Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98A200
Nº Convencional: JSTJ00034211
Relator: GARCIA MARQUES
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
JUÍZO DE PROBABILIDADE
DIREITO À QUALIDADE DE VIDA
ACÇÃO POPULAR
ATERRO SANITÁRIO
INTERESSES DIFUSOS
Nº do Documento: SJ199809230002001
Data do Acordão: 09/23/1998
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 9730868
Data: 10/23/1997
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR AMB. DIR PROC CIV - PROCED CAUT.
DIR CONST - ADM PUBL / GARANTIAS ADMI.
Legislação Nacional: L 11/87 DE 1987/04/07 ARTIGO 2 ARTIGO 3 A G H ARTIGO 5 ARTIGO 6 ARTIGO 10 ARTIGO 11 ARTIGO 24 N2 N3 N4 N5 ARTIGO 25 ARTIGO 26 ARTIGO 27 N1 R ARTIGO 40 N4 N5 ARTIGO 41 ARTIGO 43 ARTIGO 45.
CPC95 ARTIGO 384 N1 ARTIGO 387 N1.
CONST89 ARTIGO 9 E ARTIGO 17 ARTIGO 18 ARTIGO 20 ARTIGO 52 N3 ARTIGO 66 ARTIGO 81 A N ARTIGO 91 ARTIGO 96 D.
L 83/95 DE 1995/08/31 ARTIGO 1 ARTIGO 2 ARTIGO 12 N2.
DL 186/90 DE 1990/06/06 ARTIGO 2 N1.
DL 74/90 DE 1990/03/07 ARTIGO 47 N1 ARTIGO 48 N1.
Legislação Comunitária: DIR CONS CEE 80/778/CEE DE 1980/07/15.
DIR CONS CEE 81/858/CEE DE 1981/10/19.
DIR CONS CEE 75/440/CEE DE 1975/06/16.
DIR CONS CEE 80/68/CEE DE 1979/12/17.
DIR CONS CEE 75/442/CEE DE 1975/07/15.
DIR CONS CEE 91/156/CEE DE 1991/03/18.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1993/09/21 IN CJSTJ ANOI TIII PAG26.
ACÓRDÃO STJ DE 1986/01/23 IN BMJ N353 PAG376.
ACÓRDÃO STJ PROC897/97 DE 1998/01/14 1SEC.
Sumário : I- Para conhecer de acção em que se peça que se declare inidóneo para aterro sanitário e para a deposição e eliminação dos resíduos sólidos urbanos o local escolhido é competente o foro comum.
II- Para o decretamento de uma providência cautelar não se impõe uma indagação exaustiva do direito do requerente, basta o juízo de probabilidade ou verosimilhança.
III- No artigo 9 alínea e) da Constituição não se trata da simples obrigação
unilateral do Estado mas também, em vários aspectos, de verdadeiros direitos e deveres dos cidadãos.
IV- A acção popular civil inclui a forma de procedimentos cautelares particularmente vocacionados para a concretização processual do princípio da prevenção.
V- Os interesses difusos correspondem a interesses juridicamente reconhecidos e tutelados, cuja titularidade pertence a todos e cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo mas não são susceptíveis de apropriação individual por qualquer um desses membros - são simultaneamente interesses não públicos, não colectivos e não individuais.
VI- A Lei de Bases do Ambiente enuncia o princípio da prevenção o que seria insuficiente se não assegurasse, quando for caso disso, a reparação adequada dos danos ocorridos, prevendo também meios e medidas de recuperação da situação anterior ao incidente (aqui assumem particular relevância os princípios da recuperação e da responsabilização).
VII- O princípio da responsabilização é um afloramento de um princípio geral de direito consagrado no artigo 562 e segs. CCIV.
VIII- Nos aterros sanitários - vieram colmatar uma grave lacuna no depósito e tratamento dos lixos - há que minimizar, quando se não podem debelar, os factores causadores do risco, reduzindo-os a limites toleráveis, o que é um dos corolários do desenvolvimento sustentado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I

A A, instaurou procedimento cautelar comum, no Tribunal de Póvoa de Lanhoso, contra B, pedindo que se proferisse decisão que considere o local inidóneo para a eliminação dos resíduos sólidos urbanos e instalação de um aterro sanitário e se ordene que a Requerida se abstenha de proceder, na área geográfica das freguesias de Lanhoso e Pedralva, respectivamente, dos concelhos de Braga e Póvoa de Lanhoso e conhecida por Vale de Chão ou Cobertos (na serra do Carvalho), à execução de actividades ou obras que integram o objecto do contrato de concessão entre esta celebrado e o Estado português e que se tornem necessárias para o processamento, depósito ou eliminação de resíduos sólidos urbanos ou a tal equiparados nos termos da lei, designadamente, abate de árvores, execução ou construção de infra-estruturas de estações de transferência, aterro sanitário, unidades de tratamento e, bem assim de quaisquer infra-estruturas associadas, tais como as que têm por objecto a deposição e eliminação daqueles resíduos ou outros.
A Requerida deduziu oposição alegando, em síntese, para além das excepções que suscitou, a inexistência de fundamento para o receio de lesão do meio ambiente como consequência da construção e exploração do aterro.
Produzidas as provas, incluindo a realização de uma inspecção judicial ao local, o Mmº Juiz proferiu, em 19 de Junho de 1997, decisão em que indeferiu a providência cautelar requerida.
Inconformada, veio a Requerente interpor recurso, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 23 de Outubro de 1997, negado provimento ao agravo.
Ainda inconformada, trouxe a Requerente o presente recurso de agravo, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:

1. Os direitos ao ambiente e à qualidade de vida constituem no ordenamento jurídico-constitucional português direitos constitucionais fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no nosso diploma fundamental, pelo que lhes é aplicável o regime constitucional específico destes.
2. Tais direitos gozam de aplicabilidade directa independentemente da eventual intervenção do legislador e vinculam imediatamente os poderes públicos e as entidades privadas.
3. A compreensão do regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais ao Ambiente e à qualidade de vida e sua aplicação e consideração nos actos de administração da Justiça não podem ser suprimidos ou restringidos a este Venerando Supremo Tribunal por lei ordinária.
4. O disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 755º do C.P.C. encontra-se ferido de inconstitucionalidade material na medida em que apenas prevê para fundamento do presente agravo a violação ou errada aplicação da lei do processo e não já a violação ou errada aplicação da lei substantiva.
5. Tal norma viola o disposto nos artigos 17º, 18º, 66º, 205º, nº 2, da C.R.P.
6. Uma vez que a decisão impugnada pôs termo ao processo, devem ser, em consequência daquela inconstitucionalidade material, apreciados os fundamentos do presente recurso na parte em que se alega e ocorre violação e errada interpretação da lei substantiva.
7. Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 66º da C.R.P. incumbe ao Estado ordenar e promover o ordenamento do território tendo em vista uma correcta localização de actividades e um equilibrado desenvolvimento sócio-económico.
8. O local onde a recorrida pretende instalar o aterro sanitário e proceder à deposição dos resíduos, como consta do Anúncio público para a abertura do concurso para a execução das obras necessárias para o efeito, foi escolhido unilateralmente pela Câmara Municipal de Braga.
9. Como resulta do conteúdo dos documentos constantes dos autos, juntos, de resto, pela própria recorrida, a escolha do local para onde se encontra projectada a construção do referido aterro, obedeceu única e exclusivamente a uma pura escolha política, determinada ainda por razões de puro interesse e racionalidade económica.
10. Não houve, em toda a área dos concelhos de Braga, de Póvoa de Lanhoso e de Vieira do Minho, - beneficiários do dito aterro para deposição e eliminação de lixos -, quaisquer estudos ou prévia indagação de outros locais que se pudessem revelar ou oferecer condições adequadas e seguras à prevenção de previsíveis riscos de sérios danos no ambiente que a construção de um aterro sanitário, em grau elevado, sempre acarreta.
11. Só depois de determinado, por tais motivos e razões, o local assim designado e irremissivelmente fixado para a implantação do aterro sanitário e para deposição dos resíduos é que foram realizados alguns estudos para caucionar ou tentar justificar a adequação do local.
12. As obrigações imputadas ao Estado e, consequentemente, à Administração Pública descentralizada, como é o caso das autarquias locais, por imposição dos princípios jurídicos fundamentas contidos na alínea b) do nº 2 do artigo 66º da C.R.P., obrigam a que esta, na ordenação e promoção do ordenamento do território, proceda, e não deva alhear-se de uma correcta localização das actividades, com vista a assegurar um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e paisagens biologicamente equilibradas.
13. A continuação por forma cautelosa e previdente da defesa do aproveitamento dos recursos naturais, designadamente a manutenção da pureza das águas das várias nascentes existentes no local para onde se encontra prevista a construção do aterro sanitário, tendo em vista sobretudo a sua preservação futura, a médio e longo prazo, preservando a sua capacidade de renovação e estabilidade ecológica, garantidas pelo artigo 66º, nº 2, da C.R.P., não permitia, antes vedava, como veda, à Administração local autárquica, e designadamente, à Câmara Municipal de Braga, uma actividade absoluta, livre, na escolha do local, daquelas vinculações jurídico-constitucionais inscritas naquele preceito.
14. Ao assim não considerar, a douta decisão ora impugnada violou o disposto na alínea b) do artigo 66º, nº 2, da C.R.P. e o disposto nos artigos 17º e 18º do mesmo diploma fundamental, tendo deixado de conhecer de questões que deveria ter apreciado, assim tendo também violado o disposto na alínea d) do artigo 668º do C.P.C.
15. Dessa omissão de pré-selecção de outros locais para a construção do dito aterro resulta a ausência de outro que, podendo ser encontrado noutro local correspondente à área dos três concelhos, pudesse oferecer características adequadas à correcta localização daquela actividade, à salvaguarda da capacidade de recursos naturais e à estabilidade ecológica e, quanto àquele que foi imposto, a inobservância dos factores que, em grau mais elevado, e tendo em vista neste domínio, os princípios fundamentais de cautela, de segurança e de prevenção, possam garantir a eliminação de receios sérios e fundados de que a capacidade de renovação da pureza das águas e da estabilidade ecológica não será alterada a curto, médio e longo prazo.
16. O local conhecido por "Vale de Chão" ou "Cobertos", sito na área geográfica das freguesias de Lanhoso e Pedralva, respectivamente dos concelhos de Braga e Póvoa de Lanhoso, pela sua localização e morfologia, pelas suas características geológicas, hidrológicas, de ar e paisagem é inadequado e inidóneo para nele se construir o aterro sanitário referido nos autos e para nele se proceder à deposição de resíduos.
17. É absolutamente incompreensível e intolerável, do ponto de vista da estabilidade ecológica das águas da sua capacidade de renovação e da defesa da saúde pública, que se construa um aterro sanitário num local impróprio, situando-se tal local sobre uma ribeira e sobre pelo menos onze nascentes, próximo de vários depósitos públicos que captam a água que se integra na rede de abastecimento público do concelho de Póvoa de Lanhoso.
18. Não é tolerável, e repugna ao direito e às normas jurídicas que visam salvaguardar e preservar a pureza das águas e a saúde das pessoas, que se permita a construção de um aterro sanitário e se proceda à deposição de lixos, num local onde as condições naturais existentes permitem a infiltração de efluentes que possam provir dos alvéolos de deposição de lixos e a contaminação das águas.
19. É intolerável e absolutamente inadmissível que se permita a construção do referido aterro numa área que é uma zona de recarga dos aquíferos suspensos que abastecem aquelas inúmeras fontes e nascentes cujo caudal de água é utilizado para fins de abastecimento humano, público e particular.
20. À luz dos factos apurados e das regras da experiência comum existe fundado receio de que a recorrida, através da execução das obras referidas nos autos e da deposição dos resíduos no referido local conhecido por "Vale do Chão" ou "Cobertos", da freguesia de Lanhoso, do concelho da Póvoa de Lanhoso, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do Ambiente objecto da defesa e actividade da recorrente, e do direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado de que os representados pela ora recorrente são legítimos titulares.
21. Incumbindo ao Estado prevenir e controlar a poluição, situação a que a douta decisão não deu acolhimento, violou esta o disposto no nº 2, alínea a), do artigo 66º da C.R.P.
22. A douta decisão que indeferiu a providência cautelar, para além daqueles normativos legais e constitucionais, violou ainda o disposto no artigo 381º do Código de Processo Civil, o disposto nos artigos 70º e 349º do Código Civil, o preceituado no artigo 12º, nº 1, da Lei nº 83/95, de 31.08 e, bem assim, o disposto nos artigos 2º, 3º, als. a) e b), 5º, 10º, 11º, 14º, nº 4 do artigo 24º, 26º, 30º, 40º, nº 4, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, o nº 2 do artigo 4º do Dec.-Lei nº 310/95, de 20.11 (que operou a transposição para a ordem jurídica interna portuguesa das Directivas 91/156/CEE e 91/689/CEE, ambas do Conselho), o disposto no nº 1 do artigo 130-S do Tratado da União Europeia, o nº 1 do artigo 30º da Lei nº 11/87, de 11.04, as normas constantes da Directiva 75/442/CEE, do Conselho, de 15.07.1975, as normas constantes das Directivas 91/156/CEE, do Conselho, de 18.03.1991, os princípios gerais da Comunicação da Comissão relativa à aplicação das Directivas 75/439/CEE, 75/442/CEE, 78/319/CEE e 86/278/CEE, relativa à política em matéria de resíduos (COM (97) 23 final) e, bem assim, as disposições da Directiva 75/440/CEE, do Conselho, de 16.06.1975; as normas constantes da Directiva nº 80/68/CEE, do Conselho, de 17.12.80, da Directiva 80/778/CEE, do Conselho, de 15.07.1980, as normas integradoras do Dec-Lei nº 75/90, de 07.03.90 (designadamente o preceituado nos seus artigos 1º, 3º, 8º, 12º, 13º, nº 2, 15º e 16º), as normas constantes da Directiva do Conselho nº 85/337/CEE, de 27.06, violando ainda o disposto no nº 2do artigo 2º e artigo 9º do Dec-Lei 186/90, de 6.06, rectificado in D. Rep., I série, nº 175, de 31.07.90.

Em consequência do que a recorrente pede a anulação do acórdão recorrido, que deve ser substituído por outro que considere que o local conhecido por Vale do Chão ou Cobertos, na área geográfica das freguesias de Lanhoso e Pedralva, respectivamente, dos concelhos de Braga e Póvoa de Lanhoso é inidóneo para a instalação do referido aterro sanitário e para a deposição e eliminação dos resíduos sólidos urbanos, mais se ordenando que a recorrida se abstenha de proceder naquela área à execução de actividades ou obras que integram o objecto do contrato de concessão entre esta celebrado e o Estado português e que se tornem necessárias para o processamento, depósito ou eliminação de resíduos sólidos urbanos ou a tal equiparados, designadamente, abate de árvores, execução ou construção de infra-estruturas de estações de transferências, aterro sanitário, unidades de tratamento e bem assim de quaisquer infra-estruturas associadas, tais como as que têm por objecto a deposição e eliminação daqueles resíduos ou outros.
Contra-alegando, a requerida pede a confirmação do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II
Foi dada como provada pelas instâncias a seguinte matéria de facto:
1- A Requerente foi constituída por escritura pública no dia 27 de Fevereiro de 1997 visando exclusivamente a conservação da natureza e a promoção da qualidade de vida através da promoção de intervenções que contribuam para a resolução dos seus problemas ambientais específicos.
2- A Requerente desenvolve a sua actuação num âmbito local coincidente com os limites da região de Lanhoso, na qual se integra a freguesia de Lanhoso do concelho da Póvoa de Lanhoso.
3- A Requerida é uma sociedade anónima constituída pelo Decreto-Lei nº 117/96, de 6 de Agosto com o objecto principal de actividades de recolha selectiva, triagem, tratamento e valorização de resíduos sólidos a quem foi adjudicada em regime de concessão a exploração e gestão do sistema inter-municipal do Baixo Cávado.
4- Entre o Estado Português e a B foi celebrado o contrato de concessão constante de fls. 119 e seguintes cujo teor se dá por reproduzido.
5- A B promoverá a construção, manutenção e administração, na área da Serra de Carvalho, sita na área territorial das freguesias de Lanhoso, do concelho da Póvoa de Lanhoso e limites nascente e norte da freguesia de Pedralva, do concelho de Braga, num local conhecido por "Vale do Chão" e também por "Cobertos" de um "Centro de Enterramento Técnico" (CET), também conhecido por aterro sanitário, destinado a absorver resíduos sólidos urbanos produzidos nos concelhos de Braga, Póvoa de Lanhoso e Vieira do Minho.
6- Para o efeito, a B efectuou estudos com vista à implantação do dito aterro e programou o desmate do terreno e corte de árvores com vista à preparação das áreas destinadas a possibilitar a construção de vias de acesso e à abertura dos locais onde se situarão os respectivos alvéolos de depósito daqueles resíduos.
7- A área de implantação de todas as instalações do aterro que se encontra projectada tem a forma de um rectângulo e é de 110.400 m2, correspondendo 92.000 m2 à área de implantação dos alvéolos de deposição de resíduos e os restantes 18.400 m2 a infra-estruturas de apoio.
8- A cerca de 700 metros do local de implantação dos alvéolos encontra-se o lugar dos Tinocos e Cimo de Vila da freguesia de Lanhoso.
9- A área destinada à construção do aterro sanitário situa-se a cerca de 1 km a sul da EN 103 que estabelece a ligação rodoviária entre Braga e Póvoa de Lanhoso entre os Kms 52 e 53.
10- O local faz parte da encosta sul da Serra do Carvalho a qual possui o seu ponto mais elevado à cota de 495 m e situa-se nas áreas das freguesias de Lanhoso e Pedralva.
11- Aquele vértice dista aproximadamente 1 km do local onde se encontra prevista a edificação dos alvéolos de deposição.
12- A morfologia do local previsto para a implantação do aterro possui uma altitude média da ordem dos 430 metros e ficará sobre um pequeno vale planáltico que drena as escorrências superficiais e as águas das nascentes para uma corrente de água permanente não navegável nem flutuável que lhe fica a sul, conhecida por "Ribeira de Reamondes".
13- Esta ribeira atravessa o referido vale no sentido poente-nascente situando-se em sentido perpendicular ao plano da área territorial prevista para a implantação do aterro.
14- Tal ribeira dista daquela área cerca de 150 metros e situa-se em nível inferior ao mesmo de, pelo menos, 45 metros.
15- Desde tempos imemoriais que a essa ribeira fluem naturalmente as fontes e as nascentes, superficiais e subterrâneas, existentes na vertente sul do local onde se encontra projectada a construção do aterro.
16- As águas que formam aquela ribeira fluem naturalmente pelo seu curso natural em direcção a Lanhoso e à vila de Póvoa de Lanhoso e são utilizadas na irrigação de campos destinados à produção agrícola e do local onde se prevê a construção do aterro até à área da Vila da Póvoa de Lanhoso, tendo em consideração o curso do ribeiro de Reamondes distam cerca de 2 kms.
17- Em toda a área onde se encontra prevista a construção do aterro encontra-se uma floresta de eucaliptos e trata-se de um lugar ermo e não habitado.
18- Na referida área afloram dois linótipos graníticos essenciais: granito de grão fino de duas micos, essencialmente biofísico, com megacristais dispersos com tendência porfiróide incipiente e granito de grão médio ou fino a médio, porfiróide, de duas micas, essencialmente biotítico.
19- Nos cantos sudoeste e nordeste da área estabelecem-se contactos com granito porfiróide de duas micas com grão médio e grosseiro.
20- A rede de drenagem da área evidencia um controlo tectónico.
21- A maioria dos ribeiros existentes naquele local, de direcção norte/sul da serra de Carvalho, encontram-se instalados em vales que correspondem a alinhamentos regionais de acidentes geológicos de direcção norte/sul a N10E.
22- A "ribeira de Reamondes" é controlada tectonicamente por uma grande fractura com a direcção W/E, de carácter regional que se desenvolve ao longo de várias dezenas de quilómetros.
23- A par desta fracturação é possível inferir mais duas famílias de fracturas que ocorrem naqueles maciços, típicas das rochas ígneas que se instalam durante fases de orogenia hercínica.
24- Existe escassez de material inerte, necessário para a cobertura dos resíduos durante toda a exploração do aterro.
25- A rede de fracturas existentes no local são as responsáveis pela circulação subterrânea da água.
26- O grande desenvolvimento de fracturação N-S, associadas às fracturas NE e NW, poderá estabelecer uma rede de circulação subterrânea que conecte os diferentes aquíferos regionais e as captações neles instalados.
27- A altitude a que a construção do aterro se encontra prevista facilita a circulação gravítica das águas em direcção ao leito da Ribeira de Reamondes.
28- Na vertente norte do local onde se encontra projectado o referido aterro e a cerca de 500 metros do seu limite norte existem três nascentes com as respectivas captações públicas e uma particular.
29- Desses locais são as respectivas águas derivadas para vários depósitos públicos e daí para a rede de abastecimento público do concelho de Póvoa de Lanhoso.
30- A nordeste do local onde se encontra projectada a construção do aterro existe próximo do limite projectado do aterro uma outra nascente.
31- Nas adjacências da área projectada para a implantação do aterro encontram-se ainda várias nascentes e captações particulares a cerca de 200 e 300 metros.
32- Junto à face sul da área de implantação dos alvéolos existem dois pontos onde brotam águas e que escorrem para a ribeira de Reamondes.
33 - A oeste existe uma outra nascente cujo caudal é utilizado para gastos domésticos da população da freguesia de Pedralva.
34- A este e sueste existem quatro nascentes cujo caudal vem sendo utilizado em gastos domésticos.
35- A cerca de 200 metros do limite sueste do aterro existe um depósito de recolha de água.
36- Também próximo do aterro existem duas fontes onde afluem águas.
37- Todas essas águas se apresentam na nascente química e bacteriologicamente puras.
38- As condições naturais existentes no local permitem a infiltração de efluentes que possam provir dos alvéolos de deposição de lixos e a consequente contaminação das águas.
39- Nas conclusões de um estudo que fizeram em 29 de Abril de 1996, os engenheiros responsáveis pela divisão de geotecnia e o Director do Laboratório de Engenharia Civil da Universidade do Minho afirmaram ser possível realizar um aterro no local que se encontra projectado sujeito a determinadas condições e concluíram também que isso não quer dizer que a área escolhida seja a melhor.
40- Mais afirmaram que "...se houver rotura da barreira artificial de impermeabilização as águas subterrâneas ficarão sujeitas a poluição, dada a grande permeabilidade da parte superior da Bedrock".
41- Não se procedeu a análises físico-químicas e bacteriológicos das águas.
42 - Não foram efectuadas canalizações de ribeiros.
43- O nível freático do local onde se encontra projectada a implantação do aterro situa-se entre os 0 e os 5,9 metros.
44- A permeabilidade do solo no local onde se encontra projectada a implantação do aterro medida em Lugeon varia entre 0,23 e 3,04.
45- Os coeficientes de permeabilidade do solo nesse mesmo local oscilam entre 1,5x10 elevado a menos 5 e 5,7x10 elevado a menos 7.
46- O solo nesse local pode ser classificado como areia siltosa que necessita de uma barreira artificial de impermeabilização.
47- A precipitação média anual no sector Braga-Póvoa de Lanhoso oscila entre 1300 e 1700 mm dos quais mais de 40% ocorrem nos meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro.
48- Encontra-se projectada para o aterro a existência de um sistema de captação, drenagem e tratamento de biogás que consiste na sua queima numa unidade especialmente desenvolvida para o efeito.
49 - Encontra-se prevista a cobertura diária dos resíduos sólidos urbanos depositados no aterro.
50- Encontra-se prevista a construção de um sistema de impermeabilização artificial do aterro (fundo e taludes laterais) construído por uma tela bentonítica; geotêxtil não tecido de 300 g/m2; geomembrana de polietileno de alta densidade (PEAD) de 2,0mm; geotêxtil não tecido de 300 g/m2 e camada drenante de gravilha com 0,50 m de espessura colocada sob os sistemas de impermeabilização.
51- A tela bentonítica garante coeficientes de permeabilidade da ordem de 1x10 elevado a menos 11m/s ou seja uma percolação sobre os terrenos subjacentes com evolução à velocidade de 0,315 mm/ano.
52- O aterro sanitário dispõe ainda de dois drenos, sob a camada de impermeabilização cuja função é captar quaisquer águas externas que, durante o período chuvoso se podem acumular e que captarão igualmente os lixiviados em caso de falhas do sistema de impermeabilização.
53- A totalidade das águas poluídas será tratada numa estação de águas residuais.
54- Os efluentes líquidos à entrada e saída da estação de tratamento serão objecto de monitorização regular e também o serão as águas superficiais a jusante do aterro bem como as águas subterrâneas a montante e jusante do aterro em furos e poços existentes na vizinhança do local.
55 - Tal monitorização far-se-á durante a fase de exploração do aterro e durante a fase de manutenção após encerramento do aterro.
56- Durante a fase de exploração a monitorização das águas será feita trimestralmente (águas superficiais, composição de lixiviado), mensalmente (caudal de lixiviado), semestralmente (nível de captações de água subterrânea e qualidade das águas captadas nos drenos e em furos e poços).
57- Durante a fase de manutenção aqueles períodos passarão a ser semestrais e anuais respectivamente.
58- Durante a fase de exploração do aterro encontra-se prevista a instalação de uma vedação metálica que confinará a área, seguida de uma vedação arbórea.
59- Está prevista, após a selagem do local, a sua recuperação paisagística de forma a proceder à sua revegetação com plantação de espécies que fazem parte da paisagem natural da região.
60- A estrada de acesso directo ao aterro não atravessa nenhuma das povoações que se situam na respectiva envolvente e a sua construção faz parte integrante do projecto.
61- A passagem dos camiões do lixo não será contínua.
62- As águas resultantes da lavagem dos rodados de camiões, da lavagem dos veículos pesados, das oficinas, da lavagem do equipamento mecânico e da plataforma de abastecimento de combustível serão captadas e conduzidas para um tanque de separação água/óleo.
63- Após separação, as águas serão conduzidas à ETAR e os óleos serão colocados em bidões e encaminhados para uma entidade licenciada para os receber.
64- No programa de monitorização da qualidade das águas encontra-se prevista a realização de análises organolépticas, físico-químicas, bactereológicas e determinação do nível das águas.
65- O aterro sanitário receberá resíduos sólidos urbanos e equiparados e não serão admitidos resíduos perigosos, industriais ou hospitalares.
66- O aterro encontra-se projectado para funcionar durante doze anos prevendo-se nesse período uma produção total de cerca de 630.000 toneladas de resíduos sólidos.
67- Os alvéolos de deposição de lixos que constituirão o aterro serão parcialmente escavados, estando previsto um volume de escavação de 171.000 m3.
68- A área onde serão implantados os alvéolos é uma zona de recarga de aquíferos suspensos.
69- O prazo de garantia comercial das telas que vão ser utilizadas na impermeabilização do aterro dada pelo respectivo fabricante é de 10 anos.
III
1 - Recorde-se o pedido formulado mediante na presente providência cautelar: Pretende a requerente que se profira decisão que considere o local escolhido para a construção de um "Centro de Enterramento Técnico", também conhecido por aterro sanitário, inidóneo para a eliminação dos resíduos sólidos urbanos e instalação de um aterro sanitário e se ordene que a Requerida se abstenha de proceder, na área geográfica das freguesias de Lanhoso e Pedralva, respectivamente, dos concelhos de Braga e Póvoa de Lanhoso e conhecida por Vale de Chão ou Cobertos (na serra do Carvalho), à execução de actividades ou obras que integram o objecto do contrato de concessão entre esta celebrado e o Estado português e que se tornem necessárias para o processamento, depósito ou eliminação de resíduos sólidos urbanos ou a tal equiparados nos termos da lei, designadamente, abate de árvores, execução ou construção de infra-estruturas de estações de transferência, aterro sanitário, unidades de tratamento e, bem assim de quaisquer infra-estruturas associadas, tais como as que têm por objecto a deposição e eliminação daqueles resíduos ou outros.

2 - Exterior ao presente recurso situa-se a questão da competência material da jurisdição comum.
Posto que, todavia, na economia do caso sub judice, tal como se configura a partir das conclusões das alegações que, como é sabido, delimitam o âmbito do recurso - cfr. artºs 684º, nº 3, e 690º, nº 1, ambos do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pela revisão de 1995/96 -, se entrelaçam questões distintas, algumas das quais poderiam relevar da competência do contencioso administrativo, permita-se que ao assunto se dedique breve referência.
Como justamente decidiu o Tribunal de 1ª instância, citando, a propósito o Acórdão do STJ de 21.09.93, in C.J., tomo 3, pág. 26, (1) Cfr. despacho de fls. 167 e segs., maxime, a fls. 171.) bem andou a Requerente ao instaurar a presente providência cautelar num tribunal judicial e não num tribunal administrativo, uma vez que é àquele que cabe a competência em razão da matéria para apreciar e julgar. Nesse sentido aponta, desde logo, o disposto no artigo 45º da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, que aprovou a Lei de Bases do Ambiente (LBA), ao dispor que "todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, incumbindo ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a iniciativas populares e comunitárias, promover a melhoria da qualidade de vida, quer individual, quer colectiva".
É, pois, incontroverso, sendo também, repete-se, incontrovertido, que o foro comum dispõe de competência material para conhecer desta causa.
A competência material, tal como a forma processual, depende do thema decidendum, ou seja, do pedido conjugado com a causa de pedir.
À semelhança da situação apreciada e decidida pelo Acórdão deste STJ de 02.07.96, processo nº 96A483, da 1ª Secção, não está em causa um pedido incidente sobre qualquer acto administrativo.
O pedido em causa incide, sim, directamente, sobre a abstenção de actividade alegadamente lesiva do ambiente e do exercício do direito que, adiante, melhor se configurará, a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
Mas, como também se salienta no referido acórdão, na realidade que é a vida, o Direito é um todo, pelo que a ordem jurídica é integrada por institutos que se avizinham e, quantas vezes, se interpenetram, na sua interdisciplinariedade.
Vem isto a propósito da questão, aflorada pela recorrente, relativa aos vícios que eventualmente afectam a deliberação relativa à escolha do local para a instalação do aterro sanitário, que, segundo a recorrente, resultou de "escolha unilateral" da Câmara Municipal de Braga - cfr., verbi gratia, a conclusão 8ª.
Para além de os presentes autos não oferecerem, acerca dessa temática, elementos bastantes que pudessem servir de parâmetros de cotejo, o certo é que a sindicabilidade judicial de tal (eventual) deliberação sempre caberia no quadro da jurisdição administrativa, posto que estaria em causa a apreciação da validade de um acto administrativo.
Não é, pois, desse concreto aspecto que se vai cuidar, devendo ser a essa luz interpretadas as afirmações produzidas nas decisões das instâncias acerca da insindicabilidade, nesta sede, de actos que relevam de opções administrativas e, nessa medida, quiçá, de natureza política. O que, não as afastando de um saudável e constitucionalmente impositivo controlo jurisdicional, as arreda, no entanto, da competência material de julgamento dos tribunais comuns.
Terão, assim que se considerar sem fundamento e claramente excessivas as afirmações constantes das alegações da recorrente, a fls. 1300 (designadamente, 3º e 4º parágrafos) e 1303 (5º parágrafo).
Uma coisa consiste em averiguar se, na perspectiva do pedido e da causa de pedir da presente providência cautelar, a disciplina do artigo 66º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa foi respeitada, ou, pelo contrário, terá sido infringida; outra, diferente, consistiria em sindicar da legalidade da actuação da Câmara Municipal de Braga, e/ou de outras entidades públicas envolvidas no processo decisório conducente à escolha do local.
Se, relativamente à primeira vertente, não pode este Supremo Tribunal deixar de a considerar, já, em relação à segunda a competência pertencerá aos Tribunais administrativos.
Podendo, mesmo, dar-se, obviamente, o caso de a actividade dos órgãos municipais envolvidos no referido processo de escolha ser ilegal, sem que daí resultasse qualquer ofensa do disposto no nº 2 do artigo 66º da CRP.
Podendo o inverso ser também verdadeiro. Ou seja, poderia o processo administrativo de selecção do local ser, do ponto de vista da legalidade, intocável, e haver, todavia, razões para, mormente em sede de procedimento cautelar, se julgarem verificados os requisitos para o respectivo decretamento.
Improcedem, em consequência, as conclusões 8ª a 10ª.
3 - Já se viu que, sem prejuízo de se poder recorrer ao foro administrativo quando o pedido e a causa de pedir a tanto se adequem, nada obsta à competência material do foro comum numa causa em que o pedido e a causa de pedir são os que aqui ocorrem. Se isto assim é, por certo, quanto a uma acção em que tal se decida em definitivo, coerentemente o é também a propósito de processo simplesmente cautelar, logicamente dependente da acção principal - cfr., após a reforma de 1995/96, o artigo 383º, nº 1, do CPC, correspondente ao artigo 384º, nº 1, na versão anterior -, na circunstância através do processo inominado ou comum, por não cabimento dos nominados ou especificados.
Vem, aliás, a propósito, sublinhar o seguinte: apesar de toda a conflitualidade que os autos patenteiam, parece ter-se perdido a perspectiva de que estamos perante um processo meramente cautelar e, portanto, provisório; e não em face da causa que, em definitivo, poderá, jurisdicionalmente, pôr ponto final, resolvendo, de vez, o litígio.
Justifica-se, assim, tecer algumas considerações básicas acerca dos princípios aplicáveis em sede de processo relativo aos procedimentos cautelares.

3.1. - Como se sabe, a concessão da tutela cautelar impõe-se naqueles casos em que a falta de uma decisão imediata, ainda que provisória, seja susceptível de causar prejuízos graves.
A natureza e finalidade dos procedimentos cautelares não se compadecem com delongas excessivas, ainda que, porventura, destas possa emergir uma decisão mais segura.
No entanto, isso não pode conduzir a uma decisão precipitada que decrete uma providência em casos em que não estejam reunidas as condições para a concessão da tutela provisória.
Não pode consentir-se que, através de uma medida meramente cautelar e provisória e com base numa análise superficial do objecto do litígio, o requerente consiga obter efeitos práticos ou vantagens que jamais alcançaria, de acordo com juízos de prognose, no processo principal rodeado de maiores garantias.
Como observa Abrantes Geraldes, que agora se acompanha, "este perigo é real naqueles procedimentos que, por força da lei ou devido às circunstâncias invocadas pelo requerente e apreciadas pelo juiz, são tramitados ou decididos sem audiência contraditória" - cfr. "Temas da Reforma de Processo Civil - III volume - 5 - Procedimento Cautelar Comum", Almedina, 1998, págs. 203 e segs.
Não pode esquecer-se que qualquer decisão judicial deve fundar-se num determinado grau de certeza ou, ao menos, de verosimilhança, que lhe confira segurança, o que implica o cumprimento de um determinado formalismo dentro do qual se pode inserir um espaço destinado ao prévio exercício do direito de defesa.
Apesar da sua especial natureza e finalidade, nos procedimentos cautelares não deixam de coexistir estes dois valores que o legislador procurou conciliar e que o aplicador não pode deixar de atender, sob pena de insegurança jurídica, quando a celeridade é colocada em posição prioritária, ou de ineficácia da providência cautelar, quando, porventura, o juiz coloque o valor da certeza jurídica num patamar excessivamente elevado - Abrantes Geraldes, loc. cit., págs. 107 e segs.

3.2. - Dito isto, importa reconhecer que, para o decretamento de qualquer providência cautelar, basta o fumus boni juris decorrente de uma summaria cognitio, ou o chamado juízo de probabilidade ou verosimilhança - cfr. os artigos 400º, nº 1, e 401º, nº 1, do CPC/61, e, após a revisão de 1995/96, os artigos 384º, nº 1, e 387º, nº 1, do CPC, diploma a que pertencerão os normativos que se indicarem sem outra referência.
Por outras palavras, as providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se combater o periculum in mora - o prejuízo da demora inevitável do processo -, a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica - cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Coimbra Editora, pág. 23.
Como se pode ler no acórdão deste STJ de 23 de Janeiro de 1986 (Processo nº 73 534), publicado no BMJ, nº 353, pág. 376, "para o decretamento de qualquer providência cautelar, não é exigida uma prova aprofundada dos elementos materiais constitutivos do direito que o requerente da providência se arroga; basta um juízo de probabilidade ou verosimilhança, expressamente reconhecido para as providências não especificadas (artigos 400º, nº 1, e 401º, nº 1, do CPC), mas válido em relação a todas as demais (artigos 381º e 304º do mesmo Código)". Neste sentido se pronunciaram os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 11 de Junho de 1961 e de 18 de Dezembro de 1979 (no BMJ, nºs 109, pág. 564, e 292, pág. 338), o primeiro dos quais versou directamente um caso de restituição provisória de posse, ainda no domínio do Código de 1939, cujo artigo 400º reunia, num só preceito, exactamente os mesmos textos dos artigos 393º e 394º do Código de 1961.
Sendo, assim, verdade que para o decretamento da providência não se impõe uma indagação exaustiva da existência do direito invocado pelo requerente, ainda assim é manifesto, tendo presentes as razões já expostas, que tal decretamento não pode ter lugar se não forem recolhidos, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança de tal direito.
Só perante a existência de tais elementos de prova será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado.
O juiz deve formular o seu juízo de acordo com as circunstâncias do caso concreto, depois de produzida a prova apresentada pelas partes e de se esgotar o dever de inquisitoriedade perante a situação de facto submetida à sua apreciação. Como observa Abrantes Geraldes, no estudo já mencionado, a actuação do juiz nos procedimentos cautelares é daquelas que mais reclamam a interferência dos factores da ponderação, do bom senso, da justa medida que permita estabelecer o maior equilíbrio dos interesses em conflito, sem graves riscos de prejuízos para o requerido, mas igualmente sem excessivos receios de proferir uma decisão total ou parcialmente favorável ao requerente - cfr. loc. cit., pág. 210.
O maior ou menor investimento na averiguação da matéria de facto deve ser avaliado pelo circunstancialismo do caso concreto: o valor da prova produzida, o grau de credibilidade que merecem as testemunhas, o grau de dificuldade na apreciação da matéria de facto ou o valor dos interesses em jogo - o benefício que se alcança com a providência, comparado com os prejuízos que podem derivar de uma decisão precipitada -, sem esquecer ainda os simples comportamentos processuais de qualquer das partes e todos os factos instrumentais ou indiciários que, de acordo com a experiência comum (artºs 349º e 351º do C.C.), possam determinar a convicção do juiz acerca dos factos essenciais e, deste modo, induzi-lo a admitir ou a rejeitar a medida cautelar - cfr. loc. cit., pág. 108.

3.3. - O ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida cabe ao requerente - artigos 3º, nº 1, e 264º, nº 1 -, não podendo o tribunal substituir-se-lhe.
O dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo (artigo 664º, 2ª parte).
O artigo 384º, nº 1 (anterior artigo 400º, nº 1) impõe a justificação do receio de lesão, ou seja, a alegação de matéria de facto reveladora dos riscos que aconselham uma providência imediata. Por outro lado, prevê-se o ónus do oferecimento de prova sumária do direito ameaçado. Esse ónus de prova não pode desligar-se do antecipado cumprimento do ónus de alegação, o que significa que o requerimento inicial deve conter todos os factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar requerida.
Rematando este excurso, podemos dizer, acompanhando o acórdão deste STJ, de 2 de Julho de 1996, já citado, que embora a factualidade, num processo cautelar, possa ser objecto de uma "summaria cognitio", no que concerne ao Direito, tem de decidir-se conforme os comandos legais efectivamente assumidos - o que não retira à decisão cautelar o significado jurídico de "provisória".
IV

1 - Já se disse que a providência será decretada desde que haja a probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão - artigo 387º, nº 1, do CPC, antigo artigo 401º, nº 1.
Consideraram as instâncias, em termos que ora não se discutem, que em face da factualidade que resultou sumariamente provada resulta a existência do direito ao ambiente que se pretende ver tutelado e que se corporiza nas diversas componentes naturais que integram o local para onde se encontra projectada a construção do aterro sanitário, nomeadamente a água, o ar, o solo e o sub-solo, com especial sobressaliência, atentos os factos evidenciados, para a componente "água".
Verdadeiramente discutida nestes autos é, assim, a questão de saber se a construção do aterro sanitário por parte da recorrida é susceptível de causar lesão no ambiente ou, mais concretamente, se pode fundadamente recear-se que da instalação daquele equipamento poderá resultar aquela lesão. Foi assim que o problema foi equacionado na bem estruturada sentença da 1ª instância - cfr. fls. 1189.
O acórdão recorrido sintetizou as conclusões formuladas pela recorrente em duas ordens de questões: (a) a escolha unilateral da Câmara Municipal de Braga; (b) o facto de o local escolhido para o aterro ser inadequado.
Atento o que já se expôs supra - cfr ponto III,2, é manifesto que não compete a este Supremo Tribunal sindicar da aludida "escolha unilateral", remetendo-se, a propósito, para as considerações ali produzidas. E é igualmente evidente que, ao assim se decidir, não se está a incorrer na nulidade de omissão de pronúncia a que se refere a primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 668º.
Tal nulidade verifica-se quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre alguma questão que devesse apreciar. Traduz-se no incumprimento por parte do julgador do dever previsto no nº 2 do artigo 660º e que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras - cfr., verei grata, os acórdãos deste STJ de 08.04.1997, processo nº 519/96, 1ª secção, e de 19.06.1997, processo nº 126/97, 2ª secção.
Não há omissão de pronúncia quando o tribunal, apreciando a questão submetida pela parte, decide abster-se de a conhecer, justificando tal decisão com base na insuficiência de elementos de facto ou na competência de outra jurisdição - cfr. o acórdão do STJ de 30.04.1997, processo nº 807/96, 2ª secção.
Nem se diga que, assim se procedendo, se estaria a violar o regime impeditivo constante dos artigos 17º e 18º da CRP, com o argumento de se tratar de temática inserida em sede de direitos, liberdades e garantias ou de direitos fundamentais de natureza análoga.
É que, não só o sindicar contencioso da "escolha unilateral da C. M. de Braga" extravasa de tal temática, situando-se, porventura, em sede de controlo de legalidade do acto administrativo, como também, por outro lado, não deixaremos de cuidar da conformidade constitucional do procedimento a propósito da análise do requisito relativo ao "fundado receio de lesão" do direito que se pretende acautelar quanto ao local escolhido para a construção do aterro.
Dizendo-se isto, importa reconhecer que as conclusões 4ª a 6ª não colocam a questão em termos tecnicamente adequados.
Vai-se curar da análise da referida conformidade constitucional porque isso decorre como consequência inevitável do regime constitucional específico dos direitos, liberdades e garantias, principalmente da sua eficácia directa, resultante do princípio constante do nº 1 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa; não porque a norma da alínea b) do nº 1 do artigo 755º esteja ferida de inconstitucionalidade material - cfr. conclusão 4ª.
É evidentemente legítimo à lei de processo fixar os fundamentos das diferentes espécies de recursos que prevê. Só que tais normas não colidem - antes se harmonizam e conformam - com o respeito pelos princípios constitucionalmente tutelados.
Nada a opor, pois, às conclusões 1ª a 3ª e 7ª.

2 - Justifica-se, assim, para se poder prosseguir com segurança proceder a um outro excurso, ao redor dos princípios estruturantes do Direito do Ambiente, tendo especialmente em vista o respeito pelo princípio da prevenção e a realidade apresentada pelo caso sub judice.
2.1. - Dispõe a Constituição da República, na alínea e) do artigo 9º, que uma das tarefas fundamentais do Estado consiste em "proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território". Não se trata da simples obrigação unilateral do Estado mas também, em vários aspectos, de verdadeiros direitos e deveres dos cidadãos.
No artigo 66º, nº 1, declara-se o direito de todos a "um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado" e o "dever de o defender".
Segundo o artigo 66º, nº 2, incumbe ao Estado, "por meio de organismos próprios e por apelo e apoio a iniciativas populares", "prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão" (alínea a)); "ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e paisagens biologicamente equilibradas" (alínea b)); criar e desenvolver reservas e parques de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico" (alínea c)) e "promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica" (alínea d)).
Este nº 2, articulado com outros preceitos constitucionais (cfr. artigos 9º, alínea e), 81º, alíneas a), e n), 91º e 96º, alínea d)), sugere os princípios fundamentais de uma política do ambiente, entre os quais importa sublinhar os seguintes: a) princípio da prevenção, segundo o qual as acções incidentes sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação ambiental do que remediá-la a posteriori; b) princípio da cooperação, que aponta para a procura de soluções concertadas com outros países e organizações internacionais: Neste sentido, a alínea n) do artigo 81º estabelece que incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social "adoptar uma política nacional de energia, como preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico, promovendo, neste domínio, a cooperação internacional" (2) Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira; loc. cit., anotação III ao artigo 66º, pág. 348.).
Para garantia destes direitos e interesses, o artigo 52º, nº 3, confere a "todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa" o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial de infracções contra a degradação do ambiente e da qualidade de vida ou a degradação do património cultural, bem como requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização". A abertura da acção popular, nos termos e com a extensão prevista nesta norma constitucional, fazem dela "uma das mais importantes conquistas processuais para a defesa de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados" - Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª edição, anotação VIII ao artigo 52º, pág. 28. Para maiores desenvolvimentos, veja-se Jorge Miranda, "A Constituição e o Direito do Ambiente", in "Direito do Ambiente", edição do INA, 1994, págs. 353 e segs. Para este Autor, não é tecnicamente correcto chamar de "acção popular" ao direito de acção de defesa de direitos e interesses previsto no artigo 52º, nº 3, da CRP - cfr. loc. cit., pág. 365.).
Veio a caber à Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, a definição dos casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de acção popular para a prevenção ou a perseguição judicial das infracções previstas no nº 3 do artigo 52º da Constituição, inscrevendo-se entre os interesses protegidos pela referida lei, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público - cfr. artigo 1º do citado diploma. Acerca do "exercício da acção popular (cfr. Capítulo II - artigos 12º a 21º), depois de, o nº 1, prescrever sobre a acção procedimental administrativa, estabelece o nº 2 do artigo 12º que "a acção popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código de Processo Civil". Incluindo, pois, a forma de procedimentos cautelares, nomimados ou inominados, particularmente vocacionados para a concretização processual do princípio da prevenção. Foi o que aconteceu no caso sub judice.

2.2. A nossa Constituição não se basta com um "direito ao ambiente": impõe também a todos um "dever de defesa do ambiente" (artigo 66º, nº 1, "in fine"). Dever que se pode traduzir legalmente em deveres de abstenção ou de acção, eventualmente tutelados por via penal. Pode, assim, comportar dois aspectos: a) obrigação de não atentar contra o ambiente (v.g., obrigação de não poluir); b) dever de impedir os atentados de outrem ao ambiente.
A titularidade daquele direito ao ambiente e deste dever de defesa do ambiente pode ser analisada em termos individuais ou supra-individuais. Ou seja, aquele direito e aquele dever tanto podem ser perspectivados através da titularidade individual de cada um dos interessados directos, como podem ser considerados numa dimensão supra-individual, no âmbito da qual a todos a cada um é reconhecido o direito de usufruir de um ambiente humano, sadio e equilibrado e incumbe o dever de preservar o ambiente e a qualidade de vida e de reagir contra os factores de degradação ambiental.
Nas primeiras das referidas perspectivas - aquelas que se situam num plano individual -, o direito ao ambiente pode ser qualificado como um direito subjectivo ou, pelo menos, como um interesse juridicamente tutelado e o respectivo dever de protecção e de defesa do ambiente pode ser configurado como um simples dever jurídico; em contrapartida, nas segundas daquelas acepções - em que o direito ao ambiente e o respectivo dever de defesa e de protecção são analisados numa dimensão pluri-subjectiva -, esse direito e o correspondente dever são perspectivados no âmbito dos chamados interesses difusos (4) Para maior desenvolvimento, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, "Legitimidade Processual e Acção Popular no Direito do Ambiente", in "Direito do Ambiente", INA, 1994, págs. 409 e segs.). Sendo que um interesse difuso corresponde a um interesse juridicamente reconhecido e tutelado, cuja titularidade pertence a todos e cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo mas não é susceptível de apropriação individual por qualquer um desses membros. Prosseguindo na tentativa de delimitação conceptual, escreve Miguel Teixeira de Sousa: "Pode assim afirmar-se que os interesses difusos não são interesses públicos, porque a sua titularidade não pertence a nenhuma entidade ou órgão público, também não se identificam com interesses colectivos, porque não pertencem a uma colectividade ou a um grupo mas a cada um dos seus membros, e também não são reconduzíveis a interesse individuais, porque, como o bem jurídico a que se referem é inapropriável individualmente, esses interesses são insusceptíveis de serem atribuídos em exclusivo a um sujeito, antes pertencem, sem qualquer exclusividade, a qualquer um dos membros de uma comunidade ou de um grupo". "Os interesse difusos são simultaneamente interesses não públicos, não colectivos e não individuais" (5) Loc. cit., pág. 412.).
A tutela dos interesse difusos enquadra-se facilmente na garantia constitucional estabelecida no artigo 20º da CRP, dado que esses interesses são integráveis nos interesses legítimos susceptíveis de tutela jurisdicional referidos nesse preceito constitucional (6) Tal como o são ainda na garantia, também de âmbito constitucional (artigo 268º, nºs 4 e 5, da CRP, na redacção anterior à revisão constitucional de 1997), de recurso contencioso contra actos adminstrativos ilegais e de acesso à justiça administrativa para tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos.).

2.3. A Lei de Bases do Ambiente enuncia o princípio da prevenção no elenco dos princípios específicos do seu artigo 3º. Assim, a alínea a), sobre a prevenção, estabelece que as actuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipativa, reduzindo ou eliminando as suas causas, prioritariamente à correcção dos efeitos dessas acções ou actividades susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente, sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a acção poluente.
Manifestação expressa da importância insubstituível que assume a prevenção na protecção do ambiente, é, por exemplo, o Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, que introduziu no direito interno as normas constantes da Directiva nº 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, para além de dar concretização aos objectivos que presidem à LBA. Assim afirma-se, desde logo, no respectivo preâmbulo, o seguinte: "A melhor política de ambiente é , sem dúvida, o contributo para a criação de condições que permitam evitar as perturbações do ambiente, em vez de se limitar a combater posteriormente os seus efeitos".
Foi em atenção a essa intencionalidade que se prescreveu que a aprovação de projectos (7) "Projecto - a realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras, ou outras intervenções no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração de recursos de solo" - cfr. alínea a) do nº 2 do artigo 1º.) que, pela sua natureza ou localização, se considerem susceptíveis de provocar incidências significativas no ambiente fica sujeita a um processo prévio de avaliação de impacte ambiental (AIA), como formalidade essencial, da competência do membro do Governo responsável pela área do Ambiente - artigo 2º, nº 1, do referido D/L nº 186/90.
Mas não basta a afirmação do princípio da prevenção. Importa assegurar ainda, quando seja caso disso, a reparação adequada dos danos ocorridos, prevendo também meios e medidas de recuperação da situação anterior (ao incidente).

Ou seja, dois princípios específicos assumem também uma particular relevância. Referimo-nos aos princípios da recuperação e da responsabilização, a que se referem, de resto, as alíneas g) e h) do artigo 3º da Lei de Bases do Ambiente.

2.3.1 O artigo 48º do mesmo diploma prescreve acerca da obrigatoriedade de remoção das causas da infracção e de reconstituição da situação anterior, dispondo dos seguintes termos:
"1- Os infractores são obrigados a remover as causas da infracção e a repor a situação anterior à mesma ou equivalente, salvo o disposto no nº 3.
2- Se os infractores não cumprirem as obrigações acima referidas no prazo que lhes for indicado, as entidades competentes mandarão proceder às demolições, obras e trabalhos necessários à reposição da situação anterior às infracções a expensas dos infractores.
3- Em caso de não ser possível a reposição da situação anterior à injunção, os infractores ficam obrigados ao pagamento de uma indemnização especial a definir por legislação e à realização das obras necessárias à minimização das consequências provocadas".
2.3.2. O princípio da responsabilização, vertido na alínea h) do artigo 3º da LBA, é o afloramento de um princípio geral de direito, consagrado, desde logo, no Código Civil (8) Cfr. ainda os artigos 562º e seguintes do Código Civil.). Ao estabelecer que o citado princípio "aponta para a assunção pelos agentes das consequências, para terceiros, da sua acção, directa ou indirecta, sobre os recursos naturais", o legislador reconheceu que uma acção "directa ou indirecta" (9) O que terá também reflexos ao nível do nexo de casualidade. Parece que a relação "causa-efeito" poderá decorrer de uma intervenção directa sobre o ambiente ou por via de uma actuação indirecta.) pode implicar prejuízos para terceiros e consequentemente o respectivo autor deve responder pelos danos que causar. Se, por exemplo, um determinado operador industrial lançar para um curso de água produtos poluentes que afectem o normal exercício de pesca deverá o mesmo indemnizar todos aqueles que vivam desta actividade pelos danos patrimoniais que sofrerem.

Em face do disposto pelo artigo 26º da LBA, toda a actividade poluidora (10) Acerca dos factores e causas da poluição do ambiente, cfr. o artigo 21º.) gera a obrigação de indemnizar os danos patrimoniais e não patrimoniais que por ela sejam causados. Isto a menos que a conduta poluidora seja expressamente autorizada por lei e se conformar com os parâmetros e regras nela fixados. Por outro lado, apenas nesta última hipótese será legítimo falar de responsabilidade objectiva, posto que, em todos os demais casos, se estará perante o domínio geral da responsabilidade por facto ilícito. Parece ser, com efeito, esta a orientação que melhor se enquadra quer no nosso sistema jurídico, quer nos princípios que resultam dos artigos 40º, nº 4 e 5, 41º e 43º da Lei de Bases do Ambiente.
Entretanto, embora o legislador não tenha consagrado expressamente o princípio do "poluidor-pagador" no artigo 3º da LBA, o certo é que se encontra um evidente afloramento deste princípio na alínea r) do nº 1 do artigo 27º do referido diploma. Quando se prevê a fixação de taxas pela rejeição de efluentes e quando se considera tal mecanismo como um instrumento de política do ambiente, está-se, na prática, a reconhecer o primado do princípio do "poluidor-pagador".
Justificar-se-á chamar ainda à colação o disposto nos nºs 2, 3, 4 e 5 do artigo 24º da LBA ("resíduos e efluentes"), que estabelecem um conjunto de regras e princípios de acordo com os quais o produtor de resíduos e efluentes é o único responsável pelo seu destino final, pelo que responde pelos prejuízos que os mesmos causarem a terceiros ou no ambiente, além de que está obrigado a proceder à sua recolha, armazenagem, transporte, eliminação ou rentabilização de forma a não causar prejuízos, imediatos ou potenciais, à saúde humana ou ao ambiente.
No artigo 25º o legislador indica, a título exemplificativo, as acções que devem ser adoptadas com vista ao controlo e combate à poluição decorrente de substâncias radioactivas.
V
1 - Munidos com os subsídios acabados de recolher, voltemos ao caso concreto. O objectivo consiste em apurar se, in casu, e perante a matéria de facto dada como provada, se configura, ou não, a existência do requisito relativo ao "fundado receio de lesão".
Ou seja, importa determinar se a construção do aterro sanitário por parte da recorrida é susceptível de causar lesão no ambiente ou, mais concretamente, se pode fundadamente recear-se que, da construção, instalação e funcionamento dos equipamento que o compõem poderá resultar aquela lesão.
Questão incontroversa é a de que a deposição de resíduos num determinado local é susceptível de gerar consequências que podem causar danos sobre determinados bens ambientais. Basta atentar nas lixeiras a céu aberto que, lamentavelmente, continuam a manchar, com cambiantes de pesadelo, a paisagem do nosso País.
Tais resíduos são susceptíveis de causar impacto visual, libertação de maus cheiros e de biogás, lixiviados contaminantes que, em contacto com componentes ambientais lhes provocam lesões, tantas vezes irreparáveis - cfr., neste sentido, a sentença da 1ª instância, maxime, a fls. 1190.
2 - Por razões de método, é altura de, em breve parêntesis, recordar algumas noções essenciais.
Para efeitos da LBA, "ambiente" é o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem - cfr. alínea a) do nº 2 do artigo 5º (11) Por sua vez, "paisagem" é a unidade geográfica, ecológica e estética resultante da acção do homem e da reacção da Natureza, sendo primitiva quando a acção daquele é mínima e natural quando a acção humana é determinante, sem deixar de se verificar o equilíbrio biológico, a estabilidade física e a dinâmica ecológica - alínea c) do referido nº 2 do artigo 5º.). Nos termos da mesma lei, são componentes do ambiente o ar, a luz, a água, o solo vivo e o subsolo, a flora e a fauna - artigo 6º (12) Cfr. o acórdão deste STJ de 14.01.1998, processo nº 897/97, da 1ª secção.). Atenta a sobressaliência que a componente "água" assume no contexto do caso em presença (13) Em sede de legislação comunitária, vejam-se, no tocante à "qualidade da água" ou às "categorias de resíduos", entre outras, as seguintes Directivas do Conselho, já transpostas para o nosso ordenamento: (a) relativamente à qualidade das águas para consumo humano: Directivas 80/778/CEE, de 15 de Julho de 1980 e 81/858/CEE, de 19 de Outubro de 1981; (b) relativamente à qualidade das águas superficiais destinadas à produção de água potável: Directiva 75/440/CEE, de 16 de Junho de 1975; (c) relativamente à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas: Directiva 80/68/CEE, de 17 de Dezembro de 1979; (d) ) relativamente aos resíduos: Directiva 75/442/CEE, de 15 de Julho de 1975, alterada pela Directiva 91/156/CEE, de 18 de Março de 1991.), justifica-se ainda uma referência aos artigos 10º e 11º. Este último, sob a epígrafe "Medidas especiais", dispõe, no nº 2, que “o lançamento nas águas de efluentes poluidores, resíduos sólidos, quaisquer produtos ou espécies que alterem as suas características ou as tornem impróprias para as suas diversas utilizações será objecto de regulamentação especial".
Tendo presente o disposto no artigo 10º da LBA, foi editado o Decreto-Lei nº 74/90, de 7 de Março, que estabeleceu critérios e normas de qualidade com a finalidade de proteger, preservar e melhorar a água em função dos seus principais usos (artigo 1º).
Atento o disposto no nº 1 do seu artigo 47º, sob a epígrafe "Medidas preventivas", "sempre que seja detectada uma situação susceptível de pôr em risco a saúde pública e a qualidade da água, as entidades com competência de fiscalização e inspecção deverão tomar imediatamente as providências que em cada caso se justifiquem para prevenir ou eliminar tal situação, podendo ser determinados a suspensão da laboração e o encerramento preventivo da unidade poluidora, no todo ou em parte, ou proceder à apreensão, no todo ou em parte, do equipamento em diante selagem".
E, nos termos do nº 1 do artigo 48º, "aqueles que, com dolo ou mera culpa, infringirem as disposições do presente diploma, provocando danos significativos no ambiente em geral e afectando a qualidade das águas em particular, ficam constituídos na obrigação de indemnizar o Estado pelos danos a que deram causa".
Foi justamente ao abrigo desta disposição que o já citado Acórdão de 14 de Janeiro findo, deste STJ - cfr. nota (12) - considerou ter o ali recorrente agido com negligência, pelo que se constituíu na obrigação de indemnizar o Estado (14) Extractam-se os dois seguintes pontos do respectivo sumário: "III - Provando-se das instâncias que o apelante envidou significativos esforços tendentes a evitar, ou minorar, os danos ambientais decorrentes da sua actividade industrial, não logrando, porém, alcançar de todo os resultados pretendidos, pois que das suas instalações continuaram a emanar efluentes com elevada concentração de crómio e de níquel, sabendo o apelante que assim acontecia, sabendo também que o despejo de efluentes, nas condições em que se processava, podia prejudicar o ambiente e a saúde, era-lhe exigível que tomasse todas as providências necessárias para o evitar em última análise encerrando a própria fábrica. IV - Não tendo procedido deste modo, antes tendo prosseguido com a laboração, a recorrente agiu com negligência, pelo que se constituiu na obrigação de indemnizar o Estado, nos termos do artigo 48º, nº 1, do DL nº 74/90.

3 - Sem prejuízo do exposto acerca do reconhecimento das consequências nocivas resultantes da deposição de resíduos sólidos num determinado local, as instâncias consideraram que a providência requerida deveria improceder.
Para tal decisão contribuíram as seguintes razões que, em síntese, se alinham:
- A circunstância de não se estar concretamente em presença de resíduos sólidos perigosos;
- Tratar-se do desenvolvimento de um projecto destinado, precisamente, à resolução de um problema ambiental premente;
- A implementação, no projecto, de sistemas de segurança que permitem, num critério de razoabilidade, falar numa tolerabilidade do risco.

Escreve-se, a propósito, na sentença da 1ª instância, peça cujo merecimento, concorde-se ou não com a decisão final, é justo reconhecer: "...encontramo-nos perante uma situação que podemos qualificar de risco tolerável de acordo com o critério que acima definimos e nestes termos terá de concluir-se que o receio de lesão do ambiente não é, razoavelmente, fundado" - cfr. fls. 1194.
Também no acórdão recorrido se tecem, a propósito, algumas considerações que, no essencial, vale a pena recordar. Assim, ali se escreve o seguinte:
"Efectivamente, os aterros sanitários vêm precisamente colmatar uma grave lacuna no depósito e tratamento dos lixos que - ainda assim é em muitos pontos do País - eram deixados a céu aberto em lixeiras, lançando maus cheiros, fumos, infestação de águas e do ar e outro tipo de danos ambientais.
"Que os aterros sanitários não são uma solução acabada, perfeita, sem riscos de qualquer espécie, também é verdade.
"Mas hoje é, ainda, o sistema mais indicado de eliminar os resíduos sólidos urbanos, pois a alternativa da incineração, pelos riscos ambientais que comporta, apenas deverá ser utilizada em lixos hospitalares e lixos perigosos (...).
"Aliás, o risco é conatural à existência. (...).
"O caminho a seguir é o de minimizar, quando não se podem debelar, os factores causadores do risco, reduzindo-os a limites toleráveis".
"Este é um dos corolários do desenvolvimento sustentado de que hoje tanto se fala (...)" - cfr. fls. 1268.
4 - A introdução dos "requisitos" ou "mecanismos" de segurança susceptíveis de minimizarem os riscos que o projecto comporta têm tradução nos elementos da matéria de facto apurada pelas instâncias.
Seleccionemos os mais significativos:
"52 - O aterro sanitário dispõe ainda de dois drenos, sob a camada de impermeabilização cuja função é captar quaisquer águas externas que, durante o período chuvoso se podem acumular e que captarão igualmente os lixiviados em caso de falhas do sistema de impermeabilização.
53 - A totalidade das águas poluídas será tratada numa estação de águas residuais.
54 - Os efluentes líquidos à entrada e saída da estação de tratamento serão objecto de monitorização regular e também o serão as águas superficiais a jusante do aterro bem como as águas subterrâneas a montante e jusante do aterro em furos e poços existentes na vizinhança do local.
55 - Tal monitorização far-se-á durante a fase de exploração do aterro e durante a fase de manutenção após encerramento do aterro".
E ainda:
"62 - As águas resultantes da lavagem dos rodados de camiões, da lavagem dos veículos pesados, das oficinas, da lavagem do equipamento mecânico e da plataforma de abastecimento de combustível serão captadas e conduzidas para um tanque de separação água/óleo.
63 - Após separação, as águas serão conduzidas à ETAR e os óleos serão colocados em bidões e encaminhados para uma entidade licenciada para os receber.
64 - No programa de monitorização da qualidade das águas encontra-se prevista a realização de análises organolépticas, físico-químicas, bactereológicas e determinação do nível das águas.
65 - O aterro sanitário receberá resíduos sólidos urbanos e equiparados e não serão admitidos resíduos perigosos, industriais ou hospitalares".
Adicionalmente, foi equacionada e prevista uma intervenção sobre a paisagem com o objectivo de a recuperar.
Assim:
"58 - Durante a fase de exploração do aterro encontra-se prevista a instalação de uma vedação metálica que confinará a área, seguida de uma vedação arbórea.
59 - Está prevista, após a selagem do local, a sua recuperação paisagística de forma a proceder à sua revegetação com plantação de espécies que fazem parte da paisagem natural da região".

Trata-se, sem dúvida, de medidas de sentido positivo, destinadas a limitar os riscos do empreendimento ou a minimizar os inconvenientes do mesmo para o meio ambiente.
5 - Mas, há que reconhecê-lo, os riscos subsistem. A decisão da 1ª instância admite-o, quando ali se escreve:
"A construção do aterro sanitário por parte da requerida implica, já o referimos, e não pode sofismar-se, riscos para o meio ambiente circundante".
"Com efeito, trata-se de uma instalação de recolha de resíduos sólidos que, pela sua concentração, podem implicar as lesões que supra se referiram sobre os componentes ambientais água, ar, solo e sub-solo e paisagem".
É neste contexto, e tendo presente o pedido e a causa de pedir da presente providência cautelar, que a selecção do local escolhido para a instalação do aterro sanitário assume particular acuidade.
Ora, sem que, pelas razões oportunamente expostas, nos caiba sindicar da correcção ou da legalidade do procedimento administrativo conducente à aludida escolha, o certo é que a apreciação dos parâmetros relativos ao local seleccionado permite concluir que se trata de uma escolha que, no mínimo, deixa interrogações e perplexidades quanto à sua adequação em sede de meio ambiente e de prevenção de danos futuros nessa área.
Afirmação que se faz a partir da matéria de facto dada como provada.
Trata-se, de resto, de uma constatação que não briga nem colide com algumas considerações constantes das decisões das instâncias. Escreveu-se, verbi gratia, na sentença da 1ª instância:
"Mais, até se poderá admitir como quadro hipotético, que o local onde está projectada a construção do aterro pelas suas características hídricas, geológicas e hidro-geológicas apresenta dificuldades naturais para a construção do aterro".
"Com efeito, conforme resulta da matéria de facto provada, existem diversas nascentes nas adjacências do local onde se encontra projectada a construção do aterro, a circulação das águas é facilitada pela existência de uma rede de falhas geológicas, o local freático oscila entre 0 e 5,9 metros, enfim trata-se de um local onde existe a presença de óbvios componentes naturais que cumpre preservar".
"Por outro lado, a natureza e composição dos solos e os respectivos índices de permeabilidade e a fracturação existente na zona podem também desfavorecer o local enquanto receptor do aterro".
"Mais, até se pode admitir que o local para onde se encontra projectada a construção do aterro não é a melhor" - cfr. fls. 1192.
Também no acórdão recorrido se tecem considerações que seguem no mesmo sentido. Assim:
"O local escolhido para efectuar o CET tem algumas características que o tornam, à partida, aparentemente, pouco indicado para albergar um aterro sanitário" - cfr. fls. 1265.
Tendo presente o objectivo de esboçar um quadro das características do local escolhido, retiremos, da matéria de facto provada, os dados mais significativos:
"20 - A rede de drenagem da área evidencia um controlo tectónico.
21 - A maioria dos ribeiros existentes naquele local, de direcção norte/sul da serra de Carvalho, encontram-se instalados em vales que correspondem a alinhamentos regionais de acidentes geológicos de direcção norte/sul a N10E.
22 - A "ribeira de Reamondes" é controlada tectonicamente por uma grande fractura com a direcção W/E, de carácter regional que se desenvolve ao longo de várias dezenas de quilómetros.
(...)
24 - Existe escassez de material inerte, necessário para a cobertura dos resíduos durante toda a exploração do aterro.
25 - A rede de fracturas existentes no local são as responsáveis pela circulação subterrânea da água.
26 - O grande desenvolvimento de fracturação N-S, associadas às fracturas NE e NW, poderá estabelecer uma rede de circulação subterrânea que conecte os diferentes aquíferos regionais e as captações neles instalados.
27 - A altitude a que a construção do aterro se encontra prevista facilita a circulação gravítica das águas em direcção ao leito da Ribeira de Reamondes.
28 - Na vertente norte do local onde se encontra projectado o referido aterro e a cerca de 500 metros do seu limite norte existem três nascentes com as respectivas captações públicas e uma particular.
29 - Desses locais são as respectivas águas derivadas para vários depósitos públicos e daí para a rede de abastecimento público do concelho de Póvoa de Lanhoso.
30 - A nordeste do local onde se encontra projectada a construção do aterro existe próximo do limite projectado do aterro uma outra nascente.
31 - Nas adjacências da área projectada para a implantação do aterro encontram-se ainda várias nascentes e captações particulares a cerca de 200 e 300 metros.
32 - Junto à face sul da área de implantação dos alvéolos existem dois pontos onde brotam águas e que escorrem para a ribeira de Reamondes.
33 - A oeste existe uma outra nascente cujo caudal é utilizado para gastos domésticos da população da freguesia de Pedralva.
34 - A este e sueste existem quatro nascentes cujo caudal vem sendo utilizado em gastos domésticos.
35 - A cerca de 200 metros do limite sueste do aterro existe um depósito de recolha de água.
36 - Também próximo do aterro existem duas fontes onde afluem águas.
37 - Todas essas águas se apresentam na nascente química e bactereologicamente puras".
A simples leitura dos segmentos agora sublinhados evidencia a riqueza do local escolhido para a construção do aterro sanitário em águas de superfície ou subterrâneas. A quantidade de nascentes existentes nas adjacências do local, a par dos cursos de água onde vão desaguar não pode deixar de gerar muitas dúvidas a respeito das consequências que poderão advir de um qualquer acidente (incidente) gerador de contaminação por efluentes.
Hipótese que não é de mera ficção, como resulta do nº 38 da matéria de facto provada, nos termos do qual:
"38 - As condições naturais existentes no local permitem a infiltração de efluentes que possam provir dos alvéolos de deposição de lixos e a consequente contaminação das águas".
Não surpreende, pois, que peritos chamados a pronunciar-se acerca do assunto tenham reconhecido a evidência. Diz-se nos nºs 39 e 40 da matéria de facto dada como assente o seguinte:
"39 - Nas conclusões de um estudo que fizeram em 29 de Abril de 1996, os engenheiros responsáveis pela divisão de geotecnia e o Director do Laboratório de Engenharia Civil da Universidade do Minho afirmaram ser possível realizar um aterro no local que se encontra projectado sujeito a determinadas condições e concluíram também que isso não quer dizer que a área escolhida seja a melhor.
40 - Mais afirmaram que "...se houver rotura da barreira artificial de impermeabilização as águas subterrâneas ficarão sujeitas a poluição, dada a grande permeabilidade da parte superior da Bedrock".
Mas há mais. Vejamos os quatro últimos itens da matéria de facto provada:
"66 - O aterro encontra-se projectado para funcionar durante doze anos prevendo-se nesse período uma produção total de cerca de 630.000 toneladas de resíduos sólidos.
67 - Os alvéolos de deposição de lixos que constituirão o aterro serão parcialmente escavados, estando previsto um volume de escavação de 171.000 m3.
68 - A área onde serão implantados os alvéolos é uma zona de recarga de aquíferos suspensos.
69 - O prazo de garantia comercial das telas que vão ser utilizadas na impermeabilização do aterro dada pelo respectivo fabricante é de 10 anos".
Ou seja: Para além da afirmação de que a área de implantação dos alvéolos é uma zona de aquíferos suspensos (68), observa-se uma "décalage" entre o prazo previsto para o funcionamento do aterro projectado - 12 anos - e o prazo de garantia comercial das telas que vão ser utilizadas na impermeabilização do aterro dada pelo fabricante - apenas de 10 anos. Facto que não pode deixar de ser preocupante, assim agravando a probabilidade das consequências nefastas resultantes de qualquer acidente ou imprevisto.
Em suma: da conjugação de todos estes elementos, resulta, salvo o devido respeito, como muito razoável o fundado receio de lesão, invocado pela recorrente.
O que, conjugado com a verificação, in casu, como já se disse, da probabilidade séria da existência do direito, conduz à conclusão de que a providência cautelar requerida merece provimento.
Acompanha-se, pois, o essencial da conclusão 20ª da recorrente, do seguinte teor:
"À luz dos factos apurados e das regras da experiência comum existe fundado receio de que a recorrida, através da execução das obras referidas nos autos e da deposição dos resíduos no referido local conhecido por "Vale do Chão" ou "Cobertos", da freguesia de Lanhoso, do concelho da Póvoa de Lanhoso, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do Ambiente objecto da defesa e actividade da recorrente, e do direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado de que os representados pela ora recorrente são legítimos titulares".
Algumas disposições, de entre as citadas pela Recorrente, nas suas conclusões, carecem de justificação. É, por exemplo, o caso dos artigos 70º e 349º do Código Civil ou do artigo 130º - S do Tratado que institui a Comunidade Europeia.
Faz, no entanto, sentido e tem, por isso, justificação fazer apelo à disciplina estabelecida - entre outros normativos aplicáveis em sede de Direito do Ambiente, oportunamente analisados - pelos artigos 66º, nºs 1 e 2, alíneas a) e b), 17º, 18º e 52º, nº 3, da CRP, 2º, 3º, alínea a), 5º, 6º, 10º, 11º, 21º, 24º, 26º e 40º da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, 1º, 2º e 12º, nº 2, da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, e tendo ainda presente o disposto nos artigos 381º, nº 1, e 387º, nº 1, do CPC (correspondentes, respectivamente, aos artigos 399º, nº 1, e 400º, nº 1, do mesmo diploma, na redacção anterior à reforma de 1995/96).
Atento o exposto, no provimento do recurso, revoga-se o acórdão recorrido, concedendo-se a providência cautelar não especificada requerida pela recorrente A. Termos em que:
a) se considera que o local conhecido por "Vale do Chão" ou "Cobertos", na área geográfica das freguesias de Lanhoso e Pedralva, respectivamente, dos concelhos de Póvoa de Lanhoso e Braga é inidóneo para a instalação do aterro sanitário e para a deposição e eliminação dos resíduos sólidos urbanos:
b) se ordena que a Recorrida se abstenha de proceder naquela área à execução de actividades ou obras que integram o objecto do contrato de concessão celebrado entre ela e o Estado Português e que se tornem necessárias para o processamento, depósito ou eliminação de resíduos sólidos urbanos ou a tal equiparados, designadamente abate de árvores, execução ou construção de infra-estruturas de estações de transferências, aterro sanitário, unidades de tratamento e bem assim de quaisquer infra-estruturas associadas, tais como as que têm por objecto a deposição e eliminação daqueles resíduos ou outros.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 23 de Setembro de 1998.
Garcia Marques,
Lemos Triunfante,
Torres Paulo.