Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
30755/22.STBLSB.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: AÇÃO POPULAR
PRESSUPOSTOS
LEGITIMIDADE ATIVA
LEGITIMIDADE ADJETIVA
INTERESSES DIFUSOS
PEDIDO
CONSUMIDOR
RECURSO PER SALTUM
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I – O exercício da Acção Popular, postulado pelo artigo 52º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, encontra-se regulado na Lei n.º 83/95, de 31-08, distinguindo-se de todas as demais modalidades de acções pela amplitude dos critérios determinativos da legitimidade para a respectiva propositura, podendo ser instaurada por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos e por associações e fundações defensoras de valores, interesses ou posições jurídicas materiais protegidos pela lei, de natureza difusa, designadamente, entre outros, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público interesses e valores que não são susceptíveis de uma apropriação individual, e que respeitem a todos os membros de uma comunidade, ou, pelo menos, um grupo de pessoas não individualizável pela titularidade de qualquer interesse directamente pessoal, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda.

II – Com a açcão popular procura tutelar-se um interesse difuso, um interesse que possui uma dimensão individual e supra- individual (que pertencem a todos os titulares do interesse difuso “stricto sensu” ou do interesse coletivo), ou um interesse particular homogéneo, que corresponde àquele em que não existe uma situação individual particularizada, ao contrário dos interesses individuais, que só possuem uma dimensão individual, pertencendo estes exclusivamente a um ou a alguns titulares, podendo aquela visar a prevenção e a reparação dos danos de massas, resultantes da violação destes interesses, assim como os correspondentes interesses individuais homogéneos de todos os seus titulares.

III - Para que a tutela coletiva dos interesses difusos seja praticável, impõe-se que os mesmo sejam configuráveis numa situação jurídica genericamente considerada, assim como se impõe normalmente a abstração do “lastro de individualização”, ou seja, o alheamento ou afastamento de algumas particularidades respeitantes a cada um dos seus titulares, ou seja ainda, aquela tutela visa um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico de protecção de interesses que pertencem a uma pluralidade indiferenciada de sujeitos, assim respeitante a interesses indivisíveis da coletividade.

IV – Procurando aferir-se da legitimidade ativa para o exercício da ação popular, importa ponderar a natureza dos bens e interesses difusos, nas suas várias modalidades, cuja tutela se reclama, e se tais interesses se revelam efectivamente carenciados de tutela popular, tal significando que essa ponderação deve partir sempre do objeto do processo, tal como configurado pelo autor, na consideração do pedido e da causa de pedir.

VII - O facto de poderem existir interesses individuais que têm origem numa mesma e única alegada conduta ilícita e que, por essa via, se possa identificar um grupo de pessoas, não basta para que tais interesses possam ser tutelados através da ação popular. Para tanto, é indispensável que, considerados no seu conjunto, esses interesses assumam uma importância de ordem pública que exceda a mera soma ou agregação de um conjunto de interesses individuais pertencentes a uma mesma classe e que, ao mesmo tempo, sejam partilhados de forma homogénea e uniforme pelos membros da classe representada.

VIII - Não existe um interesse homogéneo entre todos os potenciais accionistas de um banco que formulam pretensão indemnizatória contra os seus administradores, pela perda de valor das suas ações e danos consequentes imputados àqueles administradores por alegada violação dos deveres de cuidado e lealdade a que estavam obrigados, uma vez que tais pretensões indemnizatórias, de cada investidor ou de cada grupo de investidores, poderão assentar em fundamentos pessoais e distintos dos demais.

Decisão Texto Integral:

AA, BB e CC instauraram no Juízo Central de ... ação popular contra DD e EE, pedindo a condenação dos réus no pagamento a cada um dos autores dos montantes relativos aos prejuízos que sofreram ou vierem a sofrer em consequência da sua atuação, a apurar individualmente em sede de execução de sentença, acrescidos de juros moratórios desde a citação.

Para tanto, alegaram, em súmula, os seguintes factos.

a) Os autores foram ou continuam a ser titulares de títulos representativos do capital social da sociedade Portugal Telecom, S.A., atualmente Pharol SGPS, S.A., ou titulares de contratos relacionados com tais títulos e dependentes da evolução do respetivo valor (CFD);

b) Os réus foram administradores da Portugal Telecom (PT) no período a que se refere o objeto dos autos;

c) A sociedade Banco Espírito Santo, S.A. (BES), integrada no referido GES, foi detentora de participação qualificada na PT;

d) As aplicações da PT em papel comercial com exposição ao grupo económico Espírito Santo (GES) tiveram início no ano 2001 e foram sendo sucessivamente renovadas até 2014, e, segundo comunicado de 30/6/2014, A PT subscreveu, por meio de atos de outras sociedades do Grupo PT (PT International Finance BV e a PT Portugal, SGPS, S.A.), um total de €897.000.000 (oitocentos e noventa e sete milhões de euros) em papel comercial da sociedade Rio Forte Investments S.A. (Rioforte);

e) A Rioforte não reembolsou à PT, nas datas estabelecidas (15/7 e 17/7 de 2014) o valor da subscrição;

f) Perante tal incumprimento da Rioforte, a PT cedeu os créditos de que era titular, através das suas subsidiárias, realizando uma permuta de créditos contra uma opção de compra de ações da sociedade brasileira Oi;

g) O acordo em causa constituiu uma contrapartida que a PT/Oi ofereceu ao GES pelo benefício que as holdings privadas brasileiras tiveram, permitindo-lhes eliminar as dívidas dos acionistas brasileiros junto do banco estatal brasileiro BNDES;

h) Esta operação foi feita a benefício das sociedades e grupos empresariais brasileiros e em detrimento dos acionistas da PT;

i) Entre a PT SGPS e a Oi foi estabelecido um acordo estratégico de colaboração e participação em negócios, definitivamente firmado em fevereiro de 2014;

j) Nessa altura foi tornada pública avaliação dos ativos da PT, quantificados em 1,9 mil milhões de euros;

k) Em 27 de março de 2014 foi realizada assembleia geral da PT SGPS para deliberar sobre a participação dos ativos da PT na Oi, que foi aprovada com 99,87% dos votos presentes ou representados, contra o voto dos autores, expresso em declaração exarada;

l) Em 5 de maio de 2014 o aumento de capital pressuposto de tal operação foi liquidado, e nesse mesmo dia a PT SGPS transferiu para a Oi os ativos operacionais da PT e os passivos da PT SGPS;

m) No dia 2 de julho de 2014, a Oi divulgou ao mercado que não tinha sido informada pela PT SGPS sobre o investimento que esta tinha feito no papel comercial da Rioforte e que não teve qualquer envolvimento no processo de decisão conducente a tal investimento;

n) A 16 de julho, a Oi anunciou que tinha assinado um entendimento com a PT SGPS, sujeito à aprovação dos acionistas, para a troca de 897 milhões de euros de papel comercial Rioforte por ações próprias da Oi, assim diluindo a participação da PT SGPS na Oi para aproximadamente 29%, constituindo opção para aquisição futura de mais ações;

o) A 18 de setembro de 2014, a PT SGPS nomeou o réu EE para presidir ao Conselho de Administração, cargo que este veio a renunciar a 29 de maio de 2015;

p) Na altura da nomeação foi também alterado o modelo de governance da instituição, concentrando poderes no Conselho de Administração e destituindo a Comissão Executiva;

q) O modelo de gestão inclui uma Comissão de Auditoria, anteriormente presidida pelo referido administrador, aqui réu;

r) Foi no período de gestão do R. DD e de representante máximo da Comissão de Auditoria do R. EE que foi concluída a aliança com a Oi e feita a aquisição de papel comercial da Rioforte;

s) EE foi nomeado Presidente do Conselho de ... da PT SGPS em setembro de 2014, mas permaneceu como Presidente da Comissão de Auditoria até novembro desse ano;

t) Os relatórios feitos por esta Comissão de Auditoria foram elaborados em conluio com a Comissão Executiva com intuito de ocultar irregularidades e situações de conflito de interesses;

u) Entre outubro e novembro de 2014, responsáveis da Oi e da PT SGPS abandonaram os seus cargos, tendo neste último mês sido dada a conhecer oferta da sociedade francesa Altice S.A. na aquisição dos ativos da PT;

v) A referida oferta consistia na compra de determinados ativos da PT Portugal SGPS, SA, relativa aos negócios em Portugal, por um valor de 7 mil milhões de euros, sendo conhecida uma outra oferta por tais ativos (de Apax & Bain);

w) Em dezembro de 2014 saíram da PT SGPS três membros da anterior Comissão Executiva, conhecedores do processo de fusão com a Oi, que aprovaram, tendo sido compensados economicamente pela sua saída;

x) A venda dos ativos da PT Portugal retirou valor à PT e a Oi não utilizou os fundos obtidos para consolidar a sua posição no mercado de comunicações, tendo vindo a pedir proteção dos credores no ano 2016;

y) Os membros da Comissão Executiva atuaram malcomunados com os réus para defenderem interesses pessoais na alienação dos ativos da PT em Portugal, não protegendo os acionistas;

z) Reunidos em assembleia geral no dia 22 de janeiro de 2015, os acionistas da PT aprovaram alienação da PT Portugal com 97,81% dos votos expressos, tendo as Autoras, por intermédio dos seus representantes, votado contra tal decisão;

aa) Em 26 de março de 2015, os acionistas da Oi aprovaram os termos e condições da relação entre Oi e PT;

bb) Em 2 de junho de 2015, a Oi anunciou a concretização da alienação da PT Portugal à Altice por 5,8 mil milhões de euros, dos quais 4,9 mil milhões pagos à Oi, e o remanescente valor de 869 milhões de euros para pagamento de dívida da PT Portugal;

cc) A PT, ao não exercer a opção de compra das ações da Oi, perdeu a titularidade do correspondente direito, o que expressamente foi confirmado por comunicado de 28 de julho de 2014;

dd) Significa tal situação que a PT passou a garantir a solvência da Rioforte perante a Oi, assegurando gratuitamente a obrigação emergente da dívida comercial e, com isso, contrariando o seu propósito lucrativo;

ee) Tal foi feito para satisfazer um dos seus principais acionistas, detentor de uma participação qualificada superior a 10 % - o BES;

ff) O referido acordo preliminar celebrado entre a PT e a OI e que reenquadrou a relação entre sociedades no contexto do não pagamento do papel comercial adquirido à Rioforte é nulo, por violação de norma legal imperativa que veda a prestação de garantias ou assunção de encargos a título gratuito;

gg) Com esse ato, na qualidade de legais representantes, os réus incorreram na obrigação de indemnizar os autores, cujas participações sociais diminuíram abruptamente de valor, com o comunicado de incumprimento da Rioforte bem como pela perda de valor decorrente da fusão com a Oi;

hh) O Código das Sociedades Comerciais estabelece a responsabilidade objetiva da sociedade-mãe (sociedade diretora) pelas dívidas da sociedade-filha (sociedade subordinada);

ii) O financiamento de €897.000.000 à Rioforte, por via de aquisição de papel comercial, não se insere no objeto social da PT, que também o não poderia exercer por via da sua subsidiária Portugal Telecom International Finance B.V.;

jj) Tal financiamento equivalia a 64,8 % da capitalização bolsista da PT;

kk) Os réus, na qualidade de administradores, são responsáveis perante as autoras por preterição de deveres de cuidado e lealdade, por terem atuado de forma negligente;

ll) Tal financiamento implicou uma descida de rating pela agência de notação financeira Fitch, que lhe atribuiu a categoria “BB+”;

mm) A descida do rating da PT levou a perda de valor da empresa e a desvalorização das suas ações;

nn) Com a emissão de papel comercial, o passivo de curto prazo da Rioforte (à data, de € 2.900.000.000) superava o ativo corrente, que se situava na ordem dos € 1.000.000.000, circunstância conhecida e que o Conselho de Administração da PT não considerou;

oo) O valor das ações da PT em bolsa sofreu uma forte desvalorização;

pp) Esta desvalorização constitui um prejuízo direto na situação patrimonial dos Autores;

qq) Foi a conduta dos réus a causa direta e necessária dos danos sofridos pelos autores, devendo ser indemnizados no montante do prejuízo que resultou da diferença entre a valorização dos valores mobiliários representativos do capital social que ainda detêm, ou detinham na data de alienação, e o valor da aquisição, a apurar em execução de sentença.

Foi na 1ª instância proferida decisão de indeferimento liminar da petição inicial, em síntese, porque “além das supra referidas insuficiências de alegação quanto a danos, eventualmente supríveis, a reconfiguração da petição inicial em ação comum implicaria uma verdadeira transmutação substantiva de uma ação assente em interesse geral numa ação assente em interesse direto em demandar, alteração cuja extensão, além de dispositivamente caber à parte (e, nessa medida, também passível de convite, que a parte acederia, querendo), implicaria uma possível alteração fundamental de pedido e causa de pedir, que extravasaria os limites do aperfeiçoamento constituindo-se em verdadeira petição diversa.

Inconformados, vieram os autores interpor o presente recurso de revista per saltum para este Supremo tribunal de Justiça, oferecendo alegações, que culminam com as seguintes conclusões:

1. Os recorrentes, autores populares, interpõe o presente recurso por entenderem que o tribunal a quo não fez a melhor e mais correta interpretação do direito quanto às questões mencionadas supra em §1 ao decidir, por intermédio de uma sentença que os autores não representam qualquer interesse, que não o seu interesse direto e pessoal em demandar, não podendo a ação popular seguir.

2. Isto porque, entende o tribunal a quo que os autores não se revestem da qualidade de consumidores, apesar da posição de investidores não qualificados de instrumentos financeiros.

3. O presente recurso vem na modalidade da revista persaltum, por recair apenas sobre a matéria de direito, o que é feito nos termos e ao abrigo nos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 672, 675, 678 (1), aplicável ex vi artigo 644 (1,a) e 678 (3), todos do CPC.

4. Os autores têm legitimidade para interpor o presente recurso acompanhado das respetivas alegações sob a matéria de direito (cf. artigo 631 do CPC) e estão em tempo de o fazer (cf. artigo 638 do CPC).

5. Os recorrentes, mui respeitosamente, discordam da douta sentença pelas razões vertidas nos §§ 3, 4 e 5 supra, para onde se remete para uma completa compreensão e evitando aqui uma repetição fastidiosa e prolixa do que ai se encontra de forma resumida.

6. Mas que, resumindo ainda mais, se estriba no facto dos autores terem um interesse pretensamente partilhado por todos os investidores da Portugal Telecom, SGPS. S.A, nas mesmas condições – afetados pelo comportamento ilícito dos réus (atentos à causa de pedir escorada de forma depurada nos factos) - e o direito de serem indemnizados pelos danos provocados por esses comportamentos.

7. Entendem,desse modo, quena presente lideestamosperante a defesa de interesses coletivos (que se prendem com os pedidos), relativamente a uma coletividade de pessoas identificáveis (os investidores em questão que estejam na mesma situação), não revelando a causa de pedir ou o pedido quaisquer particularidades derivadas da multiplicidade dos factos que caraterizam as relações entre os autores populares e aos réus ou um qualquer pleito abusivo do direito da ação popular que possam interromper o direito de ação popular.

8. Isto porque a definição do objeto da causa (pedido e causa de pedir) é conforme configurado pelos autores - a forma de processo (ação popular), tal como acontece com outros pressupostos processuais (i.e. legitimidade ativa ou passiva, competência do tribunal, instância, etc.) é tal como configurada pelos autores no articulado inicial.

9. Assim, atentosà causa de pedir exaltada no § 3 supra, para onde se remete, evitando aqui a sua extensa repetição, e ao pedido, transcrito no que releva no § 4 supra, também para onde se remete, é inequívoco que estão preenchidos os requisitos do direito de ação popular nos termos da lei 83/95 e do artigo 31, do CVM.

10. Isto porque, a situação é a descrita nos factos (§ 3 supra) e que resultou numa lesão em massa aos autores populares derivado do comportamento ilícito dos réus - comum a todos os autores.

11. Assim, o lastro de individualização tem de ser abstraído, pois não se trata, no processo, de atacar as condições precisas e particulares que diferem para cada um dos autores populares, mas sim o comportamento ilícito que foi a causa do dano provocado aos autores populares - comum a todos os autores populares.

12. Sustentados no Parecer jurídico do Professor Doutor José Lebre de Freitas, os autores defendem que a ação popular não se limita a infrações contra a saúde pública, os direitos os consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultura, pois tal enumeração não é taxativa, sendo que a única coisa que releva e esses interesses sempre de natureza coletiva ou difusa, não radicáveis, como direitos subjetivos ou interesses legítimos próprios, numa ou mais pessoas individualmente consideradas.

13. Ou seja, basta que sejam respeitantes a toda uma comunidade, por isso postulando a impossibilidade de determinação dos interessados, ou a uma coletividade de pessoas identificáveis.

14. O que, in casu, se verifica perfeitamente.

15. Por fim, como sustentado no § 8 supra, douta sentença decidiu, parece-nos, incorretamente relativamente às custas pelos autores.

16. O artigo 20 (1) da lei 83/95, encontra-se revogado (cf. artigo 25 (1) – norma revogatória - do decreto-lei 34/2008.

17. O regime atual de custas processuais na ação popular resulta da conjugação do artigo 4 (1, b) e (5) do decreto-lei 34/2008.

18. Sendo que o pedido não foi manifestamente improcedente – o tribunal apenas concluiu que não estavam verificados os pressupostos da ação popular, não deve o autor interveniente estar isento de custas.

19. Trata-se, como se disse na nota preambular, de matéria de direito, cujo Vossas Excelências, Colendos(as) Conselheiros(as), é que melhor que ninguém podem aplicar para que se faça a necessária justiça.

20. Os autores, obviamente, aqui estarão para acatar e respeitar o melhor entendimento de Vossas Excelências sobre esta questão de direito.

21. Não se pode deixar de salientar que a fraude, publica e notória, relacionada com a Portugal Telecom SGPS, S.A. (aqui tratada), perpetrada claramente pelos réus (que como é público respondem atualmente por vários crimes), destruiu vidas, muitas, não só do ponto de vista económico, como da saúde e destruiu muitos postos de trabalho – pois isso aconteceu, por exemplo, com o irmão de um dos aqui autores que acabou por falecer.

22. São milhares, os autores populares: portugueses e de outros Estados membros da União Europeia.

23. Relembrando que a primeira ação popular (igual a esta), era subscrita por 36 pequeníssimos investidores, que perderam as poupanças das suas vidas, mas como respaldo de mais de 800 investidores que intervieram, a título principal, noutra ação popular contra os administradores do falido Banco Espirito Santos, que muito se relacionada com o presente caso.

24. A primeira ação popular, sucumbiu, por o juízo central cível se ter considerado incompetente emrelação da matéria.

Agora, passados anos, resolvido o conflito de competências, os autores, os ainda resistentes, lutam em nome de todos – e, salvo melhor opinião, é para isso que servem as ações populares.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que determine a descida dos autos à primeira instância e o prosseguimento da ação como ação popular.

Deve ainda a sentença reformada no que toca àscustas, substituindo-se por outra que isente os autores das mesmas.”

Veio o Réu DD contra-alegar, concluindo nos termos seguintes:

Oartigo31.º do CVM tem um limitadoâmbitodeaplicação,em face,desdelogo,da limitada abrangência das matérias abarcadas pelo Direito dos Valores Mobiliários – que se reconduzem, maioritariamente, à regulação dos aspetos respeitantes à emissão, depósito e, em particular, à transmissão de valores mobiliários.

A pretensão feita valer pelos Recorrentes nos presentes autos em nada se relaciona com o regime jurídico dos valores mobiliários: não alegam qualquer facto com relevância jurídica para o seu pedido que esteja conexionado, direta ou indiretamente, com a emissão ou a aquisição de valores mobiliários – ou, por outras palavras, com a sua decisão de investimento na PT SGPS.

Auscultada a causa de pedir dos presentes autos, é patente que os Recorrentes pretendem efetivar o exercício do direito que os acionistas têm – integrante do seu status socci – de exigir que a administração da sociedade comercial prossiga, no exercício da sua atividade, o interesse social.

Mas, fazendo-o enquanto e porque são sócios, não é aqui aplicável o CVM, que se limita a regular os aspetos atinentes à emissão, depósito e transmissão de valores mobiliários; já não a atuação dos administradores das sociedades comerciais, nem o seu regime de responsabilidade civil, que se encontra, detalhada e exaustivamente, coberto pelos artigos 64.º e ss. do CSC.

Esteve, pois, bem o Tribunal a quo– não merecendo, por isso, a Decisão Recorrida qualquer censura -, ao considerar que, por estar em discussão no presente caso um direito dos Recorrentes adveniente de uma «relação emergente da situação societária», não se encontram preenchidos os requisitos para que aqueles façam uso dos direitos que são conferidos pelo CVM aos investidores em valores mobiliários.

Ainda que fosse de entender – o que apenas por exacerbada cautela de patrocínio se equaciona, sem, contudo, conceder – que o CVM seria aplicável in casu, sempre soçobraria a pretendida qualificação dos Recorrentes como «consumidores», na qual estes pretendem alicerçar a sua legitimidade para convocar a presente ação popular.

A qualificação dos Recorrentes como investidores em valores mobiliários – que é por si assumida – é incompatível com a de consumidores. Como é sabido, os investidores, quando investem, fazem-no para conservar o valor por si criado, ao passo que os consumidores, com a prática do ato de consumo, destroem o valor criado.

Além do mais, a posição dos investidores, considerando a natureza fiduciária da relação que os liga aos intermediários financeiros, logram sempre obter um grau satisfatório de proteção, ao contrário dos consumidores, que se inserem, por natureza, numa relação profundamente desigual.

A conclusão de que não deve admitir-se a equiparação dos investidores – mesmo que não profissionais – aos consumidores tem sido afirmada pela generalidade da nossa Doutrina, ficando, pois, arredada a possibilidade de os Recorrentes recolherem legitimidade para fazerem uso da ação popular consagrada no artigo 31.º do CVM com assento na sua putativa qualidade de consumidores.

Mesmo que os Recorrentes fossem de qualificar como «consumidores», nunca o poderiam ser, em caso algum, em face da PT SGPS, de que o ora Recorrido é ex-administrador.

Com efeito, o fundamento justificador de um conjunto autónomo de normas de consumo é o da existência de uma relação desequilibrada entre o consumidor e o profissional, em virtude da disponibilidade, por parte do profissional, de mais e melhor informação por referência ao negócio em causa, assim como a sua maior capacidade financeira - o que pressupõe, necessariamente, uma relação contratual entre o consumidor e o profissional.

A inevitabilidade da existência de uma relação contratual entre o consumidor e o profissional decorre da Lei de Defesa do Consumidor, na qual se define consumidor como sendo «todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios» – cf. artigo 2.º da Lei do Consumidor.

Os Recorrentes não celebraram – nem o contrário foi por si alegado – qualquer contrato, fosse de que tipo fosse, com a PT SGPS; não foi a PT SGPS que negociou ou vendeu as ações adquiridas pelos Recorrentes no seu capital social, nem com eles celebrou qualquer outro tipo de contrato; à data dos factos, a PTSGPS era uma sociedade aberta, com cotação em Bolsa, pelo que as suas ações eram transacionadas pelos investidores através de intermediários financeiros, junto dos quais as referidas ações ficavam, depois, depositadas (como, aliás, sucedeu com os Recorrentes, como o comprovam os Documentos n.ºs 1 a 6 juntos com a Petição Inicial).

Como bem concluiu o Tribunal a quo na Decisão Recorrida, a qualidade de «consumidores» dos Recorrentes é-o – a existir, o que não se aceita – por referência a um intermediário financeiro, pois são estes que no seio dos mercados de capitais «promovem, comercializam e guardam os valores mobiliários», tal significando que os Recorrentes apenas podiam invocar a sua qualidade de consumidores de produtos financeiros ao abrigo do CVM perante o intermediário financeiro através do qual terão adquirido (a outros investidores) as ações por si detidas no capital social da PT SGPS.

Quanto à inadmissibilidade de recurso à ação popular e, em particular, a questão de a ação popular poder ser admitida se os interesses prosseguidos forem difusos ou coletivos ou individuais homogéneos (Capítulo 2.2.1)

As ações populares apenas podem ter por objeto a defesa de interesses difusos lato sensu, que incluem quer os interesses difusos stricto sensu, quer os interesses coletivos, quer ainda os respetivos interesses individuais homogéneos. É a dimensão transindividual dos interesses que permite e fundamenta o tratamento unitário, i.e., a agregação de interesses individuais e a sua consideração conjugada no quadro de uma ação com esta natureza.

Em particular, tem-se entendido que a tutela de interesses individuais via ação coletiva apenas pode ocorrer quando existe entre os interesses individuais um mínimo de fatores comuns que justificam e permitam o seu tratamento processual unitário ao dispensar a análise individualizada da situação de ca interesse. Por sua vez, implica (i) que o mérito da causa dependa da apreciação das mesmas questões de facto e de direito e seja peticionado um provimento jurisdicional de conteúdo igual relativamente a todos os interesses e (ii) que as pretensões deduzidas não suscitem a invocação pelos demandados de meios de defesa diferentes contra os vários interesses representados – o que, manifestamente, não sucede no caso sub judice.

Quanto à inadmissibilidade de recurso à ação popular e, em particular, a manifesta falta de definição da classe e impossibilidade de identificar qualquer interesse difuso (lato sensu) titulado de forma comum e uniforme ao grupo de pessoas pretensamente representadas (Capítulo 2.2.2)

É manifesta a falta de definição e caracterização, com um mínimo de certeza, do grupo a que a ação possa dizer respeito. Percorrendo a Petição Inicial, a definição da classe representada é quase impercetível. O “esclarecimento” – e, ainda assim, parco – surge apenas a final, a propósito da citação dos titulares dos interesses em causa na presente ação popular, sendo evidente que, ainda assim, a definição aí avançada é manifestamente imprestável para identificar com um mínimo de certeza, quais as pessoas representadas.

Não poderá deixar de se concluir estarmos perante uma definição manifestamente imprecisa e incapaz de constituir uma categoria de sujeitos de um mesmo interesse difuso ou coletivo, o que demonstra a falta ou, no mínimo, prejudica a identificação (i) da titularidade de um mesmo interesse difuso ou coletivo por parte do grupo de pessoas (pretensamente) representadas e (ii) da existência de um nexo de homogeneidade entre os interesses individuais, o que redunda na inadmissibilidade da ação popular.

Quanto à inadmissibilidade de recurso à ação popular e, em particular, não ser identificável qualquer interesse comum e uniforme (interesse difuso lato sensu), mas apenas interesses individuais pessoais e diretos dos Recorrentes (Capítulo 2.2.3)

Os Recorrentes não prosseguem qualquer interesse comum e uniforme ao pretenso grupo representado, que valha transversalmente e de forma homogénea, mas em especial, relativamente ao grupo de pessoas incluído na classe representada, em termos tais que exceda a mera soma ou agregação de um conjunto de interesses individuais. Ou seja, falta a dimensão de transindividualidade aos interesses objeto desta ação, pelo que não é sustentável a sua representação geral sob a forma de ação popular. Diferentemente, estão apenas em causa interesses individuais diretos, pessoais e heterogéneos dos autores (não da classe representada), que, por isso, não são acionáveis em sede de ação popular.

Isto é assim, fundamentalmente, porque a presente ação tem por objeto interesses individuais que têm de ser objeto de avaliação pelo próprio titular, não podendo qualquer acionista ou grupo de acionistas arrogar-se de tal pretensão representativa geral – conclusão, de resto, reforçada pelo conceito normativo de danos ressarcíveis ao abrigo do artigo 79.º do CSC, que faz denotar a intrínseca pessoalidade e heterogeneidade deste tipo de pretensões.

Quanto à inadmissibilidade de recurso à ação popular e, em particular, o conhecimento do mérito da ação não depende da análise das mesmas questões de facto e de direito, nem é peticionado um conteúdo jurisdicional uno, que permita a análise indiferenciada dos interesses individuais objeto da ação (Capítulo 2.2.4)

A apreciação da pretensão dos Recorrentes não implica a consideração das mesmas questões de facto e direito relativamente a todos os interesses individuais que lhe estão subjacentes, nem é peticionado um conteúdo jurisdicional uno relativamente a todos os interesses individuais tentativamente objeto da ação.

A heterogeneidade dos interesses verifica-se logo ao nível do estabelecimento do requisito do facto ilícito. A pretensão de cada lesado assentará, necessariamente, em fundamentos particulares relativamente a cada situação, não podendo – obviamente – ser dada uma resposta una relativamente ao universo de pretensões indemnizatórias que os Recorrentes procuram ilicitamente incluir no objeto do processo.

A falta de homogeneidade dos interesses individuais é ainda mais evidente do ponto de vista do requisito do dano e do nexo causal. Desde logo, o tipo de danos potencialmente ressarcíveis no quadro da responsabilidade de administradores perante sócios, nos termos do artigo 79.º do CSC, apenas contempla os danos diretamente produzidos no património do sócio, sem mediação pelo património da sociedade, não caindo no conceito de danos relevantes para esse efeito uma mera redução do valor de mercado da participação social. Por outrolado,a ex istênciadedano(se algum),asua medida ea existência denexocausal, correspondem a questões fáctico-jurídicasque variam de situação para situação, em função
de diversas variáveis (como o perfil do acionista, as informações de que dispunha, a dimensão e valor da sua participação, o modo e o valor (se algum) de aquisição das participações, se foram celebrados quaisquer contratos ou instrumentos financeiros que possam impactar as pretensas perdas/ganhos decorrentes da titularidade das ações, como contratos swap ou de seguro, etc.)

A primeira conclusão que decorre do acabado de referir é que a análise dos requisitos do dano e do nexo causal necessariamente pressupõe a consideração das particularidades de

Referimo-nos ao facto os administradores apenas responderem perante os acionistas pelos danos provocados diretamente na sua esfera jurídica, não podendo, por conseguinte, ser responsabilizados pelos danos eventualmente provocados na esfera jurídica da sociedade e que só reflexa ou indiretamente afetem o valor das respetivas ações. A propósito desta matéria, remete-se para o referido na no Capítulo 2.2.4, em particular nos §§ 127 a 129 e notas de rodapé n.º 38 a 40.

cada situação individual subjacente e não é possível dar uma resposta una relativamente a todo o universo de acionistas alegadamente representados.

A segunda conclusão é quea alegaçãodos Recorrentes é imprestável para ultrapassar estes problemas e justificar a apreciação indiferenciada dos interesses individuais. A alegação genérica que os Recorrentes fazem a esse nível – de que as práticas imputadas aos Réus fizeram variar negativamente o valor das ações e que os acionistas sofreram prejuízos no valor dessa depreciação – corresponde a uma sobresimplificação excessiva e abusiva, que (apenas tentativamente e sem qualquer sucesso) visa mascarar a incontornável falta de homogeneidade dos interesses que inevitavelmente determina a inadmissibilidade da presente ação popular.

Por outro lado, é também claro que não é peticionado um conteúdo jurisdicional uno relativamente a todos os interesses individuais tentativamente objeto da presente ação, estando em causa um pedido indemnizatório inadmissível à luz da LAP. Com efeito, para além de estar em causa um pedido totalmente ilíquido e condicional,semomínimodesuporteprocessual,opedidoformuladodizrespeitoeestá intrinsecamente relacionado com cada um dos direitos individuais heterogéneos tentativamente objeto da presente ação, não sendo peticionado um conteúdo jurisdicional uno relativamente a todos os interesses.

Quanto à inadmissibilidade de recurso à ação popular e, em particular, da impossibilidade de exercício por parte dos Réus de meios de defesa que poderiam exercer caso as pretensões indemnizatórias fossem exercidas individualmente (Capítulo 2.2.5)

Verifica-se uma situação de impossibilidade de exercício, pelos Recorridos, de meios de defesa específicos aos vários titulares dos interesses individuais (heterogéneos) aqui em causa, que poderiam ser exercidos caso as pretensões indemnizatórias fossem exercidas individualmente ou caso os titulares dos direitos indemnizatórios surgissem perfeitamente identificados de forma individualizada, o que igualmente redunda na inadmissibilidade da presente ação popular.

Existem inúmeras e variadas possibilidades de defesa individualizadas com respeito a cada um dos interessados pretensamente incluídos na classe representada por referência aos múltiplos, indeterminados e individualizados factos e enquadramentos jurídicos que potencialmente fundamentam, para cada um dos interessados pretensamente representados pelos Recorrentes, cada um dos pedidos da ação. Aqui incluem-se, designadamente, defesas específicas em função das características de cada investidor, do seu nível de conhecimento, do seu perfil, das características e circunstâncias de cada operação de aquisição ou alienação de ações, etc.

Quanto à inadmissibilidade de recurso à ação popular e, em síntese: a presente ação popular não tem por objeto interesses difusos, mas interesses individuais não homogéneos, pelo que a presente ação popular deve ser considerada inadmissível, sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade (Capítulo 2.2.6)

Os interesses individuais em causa nesta ação não correspondem a interesses individuais homogéneos, nem, por outro lado, é possível afirmar a titularidade, por parte da classe representada (de resto, muitíssimo mal definida), de um interesse difuso stricto sensu ou coletivo, ficando, assim, impossibilitada a consideração,em bloco, indiferenciada e unitária, das pretensões indemnizatórias correspondentes aos interesses individuais que os Recorrentes dizem prosseguir, sob pena deforçar a aplicação de um sistema a uma situação para a qual o mesmo não foi pensado e, ilícita e inconstitucionalmente, prejudicar os direitos dos demandados.

A interpretação do regime da ação popular, em particular dos artigos 1.º e 2.º da LAP, no sentido de que o mesmo admite ações populares em casos em que os interessesindividuais objeto da ação não correspondam a interesses individuais homogéneos, importa, designadamente, a violação dos direitos fundamentais dos réus demandados em ações populares, sendo tal interpretação desconforme com o disposto nos artigos 2.º, 13.º, 20.º, n.º 4, e 52.º, n.º 3, da CRP, que consagram o princípio do Estado de Direito, os direitos de defesa, ao contraditório e à igualdade de armas, todos eles corolários do princípio do processo justo e equitativo,assimcomooprincípioda igualdade e o direito de ação popular.

A LAP deverá ser interpretada no sentido exposto nas presentes contra-alegações, que é o único conforme à CRP. Caso contrário, a norma que se extrai dos artigos 1.º e 2.º da LAP, caso interpretada (como propõem os Recorrentes) no sentido contrário ao supra exposto nas presentes contra-alegações deve ser desaplicada, por inconstitucionalidade dessa interpretação normativa, o que desde já se requer e suscita para todos os efeitos.

Quanto à inadmissibilidade de recurso à ação popular e, em face do que antecede, a Decisão Recorrida no sentido do indeferimento liminar da presente ação, designadamente com base na inadmissibilidade da presente ação popular, deve ser confirmada (Capítulo 2.2.7)

Ante a impossibilidade de os interesses objeto do processo poderem ser objeto de uma ação popular e consequente falta de fundamento jurídico-processual para a instauração da presente ação sob a forma de ação popular, fica prejudicada a possibilidade de conhecimento da causa. Em concreto, verifica-se uma exceção dilatória inominada de inadmissibilidade da ação popular em função do seu objeto (dos interesses prosseguidos), ou, subsidiariamente, uma exceção dilatória nominada de falta de legitimidade popular dos Recorrentes para prosseguir os interesses objeto do processo sob a forma de ação popular. A Decisão Recorrida de indeferimento liminar deve, pois, ser confirmada, nos termos do artigo 13.º da LAP e do artigo 590.º, n.º 1, do CPC.

Quanto à condenação dos Recorrentes em custas (Capítulo 2.3)

A isenção de custas prevista no abrigo do artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do RCP, não tem aplicação nos casos previstos no artigo 4.º, n.º 5, do RCP. O artigo 4.º, n.º 5, do RCP, abrange as situações em que a ação popular seja indeferida liminarmente, ao abrigo do artigo 13.º da LAP, a qual é, por definição, uma decisão que tem subjacente uma situação de manifesta probabilidade de improcedência. Considerando que, no caso subjudice,a ação foi indeferida liminarmente, precisamente ao abrigo do artigo 13.º da LAP, impõe-se concluir pela correção da Decisão Recorrida também no que se refere a matéria de custas..”

Também o Réu EE contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

1. Em síntese, o Tribunal a quo concluiu pela improcedência da presente acção em resultado de os Autores/Recorrentes não representaram «qualquer interesse, que não o seu próprio interesse direto e pessoal em demandar».

2. Tal decisão não merece qualquer censura e deverá ser mantida.

3. Na verdade, os interesses em causa nos autos não configuram interesses individuais homogéneos e direitos colectivos dos Autores/Recorrentes, mas antes e unicamente interesses individuais dos próprios Autores.

4. A presente acção corresponde, aliás, a uma verdadeira instrumentalização do mecanismo da acção popular para defesa de interesses individuais dos Autores/Recorrentes, procurando estes tirar partido das regras do regime da acção popular (excepcionais face às regras gerais da acção declarativa comum), em especial as relativas a custas judiciais.

5. Por outro lado, ainda que se entendesse, e sem conceder, que os Autores/Recorrentes teriam legitimidade para a presente acção popular, sempre a mesma estaria fatalmente destinada ao insucesso, por muitas e variadas razões, de facto e de direito, no topo das quais a prescrição.

6. Os actos que os Autores/Recorrentes imputam ao Réu/Recorrido de alegada violação dos deveres de cuidado e lealdade a que estava obrigado e que teriam sido alegadamente geradores de danos reportam-se aos anos de 2013 e 2014.

7. Assim, mesmo desconsiderando que os Autores/Recorrentes nunca poderiam lançar mão do direito conferido pelo art. 79.º, n.º 1 do CSC – pois, a terem existido danos, os mesmos teriam sido causados directamente à PT e apenas reflexamente aos accionistas e para efeitos do citado artigo não têm relevo os danos meramente reflexos –, sempre o (inexistente) direito dos Autores/Recorrentes, por força do disposto no art. 174.º do CSC, estaria prescrito por terem já decorrido (muito) mais de 5 anos.

8. O direito à acção popular, consagrado no artigo 52.º, n.º 3 da CRP, constitui um direito, liberdade e garantia de participação política.

9. Através da acção popular, o legislador constitucional atribuiu aos cidadãos legitimidade para prosseguirem um interesse público e supra-individual, visando a acção popular conferir vigilância, controlo e protecção eficazes aos «direitos de fruição de bens comuns, bens que são de todos e insusceptíveis de apropriação individual.»

10. A acção proposta pelos Autores/Recorrentes não constitui qualquer forma de participação política e através dela os Autores/Recorrentes não procuram efectivar a «perseguição judicial» de qualquer infracção contra os interesses supra-individuais elencados no n.º 3 do art. 52.º da CRP (a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, o consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público).

11. Com o respaldo e dentro dos limites decorrentes do art. 52.º, n.º 3 da CRP, a Lei da Acção Popular constitui um instrumento para a tutela judicial de interesses difusos em relação a bens ou valores constitucionalmente protegidos, permitindo que determinados cidadãos e organizações assumam a perseguição judicial de interesses gerais da colectividade, independentemente de tais cidadãos e organizações terem sofrido qualquer lesão na sua esfera jurídica.

12.O âmbito de protecção do direito de acção popular encontra-se delimitado à tutela de interesses difusos em sentido lato, os quais podem traduzir-se em interesses difusos ou colectivos ou em direitos ou interesses individuais homogéneos.

13. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.9.2016, proferido no processo n.º 7617/15.7T8PRT.S1, interesses difusos «(…) são interesses que possuem uma dimensão individual e supra-individual (…) dispersos ou disseminados por vários titulares, (…) insusceptíveis de apropriação individual», e interesses individuais homogéneos são «(…) interesses de cada um dos titulares de um interesse difuso “stricto sensu” ou deum interessecoletivo (…)», que«(…)nãosão apenas interesses singulares, isto é, de um indivíduo, mas também interesses supra-individuais, pois que pertencem a todos os titulares do interesse difuso “stricto sensu” ou do interesse coletivo (…)».

14. Na acção intentada pelos Autores/Recorrentes não estão em causa (nem foram alegados) interesses relacionados com a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, o património cultural e o domínio público, invocando os Autores/Recorrentes como fundamento da acção popular e da sua legitimidade para mesma a «defesa dos direitos dos consumidores»de valores mobiliários, fazendo apelo ao direito de acção popular previsto no art. 31.º, n.º 1 do CVM.

15. Como bem decidiu o Tribunal a quo, não existe qualquer relação de consumo entre os accionistas/investidores em instrumentos financeiros (neles se incluindo os Autores/Recorrentes) e a sociedade comercial cujo capital social são ou foram detentores (a PT), mas entre os investidores e o operador ou intermediário financeiro que promove, comercializa e guarda os valores mobiliários em causa.

16. Mesmo que, e sem conceder, existisse uma relação de consumo entre os Autores/Recorrentes e a PT, tal não determinaria que os Autores/Recorrentes tivessem legitimidade para a presente acção popular pois quando oartigo31.º, n.º 1 do CVM atribui o direito de acção popular a consumidores/investidores não profissionais em instrumentos financeiros fá-lo por referência à defesa de interesses individuais homogéneos ou colectivos, não abrangendo o direito de acção popular a defesa de interesses individuais e heterogéneos de consumidores/investidores não profissionais em instrumentos financeiros.

17.O artigo 31.º, n.º 1 do CVM tem necessariamente de ser interpretado em conjugação com a LAP e com a CRP, e a defesa de direitos de consumidores/investidores não profissionais em instrumentos financeiros é indissociável da existência de interesses difusos, sejam interesses difusos ou colectivos, sejam direitos ou interesses individuais homogéneos.

18. Conforme decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.10.2005, proferido no processo n.º 05B2578 « (…) a acção popular pode ser intentada por um qualquer cidadão, ou por pessoas com interesses individuais homogéneos, invocando ou não o interesse público, mas terá de ser sempre uma acção em defesa de um interesse público geral e dos direitos subjectivos nesses direitos incluídos (…)» e, assim, «(…) os direitos que se pretende ver tutelados deverão ter um carácter comunitário, ou seja, um valor pluri- subjectivo e os interesses subjacentes devem assumir um cunho meta-individual.».

19.É, aliás, por ter por única finalidade a defesa de interesses supra-individuais e não interesses individuais e egoísticos que o regime da acção popular contém regras processuais excepcionais, que constituem um desvio às regras basilares dos processo civil aplicáveis às acções singulares, designadamente o regime representativo na base do sistema opt-out (cf. arts. 14.º, 15.º, n.º 1 da LAP).

20. Assim, a protecção de interesses individuais só se mostra compatível com o mecanismo processual da acção popular quando sejam homogéneos e assumam uma importância de ordem pública que exceda a mera soma de um conjunto de meros interesses individuais.

21. Nos autos estão em causa meros interesses individuais, pretendendo os Autores/Recorrentes ser indemnizados por alegados prejuízos decorrentes de alegada violação pelo Réu/Recorrido, Administrador da PT, de deveres de cuidado e lealdade, fundando tal pretensão de indemnização «apenas em razão do exercício de um direito subjectivo próprio, ainda que paralelo ao de outros, e não em função, pelo menos também, de um interesse colectivo, meta-individual, transcendente desses tais outros direitos individuais»

(Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 13.11.2012, no processo n.º 332/10.0TBVLP-A.P1).

22. Bem andou, pois, Tribunal a quo quando concluiu que «a razão da ação popular não é, todavia, aplicável [ao caso dos autos], por inexistência de um interesse comum e uniforme a tutelar», competindo a cada accionista da PT fazer a avaliação dos alegados danos invocados pelos Autores/Recorrentes, «não se podendo presumir que todos os pequenos acionistas tenham tido danos, não estejam dispostos a aceitar os riscos inerentes à titularidade de ações (incluindo o risco de ocorrerem atos de gestão com que não concordem ou que sejam lesivos dos seus dividendos ou do valor dos seus títulos) ou, por fim, que não estejam dispostos a aceitar livremente quaisquer perdas financeiras.».

23. A tutela de interesses individuais por via de uma acção colectiva só pode ocorrer quando não haja lugar à análise e discussão de situações individuais particularizadas, situação que não se verifica nos autos, uma vez que para decidir o pedido formulado haveria que ter em conta as especificidades de cada accionista da PT, desde logo o posicionamento nas assembleias gerais realizadas, inexistindo uma justaposição total dos interesses individuais em jogo, o que também demonstra a falta de homogeneidade de tais interesses.

24. De resto, as especificidades da posição de cada accionista da PT convocam meios e fundamentos de defesa específicos para cada accionista, ficando o Réu, ora Recorrido, impedido do exercício cabal do seu direito de defesa perante a multiplicidade dos potenciais lesados e a sindicância que teria que ser feita quanto aos pressupostos dos direitos de cada um deles.

25. Face a tudo quanto antecede, nenhuma dúvida pode subsistir quanto à confirmação da decisão recorrida e à improcedência do recurso, não podendo o Réu/Recorrido deixar de sublinhar que o documento que os Autores/Recorrentes juntam como alegado “Parecer” não é um parecer (mas um estudo publicado numa revista) e não versa sobre a situação dos autos (mas sobre as acções de indemnização propostas por infracção ao direito da concorrência), nada resultando do mesmo que deva levar a decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo.

Notificada das contra-alegações do réu DD, vieram a Autora AA e demais autores intervenientes, AUTORES POPULARES, opor-se à junção por aquele de documento que traduz uma sentença proferida por acórdão do Tribunal da Relação de ..., transitado em 06.12.2021, processo 3422/15.9...

Admissibilidade do recurso

Analisado o teor do recurso de revista per saltum interposto, resulta que os recorrentes se insurgem contra a decisão que, em 08-03-2023, indeferiu liminarmente a ação popular.

Nas contra-alegações, os recorridos não manifestaram qualquer oposição à interposição de recurso per saltum, pelo que perde relevância a discussão em torno da necessidade de acordo das partes para a interposição do recurso em análise nos autos.

Assim, verificando-se os requisitos gerais de recorribilidade e restringindo-se o objeto do recurso a questões de direito, não se vislumbram quaisquer obstáculos à admissibilidade do recurso de revista per saltum (cfr. arts. 652.º, n.º 1, e 678.º, n.º 3, do CPC e ainda art. 647.º, n.º 1, aplicável ex vi art. 678.º, n.º 3, do mesmo código).

OBJECTO DO RECURSO

Tendo por base as conclusões do recurso de revista, a questão essencial submetida à apreciação deste Tribunal assume cariz normativo, sendo a de saber qual a natureza do invocado interesse que os autores pretendem ver tutelados na presente ação.

Para além disso, importará apreciar a questão suscitada quanto à responsabilidade no pagamento das custas processuais por parte dos autores.

Apreciando:

Sobre a natureza dos interesses invocados pelos autores.

Como resulta da leitura das conclusões da revista, os recorrentes insurgem-se contra a posição assumida na decisão recorrida sobre a natureza dos interesses cuja tutela os autores pretendem.

Em sede de despacho liminar a 1.ª instância propugnou o entendimento de que, no caso em apreço, os interesses cuja tutela os autores pretendem não configuram interesses difusos, mas tão só interesses diretos e pessoais, não sendo, por isso, admissível a presente ação popular.

A conclusão alcançada na decisão da 1.ª instância surge fundamentada, em síntese, nos seguintes termos:

“(…)

Cada acionista é titular de uma posição representativa de capital, de conteúdo social e patrimonial, disponível e singular.

Será a cada acionista, mesmo aos mais pequenos e, consequentemente, afastados da gestão, que competirá avaliar da afetação da sua situação jurídica, não podendo qualquer acionista, ou grupo de acionistas, arrogar-se tal pretensão representativa geral.

Diga-se, aliás, que decorre diretamente da alegação que tal sucedeu no caso, em momentos socialmente relevantes.

Assim, alegam os autores que em assembleias gerais de 27 de março de 2014 e 22 de janeiro de 2015 foi aprovada a participação dos ativos da PT na Oi, com 99,87% dos votos e a alienação da PT Portugal à Altice, com 97,81% dos votos, em ambos os casos contra os votos expressos pelos autores. Quer isto dizer que, relativamente a elementos essenciais da invocada responsabilidade, o que existe não é uma falta de representação dos acionistas na decisão, é uma decisão pessoal, clara e assumida com a qual os autores não concordaram.

O mesmo se poderá dizer quanto à aquisição de papel comercial da Rioforte que, ainda que não tenha sido alegado, certamente foi objeto de discussão e aprovação em reuniões de órgãos sociais, que mais não seja ao nível de aprovação de contas e da própria relação com a empresa brasileira.

O que está em causa neste juízo não é, obviamente, se os autores têm ou não razão na posição que assumiram, i.e., se a aquisição de papel comercial da Rioforte foi ou não um ato danoso da sociedade, se foi uma peça relevante no desmantelamento de um projeto de internacionalização do negócio da empresa, na sua relação com a América do Sul, ou se tal precipitou a alienação do negócio em Portugal a um grupo económico de base francesa.

O que está em causa é se os autores se podem arrogar representantes dos interesses do conjunto geral dos acionistas minoritários, que antes se respondeu negativamente.

Não se pode deixar de assinalar, todavia, que, face aos elementos alegados de avaliação dos ativos anterior à alienação (1,9 mil milhões de euros), ao valor do negócio (€5,8 mil milhões de euros) e considerando a pequena dimensão económica do país no contexto das chamadas operações de M&A – mergers and acquisitions, está longe de ser patente que o desenlace último deste processo seja de prejuízo direto para os pequenos acionistas.

Refira-se, a este propósito, que, de acordo com a posição dos autores, o prejuízo que se arrogam tutelar é apenas o financeiro estabelecido pela diferença de valor das ações à data de aquisição (que não alegam) e à data presente e/ou de alienação (que também não alegam).

Além de sobrelevarem as supra referidas considerações de esta ser uma avaliação de danos que a cada titular compete fazer, não se podendo presumir que todos os pequenos acionistas tenham tido danos, não estejam dispostos a aceitar os riscos inerentes à titularidade de ações (incluindo o risco de ocorrerem atos de gestão com que não concordem ou que sejam lesivos dos seus dividendos ou do valor dos seus títulos) ou, por fim, que não estejam dispostos a aceitar livremente quaiquer perdas financeiras.

Essa é uma avaliação que a cada um compete fazer, não podendo alguém arrogar-se fazer pelo conjunto.

--

Outros interesses gerais poderiam ser considerados, como um putativo interesse de manutenção dos chamados centros económicos de decisão em Portugal.

Neste sentido, os autores seriam representantes do conjunto da comunidade, opondo-se a um iter que conduziu à alienação internacional de uma importante empresa nacional de comunicações, na decorrência direta de atos danosos de gestão.

Também aqui valem as considerações anteriores, não se podendo considerar que exista, desde logo, qualquer interesse conjunto e homogéneo da população portuguesa a este propósito, que remete para uma discussão do nível das opções políticas sobre o regime económico e até, no limite, ao chamado processo das privatizações no quadro de uma pequena economia aberta e, portanto, mais propensa à venda que à compra de ativos no mercado internacional.

Tal interesse geral não existe e, ainda que existisse, não é esse que os autores se arrogam defender, pretendendo pela presente ser ressarcidos de perdas não liquidadas relativas simplesmente à desvalorização das ações. –

--

Decorre das considerações anteriores que os autores não representam qualquer interesse, que não o seu interesse direto e pessoal em demandar, não podendo a ação popular seguir. –“

Insurgem-se os recorrentes, invocando, no essencial, que “como se recorta com elevada nitescência da causa de pedir, verifica-se um comportamento dos réus que resultou numa lesão em massa de vários acionistas da Portugal Telecom, SGPS, S.A. (atualmente Pharol, SGPS, S.A.), os aqui autores populares, para além de, obviamente, dos autores intervenientes.

Atenta a causa de pedir, não podem existir dúvidas que, para além da dimensão individual, estamos também perante uma dimensão supra individual que estriba os interesses individuais homogéneos ao que corresponde o interesse difuso ou coletivo de cada um dos autores populares.

(…)

Os autores têm uma especial conexão com a presente demanda: são todos investidores não qualificados, tendo investindo em valores mobiliários representativos do capital social da Portugal Telecom, SGPS, S.A. e foram prejudicados com o comportamento ilícito dos réus supra descrito, com a consequente perda dos montantes investidos.

Dúvidas não podem, por isso, restar de que são os autores parte legítima na presente ação – são investidores não qualificados –, e que têm interesse na presente ação – são titulares, simultaneamente, de direitos coletivos e de direitos individuais homogéneos”.

Cumpre apreciar, iniciando pela análise do enquadramento normativo do denominado direito de acção popular.

O art. 52.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra expressamente o direito de ação popular nos seguintes termos:

É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:

a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural;

b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.”.

No plano da legislação ordinária, impõe-se observar a Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, que define os casos e os termos em que é conferido o direito de ação popular.

Dispõe o artigo 1.º, n.º 2 da referida lei, que “são designadamente interesses protegidos pela presente lei a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público.”.

Por sua vez, são titulares do direito de ação popular, nos termos do n.º 2, n.º 1 da referida lei “quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda.”.

Ainda nos termos do art. 14.º da Lei n.º 83/95 nos processos de ação popular “o autor representa por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão previsto no artigo seguinte, com as consequências constantes da presente lei”.

No plano da legitimidade processual, dispõe ainda o art. 31.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ações para a tutela de interesses difusos”, o seguinte:

Têm legitimidade para propor e intervir nas ações e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à proteção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, nos termos previstos na lei”.

A propósito do que sejam “interesse difusos”, vejam-se os artigos 3.º al. f) e 13.º al. c) da Lei de Defesa do Consumidor (doravante, LDC - Lei n.º 24/96, de 31.7, na sua versão mais recente).

Conforme dispõe o art. 3.º al. f) o consumidor tem direito “[à] prevenção e à reparação dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais homogéneos, colectivos ou difusos”.

E o art.13.º da LDC estipula que “Têm legitimidade para intentar as ações previstas nos artigos anteriores:

a) Os consumidores diretamente lesados;

b) Os consumidores e as associações de consumidores ainda que não diretamente lesados, nos termos da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto;

c) O Ministério Público e a Direção-Geral do Consumidor quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, coletivos ou difusos”.

Por sua vez, dispõe o art. 31.º, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários que:

“1 - Gozam do direito de ação popular para a proteção de interesses individuais homogéneos ou coletivos dos investidores não profissionais em instrumentos financeiros:

a) Os investidores não profissionais;

b) As associações de defesa dos investidores que reúnam os requisitos previstos no artigo seguinte;

c) As fundações que tenham por fim a proteção dos investidores em instrumentos financeiros.”.

Segundo PAULO OTERO, “a acção popular, sendo sempre uma acção judicial e, neste sentido, a expressão do direito fundamental de acesso aos tribunais, distingue-se de todas as demais modalidades de acções pela amplitude dos critérios determinativos da legitimidade para a respectiva propositura.

Mediante a acção popular, pode dizer-se que todos os membros de uma comunidade - ou, pelo menos, um grupo de pessoas não individualizável pela titularidade de qualquer interesse directamente pessoal - estão investidos de um poder de acesso à justiça visando tutelar situações jurídicas materiais que são insusceptíveis de uma apropriação individual.

A acção popular traduz, deste modo, uma forma de tutela jurisdicional de posições jurídicas materiais que, sendo pertença de todos os membros de uma certa comunidade, não são, todavia, apropriáveis por nenhum deles em termos individuais. Deparamos aqui, por isso mesmo, com um conjunto de interesses materiais solidariamente comuns aos membros de uma comunidade e cuja titularidade se mostra indivisível através de um processo de apropriação individual. Neste sentido, deverá afirmar-se que o actor popular age sempre no interesse geral da colectividade ou da comunidade a que pertence ou se encontra inserido, isto sem que tal meio de tutela judicial envolva a titularidade de qualquer interesse directo e pessoal.”

Sobre o que sejam interesses difusos e sua abrangência em sede de direito de ação popular, tem-se entendido que os mesmos abrangem quer os interesses difusos stricto sensu, quer os interesses coletivos, quer ainda os respetivos interesses individuais homogéneos, o que, em termos práticos, significa que a ação popular pode visar tanto a prevenção da violação de um interesse difuso stricto sensu ou de um interesse coletivo, como a reparação dos danos de massas resultantes da violação destes interesses – Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in A Legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos, Lex, pp. 120 e ss.

Veja-se o que se escreve no acórdão deste Supremo Tribunal de 08-09-2016 (proc. n.º 7617/15.T8PRT.S1), que sintetiza os ensinamentos de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, Lex, Lisboa, 2003, págs. 46 e segs.) nos seguintes termos:

Os interesses difusos são interesses que possuem uma dimensão individual e supra- individual, ao contrário dos interesses individuais, que só possuem uma dimensão individual, pertencem exclusivamente a um ou a alguns titulares.

Os interesses particulares homogéneos são aqueles em que não existem situações individuais particularizadas, mas tão só situações jurídicas genericamente consideradas.

Os interesses difusos encontram-se dispersos ou disseminados por vários titulares, mas são interesses sem sujeito ou sem titulares, cabem a cada a todos a cada um dos membros de uma classe ou de um grupo, mas são insusceptíveis de apropriação individual por qualquer desses sujeitos, sendo, pois, a dupla dimensão individual e supra -individual uma característica essencial desses interesses.Os interesses difusos são indiferenciados, não só porque podem pertencer a qualquer sujeito que se inclua numa certa classe ou categoria, mas também porque eles existem independentemente de qualquer relação voluntária estabelecida entre os seus titulares.

(…)

Os interesses individuais homogéneos podem ser definidos como os interesses de cada um dos titulares de um interesse difuso “stricto sensu” ou de um interesse coletivo.

Não são apenas interesses singulares, isto é, de um indivíduo, mas também interesses supra- individuais, pois que pertencem a todos os titulares do interesse difuso “stricto sensu” ou do interesse coletivo.

Na ação popular procura-se a tutela de um interesse difuso, assim como os correspondentes interesses individuais homogéneos de todos os seus titulares.

No entanto, para que a tutela coletiva seja praticável, ela impõe normalmente a abstração de algumas particularidades respeitantes a cada um dos seus titulares.

Na verdade, a tutela coletiva não é possível sem a abstração do “lastro de individualização” que é característica das situações “standard”.” (realce nosso) – proc. n.º 7617/15.7T8PRT.S1.

Ainda na sede jurisprudencial, os interesses individuais homogéneos, enquanto objeto admissível de ação popular, são encarados como “todos aqueles casos em que os membros da classe são titulares de direitos diversos, mas dependentes de uma única questão de facto ou de direito, pedindo-se para todos eles um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico” - cfr. Acórdãos do STJ de 23-09-1997 (processo n.º 97B503) e de 20.10.2005 (processo 05B2578).

Neste âmbito, AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA sustentam que “(…) no que respeita ao segundo tipo de ações populares, parece-nos que a legitimidade prevista no n.º 2 deste artigo 9.º (…) também pode ser invocada por quem tenha interesse pessoal na demanda, para o efeito de fazer valer interesses individuais homogéneos no âmbito de uma ação de grupo ou class action. Com efeito, a ofensa de um interesse difuso pode, em certas circunstâncias, dar origem à constituição de interesses individuais homogéneos, que são interesses que surgem em termos idênticos na esfera jurídica de um número mais ou menos elevado de indivíduos em consequência de uma mesma situação jurídica (…)” – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2021, 5.ª edição, p. 103.

Ora, a legitimidade ativa para o exercício da ação popular afere-se em função dos bens e interesses cuja tutela se pretende, na medida em que, adiantam aqueles autores (ob. cit. p. 97) “a ação popular não é, pois, um meio processual, mas uma forma de legitimidade que permite desencadear os diversos tipos de ações ou providências cautelares que se tornem necessárias à defesa de interesses difusos” – sublinhado nosso.

Porém, importa não perder de vista a prevalência que deve ser dada à proteção do interesse supra individual e a prossecução da finalidade visada com a criação do direito à ação popular, que, conquanto possam relevar posições individualmente consideradas, pressupõe uma apreciação indiferenciada das mesmas. Esta é, de resto, a posição firmada no já citado Acórdão do STJ de 8-09-2016, onde, no respetivo sumário se escreve que “a ação popular não é admissível quando o demandado possa invocar diferentes defesas contra os vários representados, deve-se atentar na posição por este assumida, assumindo-se assim aquela possibilidade como um critério prático para discutir a sua admissibilidade. A legitimidade popular deve ser aferida em função do poder de representação dos titulares do interesse por parte do autor popular e do seu interesse na demanda, sendo que os representados devem todos ter sido atingidos pela violação do mesmo interesse difuso ou estarem em risco de o serem. A adequação da representação pressupõe a inexistência de um conflito de interesses entre o autor popular e os titulares do interesse difuso e a garantia de que a sua atuação permite substituir a presença daqueles em juízo. Sendo possível, face à definição do objeto da causa, proceder a uma apreciação indiferenciada da situação de cada um dos mutuários, competirá ao tribunal, uma vez apuradas as suas particularidades, apreciar se as mesmas inviabilizam uma tomada de decisão numa ação popular ou se, pelo contrário, os elementos factuais que são comuns a todas elas se revelam prevalentes, sempre tendo em vista a necessidade de abstração [acima] referida (…).”

Como se desenvolve no referido aresto, “a possibilidade de o demandado numa ação popular invocar diferentes defesas contra vários representados pode ser utilizada como um critério prático para verificar se eles são titulares de um mesmo interesse individual homogéneo”, aí se acrescentando que “a adequação da representação exercida pelo autor popular pressupõe o preenchimento de dois requisitos: um deles, de carater negativo, é a ausência de qualquer conflito de interesses entre o autor popular e os titulares do interesse difuso; o outro requisito, de carater positivo, é a garantia que a atuação do demandante permite substituir a presença dos titulares do interesse difuso na ação popular.”.

Este acórdão, na senda do que defende MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, vem, pois, reafirmar a ideia de que a ação popular não será, em regra, admissível quando o demandado possa invocar contra algum ou alguns dos representados uma defesa pessoal, isto é, quando possa utilizar fundamentos de defesa específicos contra alguns desses representados, assumindo-se uma tal possibilidade como um indício da inexistência de interesse difuso.

Idêntico entendimento encontra respaldo no Acórdão do STJ de 14-09-2023, nos termos do qual, partindo da possibilidade de os demandados da ação popular poderem invocar diferentes defesas contra vários representados, concluiu no sentido de não serem estes titulares de um mesmo interesse individual homogéneo suscetível de legitimar o recurso à ação popular. Aí se escreve:

“(…) face ao objecto da acção, é indesmentível concluir-se que, no caso, as relações contratuais dos clientes da 1.ª R. podem não ser idênticas entre si, não sendo possível, face aos concretos pedidos formulados, abstrair das especificidades de cada uma das situações individuais de cada um dos eventuais titulares do interesse invocado na acção relativo à qualidade de um bem de consumo.

Recorrendo ao critério prático a que alude o supra citado acórdão deste Supremo Tribunal de 08-09-2016, e tal como referido no despacho liminar proferido nos autos, as demandadas poderiam invocar diferentes defesas contra os vários representados, tendo em consideração, desde logo, o prazo de caducidade dos direitos invocados na acção (prazo esse previsto no art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, aplicável ao caso uma vez que a presente acção foi intentada em ...-11/2021, e que o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro, apenas se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor (01-01-2022); cfr. arts. 51.º e 55.º do mesmo diploma legal). Tal situação demonstra efectivamente que os vários consumidores de azeite que poderiam vir a ser representados pelo A. não são titulares de um mesmo interesse individual homogéneo.”.

Densificando a concepção de que a ação popular não deverá ser utilizada para que sejam apresentados em juízo pedidos de tutela jurisdicional próprios de uma ação individual, LEBRE DE FREITAS (“A ação popular do direito português”, in sub judice, 24, janeiro/março de 2003, p. 24) escreve que “enquanto o consumidor a quem é fornecida a coisa com defeito tem direito, conforme os casos e em conformidade com a lei geral, à sua reparação, à sua substituição, à redução do preço, à resolução do contrato e/ou à indemnização (por dano material ou moral), o autor da acção popular mais não poderá que pedir uma indemnização globalmente fixada, em termos porventura equitativos”.

A este propósito, pela sua relevância, importa ainda atentar no Acórdão do STJ de 6-07-2023, proferido na revista excecional n.º 26412/16.0T8LSB.L2.S , no qual se discutia a aquisição por consumidores portugueses de veículos produzidos com software adulterado com o objetivo de falsear os resultados e as características dos testes e controlos efetuados aos veículos em questão.

Em tal aresto, começa-se por reconhecer que a aí autora (DECO), estaria legitimada para instaurar ação popular em defesa dos interesses difusos (em sentido estrito e em sentido lato) dos consumidores. Conclui, porém, que a autora não tem “legitimidade para apresentar em juízo pedidos de providência jurisdicional próprios da clássica ação individual, norteada pela tutela do interesse individual de cada um dos consumidores concretamente lesados”.

Respaldando-se num parecer junto a tal processo, da autoria dos Professores PAULO MOTA PINTO E MARIA JOSÉ CAPELO, escreve-se no citado Acórdão que a ação se funda “em direitos individuais com origem contratual diferenciada, dos quais fez emergir pedidos de condenação em prestações de facere, dependentes de atos futuros e incertos de cada consumidor, e prestações de carácter indeterminável, que não obedece aos fins típicos de uma acção popular, à luz do quadro normativo aplicável à acção popular no ordenamento jurídico português.”.

Acrescenta o mesmo acórdão que “por outro lado, estando em causa “a violação de interesses de titulares não individualmente identificados, a indemnização é fixada globalmente” (art. 22.º/2), e não nos termos individuais em que foi formulada na ação.”, concluindo-se ainda, conforme consta do respetivo sumário, que “a ação popular não é admissível quando o demandado possa utilizar fundamentos de defesa específicos contra alguns dos representados pelo autor.”.

Sem prejuízo do que se deixa dito, não se pode deixar de ressalvar que a mera circunstância de se verificarem elementos particulares relativamente a cada um dos consumidores, muito embora seja um elemento relevante, não pode significar, por si só, o afastamento do direito de ação popular.

Como sintetiza o já mencionado Acórdão do STJ, de 08-09-2016, “Há que ter sempre em atenção que os elementos de facto a ter em conta não são só os que eventualmente existam como específicos de cada situação, mas também os elementos de facto comuns a todas elas, devendo o Tribunal exercer o devido controlo sobre a prevalência daqueles primeiros elementos que eventualmente existam sobre os elementos de facto comuns que sustentam os pedidos formulados, sem nunca perder de vista a tendencial abstração daqueles elementos particulares como base quase necessária para a possibilidade da existência da ação popular.

Na verdade, se qualquer elemento particular invocado por um demandante fosse suficiente para descaraterizar imediatamente o interesse como coletivo, praticamente seria impossível a existência de qualquer ação popular, ficando esta, na realidade, na disponibilidade daquele.”.

O mesmo é dizer que a circunstância de se verificarem elementos particulares relativamente a cada um dos consumidores, muito embora seja um elemento relevante, não pode significar, por si só, o afastamento do direito de ação popular, sob pena de se frustrar a intenção do nosso legislador.

Como escreve MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (Ob. Cit. p. 123), “a concessão da legitimidade popular a pessoas singulares e a alguns entes colectivos tem uma importante relevância prática, pois que a insignificância do dano sofrido por cada atingido, a fraqueza do litigante isolado, a excessiva onerosidade do acesso à justiça e o temor de enfrentar uma contraparte poderosa afastam frequentemente o lesado de actuar em juízo na defesa do seu próprio interesses. Uma forma de superar esta dificuldade consiste em atribuir a uma pessoa singular a representação em juízo de todos aqueles que se encontram, como titulares de um interesse difuso, numa situação semelhante (…); uma outra consiste em conceder legitimidade processual aos entes colectivos cujo objectivo estatutário seja a defesa do interesse difuso ameaçado ou ofendido. Ambas as soluções permitem agrupar os interesses, por vezes não muito significativos na sua dimensão económica, de cada um dos sujeitos atingidos.”

Partindo, pois, do pressuposto de que a mera existência de particularidades individuais não tem a virtualidade de, por si só, afastar o direito de ação popular, importará, em concreto, aferir se são os interesses comuns a assumir maior prevalência, caso em que haverá que concluir pela existência de um interesse difuso.

Aqui chegados, cumpre deixar expresso que a apreciação liminar, debruçando-se tão-só sobre o teor da petição inicial, deve ater-se ao objeto do processo tal como configurado pelo autor, o mesmo é dizer, a apreciação da natureza dos interesses cuja tutela se reclama deve partir sempre do objeto do processo, tal como configurado pelo autor, com total desconsideração, neste âmbito, do eventual mérito ou demérito da pretensão em análise.

Assim, a apreciação da viabilidade da ação popular, no que especificamente diz respeito à natureza dos interesses em presença, deve ter em consideração o pedido e a causa de pedir, havendo que aquilatar se, segundo os autores, existem interesses difusos, nas suas várias modalidades, carentes de tutela popular.

Posto isto, regressando ao objeto do processo sub judice tal como configurado pelos autores na petição inicial, apreciemos, em concreto, da viabilidade da ação popular, em função da natureza dos interesses em presença e do concretamente peticionado.

Ora, o interesse invocado pelos autores consiste, fundamentalmente e em face do pedido concretamente por si formulado, em que aos acionistas da Portugal Telecom, S.A. seja reconhecido o direito a serem ressarcidos dos prejuízos que sofreram ou vierem a sofrer em consequência da atuação ilícita dos réus, a apurar individualmente em sede de execução de sentença.

Percorrida a petição inicial, constata-se que o que está em causa nos presentes autos é a imputação, por parte dos autores, aos réus, enquanto administradores da PT, de uma conduta alegadamente ilícita e causadora de danos, em primeiro lugar, à própria PT e, reflexamente, aos autores, ora recorrentes, em resultado de alegada desvalorização das suas participações sociais.

Os autores visam, pois, com a presente ação ser indemnizados por alegados prejuízos decorrentes de alegada violação pelos réus administradores da PT de deveres de cuidado e lealdade, fundando tal pretensão de indemnização em razão do exercício de um direito subjetivo próprio, ainda que paralelo ao de outros.

Para fundamentar a legitimidade do recurso à ação popular, os recorrentes mais alegam que o comportamento dos réus resultou numa lesão em massa aos acionistas da PT e que, por isso, para além da dimensão individual, os interesses têm uma dimensão supra individual que estriba os interesses individuais homogéneos ao que corresponde o interesse difuso ou coletivo de cada um dos autores populares.

Os autores começam por invocar, para o efeito, a qualidade de consumidores, por se tratarem de investidores não qualificados de instrumentos financeiros.

Sucede, porém, que a relação que os autores invocam é a que os opõe, enquanto acionistas, à sociedade comercial cujo capital são detentores e não em relação ao operador ou intermediário financeiro que promove, comercializa e guarda os valores mobiliários em causa.

Assim, como bem é reconhecido no despacho liminar sob escrutínio, os autores não podem ser tidos como consumidores no contexto da relação controvertida em causa na presente acção.

De facto, não foi a PT, que à data dos factos era uma sociedade aberta, com cotação em bolsa, que negociou ou vendeu as ações adquiridas pelos recorrentes no seu capital social, nem com eles celebrou qualquer outro tipo de contrato.

Subscreve-se, pois, inteiramente o seguinte passo da decisão recorrida:

Será, assim, perante o intermediário financeiro que os autores serão consumidores de produtor financeiros e, portanto, será perante tal empresa que poderão apresentar-se como titulares dos direitos conferidos pelo CVM. Perante a Portugal Telecom, S.A., seja a sociedade-mãe ou participadas, de onde decorre a invocada responsabilidade derivada dos réus, na qualidade de seus administradores, a relação não é de consumo, sendo uma relação emergente da situação societária, traduzida na invocação de direitos por pequenos acionistas contra decisões de representantes da sociedade lesivas dos seus interesses.”

Afastada a invocada relação de consumo, prosseguiu o despacho recorrido na análise da eventual existência de um interesse coletivo do conjunto dos pequenos acionistas alegadamente prejudicados pelo comportamento ilícito imputado aos réus, concluindo, porém, pela sua inexistência, tendo em consideração que “cada acionista é titular de uma posição representativa de capital, de conteúdo social e patrimonial, disponível e singular” que não admite a representação geral.

Recorrendo ainda às palavras do tribunal a quo, competirá a cada accionista da PT fazer a avaliação dos alegados danos alegados pelos autores, “não se podendo presumir que todos os pequenos acionistas tenham tido danos, não estejam dispostos a aceitar os riscos inerentes à titularidade de ações (incluindo o risco de ocorrerem atos de gestão com que não concordem ou que sejam lesivos dos seus dividendos ou do valor dos seus títulos) ou, por fim, que não estejam dispostos a aceitar livremente quaisquer perdas financeiras.”.

Subscrevemos a posição aí firmada, por duas ordens de razões principais.

A primeira prende-se com a configuração que é dada à própria acção, de responsabilidade civil por facto ilícito, cujo pedido é a fixação de uma indemnização a cada um dos autores a apurar individualmente em execução de sentença.

Ora, um dos elementos essenciais da invocada responsabilidade prende-se com a circunstância alegada pelos autores de em assembleias gerais de 27 de março de 2014 e 22 de janeiro de 2015 ter sido aprovada a participação dos ativos da PT na OI, com 99,87% dos votos e a alienação da PT Portugal à Altice, com 97,81% dos votos, em ambos os casos contra os votos expressos pelos autores.

E, conforme referenciado no despacho recorrido, “quanto à aquisição de papel comercial da Rioforte (…), ainda que não tenha sido alegado, certamente foi objecto de discussão e aprovação em reuniões de órgãos sociais, que mais não seja ao nível de aprovação de contas.”.

Ora, as circunstâncias acima referidas revelam, quanto a nós, que sempre seria impossível decidir o pedido formulado nos autos sem ter em conta as especificidades de cada accionista da PT, desde logo o respetivo posicionamento nas assembleias gerais realizadas, inexistindo uma justaposição total dos interesses individuais em jogo.

Tal contexto é revelador, quando a nós, da inexistência de qualquer homogeneidade de situações jurídicas que pudesse justificar o tratamento conjunto dos interesses individuais de cada acionista que seria próprio de uma ação popular.

Contra este entendimento, não depõe o afirmado pelos recorrentes no sentido de que existe uma alegada conduta que afetou um grupo de pessoas. O facto de poderem existir interesses individuais que têm origem numa mesma e única alegada conduta ilícita e que, por essa via, se possa identificar um grupo de pessoas, não basta para que tais interesses possam ser tutelados através da ação popular. Para tanto, é indispensável que, considerados no seu conjunto, esses interesses assumam uma importância de ordem pública que exceda a mera soma ou agregação de um conjunto de interesses individuais pertencentes a uma mesma classe e que, ao mesmo tempo, sejam partilhados de forma homogénea e uniforme pelos membros da classe representada.

Ora, no caso, o que os autores pretendem é ser ressarcidos de perdas não liquidadas relativas à desvalorização de ações por si adquiridas, não se vendo como é que os mesmos, a partir daí, se podem arrogar de uma pretensão representativa geral de outro qualquer acionista ou grupo de acionistas, cujos interesses podem ser diferenciados em função, desde logo, do diferente contexto negocial em que se moveram e que por isso sugerem a necessidade de avaliação por cada um dos titulares, individualmente considerados. Estes elementos individuais ou não homogéneos assumem-se, assim, quanto a nós, como prevalecentes face aos elementos factuais que possam ser tidos como comuns aos vários acionistas.

A segunda ordem de motivos, pelos quais entendemos ser de afastar o recurso à tutela coletiva, parte da premissa anterior, mas diz respeito já à possibilidade de a demandada poder vir a invocar diferentes defesas contra os vários acionistas representados.

Com efeito, atenta a matéria de facto alegada na petição inicial, estão em causa nos autos (eventuais) lesões de direitos, cuja titularidade pertence individualmente a cada um dos autores, cada uma das quais com especificidades próprias dependendo, por sua vez, a decisão a proferir, da apreciação de diferentes questões de facto e eventualmente da aplicação de diferentes normativos legais.

Trata-se, claramente, de diferentes relações jurídicas de natureza privatística, respeitantes a diferentes situações de facto, podendo envolver a apreciação de questões jurídicas também diferentes, e para cuja proteção, por isso mesmo, não se pode reclamar uma providência jurisdicional de conteúdo idêntico.

Dada a diversidade factual potencialmente em causa, torna-se evidente que, do ponto de vista dos meios de defesa, a demandada poderia vir a invocar diferentes defesas contra os vários acionistas representados, sendo este, como vimos, na esteira dos Acórdãos do STJ de 8-09-206 e de 6-07-2023, acima citados, um dos critérios práticos para discutir a admissibilidade da acção popular.

Veja-se que, estando em causa, como está, um pedido indemnizatório, a análise do caso sempre passará por verificar se é possível apreciar os requisitos da responsabilidade civil relativamente a cada um dos investidores, não bastando, para tanto, afirmar, como fazem os recorrentes, que existe “uma situação comum a todos os investidores que sofreram danos com o comportamento dos réus” e que, por isso, se justifica o tratamento unitário dos interesses individuais em sede de ação popular.

A este propósito, pela proximidade dos casos, atente-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-02-2021 (processo n.º 3422/15.9T8LSB) proferido no âmbito de uma ação popular instaurada pela DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, contra o BES, S.A., a KPMG & Associados – Sociedade de Revisores de Contas, S.A. e os ex-membros do conselho de administração e comissão de auditoria do BES, cuja decisão é transponível para a presente situação.

No referido aresto, concluiu-se, por um lado, que “não existe um interesse homogéneo entre todos os potenciais representados pela DECO. Não basta, para o efeito, que os vários accionistas do BES possam ter pretensões indemnizatórias fundadas na perda de valor das suas ações, porque as concretas pretensões de cada investidor, ou de cada grupo de investidores, poderão assentar em fundamentos distintos. Não existe, assim, um verdadeiro conjunto de interesses individuais homogéneos representados pela DECO na presente ação.”.

Por outro lado, concretizando o ponto relativo ao exercício da defesa por parte da demandada, o acórdão prossegue nos seguintes termos:

“… no caso da presente acção, os meios de defesa que poderão ser opostos pelos demandados a cada um dos adquirentes de acções do BES poderão variar consoante as características de cada investidor – o seu nível de conhecimento dos mercados accionistas, o seu perfil, os conhecimentos que detinham da realidade do BES, entre o mais –, e as características e circunstâncias de cada operação ou de cada conjunto de operações concretas de aquisição e alienação de acções, pelo que poderia ser deduzida uma defesa específica relativamente a certos subscritores do capital social do BES.”

Conforme se expôs na sentença do Tribunal da 1.ª instância no âmbito do mesmo processo (e que consta transcrita no citado Acórdão do Tribunal da Relação), a propósito da falta de homogeneidade dos interesses individuais em causa, a “razão” de cada pretenso lesado “(…) assentará, necessariamente, em fundamentos particulares de cada um, desde logo, quanto a saber se é reclamada uma indemnização fundada em responsabilidade civil contratual ou extracontratual.

A própria autora reconhece que não conhece “todos os factos relevantes”, fazendo afirmações conclusivas e imputando responsabilidades de uma forma genérica, sem concretizar qual ou quais as atuações ou omissões de todos e de cada um dos demandados.

A referência aos termos das previsões legais e a “suspeição” resultante do “desfecho final de contas” não se mostra suficiente em termos de necessária alegação de factos concretos e individualizados que possam consubstanciar a causa de pedir de todos e de cada um dos ditos lesados”.

As considerações acabadas de transcrever têm inteiramente aplicação ao caso concreto.

Também na presente acção os recorrentes se limitam a imputar práticas aos réus que deram causa a uma variação do valor das ações, para depois concluírem que houve acionistas a sofrerem prejuízos no valor dessa depreciação.

Ora, como o despacho recorrido deixa claro, a existência de dano (se existir algum), a sua medida e a existência de nexo causal, são questões fáctico-jurídicas que variam de situação para situação, em função de diversas variáveis. Por inerência, a análise dessas questões necessariamente pressupõe a consideração das particularidades de cada situação subjacente e não é suscetível de ter uma resposta una relativamente a todo o universo de acionistas alegadamente representados.

Por sua vez, a alegação dos fundamentos de defesa que possam existir relativamente a cada lesado e que podem ser potencialmente diversos não é sequer exequível em abstrato pela demandada, na medida em que depende precisamente da consideração do circunstancialismo particular de cada interessado.

Aplicando todas estas considerações ao caso concreto sob escrutínio, conclui-se, pois, pela inviabilidade da presente ação popular, por se entender que, à luz do pedido formulado, não se configuram na acção interesses individuais homogéneos, que pudessem justificar o tratamento conjunto ou indiferenciado dos interesses de cada acionista no âmbito de uma ação popular (conclusão a que se chega também por via da transponibilidade para o caso do critério prático a que aludem os citados Acórdão do STJ de 8-09-2016 e de 6-07-2023, a que acima se fez expressa referência).

Ante o exposto, impõe-se concluir que a pretensão formulada pelos recorrentes extravasa o âmbito da ação popular, sendo, pois, de manter na íntegra o indeferimento liminar proferido em primeira instância, assim improcedendo a revista.

Da condenação em custas

Alegam ainda os recorrentes que a decisão recorrida está incorreta no que se refere ao segmento relativo à condenação nas custas processuais.

Alegam para tanto, em síntese, que “o pedido não foi manifestamente improcedente” e que “o tribunal apenas concluiu que não estavam verificados os pressupostos da ação popular”, razão pela qual – pretensamente – não será de aplicar o art. 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas Processuais (“RCP”).

Apreciando:

Dispõe o art. 4.º, n.º 1, al. b), do RCP, estão isentos de custas “qualquer pessoa, fundação ou associação quando exerça o direito de ação popular nos termos do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa e de legislação ordinária que preveja ou regulamente o exercício da ação popular”.

Porém, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, refere-se que, nos casos previstos na al. b), “a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido”.

No caso, é certo que o pedido não foi julgado manifestamente procedente, porquanto o tribunal concluiu não estarem verificados os pressupostos processuais da ação popular.

Contudo, entendemos que não se verifica aqui a aplicação da isenção prevista no art. 4.º, n.º 1, alínea b), do RCP. Com efeito, esta isenção apenas terá razão de ser quando esteja efetivamente a ser exercido o direito de ação popular, e não quando, tal como sucede na presente situação, se conclua, precisamente, pela não verificação dos requisitos básicos necessários para o efeito.

Idêntico entendimento foi propugnado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 15-05-2020 (processo n.º 00520/15.2BEBRG-A), onde se transcrevem os sumários de decisões proferidas pelo mesmo Tribunal em 20-05-2016 (processo n.º 580/15.6BEBRG) e pelo STA em 09/10/2014 (processo n.º º 0926/14), nos seguintes termos:

“Assim, no acórdão deste TCAN de 20.05.2016 prolatou-se, em relação à condenação em custas dos autores de ação popular, o seguinte: condenação em custas dos autores de ação popular, o seguinte:

«(…) Decorre do art. 4.º do RCP que “estão isentos de custas: ---

b) Qualquer pessoa, fundação ou associação quando exerça o direito de ação popular nos termos do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa e de legislação ordinária que preveja ou regulamente o exercício da ação popular”, prevendo-se no n.º 5 do mesmo preceito que “nos casos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido”

Analisados os termos da sentença recorrida, e tal como defendido pelo Ministério Público, verifica-se que a pretensão cautelar deduzida foi-o ao abrigo do direito de ação popular ao que acresce a circunstância de na decisão proferida o Réu ter sido absolvido da instância por ilegitimidade ativa dos Requerentes cautelares.

Se é certo estarmos perante uma ação deduzida ao abrigo do direito de ação popular, na qual os seus autores beneficiariam potencialmente do regime de isenção de custas nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. b) do RCP, o que é facto é que tal isenção deixará de ter razão de ser, perante a decisão proferida a final.

Assim, no caso vertente, perante a absolvição da entidade demandada por ilegitimidade ativa dos requerentes cautelares, concluiu-se assim pela manifesta improcedência do pedido, pelo que não poderão beneficiar de isenção de custas face ao que decorre da aplicação conjugada dos arts. 4.º, n.ºs 1, al. b) e 5 do RCP…»

Também no Ac. do STA de 09/10/2014, processo n.º 0926/14 sumariou-se a seguinte jurisprudência:

“I - O demandante em processo judicial deduzido ao abrigo do direito de ação popular beneficia de regime de isenção de custas nos termos do art. 04.º, n.º 1, al. b) do RCP, isenção essa que deixa de ter lugar se o pedido vier a ser julgado como manifestamente improcedente (n.º 5 do referido preceito), juízo que apenas terá lugar a final e que exige uma situação de improcedência “agravada”, mercê de ser manifesta ou evidente a improcedência de facto e de direito da pretensão formulada, não se bastando com um juízo de mera improcedência da pretensão.

II - Perante juízo de manifesta improcedência de pretensão cautelar deduzida ao abrigo de direito de ação popular firmado através de decisão de rejeição liminar daquela pretensão o requerente não beneficia de isenção de custas face ao que decorre da aplicação conjugada dos arts. 04.º, n.ºs 1, al. b) e 5 do RCP, e 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA.» Cfr. ainda Ac. STA de 09/10/2014, recurso n.º 0953/14.”.

Neste aresto é, pois, reafirmada a posição sufragada pela primeira instância no sentido de que “a isenção prevista no art. 4.º, n.º 1, al. b) do RCP e, consequentemente, a aplicabilidade das regras quanto à responsabilidade e montante do pagamento fixadas no n.º 5 do mesmo dispositivo (e no n.º 3 do art. 20.º do LAP, caso se entenda que a mesma, por não fixar uma isenção de custas, não foi revogada) depende de o autor litigar no exercício de ação popular.

Ora, como se conclui no saneador-sentença proferido, e que nos dispensamos de repetir, os AA. não litigam no exercício de ação popular, não são atores populares, e como tal não podem pretender beneficiar da isenção prevista no art. 4.º, n.º 1, al. b) do RCP, nem das regras de pagamento e responsabilidade fixadas no n.º 5 do mesmo dispositivo (e no n.º 3 do art. 20.º do LAP) que sempre dependeriam de litigarem no exercício de ação popular.”

Ante o exposto, impõe concluir no sentido da inteira correção da decisão recorrida, também no que se refere ao segmento da condenação dos Autores em custas, devendo aquela manter-se na íntegra.

Em conclusão, deverá a presente revista ser julgada improcedente, confirmando-se a decisão recorrida na sua totalidade.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram a 7ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista improcedente, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Relator: Nuno Ataíde das Neves

1º Juiz Adjunto - Conselheiro Ferreira Lopes

2º Juiz, Adjunto - Conselheiro Sousa Lameira