunal na matéria de facto apurada, por não haver qualquer preterição de normas reguladoras do direito probatório, nem os factos elencados se revelarem insuficientes ou em contradição.
Vale, assim, a regra do nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil, quedando intocada a factualidade provada, pois que um eventual erro na apreciação das provas, isto é a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova produzidos e de livre apreciação do julgador, não cabe no âmbito do recurso de revista.

2-Cláusulas contratuais gerais.

2.1- Para os contratos de adesão, em que o clausulado consta de “minuta modelo”, inalterável pelos outorgantes, que se limitam a aceitá-la “quo tale”, vale o Decreto-lei nº 466/85, de 25 de Outubro.
O dever de comunicação constante do seu artigo 5º existe para “possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência de cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito, também a ele, um comportamento diligente” (in Acórdão do STJ de 2 de Novembro de 2004, CJ/STJ, XII, III, 104; cf., ainda, o Acórdão de 28 de Junho de 2005 – 05B4052).
Julgou-se no Acórdão do STJ de 18 de Abril de 2006 – 06 A818, desta mesma conferência, nestes termos:
“Trata se de, e ainda na fase de negociação, ou pré-contratual, comunicar quais as clausulas a inserir no negocio mas, e também, prestar todos os esclarecimentos necessários, designadamente informando o aderente do seu significado e implicações.

Este regime já podia ser detectado nos artigos 227º nº 1 e 232º do Código Civil. Aquele impondo a quem faz uma proposta de contrato, ou quem a recebe, e entra em negociações a seu respeito, a obrigação de diligencia para com a outra parte. Devem as partes comportar se de boa fé (cf. M Ianuzzi in “Bona fede e recesso dalle trattative contratuali no foro”, 667) sob pena de responsabilidade por “ culpa in contraendo”.

O artigo 232º impõe a coincidência entre a aceitação e a oferta relativamente aos elementos essenciais do negocio, sob pena de não conclusão do contrato.
Nas clausulas contratuais gerais, por constarem de modelos pré-elaborados, a adesão faz se na emissão da proposta e na aceitação do modelo.

Só que para uma perfeita formação da vontade negocial há que garantir ao aderente um conhecimento exacto do clausulado, com a comunicação integral, perceptível e clara, do projecto negocial.”

O Dr. Almeno de Sá explica ser “possível detectar, neste pressuposto aparentemente unitário, duas exigências analiticamente decomponíveis: a comunicação integral das cláusulas e a necessidade de proporcionar à contraparte a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do respectivo conteúdo” (apud “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas”, 190).

Certo que, e como nota o Prof. Almeida Costa (in “ Clausulas Contratuais Gerais”, 25), “ o dever de comunicação é uma obrigação de meios (…) Nessa linha o nº 2 (do artigo 5 do DL nº446/85) esclarece que o dever de comunicação varia, no modo da sua realização, e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das clausulas.” E mais adiante, refere que quem utiliza as clausulas deve “ alem de comunicar o respectivo conteúdo, informar o aderente do seu significado e das suas implicações.”

O artigo 8º, alínea a) do citado Decreto-lei considera excluídas as clausulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º.

O nº3 deste preceito refere que o ónus da prova da comunicação cabe ao contraente que submeta a outrem as clausulas contratuais gerais.

È, no essencial, o regime geral do artigo 342º do Código Civil.

2.2 – Logo que aqui chegados, há que acentuar o seguinte:
O Acórdão recorrido utilizou uma técnica formal menos ortodoxa – e, quiçá, permissiva de menor clareza – ao não elencar os factos provados todos de seguida.
Assim, seriou os que resultaram da decisão da 1ª instância, nos precisos termos em que esta os seriou.
Mas, mais tarde, e aquando da justificação da decisão escreveu:
“ Não se discute, face ao teor do artigo 5º nº 3 que é à Autora, no caso dos autos, que compete a prova de ter cumprido com os deveres de comunicação e informação, delimitados no sentido acima expresso.
Mas é a própria testemunha invocada pela recorrente, J... A... T..., que afirma ter recebido a proposta contratual – relativa ao primeiro contrato – já inteiramente preenchida, ou seja, dotada de todo o seu clausulado.
A única duvida que tal testemunha referiu ter colocado à Autora relacionava-se com a apresentação de uma folha em branco para ser assinada pelos fiadores. Mas essa é uma questão que não está aqui em causa.
Assim, a autora provou ter feito a entrega, ao destinatário, da proposta contratual, contendo todos os elementos do negócio jurídico. Se, como igualmente afirma a testemunha – pese embora a péssima qualidade da gravação – apenas se preocupou com as condições de pagamento e numero de prestações e não leu com a atenção de qualquer normal contraente o restante clausulado, só de si se pode queixar, não da Autora.”
Isto é, veio a considerar, também, provado que a Autora remeteu o clausulado contratual à Ré, com todos os elementos, e que esta o devolveu depois de o assinar.
Tratando-se de pura matéria de facto, a Relação podia considerá-la assente, o que é intocado, ainda que na estrutura formal do Acórdão não tenha sido colocada juntamente com os outros factos.

2.2.1- E concorda-se com o raciocínio conclusivo (que tem ínsita uma presunção judicial encontrada pela Relação) quando se diz que foi cumprido o dever de comunicação a que se refere o artigo 5º do citado Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
Remeter a minuta do contrato, com todas as suas cláusulas, ao outro outorgante, dando-lhe, em consequência, tempo para as analisar, “per si”, no recato da sua sede, satisfaz plenamente aquele dever já que o
declaratário normalmente diligente, ao receber um texto a que se vai vincular, deve fazer a sua leitura, analisando-o “pari passu”.
E note-se que a protecção daquele diploma – com as alterações dos Decretos-lei nºs 220/95, de 31 de Agosto e 249/99, de 7 de Julho, em sintonia com as orientações comunitárias da Directiva nº 93/13/CEE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993 – JO, nº L095, de 21 de Abril de 1993, p. 29 – embora sem proceder a qualquer “distinguo”, mais importa para o consumidor individual do que para as sociedades comerciais.
Aquele é geralmente mais vulnerável, as mais das vezes negociando sem qualquer apoio técnico-jurídico ou, sequer, logístico, ficando totalmente à mercê do proponente quiçá no primeiro contrato que celebra na sua vida.
Já uma sociedade comercial (como, aqui, é a única recorrente) tem, em principio, ao seu dispor toda uma logística e a experiência de uma prática negocial que menos a vulnerabiliza.
Cumprido que se mostra o dever de comunicação, podia a Ré, se tivesse quaisquer dúvidas para esclarecimentos pertinentes, apelar para o dever de informação a que a Autora estava vinculada, “ex vi” do artigo 6º do diploma citado.
Ora, não foi sequer alegado que a recorrente tivesse tido dúvidas sobre as cláusulas que lhe foram comunicadas nos termos acima referidos e que tivesse solicitado à Autora a sua remoção.
Daí que esta não tenha incumprido o dever de informação.

3-Cláusulas abusivas.

Vem, finalmente, a recorrente pugnar pela natureza abusiva da cláusula 16ª (bem como a 9ª nº 6) por “manifestamente atentatória e contrária à boa fé”.
Nesta parte o Acórdão recorrido merece a nossa inteira concordância ao decidir que a cláusula que permite a resolução do contrato, restituição do locado e indemnização de 20% das rendas vincendas não é abusiva, concluindo:
“A restituição do equipamento locado e o pagamento das regras vencidas – vencidas até à data de comunicação da resolução contratual, como é evidente – nada contêm de contrário aos princípios gerais da boa fé contratual, desde logo porque foram acordados por ambos os contraentes.

Se a Ré deixou de pagar as rendas pela utilização do equipamento que lhe foi disponibilizado pela Autora, incumprindo o contrato, fica sujeita à respectiva resolução a qual implica não só a restituição dos bens locados como o pagamento das rendas vencidas até esse momento, já que até lá os equipamentos continuaram na disponibilidade da recorrente.
Quanto à indemnização correspondente a 20% das rendas vincendas e valor residual, trata-se de uma cláusula penal, permitida nos termos do artigo 810º do CC. É certo que, de acordo com o nº 3 do artigo 811º, “o credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal.” Ora, no caso dos autos, não ficou minimamente demonstrado que tal indemnização exceda o desvalor resultante do incumprimento. E aqui, como excepção, seria à Ré que incumbiria a prova da desproporção.”

Quando se apela para o nº 2 “in fine” do artigo 9º do Decreto-lei nº 446/85 de 25 de Outubro há que verificar a existência de um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé”.
Terá de haver mais do que um mero desequilíbrio mas sem uma grave distorção lesiva dos princípios da boa fé e lisura contratuais.
Tal não ocorre, manifestamente, “in casu”.

4-Conclusões.

Pode concluir-se que:

a) A fixação dos factos materiais de causa baseada nos meios de prova produzidos e de livre apreciação do julgador não cabe no âmbito do recurso de revista, ressalvadas as situações excepcionais do nº 2, “in fine” do artigo 722º CPC.
b) O dever de comunicação das cláusulas contratuais constante do artigo 5º do Decreto-Lei nº 466/85 de 25 de Outubro destina se a que o aderente conheça antecipadamente o conteúdo contratual, isto é, as cláusulas a inserir no negócio.
c) O dever acontece na fase de negociação, ou pré contratual, e deve ser acompanhado, se solicitado pelo aderente, de esclarecimentos necessários, possibilitando-lhe conhecer o significado e as implicações das cláusulas.
d) O ónus da prova da comunicação cabe ao contraente que submete as cláusulas ao outro, bastando-se com a remessa do contrato, com todo
o seu clausulado, ao aderente para que este o devolva uma vez firmado, designadamente tratando-se de uma sociedade comercial que dispõe de melhores meios de estudo e de analise do que um contraente individual.
e) Só uma grave distorção lesiva dos princípios da boa fé e lisura contratuais gera a nulidade do contrato nos termos do artigo 9º nº 2 do Decreto-lei nº 446/85.

Nos termos expostos, acordam negar a revista.

Custas pela recorrente.

Sebastião Póvoas (relator)
Moreira Alves
Alves Velho