Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
605/05.3TBVVD.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
DANO MORTE
SUBSÍDIO POR MORTE
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
SUB-ROGAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/03/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 487º, 494º, 496º, 564º
CÓDIGO DA ESTRADA, ARTIGOS 3º, 39º, 44º
LEI Nº 32/2002, DE 20 DE DEZEMBRO
DL Nº 59/89, DE 22 DE FEVEREIRO
LEI Nº 17/2000, DE 8 DE AGOSTO
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT :

- DE 28 DE OUTUBRO DE 1999, PROC. Nº 09B717, DE 7 DE FEVEREIRO DE 2002
- DE 25 DE JUNHO DE 2002, PROC. Nº 01B3985,
- DE 27 DE NOVEMBRO DE 2003, PROC. Nº 02A1321,
-,DE 15 DE JANEIRO DE 2004, PROC. Nº 03B3064
- DE 8 DE JUNHO DE 2006, PROC. Nº 06A1464
- DE 12 DE OUTUBRO DE 2006 (PROC. Nº 06B2520),
- DE 17 DE OUTUBRO DE 2006 (PROC. Nº 06P2775),
- DE 24 DE OUTUBRO DE 2006, PROC. Nº 06A3021
- DE 8 DE MARÇO DE 2007, PROC. Nº 03B3926,
- DE 27 DE SETEMBRO DE 2007 (PROC. Nº 07B2737),
- DE 18 DE DEZEMBRO DE 2007 (PROC. Nº 07B3715)
- 14 DE FEVEREIRO DE 2008, PROC. Nº 07B508,
- DE 30 DE OUTUBRO DE 2008 (PROC. Nº 08B2989),
- DE11 DE FEVEREIRO DE 2009,PROC. Nº 09B0659
- DE 24 DE SETEMBRO DE 2009, PROC. Nº 09B0659).
- DE 11 DE NOVEMBRO DE 2010, PROC.Nº 270/04.5TBOFR.C1.S1,
Sumário :
1. Se ambos os intervenientes num acidente de viação violaram regras de trânsito destinadas a proteger terceiros em circunstâncias em que era exigível que tivessem agido de outra forma, evitando o resultado danoso, há concorrência de culpas.
2. O montante de € 50.000, fixado pelas instâncias como compensação pelo dano da morte está de acordo com a extrema gravidade do dano infligido e com os valores que vêm sendo considerados adequados.
3. A indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada segundo critérios de equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso e as exigências do princípio da igualdade.
4. Para o cálculo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros, assente em responsabilidade por mera culpa, devem ter-se em conta esses mesmos critérios, aplicados ao resultado obtido por cálculo matemático.
5. A pensão de sobrevivência e o subsídio por morte pagos pela Segurança Social devem ser deduzidos das quantias atribuídas a título de indemnização.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG instauraram uma acção contra HH, Companhia de Seguros, S.A., pedindo a sua condenação a pagar à primeira autora a quantia de €.172.623,00 (cento e setenta e dois mil seiscentos e vinte e três euros) e a cada um dos restantes a quantia de €. 24.285,71 (vinte e quatro mil duzentos e oitenta e cinco euros e setenta e um cêntimos), acrescidas de juros de mora a contar da citação e até integral pagamento.
Para o efeito, alegaram, em síntese, serem respectivamente mulher e filhos de HH, falecido na sequência de um acidente de viação causado por culpa exclusiva de II, que conduzia um automóvel seguro na ré, sobre a qual recai a obrigação de indemnizar pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos próprios e pela vítima:
– € 15.000,00 por danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, antes da sua morte;
– € 50.000,00 pela perda do direito à vida;
– € 20.000,00 por danos não patrimoniais sofridos pela primeira autora;
– € 15.000,00 por danos não patrimoniais sofridos por cada um dos filhos;
– € 143.337,00 por danos patrimoniais futuros da primeira autora, em consequência da perda da contribuição prestada pelo lesado para as despesas da casa.
O Instituto de Solidariedade e Segurança Social veio deduzir contra a ré o pedido de reembolso da quantia que pagara à primeira autora a título de subsídio por morte e de pensão de sobrevivência, € 8.174,65, e daquelas que vier a pagar na pendência da acção, até ao limite da indemnização que for fixada, com juros de mora contados desde a citação e até integral pagamento. Invocou para tanto a “subrogação legal prevista no artº 71º da Lei nº 32/2002, de 20 de Dezembro e nos termos do DL nº 59/89, de 22 de Fevereiro”.
A ré contestou. Por entre o mais, alegou que foi a conduta do lesado que causou o acidente; conduta que só poderia ser explicada “pela elevada TAS com que a vítima se apresentava – 1,20 g/l” ; e impugnou os danos e o montante da indemnização peticionada.
Os autores replicaram
A ré opôs-se ao pedido da interveniente, sustentando não poder operar qualquer sub-rogação.
Pela sentença de fls. 313, que fixou em 60% e 40% a responsabilidade do lesado e do condutor do veículo seguro na ré, respectivamente, a acção foi julgada parcialmente procedente. A ré foi condenada a pagar € 22.628,57 à primeira autora e 9.428,57 a cada um dos demais autores, em ambos os casos com juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, e € 18.746,05 ao Instituto da Segurança Social.
O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 395 alterou parcialmente a sentença, reduzindo para € 7.498,42 a quantia a pagar ao Instituto da Segurança Social (“Tem assim, o ISSS direito ao reembolso das prestações pagas a título de subsídio por morte e de pensões de sobrevivência, reduzida a 40%, dada a proporção da responsabilidade da recorrente, redução esta que não foi efectuada na sentença recorrida e que corresponde a € 7.498,42.”)

2. A ré recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça. O recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi recebido como revista, com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

“1ª - A ora recorrente discorda da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que, face à factualidade provada, decidiu manter a decisão de primeira instância considerando que ambos os condutores concorreram, com condutas culposas, para a produção do acidente dos autos,
2ª - Sufragamos integralmente o que no douto acórdão recorrido é referido quanto à culpa do condutor do motociclo, no entanto, já não podemos concordar com a percentagem de culpa que lhe coube em tal decisão, que se limitou meramente a confirmar tudo quanto a decisão de 1ª instância decidiu
3ª - Atenta a matéria de facto apurada, não temos dúvidas em afirmar que a culpa pela produção do acidente,
4ª - Quanto à apreciação da culpa, afigura-se-nos que face às circunstâncias do caso, é patente o carácter negligente da sua actuação, já que o condutor do motociclo violou uma das mais elementares regras da condução automóvel, revelando grave desconsideração ao não tomar as devidas precauções que o dever geral de previdência aconselha e que o agente poderia e deveria ter tido,
5ª - Um vez que, quando o veículo seguro já se encontrava praticamente a par com o motociclo, como bem refere o tribunal recorrido e tendo-se rodeado de todos os cuidados, é surpreendido pela trajectória do ciclomotor que resolve efectuar a manobra de mudança de direcção à esquerda, no intuito de aceder a uma via, existente à esquerda, atento o seu sentido de marcha,
6ª - Assim sendo, o condutor do veículo seguro, foi surpreendido pela inopinada mudança de direcção para a sua esquerda, por parte do condutor do motociclo, quando o veículo seguro se encontrava, lado a lado, com o mesmo,
7ª - Ora, no essencial, pode afirmar-se que da parte do condutor do motociclo não só houve uma grosseira e ostensiva violação do disposto no artigo 44º do Código da Estrada – que prescreve a forma de realização da manobra de mudança de direcção à esquerda –, como houve também uma violação flagrante do disposto no artigo 39º do mesmo diploma, Tal preceito, impõe a obrigação de facultar a manobra de ultrapassagem a quem estiver a ser ultrapassado, como era o caso do condutor do motociclo!
Mais ainda,
8ª - Mesmo sendo certo que o condutor do veículo seguro empreendeu a ultrapassagem ao ciclomotor nas imediações de um entroncamento, o facto é que não se demonstrou que o mesmo fosse visível ou estivesse anunciado na via, não se provando que, no decurso da trajectória prosseguido por ambos os veículos existia qualquer sinalização, vertical ou horizontal, a interditar a manobra de ultrapassagem ou a indicar outra circunstância impeditiva da mesma,
9ª - Pelo contrário, ao cortar, inopinada e irreflectidamente, a linha de marcha do veículo seguro, sem se rodear das devidas precauções, constituiu-se o condutor do motociclo, em autor material da contra ordenação causal do acidente!
10ª - O que não temos dúvidas em afirmar que foi em termos exclusivos!
11ª - Além disso, sempre haverá lugar a qualificar a sua conduta como gravemente negligente e denotando uma total desconsideração para com os demais utentes da via, as quais, aliadas a tudo o resto que supra se alegou, foram determinantes nesta sua responsabilidade exclusiva, e não concorrencial para a produção do sinistro. O que tudo configura uma grave violação não só da lei, como fundamentalmente do dever geral de cuidado que lhe assistia enquanto utente da via!
12ª - Porque mais pode ser dito acerca desta questão, refira-se ainda que o condutor do motociclo conduzia com uma taxa de alcoolemia de 1,20 g/l, sendo que tal taxa, além de constituir o limite mínimo para a prática de um crime, afecta muito negativamente, todas as capacidades humanas necessárias ã boa execução da tarefa de conduzir, desde logo, a concentração e a destreza.
13ª - Ora, sob o efeito de uma tal TAS – implicando afectação da concentração e da destreza, o risco de ocorrer o sinistro, se houvesse necessidade de o referir, aumenta substancialmente!
14ª - Como tal, não pode a ora Ré, conformar-se com tal divisão da culpa, pois ao considerar que ambos os condutores concorreram em termos de culpa para a ocorrência ora em análise, ainda para mais com uma diferença tão estreita, estamos a premiar a irresponsabilidade demonstrada por quem não só infringiu as normas estradais de forma tão grosseira, como ainda se colocou num estado psíquico e físico alterado pela ingestão abusiva de álcool.
15ª - O Douto Acórdão recorrido violou, pois, quanto à culpa, entre outros, os artºs 483.º e 503.º do Código Civil e os art. 3º, nº2 e 44º, nº2 do Código da Estrada.
Sem conceder, e para o caso de assim se não entender,
16ª - Concordamos inteiramente com a decisão ora recorrida quanto ao facto desta indemnização se destinar a compensar as pessoas carecidas de alimentos pelo prejuízo que para elas resulta da falta do falecido, na medida em que, não mais poderão contar com a sua ajuda, o que constitui um dano futuro indemnizável, porque previsível – art. 564º.
17ª - Pelo que entretecendo-se esta posição com os factos que resultaram provados, apura-se que a autora AA– esposa do HH, tem nos termos dos artigos 2009º, 1º, a), 1672º e 1675º, nº 1, direito a alimentos do falecido HH, que tendo falecido em consequência do acidente objecto dos autos, lhe dá direito a exigir do responsável a indemnização a que se refere o art. 495º, nº 3.
18ª - Provou-se, igualmente, que o falecido exercia a actividade de pedreiro, auferindo o rendimento mensal de 780,00€ mensalmente durante os 12 meses do ano. Também resultou apurado que a partir da morte deste, a autora ficou a beneficiar de uma pensão de 179,69€,
19ª - Ora, o valor de tal indemnização deverá assentar na ideia segundo a qual esta deve consistir na atribuição ao lesado de uma quantia que contrabalance e compense os alimentos que com toda a probabilidade iria continuar a receber no futuro e que em virtude do sinistro perdeu, aferindo-se uma quantia pecuniária na medida do rendimento mensal perdido.
20ª - No entanto, impõe a mais elevada justiça que não se crie uma situação de locupletamento do lesado, ao propiciar-se-lhe um enriquecimento ilegítimo, pelo que na data final do período considerado, tal capital se ache esgotado.
21ª - A fim de apontarmos um montante que consideramos adequado a título de indemnização a atribuir à Autora II, recorreremos ao seguinte:
- O falecido HH tinha à sua frente, desde a data do evento (que está na base da obrigação de indemnizar) mais 12 anos de esperança de vida, sendo que, dos quais, apenas 7 seriam de vida activa:
- O HH reservaria para os gastos do seu agregado – da sua economia doméstica – , um montante correspondente a 2/3 dos seus rendimentos:
- Desses 2/3, consideraremos que 40% seriam em seu benefício exclusivo – a parte por ele exclusivamente consumido nesses rendimentos, como é o caso da alimentação, por exemplo, até porque, em termos de vestuário e outras despesas similares, se considera que eram satisfeitas pelos 1/3 do rendimento mensal por ele exclusivamente reservados para si.
- Por fim, consideraremos também a pensão que a Autora AA passou a auferir em consequência da morte do HH - 179,69€,
22ª - Atendendo aos factores acima referidos, pensamos que o valor de € 15.000,00 reflectirá melhor a perda efectiva da recorrente AA.
23ª - Mais uma vez, e por mera cautela, se afirma que o valor ora apontado não contempla a proporção de 60% apurada pela douta sentença e confirmada pelo douto acórdão ora recorrido, devendo ser, nessa exacta medida, reduzida,
24ª - A decisão recorrida violou, designadamente, os artºs 496, n.º 2, 562.º e n.º 3, do 496º do Código Civil.
25ª - Resultou, ainda, provado que o HH veio a falecer em consequência das lesões sofridas com o embate seis dias após a sua ocorrência, tendo sofrido entre esse momento e o momento em que veio a falecer dores físicas intensas bem como angústia e amargura por se ver à beira da morte.
26ª - Para ressarcimento deste dano tem-se por adequada a quantia de 5,000,00€, já de si significativa, tanto mais o dano da morte já compreende as lesões a ela conducentes e as possíveis dores por elas provocados,
27ª - A decisão recorrida violou, designadamente, o artºs 496, n.º 2, 562.º e nº 3, do 496º do Código Civil,
28ª - Quanto à fixação de € 15,000,00 a título de danos morais dos demandantes filhos pela perca do pai HH, entendemos que a mesma é exagerada.
29ª - Dizem-nos os juízos de equidade que não poderiam ser ultrapassados os € 10,000,00 para cada um dos demandantes.
30ª - A decisão recorrida violou, neste particular designadamente, o artºs 496. nº 2, 562º e nº 3 do 496, 566º e 570º, todos do Código Civil.
31ª - No que respeito ao dano morte, apenas se provou o seguinte: a vítima tinha à data do acidente, 58 anos, sendo um homem robusto e saudável.
32ª - Assim, crê-se que a indemnização se deve situar no montante de € 40.000,00, na esteira das indicações fornecidas pelo Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio.
33ª - Face ao que ficou dito, a decisão recorrido violou, neste particular, designadamente, o artºs 496, nº 2, 562º e nº 3 do 496, 566º e 570º, todos do Código Civil.
34ª - O ISSS alicerça o suo pretensão no art. 16º do Lei nº 28/84, de 14 de Agosto.
35ª - Isto é assim, pois, de outra forma o responsável seria duplamente penalizado, pagando ao lesado o indemnização que lhe caiba e reembolsando o CNP do subsídio e das pensões que tivesse pago. E por outro, porque tal se traduziria numa situação óbvia de enriquecimento sem causa cumulando a indemnização devida pelo co-responsável do ocidente com o subsídio e as pensões recebidas do CNP.
36ª - A Jurisprudência tem salientado que, estando em causo o subsídio por morte aquele normativo não logra aplicação, pois no verdade, o subsídio por morte é uma prestação que se integra no regime geral do segurança social – cfr. artigo 19º do Lei 28/84.
37ª - Assim sendo, constata-se que estamos perante uma obrigação própria do segurança social à qual se opõe um direito dos particulares. Pelo que, de acordo com o nº 1, do art. 593º do CC – não se poderá falar em transmissão para o devedor de um direito que lhe é oponível e a cujo cumprimento se encontra adstrito,
38ª - Por outro lodo, verifica-se assim que o ISSS, quando paga ao lesado, não cumpre uma obrigação de terceiro, o que constitui pressuposto fundamental da sub­rogação.
39ª - Por outro lado, o subsídio por morte tem em visto compensar o acréscimo de encargos decorrentes do morte do beneficiário por forma a facilitar a reorganização da vida familiar – cfr. art, 4º, nº 2, do Decreto - Lei nº 322/90, de 18 de Outubro,
40ª - Ou seja, o direito ao reembolso só acontece nos casos de concorrência pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes da segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, sendo que essa indemnização será aquilo que resulta dos princípios e normas sobre a responsabilidade civil.
41ª - E essas normas e esses princípios "não contemplam, em caso algum, a fixação de qualquer subsídio por morte nos termos em que este é definido pelo art, 4º, nº 2º, do Dec-Lei nº 322/90, de 18/10,
42ª - Acresce que o pagamento do referido subsídio ocorreu independentemente da causa da morte, justamente tendo em consideração que estamos perante uma típica prestação da segurança social.
43ª - De qualquer forma, a considerar-se este pagamento, o montante de subsidio atribuído a este título teria sempre que se descontar no montante a arbitrar ao nível do dano da vida,
44ª - Ao não considerar assim, a decisão recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto nos artºs 16º e 19,º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, e ainda o disposto no artº 483,º do Código Civil.»

Os recorridos contra-alegaram, sustentando a manutenção do decidido. Alegaram que determinadas afirmações da recorrente correspondiam a litigância de má fé, mas não requereram nada com tal fundamento.

3. Vêm provados os factos seguintes (transcrevem-se do acórdão recorrido):

«1. No dia 29 de Maio de 2002, cerca das 19h40, ocorreu um acidente de viação na E.M. 522, em Peça-Azões-Vila Verde.
2. Foram intervenientes os veículos 00000-00, ciclomotor, conduzido pelo proprietário, HH, marido e pai dos autores e o veículo de matrícula 00-00-00, ligeiro de passageiros, conduzido pelo proprietário II.
3. Os dois veículos circulavam pela referida E.M., ambos no mesmo sentido: Ângulo 40-Duas Igrejas, seguindo o ciclomotor à frente e o veículo ligeiro alguns metros atrás.
4. No cruzamento da referida E.M. com os caminhos que do lado direito segue para o lado da Silva e do lado esquerdo para o lugar de Santa Luzia, conforme o sentido Ângulo 40-Duas Igrejas, a E.M. desenha-se em traçado recto, com a largura de 6,60 metros, e com boa visibilidade numa extensão superior a 100 metros.
5. O condutor do ciclomotor pretendia seguir pelo caminho que desse
cruzamento dá acesso ao lugar de Santa Luzia.
6. Na altura do acidente HH tinha 58 anos de idade.
7. Faleceu no dia 04.06.2002.
8. O falecido HH encontrava-se casado há 36 anos com a autora AA
9. À data do acidente, a responsabilidade civil emergente de acidente de viação com a circulação do veículo 00-00-00, encontrava-se transferida para a ré mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 000000.
10. A colisão ocorreu no corredor de circulação da esquerda, atento o sentido de marcha dos intervenientes.
11. Com base no falecimento do beneficiário nº 00000000 AA, em consequência do presente acidente, foram requeridas no ISSS/Centro Nacional de Pensões, pela viúva, AA, as respectivas prestações por morte as quais foram deferidas.
12. Em consequência o ISSS/CNP pagou a AA título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, no período de 2002/7 a 2009/11, o montante global de 18.746,05€, sendo de 179,69€, o valor mensal actual.
13. O embate ocorreu a cerca de 1,70 metros da berma do lado esquerdo, tendo o ciclomotor sido projectado para a frente numa extensão de 8 metros.
14. O condutor do RD procedia à manobra de ultrapassagem do ciclomotor em pleno cruzamento.
15. Em consequência da colisão entre o veículo ligeiro e o ciclomotor, HH sofreu: laceração do terço distal da perna esquerda; hematoma subdural na região occipital parietal direita; edema cerebral; fractura alinhada ao longo da asa esfenoide esquerda, em face anterior; fractura alinhada do esfenoide à esquerda; fractura desde o 5º até ao 9º arco costal postero-laterais esquerdos; laceração do vaso intercostal ao longo do 7º arco costal esquerdo; hemotórax de 800 cc.à esquerda, com múltiplos coágulos e fractura exposta do terço distal dos ossos da perna esquerda.
16. Lesões cranianas, tóraxicas e hemotórax surgidas em consequência do traumatismo toráxico, que foram a causa directa e necessária da sua morte.
17. Do local do acidente o marido e pai dos autores foi transportado para o Hospital de S. Marcos, em Braga, onde lhe foram prestados todos os cuidados possíveis.
18. Tanto no momento da colisão como nos dias que se seguiram, até à sua morte, teve dores físicas intensas.
19. Sentiu muito amarga, angustiada e dolorosamente a aproximação da morte.
20. Era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico e trabalhador.
21. Constituíam uma família harmoniosa e feliz, onde reinava o respeito mútuo, o maior carinho e amizade entre todos.
22. A autora AA perdeu para sempre a ajuda, o carinho e a compreensão de um companheiro de caminhada, nos bons e maus momentos.
23. Os autores filhos do falecido HH sentiram muito intensamente a sua morte.
24. A AA é agricultora, cultivando num seu terreno batatas, cebolas, couves, cenouras e outros produtos hortícolas para consumo próprio, não tendo qualquer ocupação remunerada.
25. O rendimento de sua casa vinha do trabalho do seu falecido marido, que era pedreiro, trabalhando de 2ª feira a sábado, todos os meses do ano, ganhando €. 30,00 por dia.
26. Era pessoa de viver para a família e para o trabalho, não gastando com ele, por mês, mais de 200,00€, deixando para a casa cerca de 580,00€, por mês, 12 meses por ano.
27. O veículo RD circulava a uma velocidade não superior a 40 km/h, na hemifaixa de rodagem afecta ao seu sentido de circulação e o mais próximo possível da berma direita.
28. O ciclomotor conduzido pelo falecido seguia à frente do veículo RD, pelo que o condutor deste veículo, pretendendo efectuar a manobra de ultrapassagem do ciclomotor, aproxima-se do eixo médio da faixa de rodagem acciona o sinal luminoso esquerdo, vulgo pisca-pisca.
29. Depois de constatar que não estava a ser ultrapassado, transpõe o eixo médio da faixa de rodagem, passando a circular no corredor de circulação à esquerda, atento o seu sentido de marcha.
30. Quando se encontrava em posição quase paralela ao do ciclomotor, é surpreendido pela trajectória do ciclomotor que resolve efectuar a manobra de mudança de direcção à esquerda, no intuito de aceder a uma via, existente à esquerda, atento o seu sentido de marcha.
31. Invadindo por via disso o corredor de circulação da esquerda por onde já circulava o veículo RD e, sem utilizar qualquer sinalética, atravessa-se, obliquamente, embatendo no veículo RD.
32. O falecido HH conduzia com uma TAS de 1,20 g/l.»

4. A recorrente coloca assim as seguintes questões:
– Culpa exclusiva do lesado;
– Montante das indemnizações atribuídas aos autores;
– Reembolso ao ISSS/CNP.

5. A recorrente considera, em primeiro lugar, que o acidente dos autos se ficou a dever a culpa exclusiva do lesado, que infringiu as regras definidas pelo Código da Estrada para a mudança de direcção (artigos 39º e 44º), que violou o nº 2 do seu artigo 3º, que impõe que “As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias” e que, para além disso, “conduzia com uma taxa de alcoolemia de 1,20g/l”.
No entanto, e tal como observaram as instâncias, se é exacto que a prova revela que o lesado efectuou a manobra de mudança de direcção à esquerda de forma grosseiramente descuidada (“sem utilizar qualquer sinalética”, “invadindo o corredor de circulação da esquerda por onde circulava o veículo RD”, atravessando-se obliquamente na estrada e surpreendendo o automóvel, que se “encontrava em posição quase paralela ao do ciclomotor”), é igualmente certo que vem provado que, no momento do embate, o condutor do automóvel “procedia à manobra de ultrapassagem do ciclomotor em pleno cruzamento” da estrada (de “traçado recto, com a largura de 6,60 metros, e com boa visibilidade numa extensão superior a 100 metros”) onde ambos seguiam com caminhos para o lado esquerdo e para o lado direito.
Este condutor infringiu assim, ostensivamente, uma regra básica da circulação rodoviária, sendo a sua actuação, tal como a do lesado, causa do acidente e, consequentemente, dos danos cuja indemnização é pedida na presente acção.
Com efeito, ambos os intervenientes no acidente violaram regras (de trânsito) destinadas a proteger terceiros, e em circunstâncias que revelam que era exigível que tivessem agido de outra forma, evitando o resultado danoso ocorrido – ou seja, que agiram com culpa.
A recorrente aponta ainda, em defesa da sua tese, a taxa de alcoolemia apresentada pelo lesado e a falta de prova da visibilidade do cruzamento e da existência de sinalização que interditasse a ultrapassagem.
No entanto, cabe recordar que a referida taxa foi valorada pelas instâncias quando atribuíram ao lesado a percentagem de 60% de culpa na produção do acidente; que, demonstrada a existência do cruzamento, caberia à recorrente o ónus de provar a sua não visibilidade; e que a existência de sinalização não é condição para a existência de culpa do condutor do automóvel, embora a pudesse agravar.
Não há pois nenhum motivo para alterar a graduação de culpas que as instâncias definiram, dentro dos seus poderes de apreciação da matéria de facto e da respectiva consideração à luz do padrão de diligência definido pelo nº 2 do artigo 487º do Código Civil para o pressuposto da culpa.

6. Para a hipótese de não ser acolhida a alegação de que o acidente se ficou a dever exclusivamente ao lesado, a recorrente vem ainda discordar dos montantes das indemnizações atribuídas aos autores.
Estão em causa indemnizações (parcelares) correspondentes a danos não patrimoniais, da própria vítima e dos autores, e a danos de natureza patrimonial (quanto à primeira autora).
Relativamente aos primeiros, a recorrente questiona o montante de € 50.000 fixado pelas instâncias a título de indemnização pela perda do direito à vida, que considera dever ser reduzido para € 40.000,00, e o de € 10.000,00, correspondentes ao sofrimento suportado pelo lesado entre o momento do acidente e o do seu falecimento, e que, segundo a recorrente, deveria ser diminuído para € 5.000,00.
Quanto aos segundos (danos não patrimoniais sofridos pelos autores), fixados pelas instâncias em € 20.000 para AA e em € 15.000 para cada um dos filhos, a recorrente não impugna a quantia atribuída a AA mas sustenta que devem ser reduzidas para € 10.000,00 (para cada um) as indemnizações atribuídas aos filhos, por serem exageradas.
Como se sabe, para a determinação da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais, ressarcíveis desde “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º).
Este recurso à equidade não afasta, no entanto, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.
Está fora de dúvida que o dano da morte é indemnizável; o mesmo sucedendo em relação aos outros danos não patrimoniais sofridos pelo lesado e pelos autores, todos abrangidos pelos nºs 2 e 3 do artigo 496º do Código Civil; apenas se discute, como se viu, o montante de indemnização a fixar.
Está definitivamente provado que a vítima, HH, morreu em consequência do acidente de que se trata neste processo; que tinha 58 anos de idade; que era casado há 36 anos com a primeira autora, mãe dos demais autores; que era “saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico e trabalhador”; que “constituíam uma família harmoniosa e feliz, onde reinava o respeito mútuo, o maior carinho e amizade entre todos”; que a autora AA “perdeu para sempre a ajuda, o carinho e a compreensão de um companheiro de caminhada, nos bons e maus momentos”; que os filhos “sentiram muito intensamente” a morte do pai.
E ainda que HH sofreu graves ferimentos dos quais veio a resultar a sua morte, seis dias após o acidente, durante os quais “teve dores físicas intensas” e “sentiu muito amarga, angustiada e dolorosamente a aproximação da morte”.
Por outro lado, está também assente que o condutor do automóvel infringiu uma regra muito relevante da circulação rodoviária, a proibição de ultrapassar em cruzamentos, nenhuma razão havendo para reduzir a indemnização nos termos em que o artigo 494º do Código Civil o permite.
Tendo em conta estes elementos, e analisando a jurisprudência relativa a casos semelhantes, conclui-se que não procedem as objecções que a recorrente opõe aos montantes determinados pela sentença e confirmados pelo acórdão recorrido.
Com efeito, fixar em € 50.000 a compensação pelo dano da morte está de acordo, por um lado, com a extrema gravidade do dano infligido (“A vida é o bem supremo, a fonte de todos os direitos”, escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Outubro de 2006, disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 06A3021) e, por outro, com os valores que vêm sendo considerados adequados por este Supremo Tribunal, como se pode ver, por exemplo, e para além do já citado acórdão de 24 de Outubro de 2006, nos acórdãos de 12 de Outubro de 2006 (proc. nº 06B2520), 17 de Outubro de 2006 (proc. nº 06P2775), de 27 de Setembro de 2007 (proc. nº 07B2737), de 18 de Dezembro de 2007 (proc. nº 07B3715) ou de 30 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2989), em www.dgsi.pt.
Assim como não merece objecção o montante de € 10.000,00 como compensação pelo grave sofrimento físico e psíquico suportado pelo lesado antes de falecer (cfr. acórdão de 24 de Setembro de 2009, aqui seguido de perto e disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 09B0659).
E o mesmo se diga em relação aos danos não patrimoniais sofridos por cada um dos filhos, cujos montantes são igualmente adequados às circunstâncias do caso e não divergem dos que habitualmente são definidos para situações semelhantes (ver, por exemplo, os citados acórdãos deste Supremo Tribunal de 12 e de 24 de Outubro de 2006 ou de 27 de Setembro de 2007).

7. No que toca aos danos patrimoniais resultantes da perda do direito a alimentos (danos patrimoniais futuros) por parte da autora AA, que as instâncias fixaram em 28.000,00, a recorrente sustenta que deveria ser reduzida para € 15.000,00.
Não está também em causa neste recurso que, para efeitos de fixação da indemnização, se devem ter em conta os danos futuros, desde que previsíveis (nº 2 do artigo 564º do Código Civil), quer correspondam a danos emergentes, quer se traduzem em lucros cessantes (nº 1 do mesmo preceito); nem que, assentando a responsabilidade em mera culpa do lesante (citado artigo 494º do Código Civil), ou não sendo possível averiguar “o valor exacto dos danos” (nº 3 do artigo 566º, também do Código Civil), como tipicamente sucede quando se pretende arbitrar uma indemnização por danos futuros, o tribunal deve julgar segundo a equidade, devendo também ter em conta o “grau de culpabilidade do agente”, a “situação económica” do lesante e do lesado e as “demais circunstâncias do caso”; nem que tal julgamento de equidade tem de respeitar os “limites que [o tribunal] tiver por provados” (mesmo nº 3).
Como aliás o Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 09B717, de 7 de Fevereiro de 2002, proc. nº 01B3985, de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, de 27 de Novembro de 2003, proc. nº 03B3064, de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B3g926, de 8 de Março de 2007, proc. nº 06B4320 ou de 14 de Fevereiro de 2008, proc. nº 07B508, disponíveis em www.dgsi.pt), a equidade desempenha um papel corrector e de adequação da indemnização decretada às circunstâncias do caso, nomeadamente quando, como é frequente, os tribunais recorrem a “cálculos matemáticos e [a] tabelas financeiras” (expressão do acórdão de 27 de Novembro de 2003 acabado de citar). Esse recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, como já se observou.
Ora, para além do que se disse já, verifica-se que a autora não tinha qualquer ocupação remunerada à data do acidente, vindo “o rendimento de sua casa do trabalho do seu falecido marido, que era pedreiro”; que HH ganhava € 30,00 euros por dia, trabalhando seis dias por semana e todos os meses do ano e não gastava consigo mais de € 200,00 por mês, “deixando para a casa cerca de € 580,00, por mês, 12 meses por ano”; que o ISSS/CNP pagou à autora o subsídio por morte e pensões de sobrevivência, cujo montante, no momento do julgamento da matéria de facto, era de € 179,69 por mês.
Para alcançar o valor de € 28.000, a 1ª Instância tomou como base de cálculo “a diferença entre aquilo com que HH contribuía e aquilo que a autora agora aufere” a título de pensão de sobrevivência, € 2.523,72 por ano, a esperança de vida e de vida activa da vítima (que situou, aliás, em idades mais baixas do que tem sucedido em outros casos, 70 e 65 anos, respectivamente) e aplicou a fórmula que explica (e que nenhuma razão há para rejeitar, até porque apenas serve de base ou de ponto de partida para a determinação da indemnização). Procedeu finalmente a um “arredondamento”.
Sempre com a prevenção de que apenas está a ser apreciado um recurso interposto pela ré, considera-se que o montante assim alcançado é adequado.
Note-se, aliás, que a recorrente não esclarece por que motivo dele discorda, apenas apresentando como ajustada uma diferente percentagem do rendimento do lesado que seria gasto exclusivamente por ele. Optar por uma percentagem ou por outra corresponde, todavia, a um juízo de facto inadmissível no âmbito da revista.

8. Finalmente, a recorrente discorda da sua condenação no pagamento ao Instituto da Segurança Social das quantias pagas à autora AA como subsídio por morte e pensão de sobrevivência.
Vem provado que o Instituto de Solidariedade e Segurança Social pagou à autora AA, “a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, no período de 2002/2007 a 2009/11, o montante global de 18.746,05 €, sendo de 179,69 € o valor mensal actual”.
A primeira instância, que, para efeitos de cálculo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros sofridos pela autora AA, abateu o valor anual da “pensão que a autora ficou a auferir” ao montante com que HH“contribuiria para o seu agregado”, condenou a recorrente no pagamento da “quantia por si paga à viúva, aqui autora”.
A Relação, salientando precisamente “que não existe qualquer cumulação entre a indemnização atribuída em sede de danos futuros à autora HH e a pensão que lhe é paga pelo ISSS, pois, tal como vem referido na sentença recorrida, para a atribuição daquele montante foi descontada essa pensão”, manteve a condenação no pagamento, mas “reduzida a 40%, dada a proporção da responsabilidade da recorrente, redução esta que não foi efectuada na sentença recorrida e que corresponde a € 7.498,42.”.
Na verdade, o abatimento assim efectuado implica que os montantes pagos pelo ISSS/CNP a título de prestações por morte (subsídio por morte e pensões de sobrevivência) não possam ser descontados nas quantias que a recorrente foi condenada a pagar à autora AA, como sucedeu em diversos casos em que o Supremo Tribunal da Justiça afirmou repetidamente que a pensão de sobrevivência e o subsídio por morte pagos pela Segurança Social devem ser deduzidas nas quantias atribuídas a título de indemnização por acto ilícito, sob pena de cumulação indevida (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 8 de Junho de 2006, www.dgsi.pt, proc. nº 06A1464, de 11 de Fevereiro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 09B0659 ou de 11 de Novembro de 2010, www.dgsi.pt, proc.nº 270/04.5TBOFR.C1.S1, este último respeitante a pensões por invalidez, e jurisprudência neles citada).
Essa circunstância não afasta, como é manifesto, o direito de reembolso que é atribuído ao ISSS/CNP, seja pela lei em vigor à data do acidente – artigo 66º da Lei nº 17/2000, de 8 de Agosto, seja pela lei em vigor à data dos diversos pagamentos – artigo 71º da Lei nº 32/2002, de 20 de Dezembro e artigo 70º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, pois há manifestamente “concorrência pelo mesmo facto” gerador do direito à indemnização a pagar pela recorrente e do direito às prestações sociais pagas pelo referido ISSS/CNP.
É com esse alcance que todos esses preceitos – cujos textos são iguais – estabelecem que “as instituições de Segurança Social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”, não procedendo as objecções apresentadas pela recorrente, retiradas, seja da natureza das prestações, seja do regime da sub-rogação definido pelo Código Civil.

9. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2011

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Orlando Afonso