Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1321/06.4TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: PRESCRIÇÃO DA INFRACÇÃO
ALARGAMENTO DO PRAZO
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
INTENÇÃO DE PROCEDER AO DESPEDIMENTO
DECISÃO DE DESPEDIMENTO
SANÇÃO DE DESPEDIMENTO
CADUCIDADE DO DIREITO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

1. Quando os factos imputados ao trabalhador integrarem ilícito criminal, o prazo de prescrição da infracção disciplinar passa a ser o prazo de prescrição previsto para o ilícito penal, caso este seja superior àquele.
2. O alargamento do prazo de prescrição nos termos referidos não depende do efectivo exercício da acção penal, nem do exercício do direito de queixa-crime, quando o exercício daquela esteja dependente desta.
3. O entendimento perfilhado no número anterior não viola o princípio constitucional de presunção de inocência do arguido contido no art.º 32.º, n.º 2, da Constituição, uma vez que o alargamento em causa não tem quaisquer implicações de natureza penal para o trabalhador, nem tem subjacente qualquer juízo de natureza criminal que lhe seja desfavorável, ainda que em termos meramente presuntivos.
4. Não se provando a realização de procedimento prévio de inquérito, a caducidade do procedimento disciplinar só se interrompe no dia em que o trabalhador arguido é notificado da nota de culpa, sendo irrelevante, para esse efeito, que o procedimento disciplinar tenha sido ordenado antes da comunicação da nota de culpa.
5. Todavia, o prazo de caducidade só começa a correr quando a entidade empregadora ou o superior hierárquico com poderes disciplinares sobre o trabalhador tem conhecimento cabal dos factos que por ele foram praticados, competindo ao trabalhador alegar e provar a data em que tal aconteceu.
6. A intenção do empregador proceder ao despedimento não tem de constar de comunicação autónoma, podendo ser expressa na nota de culpa.
7. A fundamentação da decisão de despedimento pode ser feita por mera adesão à fundamentação contida no relatório final elaborado pelo instrutor do processo disciplinar.
8. Julgado procedente o recurso de revista interposto pela ré, o Supremo tem de conhecer das questões suscitadas pelo autor no recurso de apelação, de que a Relação não chegou a conhecer por razões de prejudicialidade, mas se alguma dessas questões não foi indevidamente apreciada na sentença da 1.ª instância, o Supremo só poderá conhecer dessa questão se, no requerimento de interposição da apelação, o autor tiver arguido a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
9. Constitui justa causa de despedimento a conduta assumida pelo trabalhador que, exercendo funções de assessor da Administração da empresa, envia, via e-mail, projectos relacionados com a actividade da empresa a um administrador da única empresa concorrente da ré.
Decisão Texto Integral:
_____


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
Na presente acção declarativa, proposta, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, por AA contra BB– Serviços Portugueses de Handling, S. A., o autor pediu que o despedimento de que foi alvo por parte da ré fosse declarado ilícito e que esta fosse condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, com a antiguidade que lhe for devida, e a pagar-lhe a quantia de € 2.034,25, a título de retribuições vencidas nos 30 dias que antecederam a data de propositura da acção, acrescida das demais retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença, e respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão, o autor invocou a prescrição das infracções disciplinares que lhe foram imputadas, a caducidade do procedimento disciplinar, a invalidade do processo disciplinar, a caducidade do direito da ré aplicar a sanção de despedimento e a inexistência de justa causa.

A ré contestou, sustentando a improcedência da acção.

O autor respondeu à contestação, mas tal articulado foi mandado desentranhar, por despacho de fls. 106-107, que transitou em julgado.

Realizado o julgamento, com gravação da prova e sem prévia selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, e decidida a matéria de facto, foi posteriormente proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, com a consequente absolvição da ré do pedido.

O autor interpôs recurso da sentença, por discordar da decisão proferida sobre a matéria de facto, que especificadamente impugnou, e por continuar a entender que as infracções disciplinares estavam prescritas, que o procedimento disciplinar estava extinto por caducidade, que o processo disciplinar sofria de invalidades, que o direito de aplicar a sanção já não existia e que os factos por si praticados não justificavam o despedimento.

O Tribunal da Relação de Lisboa conheceu da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto que parcialmente alterou, conheceu da prescrição das infracções disciplinares que julgou totalmente procedente e, julgando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso de apelação, declarou ilícito o despedimento e, consequentemente, condenou a ré a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde 28.2.2006 até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, deduzidas, se fosse caso disso, das importâncias que ele tievsse comprovadamente obtido com a cessação do contrato de trabalho e que não teria auferido se não tivesse sido despedido, mormente o subsídio de desemprego (se tiver sido pago), devendo, neste caso, a ré entregar a correspondente quantia à Segurança Social.

Inconformada com tal decisão, a ré interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma:

1.ª - O Recorrido foi acusado da prática de vários factos ocorridos entre, pelo menos, 21 de Maio de 2004 e 24 de Julho de 2004, factos esses que o Apelante nunca negou.
2.ª - Nos termos do disposto no artigo 412.º do Código do Trabalho (ex vi artigo n.º 4 do artigo 411.º), a instauração do procedimento prévio de inquérito interrompe os prazos previstos no artigo 372.º do Código do Trabalho, o que aconteceu no dia 4 de Agosto de 2005, através da proposta formulada pelo Secretário Geral da empresa ao seu Administrador Delegado.
3.ª - A conduta do Recorrido é, em abstracto, susceptível de configurar um crime de violação de segredo, previsto e punido pelo artigo 195.º do Código Penal ou, eventualmente, o crime de aproveitamento indevido de segredo, previsto e punido pelo artigo 196.º do mesmo diploma legal.
4.ª - Qualquer dos crimes atrás referidos é punido com pena de prisão a que corresponde um prazo prescricional mínimo de 5 (cinco anos), conforme resulta do disposto nos artigos 195.º, 196.º e 118.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, sendo por isso, este o prazo a aplicar ao procedimento em causa e tendo em consideração o disposto no artigo 372.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
5.ª - O artigo 372.º, n.º 2, do Código do Trabalho não impõe a efectivação da tutela penal, maxime a apresentação da queixa-crime, para que se aproveite o prazo de prescrição criminal, bastando que os factos em apreço configurem um crime.
6.ª - O artigo 372.º, n.º 2, do Código do Trabalho, é idêntico ao n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, que prevê a aplicação do prazo prescricional alargado previsto na lei penal, sempre que o facto ilícito constitua igualmente crime.
7.ª - É entendimento unânime da Jurisprudência que, para que o lesado possa beneficiar do prazo prescricional mais longo previsto na lei penal, não é necessária a apresentação da respectiva queixa--crime.
8.ª - Toda a actuação do Recorrido nos contactos que estabeleceu ao longo de cerca de um ano com responsáveis da Portway, demonstram a prática de um conduta infraccionária única e continuada, o que faz com que o prazo de um ano para a verificação da prescrição só começasse a correr a partir da data da prática do último facto.
9.ª - Ora, o apuramento da dimensão, gravidade e grau de envolvimento do Recorrido nesses factos, bem como de outros que poderiam estar em causa, era necessário para decidir fundamentalmente pela instauração do processo disciplinar ou não.
10.ª - A informação prestada pela testemunha CC a fls. 3 e 4 não junta quaisquer prints dos e-mails, referindo-se apenas, nessa data, o aviso efectuado pela empresa Megasis que existiriam tais e-mails.
11.ª - Foi esta informação que determinou a instauração do processo prévio de inquérito que permitiu, pela cópia dos ficheiros do computador, visualizar e imprimir os e-mails em questão, circunstância essa que permitiu, a posteriori, decidir, e bem, pela instauração do processo disciplinar.
12.ª - A lei não prevê qualquer prazo para a conclusão do inquérito, mas este não só foi diligentemente conduzido, como também se mostrou essencial à decisão de instaurar o próprio processo disciplinar (despacho datado de 9 de Setembro de 2005, a fls. 2 do processo disciplinar), sendo certo que tal conclusão se retira igualmente do facto de, nessa mesma data, se ter dado a conhecer ao Recorrido a instauração do processo e da sua suspensão preventiva.
13.ª - A admitir, como faz o Acórdão em crise, que não existiu processo prévio de inquérito, designadamente porque não houve decisão da Administração sobre a comunicação efectuada pelo Secretário Geral em 4 de Agosto de 2005, não fica igualmente provado que o Administrador Delegado da Recorrente (titular do poder disciplinar) tenha tido conhecimento dos factos praticados pelo Recorrido antes de dia 9 de Setembro de 2005 (através do despacho que ordena a instauração do processo disciplinar).
14.ª - É que, não só o Secretário-Geral não tinha poder disciplinar como, de qualquer forma, o conhecimento que tinha de alguns factos a 4 de Agosto de 2005 era meramente indiciário.
15.ª - A comunicação da nota de culpa ao Recorrido ocorreu no dia 7 de Outubro de 2005, interrompeu a contagem do prazo estabelecido no artigo 372.º do Código do Trabalho (artigo 411.º, n.º 4, do Código do Trabalho).
16.ª - Desta forma, foi integralmente cumprido o prazo para o exercício do procedimento disciplinar previsto no artigo 372.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
17.ª - A lei não exige que a intenção de proceder ao despedimento tenha de ser manifestada à parte da nota de culpa, designadamente noutro documento, bastando que a comunicação da intenção de despedir seja proferida e chegue ao conhecimento do trabalhador quando do envio da nota de culpa.
18.ª - A carta enviada ao Recorrido remete expressamente para a Nota de Culpa.
19.ª - Em passo algum a lei impede que tal comunicação não possa ser feita pelo Instrutor do Processo Disciplinar.
20.ª - A testemunha CC confirmou, várias vezes, sem quaisquer dúvidas, que introduziu o relatório final e a decisão final no envelope A4 que entregou ao Sr. DD.
21.ª - A Recorrente fez entregar o relatório final e a decisão do despedimento na morada do Recorrido constante nos registos actualizados da empresa, sendo certo que se o referido envelope foi recebido pelo seu pai no próprio dia 24 de Novembro de 2005 e tal apenas sucedeu porque o Recorrido não se encontrava em sua casa, o que não poderá ser imputado à Recorrente.
22.ª - Não obstante o envio da decisão final e do relatório final ter sido efectuado por protocolo, é válida e eficaz a comunicação de despedimento levada a cabo nestes termos, sendo que o não recebimento da mesma pelo trabalhador só a ele poderá ser imputado, conforme preceitua o n.º 2 do artigo 224.º do Código Civil (com consagração expressa actualmente no n.º 2 do artigo 416.º do Código do Trabalho).
23.ª - A decisão final refere, a fls. 43 do processo disciplinar, que a Administração da empresa: “...após ter analisado cuidadosamente o presente processo disciplinar, decidiu acompanhar a proposta do Sr. Instrutor e, nessa medida, aplicar ao trabalhador arguido Dr. EE a sanção de DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA, SEM QUALQUER INDEMNIZAÇÃO OU COMPENSAÇÃO.”
24.ª - É entendimento da Jurisprudência que não se verifica a nulidade do procedimento disciplinar por falta de fundamentação da decisão disciplinar, se a mesma remeter para a nota de culpa e/ou outras peças do respectivo processo.
25.ª - Provou-se que, relativamente à Comissão de Trabalhadores, “O parecer foi favorável ao despedimento com invocação de justa causa”. - (vide fls. 47 e 48 do processo disciplinar).
26.ª - Acresce que tal parecer não é vinculativo e qualquer irregularidade processual a ele respeitante não feria o processo de invalidade ou enfermaria a ilicitude do despedimento, uma vez que tal sanção não está prevista na lei (artigo 430.º do Código do Trabalho) e tal vício encontrar-se-ia sempre sanado, nos termos factuais referidos e ao abrigo do disposto no artigo 436.º, n.º 2, do código do Trabalho.
27.ª - A conduta do trabalhador é muito grave, porquanto divulgou projectos respeitantes à área operacional da Recorrente à única empresa concorrente desta, o que configura uma conduta, no mínimo, desonesta, que elimina qualquer base de confiança que possa existir numa relação contratual e que contrariam frontalmente o dever de lealdade que lhe é imposto pela alínea e) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho.
28.ª - A gravidade de tal comportamento resulta ainda acrescida da circunstância de, atentas as funções que o ora Recorrido desempenhava, este ter acesso a informação privilegiada junto da Administração da empresa e dos próprios serviços, o que é suficiente para abalar definitivamente a confiança mútua enquanto elemento fundamental de qualquer relação laboral.
29.ª - Atenta a área altamente concorrencial, designadamente pela existência de apenas duas empresas no ramo ou actividade, os prejuízos sofridos pela ora Recorrente são evidentes e manifestos, apesar de não constituírem o elemento determinante para a análise da situação em apreço.
30.ª - O despedimento imediato, com justa causa, é uma sanção adequada e proporcionada aos factos dados como provados, uma vez que a própria conduta do trabalhador fez quebrar a relação de confiança que é o suporte da relação laboral, fazendo com que esta fique manifestamente impossibilitada de subsistir, facto reforçado pela dispensa aos serviço que a Recorrente promoveu e ainda pela suspensão preventiva do trabalhador arguido que se viu obrigada a promover ou decretar.
31.ª - O Acórdão do Tribunal da Relação violou, entre outros, o disposto no artigo 372.º do Código do Trabalho.
32.ª - A correcta aplicação das normas violadas conduzirá à absolvição da Recorrente.

A recorrente rematou a sua alegação pedindo a revogação do acórdão e a sua absolvição do pedido.

O autor contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer a que as partes não reagiram, defendendo o entendimento de que a aplicação dos prazos prescricionais da lei penal não está dependente da existência da sua participação criminal.

Corridos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos dados como provados, levando em conta as alterações que lhe foram feitas pela Relação, são os seguintes (os números que foram alterados pela Relação vão em itálico):
Da petição inicial (a numeração corresponde aos artigos da petição inicial onde os factos dados como provados foram alegados):
1.º - O A. foi admitido ao serviço da TAP em 1983, para exercer a sua actividade sob a autoridade e direcção desta, mediante retribuição.
2.º - Em Outubro de 2003, o A. foi transferido para a Ré, sem perda de qualquer direito ou antiguidade, passando a exercer a sua actividade sob a autoridade e direcção desta, mediante retribuição, tendo a categoria de Licenciado.
3.º - No momento da cessação do contrato de trabalho, o A. recebia a título de retribuição mensal fixa a quantia de € 2.034,25 correspondente a:
- remuneração base...........€ 1.568,00
- adicional funções hierárquicas......... € 137,00
- gratificação funções especiais... € 140,00
- subsídio condições especiais trabalho...... € 19,19
- anuidades (pessoal de terra)...... € 170,06
4.º - O A. tinha ainda direito a subsídio de alimentação de € 4,68 por cada dia de trabalho.
5.º - Em 1.08.05, a ré, através do doc. fls. 15 da providência cautelar, dispensou o autor do dever de assiduidade.
6.º - Por carta de 9 de Setembro de 2005, no âmbito do processo disciplinar que, nesta mesma data, lhe foi mandado instaurar pela R., o A. foi suspenso preventivamente.
7.º - Em 7 de Outubro de 2005, através da nota de remessa da Tap Air Portugal nº 000000 (doc. 2 da providência cautelar) foi entregue em mão ao A. uma “ carta registada com aviso de recepção “, datada de 6 de Outubro de 2005 (doc. 3 da providência), que acompanhava a nota de culpa.
8.º - A R. facultou ao A. fotocópia de todo o processo disciplinar até esta fase, tendo este apresentado resposta à nota de culpa, fls. 41 e seguintes da providência cautelar que se dá aqui por integralmente reproduzida.
13.º - O processo disciplinar foi mandado instaurar em 9 de Setembro de 2005, conforme despacho do administrador delegado, fls. 2 do processo disciplinar.
14.º - Em 4.08.05, o secretário-geral da ré, CC, participa ao administrador delegado os factos, conforme fls. 3 do processo disciplinar que se reproduz.
24.º - O A. não requereu quaisquer diligências probatórias.
27.º - No dia 24 de Novembro de 2005, na ausência do A., foi entregue a seu pai, Dr. FF, na casa deste, que se situa no mesmo andar a Nota de envio nº 01/05 da “Groundforce Portugal” referindo “Junto remetemos: Processo Disciplinar – Decisão Final” (doc. 6 da providência cautelar que se dá por integralmente reproduzida), e que acompanhava diversa correspondência, designadamente uma revista e correspondência do Tribunal de Menores.
29.º - O pai do autor contactou, no dia 24/11/2005, o Dr. CC, Secretário-Geral da requerida, dizendo-lhe que não havia recebido a decisão final do processo disciplinar, sendo-lhe dito que ia averiguar o que se tinha passado e que depois o contactaria, o que não aconteceu.
31.º - O A. dirigiu, via fax, à R. uma carta, cuja cópia se encontra junta à providência cautelar como doc. n.º 7 e se dá aqui por integralmente reproduzida.
35.º - O A. remeteu, via fax, a carta cuja cópia se encontra junta à providência cautelar como doc. n.º 8 e se dá aqui por integralmente reproduzida.

Das respostas ao alegado na contestação (a numeração corresponde aos artigos da contestação onde os factos dados como provados foram alegados):
7.º - A Portway, é a única empresa, para além da R., que actua em Portugal no handling a aviões comerciais (para além das empresas que asseguram o seu próprio handling),
14.º - A Administração da R., entidade com poder disciplinar, teve conhecimento do ocorrido relativamente ao envio de emails por parte do autor só após a informação de 4.08.05, fls. 3 proc. disciplinar.
18.º - Só na primeira semana de Agosto de 2005 foi possível à R., através do seu Secretário--geral, ter uma primeira percepção dos factos praticados pelo A.., percepção indiciária porque decorrente da cópia dos ficheiros informáticos com o objectivo inicial de salvaguardar o seu conteúdo. - (1).
19.º - (este número foi eliminado pela Relação) -(2).”.
24.º - A partir do mês de Setembro de 2005, a ré obteve os depoimentos escritos constantes do processo disciplinar, os quais tiveram lugar em 12 de Setembro e 6 de Outubro de 2005. - (3).
32.º - Consta expressamente da Nota de Culpa (cfr. parte final dos pontos 4 e 5 da Nota de Culpa) que “é intenção da entidade patronal proceder a tal despedimento do trabalhador arguido, intenção essa que expressamente se invoca nos termos do disposto no art. 411, 1 do mesmo diploma legal”.
37.º - A comissão de trabalhadores emitiu o parecer datado de 29.11.05 constante a fls. 47 e 48 do processo disciplinar que se reproduz.
39.º - O parecer foi favorável ao despedimento com invocação de justa causa.
40.º - Com o pedido de parecer da Comissão de Trabalhadores sobre a Decisão Final, foi enviado àquela estrutura representativa dos trabalhadores o processo disciplinar, incluindo a nota de culpa.
46.º - A R. procedeu à entrega da Decisão Final proferida no âmbito do processo disciplinar, no dia 24 de Novembro de 2005.
47.º - (eliminado pela Relação) - (4)..

.
48.º - E através de Protocolo, entregue pelo funcionário da R.DD.
49.º - O referido funcionário entregou em mão, ao pai do A., por este não se encontrar em casa, um envelope A4 da R. (com a indicação “GroundForce”) contendo a decisão final.
50.º - O pai do A., Dr. FF, assinou o aviso de recepção que acompanhava o Protocolo correspondente à Nota de Envio n.º 1/05,
51.º - Nota essa que devolveu ao funcionário da R.DD.
52.º - Juntamente com o envelope A4, contendo a Decisão Final, o funcionário DD procedeu à entrega de outra correspondência para o A., que à data se encontrava na empresa, entre a qual uma carta do Tribunal de Menores.
53.º - No próprio dia 24.11.05, o pai do A. telefonou ao Dr. CC, Secretário-geral da R. informando-o apenas que não tinha recebido qualquer decisão final no âmbito do processo disciplinar.
54.º - O Dr. CC averiguou junto do funcionário DD se tinha procedido à entrega do envelope contendo a Decisão Final do processo disciplinar.
55.º -Tendo confirmado junto do mesmo funcionário que a entrega tinha sido concretizada na pessoa do pai do A., única pessoa que se encontrava em casa.
56.º - Por isso, mais nenhuma diligência efectuou.
57.º - Perante a insistência do A., a R. entendeu necessário reafirmar tudo quanto já havia sido dito,
58.º - Dirigindo ao A. a carta datada de 27.12.05 junta aos autos de providência cautelar de suspensão de despedimento.
64.º - O A. exercia funções de assessor da Administração da Ré.
65.º - No exercício das suas funções de assessor, o A. tinha acesso a informação privilegiada, designadamente ao nível de projectos relevantes para a empresa, bem como do sistema de facturação da mesma.
66.º - No dia 23 de Julho de 2005, dois funcionários da R., a Dr.ª GG e o Dr.HH, tiveram necessidade de utilizar o computador do A., para procederem à digitalização de documentos, através do antigo sistema de scanner.
67.º - O computador do A. tinha as especificações necessárias para este procedimento.
68.º - Naquele dia 23 de Julho de 2005 a porta do gabinete do A. estava aberta e o computador ligado e com várias pastas abertas.
69.º - Os trabalhadores acima referidos, embora tivessem instalado o sistema de scanner, não conseguiram digitalizar, por qualquer problema surgido no sistema ou no próprio computador que não conseguiram identificar.
70.º - Quando os trabalhadores referidos se encontravam a desligar o equipamento informático, o A. chegou ao seu gabinete e, confrontado com a presença daqueles trabalhadores, contactou o Departamento de Segurança da R. a quem apresentou queixa.
71.º - Nesse mesmo dia 23 de Julho, o Dr. CC, Secretário-Geral da R., tomou conhecimento da ocorrência e determinou que o 6.º andar do Edifício 25 fosse selado e liberto das pessoas que lá se encontravam a trabalhar, apesar de ser sábado, e que o computador do A. fosse removido para o seu próprio gabinete.
72.º - No decurso da primeira semana de Agosto de 2005, o Dr. CC determinou que se procedesse a cópias dos ficheiros do computador do A., para que, se fosse caso disso, dúvidas não existissem da não alteração do seu conteúdo.
73.º - Só no decurso dessa cópia foram visualizados vários e-mails enviados pelo trabalhador arguido para a Portway, empresa concorrente da R.
74.º - Concretamente, no dia 21 de Maio de 2004 o A. enviou um e-mail ao Dr. II, administrador da Portway, dizendo o seguinte: “Atrevo-me a enviar um dos projectos que pus à consideração da Administração do BB que infelizmente como falámos não teve qualquer resposta. Tenho outro tipo de projectos no âmbito do meu Gabinete que penso poderão ajudar no desenvolvimento das áreas operacionais na vertente da Formação e Qualidade dos Serviços” (fls. 5 do processo disciplinar que aqui se dá por reproduzido). - (5)”

75.º - O referido e-mail foi recepcionado pelo Dr. II que se comprometeu a lê--lo (fls. 7 do processo disciplinar).
76.º - No dia 16 de Junho de 2004, o A. voltou a enviar ao mesmo Dr. II um e-mail no qual se dizia “Se não houver inconveniente para si telefono-lhe amanhã para falarmos uns minutos” (fls. 7 do processo disciplinar).
77.º - No dia 24 de Julho de 2004, o A. enviou ao mesmo Dr. II um e-mail dizendo “Envio-lhe o meu mais recente projecto” (fls. 6 do processo disciplinar).
78.º - O A., na primeira semana de Julho de 2005, contactou os Serviços Comerciais da Ré, para que os mesmos lhe fornecessem cópias dos contratos celebrados com os clientes da R.
81.º - Os projectos em causa referem-se ao desenvolvimento de áreas operacionais das actividades levadas a cabo pelas empresas em causa.
82.º - Sendo a Portway a única empresa concorrente da R., assumem, por isso, especial relevo e importância as informações referentes aos métodos de produção e aos negócios da entidade patronal do A.
83.º - Nos contratos celebrados pela R., referidos sob o nº 62, constam as condições e termos do negócio.
84.º - Pelas funções que o A. desempenhava, e por trabalhar directamente com a Administração da R., tinha acesso a informação privilegiada.

Os factos referidos não foram objecto de impugnação por parte da recorrente e também não sofrem de nenhum dos vícios previstos no art.º 729.º, n.º 3, do CPC, o que, a verificar-se, determinaria que o Supremo ordenasse, oficiosamente, a devolução dos autos ao tribunal recorrido, com vista à supressão dos referidos vícios.

Apesar disso, o teor do n.º 18 das respostas dadas ao alegado na contestação não pode ser integralmente mantido, por conter um manifesto juízo de valor de natureza meramente conclusiva relativamente a factos que não foram dados como provados.

Referimo-nos à parte em que naquele n.º 18 se afirma que a primeira percepção dos factos praticados pelo autor, colhida pela ré, através do seu Secretário-Geral, na primeira semana de Agosto de 2005, foi meramente indiciária.

Na verdade, a expressão percepção indiciária não comporta em si mesma qualquer realidade do mundo físico ou psíquico, captável pelos sentidos, correspondendo, antes, a um juízo de valor sobre factos que não se mostram provados, razão pela qual a referida expressão deve ser dada como não escrita, ao abrigo do disposto no art.º 646.º, n.º 4, do CPC, que – referindo-se, embora, às respostas sobre questões de direito e às respostas dadas sobre factos que só possam ser provados por documento ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes – se tem entendido ser igualmente aplicável, por analogia, às respostas de natureza meramente conclusiva.

Nesta conformidade, altera-se a redacção do referido n.º 18, a qual passará a ser a seguinte:
18 - Só na primeira semana de Agosto de 2005 foi possível à R., através do seu Secretário--Geral, ter uma primeira percepção dos factos praticados pelo A.., decorrente da cópia dos ficheiros informáticos com o objectivo inicial de salvaguardar o seu conteúdo.

3. O direito
Como decorre das conclusões das alegações apresentadas pela recorrente, são várias as questões por esta suscitadas no recurso, a saber:
- se a ré levou a cabo processo prévio de inquérito, se a realização deste era necessária e se o mesmo foi diligentemente conduzido;
- se a realização daquele inquérito interrompeu os prazos de prescrição das infracções e de caducidade do procedimento disciplinar;
- se o prazo de prescrição das infracções cometidas pelo arguido é de cinco anos, pelo facto de, em abstracto, as mesmas integrarem o crime de violação de segredo, previsto e punido no art.º 195.º do Código Penal, ou, eventualmente, o crime de aproveitamento indevido de segredo, previsto e punido no art.º 196.º do mesmo Código;
- se, para beneficiar daquele prazo de prescrição, era necessário que a ré tivesse apresentado queixa-crime contra o autor;
- se a conduta do autor configura um caso de infracção continuada;
- se o autor foi notificado da intenção da ré proceder ao seu despedimento;
- se a decisão de despedimento se encontra devidamente fundamentada;
- se a conduta do autor integra justa causa de despedimento.

Sucede, porém, que a colocação das questões referidas, com excepção da referente à da prescrição das infracções disciplinares, se mostra absolutamente descabida em sede do recurso de revista, uma vez que as mesmas não foram objecto de apreciação pela Relação, no acórdão ora recorrido.

Efectivamente, como no ponto “1. Relatório” já foi dito, no recurso de apelação o autor, para além de ter impugnado a decisão sobre a matéria de facto, também suscitou as questões da prescrição das infracções que lhe foram imputadas, da caducidade do procedimento disciplinar, da invalidade do processo disciplinar, da caducidade do direito de aplicar a sanção e da inexistência da justa causa.

Todavia, como também já foi referido, o Tribunal da Relação julgou procedente a apelação com o fundamento de que as infracções disciplinares imputadas ao autor estavam prescritas e, nos termos do disposto no art.º 660.º, n.º 2, do CPC, considerou prejudicado o conhecimento das demais questões.

Ora, destinando-se os recursos à reapreciação das questões que foram objecto de análise na decisão recorrida, é óbvio que, no recurso de revista, a ré apenas podia suscitar a reapreciação da questão da prescrição, uma vez que essa foi a única questão em que ficou vencida no recurso de apelação, já que, relativamente às demais questões que não chegaram a ser apreciadas pela Relação, a decisão recorrida não lhe foi desfavorável, o que a impedia de interpor recurso tendo por objecto as ditas questões (artigos 680.º, n.º 1 e 682.º, n.º 1, do CPC).
Deste modo, o objecto do recurso de revista restringe-se à questão de saber se as infracções disciplinares cometidas pelo autor estavam ou não prescritas, mais concretamente, como adiante se explicará, à questão de saber se o facto da ré não ter apresentado queixa-crime contra o autor impede que ela beneficie do prazo de prescrição estabelecido na lei penal para o crime de violação de segredo previsto e punido no art.º 195.º do Código Penal.

Anote-se, porém, que, se o recurso de revista vier a ser julgado procedente, isto é, se a ré vier a obter ganho de causa no que toca à prescrição, o Supremo Tribunal de Justiça terá de conhecer ainda, por força do disposto nos art.º 87.º, n.º 2, do CPT, conjugado com os artigos 715.º, n.º 2 e 726.º do CPC, das questões colocadas pelo autor no recurso de apelação de que a Relação não chegou a apreciar (adiante veremos quais foram essas questões), por ter considerado prejudicado o conhecimento das mesmas, ao ter julgado prescritas as infracções disciplinares imputadas ao autor.

3.1 Da prescrição
Nos termos do art.º 372.º, n.º 2, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (aqui aplicável, por já estar em vigor à data em que os factos imputados ao autor foram praticados), “[a] infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar, salvo se os factos constituírem igualmente crime, caso em que são aplicáveis os prazos prescricionais da lei penal”.

Na sentença da 1.ª instância entendeu-se que os factos imputados ao autor integravam o crime de violação de segredo, previsto e punido no art.º 195.º do Código Penal e que, sendo esse ilícito criminal punido com pena de prisão até um ano ou multa, o prazo de prescrição penal era de cinco anos a contar da prática do facto (art.º 118.º, n.º 1, al. c), do CPP), sendo esse também o prazo aplicável ao procedimento disciplinar, prazo esse que, in casu, ainda não tinha decorrido.

A Relação acolheu o entendimento da 1.ª instância na parte em que considerou a conduta do autor também integrava o crime de violação de segredo, mas o mesmo não aconteceu relativamente à verificação da prescrição que deu por verificada com base na seguinte fundamentação:
«Em face do exposto não nos merece censura o entendimento manifestado na sentença de que a conduta do A. (envio a empresa concorrente de projectos relativos ao desenvolvimento de áreas operacionais da actividade de ambas as empresas) constitui violação de segredo.
Porém, num outro argumento o apelante tem razão: para que a R pudesse beneficiar do alargamento do prazo de prescrição da infracção disciplinar para o previsto na lei penal (5 anos - cfr. art. 118° nº 1 al. c) do CP) nos termos estabelecidos no nº 2 do art. 372° deveria ter apresentado queixa crime, uma vez que o crime em causa é semi-público, como dispõe o art. 198° do CP. Nos termos do art. 115° nº 1 do CP, o direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores. Sabemos que a administração da R. teve conhecimento desses factos, pelo menos, no dia 9/9/2005, pelo que deveria ter exercido o direito de queixa até 9/3/2006. Não tendo a R. feito prova nos autos de ter apresentado queixa crime nos seis meses subsequentes ao conhecimento dos factos imputados ao A. e não o podendo já fazer, não tem o direito de beneficiar do alargamento do prazo de prescrição da infracção disciplinar decorrente da qualificação dos factos como crime, porquanto isso violaria o princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, de acordo com o qual "todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação" (art. 32° nº 2). Se é assim no processo penal, por maioria de razão terá de o ser não havendo processo penal. Não podendo já o A. vir a ser condenado em processo penal pelo referido crime, não podemos extrair no foro laboral ilações gravosas para o trabalhador de um eventual crime pelo qual nunca virá a ser julgado. Por aplicação directa (cfr. art. 18° nº 1 da CRP) do preceito constitucional que estabelece a presunção de inocência, é pois de afastar a aplicação do disposto no art. 372° nº 2 do CT.
Assim há que concluir que, à data da instauração da acção disciplinar mostravam-se prescritas as infracções disciplinares relativas aos factos ocorridos em 21/5/2004, 16/6/2004 e 24/7/2004 (violação do dever de não divulgar informação referente à organização, métodos de produção ou negócios do empregador), por ter decorrido mais de um ano sobre a prática dos factos, pelo que, nessa parte, não acompanhamos a decisão recorrida.» (fim da transcrição)

Discordando da decisão da Relação no que toca à prescrição, a ré alega que:
- o art.º 372.º. n.º 2, do CT não faz depender o alargamento do prazo da prescrição da existência de queixa por parte do empregador;
- o disposto naquele normativo é semelhante ao n.º 3 do art.º 498.º do C.C., onde se prevê, mutatis mutandis, que o prazo da prescrição será o previsto na lei penal quando o facto ilícito que consubstancia a responsabilidade civil extracontratual também constitua crime;
- o alongamento do prazo não viola o princípio da inocência, uma vez que a aplicação de tal disposição não comporta, em si mesma, nenhuma condenação penal.

Vejamos se lhe assiste razão.

Mas, antes disso, importa esclarecer que, nas contra-alegações, o autor não requereu – como podia ter feito, ao abrigo do disposto no art.º 684.º-A do CPC – a ampliação do objecto do recurso no que concerne à parte da decisão em que a Relação considerou que a sua conduta integrava o crime de violação de segredo, a qual, por isso, se mostra transitada em julgado.

Feito este esclarecimento, atentemos, então, no disposto no n.º 2 do art.º 372.º cuja redacção é a seguinte:
A infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar, salvo se os factos constituírem igualmente crime, caso em que são aplicáveis os prazos prescricionais da lei penal.

Como decorre da literalidade do referido normativo, para que o prazo da prescrição penal seja aplicável às infracções disciplinares (desde que, naturalmente, seja superior ao prazo previsto na primeira parte do n.º 2 do art.º 372.º do CT) basta que os respectivos factos também consubstanciem, em abstracto, a prática de um crime. Este é, realmente, o único requisito previsto no aludido normativo legal, para que o prazo geral da prescrição da infracção disciplinar – que, nos termos da primeira parte daquele normativo legal, é de um ano – seja alargado quando os factos integradores da infracção disciplinar também sejam susceptíveis de constituírem ilícito penal. Para que tal alargamento ocorra, o normativo em causa não exige a verificação de qualquer outro requisito, já que na sua letra não existe a menor referência nesse sentido, nomeadamente no que toca à necessidade de exercício da acção penal e à necessidade de apresentação de queixa-crime por parte do ofendido, quando o exercício daquela esteja dependente de queixa.

Deste modo e face ao disposto no art.º 9.º, n.os 2 e 3, do C.C. – nos termos dos quais o intérprete não pode levar em conta o pensamento do legislador que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (n.º 2) e deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3) –, torna-se evidente que a interpretação dada pela Relação ao n.º 2 do art.º 372.º do CT não pode ser acolhida, já que não tem o mínimo de correspondência verbal na letra do n.º 2 do art.º 372.º.

Por outro lado, também não se vislumbra que o alargamento do prazo da prescrição previsto na segunda parte do n.º 2 do art.º 372.º constitua uma ofensa do princípio constitucional de presunção de inocência do arguido contido no art.º 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – nos termos do qual “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…)”–, dado que o alargamento do prazo da prescrição não tem quaisquer implicações de natureza penal para o trabalhador objecto de procedimento disciplinar.

Na verdade, o legislador resolveu alargar o prazo geral da prescrição da infracção disciplinar, quando os factos que a integram, abstractamente considerados, também sejam susceptíveis de integrar ilícito criminal, mas daí não fez decorrer para o trabalhador quaisquer implicações de natureza penal, ainda que em sede meramente presuntiva, não se podendo, por isso, afirmar, como fez a Relação, que, in casu, o alargamento do prazo da prescrição se traduziria numa ilação gravosa para o autor, uma vez que este já não podia ser julgado pela prática do eventual crime que constituía o fundamento para o alargamento do prazo da prescrição.

E, sendo assim, temos de concluir que o prazo de prescrição das infracções disciplinares imputadas ao autor é o prazo de prescrição previsto para o crime de violação de segredo, prazo esse que, nos termos do art.º 118.º, n.º 1, alínea c), do CP, conjugado com o disposto no art.º 195.º do mesmo Código, é de cinco anos.

E, atentas as datas em que os factos imputados ao autor foram praticados – o primeiro deles em 21.5.2004 –, é fácil de ver que aquele prazo ainda não tinha decorrido, quando a acção disciplinar foi instaurada, mormente quando, em 7 de Outubro de 2005, a nota de culpa foi entregue ao autor, o que implica a procedência do recurso de revista

Contudo, e como atrás já foi referido, a procedência do recurso não acarreta, só por si, a improcedência da acção e a consequente absolvição da ré do pedido, dado que a sorte final da acção ainda está dependente da solução que vier a ser dada às questões colocadas pelo autor no recurso de apelação de que a Relação não chegou a conhecer, por razões de prejudicialidade, como acima também já foi salientado.

Importa, pois, verificar quais foram essas questões, para que, depois, delas passarmos a conhecer.

E, para isso, há que ter presentes as conclusões formuladas pelo autor nas alegações do recurso de apelação, na parte não atinente à impugnação da matéria de facto e à prescrição, cujo teor é o seguinte:
« (…)
3. Entre o conhecimento de todas as pretensas infracções – 4 de Agosto de 2005 – e a comunicação da nota de culpa – 7 de Outubro de 2005 – decorreram 63 dias, sem qualquer interrupção, designadamente, a que se refere no artº 412º do Código do Trabalho, pelo que atento o disposto no nº 1 do artº 372º do mesmo diploma legal, quando a nota de culpa foi comunicada ao autor, já havia caducado o direito de exercício da acção disciplinar relativamente a todas as infracções que lhe eram aí imputadas – disposições igualmente violadas na sentença.
4. O procedimento que conduziu ao despedimento tem de ser declarado inválido, por faltar a comunicação da intenção de despedimento por parte do empregador, nos termos dos artº 411 º, 1 e 430º, n º 2, al. a), do Código de Trabalho – disposições igualmente violadas.
5. O procedimento disciplinar é ainda inválido por a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos exigidos pelo artº 415º, e atento o disposto no artº 430º, 2, al. c), ambos do Código de Trabalho ­disposições também violadas.
6. A decisão não foi proferida no prazo de 30 dias a que se refere o nº 1 do artº 415º do CT, pelo que caducou o direito de aplicar a sanção de despedimento.
De qualquer forma,
7. A decisão, pretensamente elaborada em 23/11/2005 não teve eficácia, designadamente, não determinou a cessação do contrato pois não foi comunicada ao autor, que não a recebeu, por culpa da entidade patronal – cfr. artº 416º do Código de Trabalho.
8. Os comportamentos imputados ao autor, que se encontram provados, não integram violação do dever de lealdade, por não estarem alegados e provados factos que constituam divulgação de informações referentes à organização da ré, métodos de produção ou negócios desta, designadamente, tais factos não constam da nota de culpa, pelo que inexiste justa causa, e, consequentemente, ilicitude do despedimento – al. c) do artº 429º do Código de Trabalho, que também foi violado.»

Face ao teor do excerto das conclusões ora transcritas, as questões de que o Supremo terá de conhecer, por força do disposto no art.º 715.º, n.º 2, do CPC, conjugado com o disposto no art.º 726.º do mesmo Código, são as seguintes:
- saber se o procedimento disciplinar tinha caducado quando foi exercido pela ré (conclusão 3);
- saber se o procedimento disciplinar é inválido por faltar a comunicação da intenção de despedimento por parte da ré (conclusão 4);
- saber se o procedimento disciplinar é inválido por a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito (conclusão 5);
- saber se o direito de aplicar a sanção de despedimento já se encontrava caducado (conclusão 6);
- saber se a decisão pretensamente proferida em 23.11.2005 é ineficaz, por não ter sido comunicada ao trabalhador (conclusão 7);
- saber se os comportamentos imputados ao autor e que se encontram provados integram justa causa de despedimento (conclusão 8).

Passemos, então, a apreciar cada uma das elencadas questões.

3.2 Da caducidade do procedimento disciplinar
Para resolver esta questão importa ter presente o disposto nos artigos 372.º, n.º 1, 411.º, n.º 4, 412.º e 365.º do C.T/2003 (a que pertencerão todos os normativos legais que, sem indicação em contrário, vierem a ser referidos) e o disposto no art.º 342.º do Código Civil.

O n.º 1 do art.º 372.º estipula que o procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.

O art.º 411.º, n.º 4, preceitua que a contagem daquele prazo se interrompe com a comunicação/notificação ao trabalhador da nota de culpa e o art.º 412.º determina que igual interrupção acontece com a instauração do procedimento prévio de inquérito, desde que tal procedimento se mostre necessário para fundamentar a nota de culpa e seja iniciado e conduzido de forma diligente, não mediando mais de 30 dias entre a suspeita de existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito, nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa.

O art.º 365.º estabelece que o empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador, enquanto vigorar o contrato de trabalho (n.º 1) e que esse poder tanto pode ser exercido directamente pelo empregador como pelo superior hierárquico do trabalhador, nos termos por aquele estabelecidos (n.º 2).
E, por último, o art.º 342.º do C.C. diz que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (n.º 1), cabendo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2), devendo os factos, em caso de dúvida, ser considerados como constitutivos do direito (n.º 3).

No caso em apreço, o ónus de alegar e provar os factos que permitam concluir pela caducidade do procedimento disciplinar recaía sobre o autor/trabalhador, uma vez que, no contexto da acção de impugnação de despedimento, a caducidade do procedimento disciplinar é um facto constitutivo da ilicitude do despedimento invocada pelo autor e, consequentemente, dos direitos por ele peticionados com base nessa ilicitude (art.º 342.º, n.º 1, do C.C.).

Relativamente à caducidade do procedimento disciplinar, a 1.ª instância decidiu que a mesma não se tinha verificado, com a seguinte fundamentação:
«Regressando aos autos, em primeiro lugar verifica-se que o conhecimento da suspeita de infracção ocorreu na primeira semana de Agosto de 2005, em 4.08.05, após informação do secretário geral à administração, e quando a ré efectuou cópias dos ficheiros do autor, sendo, então, visualizados vários conteúdos de e-mails enviados à Portway.
Em segundo lugar, verifica-se que o inquérito prévio foi iniciado nesse mesmo dia (item 19 da resposta à contestação), inquérito esse que julgamos necessário para fundamentar a nota de culpa, quer por esta abranger outros factos que não só simples e­mails (tentativa de obter cópias de contratos com clientes), quer porque as diligências efectuadas (inquirições) se destinam a esclarecer as circunstâncias em que foram detectados os e-mails enviados a empresa concorrente
Assim, nos termos supra ditos, com a instauração de procedimento prévio de inquérito interrompeu-se o prazo de contagem da prescrição, e durante o mês de Setembro de 05 decorriam ainda os depoimentos escritos datados de 12.09.05 e 6.10.05.
Assim, embora se desconheça a data certa de conclusão do inquérito prévio, considerando que o ultimo depoimento escrito data de 6.10.05, e que em 7.10.05, o autor foi notificado da nota de culpa, há que concluir que ainda não haviam decorrido mais de 30 dias entre a conclusão do inquérito prévio e a comunicação da nota de culpa. Assim sendo, o inquérito prévio interrompeu a contagem do prazo de caducidade da acção.»

Como resulta da fundamentação transcrita, a M.ma Juíza entendeu que:
- a suspeita da infracção tinha chegado ao conhecimento da ré em 4.8.2005;
- nessa mesma data, a ré tinha dado início a processo prévio de inquérito;
- a inquirição de testemunhas levada a cabo nos dias 12.9.2005 e 6.10.2005 faziam parte do inquérito prévio;
- embora de desconheça a data em que o inquérito foi concluído, entre a diligência levada a cabo no dia 6.10.2005 e a data em que o autor foi notificado da nota de culpa (7.10.2005) ainda não tinham decorrido 30 dias;
- assim sendo, o inquérito prévio interrompeu a contagem do prazo de caducidade do exercício da acção disciplinar.

No recurso de apelação, o autor insurgiu-se contra tal decisão, alegando que, em resumo, que:
- em 4.8.2005 não se iniciou qualquer inquérito, uma vez que foi nesse dia que o Secretário-Geral da ré participou os factos ao Administrador Delegado, propondo-lhe a realização de um inquérito, sendo que tal participação só foi objecto de despacho em 9 de Setembro de 2005, ordenando a instauração de procedimento disciplinar;
- entre a data em que a ré tomou conhecimento da suspeita da infracção, em 4.8.2005, e a data em que ordenou a instauração do procedimento disciplinar, em 9.9.2005, tinham decorrido 35 dias, não se verificando, por isso, um dos requisitos para que o inquérito tivesse o efeito interruptivo da caducidade do procedimento disciplinar;
- por outro lado, também não se verificam os requisitos da necessidade do inquérito para fundamentar a nota de culpa, nem este foi conduzido de forma diligente, dado que, entre 9 de Setembro de 2005 e 6 de Outubro de 2005 (26 dias), a ré limitou-se a inquirir duas testemunhas em 12.9.2005, que se limitaram a confirmar o que já se apurara, e a inquirir uma testemunha em 6.10.2005, que, igualmente, se limitou a confirmar o que já constava da informação/participação elaborada pelo Secretário-geral;
- deste modo, deve concluir-se que entre o conhecimento de todas as pretensas infracções, em 4.8.2005, e a comunicação da nota de culpa, em 7.10.2005, decorreram 63 dias, sem qualquer interrupção, designadamente aquela a que se refere o art.º 412.º do C.T., pelo que atento o disposto no n.º 1 do art.º 372.º do mesmo diploma legal, o direito de exercício da acção disciplinar já tinha caducado quando a nota de culpa foi notificada ao autor.

Vejamos se a argumentação do autor é procedente.

No que toca ao processo prévio de inquérito, recorde-se que na 1.ª instância foi dado como provado que “a Administração da R., entidade com poder disciplinar, teve conhecimento do ocorrido relativamente ao envio de emails por parte do autor só após a informação de 4.08.05, fls. 3 proc. disciplinar” (facto n.º 14 da contestação); que “só após a primeira semana de Agosto de 2005, foi possível à R. através do seu Secretário-geral, ter uma primeira percepção dos factos praticados pelo A., percepção essa indiciária, porque decorrente da cópia dos ficheiros informáticos com o objectivo inicial de salvaguardar o seu conteúdo” (facto n.º 18 da contestação); que “nesse momento inicia o inquérito para tentar apurar outros factos, tentar concretizar aqueles que a simples visualização de p+arte do texto dos e-mails a partir do [ecrã] do computador quando se procedia à cópia dos ficheiros informáticos permitia aceder” (facto n.º 19 da contestação).

A decisão da 1.ª instância relativamente à existência do processo prévio de inquérito estribava-se, pois, no referido n.º 19 da matéria de facto.

Sucede, porém, que esse facto foi eliminado pela Relação, deixando, assim, a realização do processo prévio de inquérito de fazer parte do elenco dos factos provados. E, não estando provada a realização do dito inquérito, o disposto no art.º 412.º deixa de ser aplicável ao caso sub judice, o que vale por dizer que a interrupção da contagem do prazo de caducidade do procedimento disciplinar só ocorreu na data em que o autor foi notificado da nota de culpa, ou seja, em 7.10.2005 (facto n.º 7 da petição inicial).

De facto, ainda que se entendesse que as diligências realizadas antes da comunicação da nota de culpa – a inquirição das três testemunhas, levada a cabo nos dias 12 de Setembro e 6 de Outubro de 2005 (vide facto n.º 24 da contestação e fls. 10-19 do processo disciplinar) –, mas já no decurso do procedimento disciplinar mandado instaurar contra o autor, por despacho do Administrador-delegado da ré, proferido em 9.9.2005, na sequência da participação/informação que, no dia 4.8.2005, lhe foi apresentada pelo Secretário-geral da ré – consubstanciavam um procedimento prévio de inquérito, a verdade é que tal inquérito não teria o condão de interromper a contagem do prazo de caducidade do procedimento disciplinar, por não ter sido iniciado nos 30 dias subsequentes à data (4.8.2005) em que o Administrador-delegado teve conhecimento da suspeita da existência das infracções.

Relevantes, pois, in casu, para a ajuizar da existência, ou não, da caducidade do procedimento disciplinar, são a data em que o autor foi notificado da nota de culpa e a data em que a ré teve conhecimento da infracção.
Quanto à notificação da nota de culpa, está provado que tal sucedeu em 7.10.2005 (facto n.º 7 da petição), mas, quanto à data em que a ré teve conhecimento da infracção, a matéria de facto não é suficientemente concludente. Senão, vejamos.

Como já foi referido, o poder disciplinar pertence ao empregador e tanto pode ser exercido directamente por si como pelo superior hierárquico do trabalhador, nos termos que por aquele forem estabelecidos.

A ré é uma sociedade anónima e a sua administração e gestão competirá, em regra, a um conselho de administração ou uma direcção (art.º 278.º do CSC), nesses poderes de administração e de gestão se incluindo, obviamente, o poder disciplinar (art.º 405.º, 406.º, 431.º e 432.º do CSC).

O conselho de administração das sociedades anónimas pode encarregar especialmente algum ou alguns administradores de se ocuparem de certas matérias de administração, salvo se o contrato de sociedade o proibir (art.º 407.º do CSC), e o mesmo acontece com a direcção das sociedades anónimas, relativamente aos seus directores (art.º 431.º, n.º 3, conjugado como o art.º 407.º do CSC).

No caso em apreço, não está provado qual era a estrutura administrativa adoptada na ré (conselho de administração ou direcção), mas também não está provado que órgão de gestão da ré tivesse delegado o poder disciplinar em algum dos seus elementos.

Por esse motivo, deve entender-se que o prazo de caducidade do procedimento disciplinar só começou a decorrer na data em que o órgão de administração da ré tomou efectivo conhecimento das infracções disciplinares imputadas ao autor.

E, a esse respeito, apenas vem dado como provado o seguinte:
- “A Administração da R., entidade com poder disciplinar, teve conhecimento do ocorrido relativamente ao envio de emails por parte do autor só após a informação de 4.08.05, fls. 3 proc. disciplinar” (facto 14 da contestação);
- “Só na primeira semana de Agosto de 2005 foi possível à R., através do seu Secretário-Geral, ter uma primeira percepção dos factos praticados pelo A., decorrente da cópia dos ficheiros informáticos com o objectivo inicial de salvaguardar o seu conteúdo” (facto n.º 18 da contestação, na redacção que supra lhe foi dada pelo Supremo).

Mesmo que se admita que a expressão Administração da R.,. contida no facto n.º 14, está aí utilizada com o sentido de conselho de administração da ré, a verdade é que dos factos referidos não decorre que tal órgão tivesse tomado conhecimento efectivo das infracções em 4.8.2005.

Com efeito, do facto n.º 14 da contestação apenas resulta que só após a informação de 4.8.2005, de fls. 3 do processo disciplinar (trata-se da informação dirigida pelo Secretário--geral da ré ao Administrador-delegado da mesma ré), é que a Administração da ré teve conhecimento do ocorrido relativamente ao envio dos emails por parte do autor, o que, como é óbvio, não significa que tenha sido precisamente naquela data que tal conhecimento chegou ao conhecimento da Administração da ré. Tal pode ter acontecido quer naquela data quer em data posterior àquela. A literalidade da expressão só após comporta perfeitamente ambas as hipóteses e, no contexto em que se encontra inserida, até parece apontar mais no sentido da segunda hipótese.

Anote-se, aliás, que aquele n.º 14 foi um dos pontos da matéria de facto que foi objecto de impugnação por parte do autor, pois, segundo ele, devia dar-se como provado que a Administração da ré teve conhecimento do ocorrido com a informação de 4.8.2005 e não só após aquela informação, pretensão essa que não foi atendida pelo Tribunal da Relação.

Por outro lado, do facto n.º 18 da contestação também não resulta, inequivocamente, que, na primeira semana de Agosto de 2005, a Administração da ré tenha tomado conhecimento dos factos praticados pelo autor, pois o que daquele n.º 18 decorre é que quem teve conhecimento dos factos foi o Secretário-geral da ré e não o órgão de administração da ré, sendo que o conhecimento dos factos por parte do Secretário-geral não é relevante para efeitos da caducidade do procedimento disciplinar, por não estar provado que aquele tivesse poderes disciplinares.

A questão que se poderia colocar era a de saber se o prazo da caducidade não começou a correr na data (4.8.2005) em que o Secretário-geral da ré deu conhecimento dos factos ao Administrador-delegado da ré (vide facto n.º 14 da petição inicial).

Todavia, para que tal sucedesse, era necessário que estivesse provado que o Administrador-delegado tinha competência disciplinar, o que do elenco factual não consta.

De qualquer modo, ainda se entendesse que o Administrador-delegado usufruía de tal competência – como indiciariamente decorre do facto de ter sido ele a ordenar o procedimento disciplinar (facto n.º 13 da petição inicial e fls. 2 do processo disciplinar) e a ordenar a suspensão preventiva do autor (facto n.º 6 da petição inicial e fls. 9 do processo disciplinar) e como a ré expressamente reconhece no art.º 13.º das suas alegações de revista – a verdade é que o facto n.º 14 da petição não especifica os factos de que o Secretário-geral deu conhecimento ao Administrador-delegado, pois aí apenas se refere que “em 4.08.05, o secretário-geral da ré, CC, participa ao administrador delegado os factos, conforme fls 3 do proc. Disciplinar que se reproduz”, o que significa que o Administrador-delegado só foi informado dos factos contidos na participação de fls. 3, elaborada pelo Secretário-geral.

Importa, por isso, ter presente o teor da referida participação bem como o teor da nota de culpa, uma vez que o conhecimento da infracção se há-de reportar aos factos que na nota de culpa foram imputados ao autor.

Compulsado o processo disciplinar que se encontra apenso aos autos, verificamos que a participação elaborada pelo Secretário-geral da ré tinha o seguinte teor:
«Ao Administrador Delegado
CONFIDENCIAL
INFORMAÇÃO
Serve a presente para informar que no passado dia 23 de Julho na sequência da participação efectuada pelo funcionário EE ao Gabinete de Segurança, de que havia encontrado no seu gabinete dois outros funcionários, GG e HH, a quem acusa de terem estado a mexer no seu computador, dei indicações no sentido de ser vedada a entrada fora do horário normal de expediente, salvo autorização minha ou do Administrador Delegado, bem como a remoção do referido computador para o meu gabinete, e a troca da fechadura do gabinete do funcionário EE.
Dei instruções à Megasis, por intermédio da GG, para efectuar remotamente cópia integral do conteúdo do disco rígido para aquilatar da existência ou não de manipulação de ficheiros, tendo o computador ficado sempre na minha posse.
Após tal operação fui alertado para a existência de ficheiros enviados por correio electrónico para um Administrador da Portway.
Mais veio ao conhecimento do signatário que o funcionário EE, durante o mês de Julho, terá solicitado a funcionários da área comercial informações reservadas respeitantes ao conteúdo de contratos em vigor, celebrados com clientes, sem que as Funções exercidas o justificassem.
Considerando a natureza das funções de assessoria desempenhadas pelo trabalhador, a que acresce a circunstância de ter acesso a informação privilegiada, designadamente ao sistema de facturação, sou de opinião que deverá ser instaurado inquérito ao referido trabalhador, o que proponho.
Lisboa, 4 de Agosto de 2005
O Secretário Geral
(CC)»

E verificamos que a nota de culpa tinha a seguinte redacção:
«NOTA DE CULPA
1 - O presente processo disciplinar foi mandado instaurar em 9 de Setembro de 2005 pela Administração da BB, SA - Sociedade Portuguesa de Handling, SA com sede no Edifício n.º 25, 6.°andar, Aeroporto de Lisboa, em Lisboa, contra o trabalhador ao seu serviço Dr. EE, residente na Travessa do ........., n.º..., .... Dt.°/Esq.º 1800 Lisboa, na sequência da participação e documentação anexa a fls. 1 a 7 dos autos.
2 - Na empresa existe Comissão de Trabalhadores.
3 - Com base nas comunicações e documentos de fls. 2 a 8, bem como das declarações prestadas pelas testemunhas inquiridas, que constituem fls. 10 a 18 destes autos, elabora-se a presente nota de culpa nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 371.º do Código do Trabalho, já que suficientes provas indiciárias existem nos autos de que o trabalhador Dr. EE:
a) O trabalhador arguido é funcionário da BB exercendo as funções de assessor da Administração.
b) O trabalhador arguido no exercício das suas funções de assessor tem acesso a informação privilegiada, designadamente ao nível de projectos relevantes para a empresa, bem como do sistema de facturação da mesma.
c) No dia 23 de Julho de 2005, dois funcionários da empresa, a Dra. JJ e o Dr. HH, tiveram necessidade de utilizar o computador do trabalhador arguido para procederem à digitalização de documentos, através do sistema antigo de scanner.
d) O computador do trabalhador arguido tem as especificações necessárias para este procedimento.
e) Naquele dia 23 de Julho de 2005 a porta do gabinete do trabalhador arguido estava aberta e o computador ligado e com várias pastas abertas.
f) Os trabalhadores acima referidos, embora tivessem instalado o sistema de scanner, não conseguiram digitalizar por qualquer problema surgido no sistema ou no próprio computador que não conseguiram identificar.
g) Quando os trabalhadores referidos na alínea c) se encontravam a desligar o equipamento informático, o trabalhador arguido chegou ao seu gabinete e, confrontado com a presença daqueles trabalhadores, contactou o Departamento de Segurança da empresa a quem apresentou queixa.
h) Nesse mesmo dia 23 de Julho, o Dr. CC, Secretário Geral da empresa, tomou conhecimento da ocorrência e determinou que o 6.º andar do Edifício ... fosse selado e liberto das pessoas que lá se encontravam a trabalhar, apesar de ser sábado, e que o computador do trabalhador arguido fosse removido para o seu próprio gabinete, por questão de segurança.
i) No decurso da primeira semana de Agosto de 2005, o Dr. CC determinou que se procedesse a cópias dos ficheiros do computador do trabalhador arguido para que, se fosse caso disso, dúvidas não existissem da não alteração do seu conteúdo.
j) No decurso dessa cópia, foram visualizados vários e-mails enviados pelo trabalhador arguido para a Portway, empresa concorrente da BB.
l) Assim no dia 21 de Maio de 2004 o trabalhador arguido enviou um e-mail ao Dr. II, administrador da Portway, junto a fls. que aqui se dá por reproduzido e através do qual se envia um projecto da BB e se informa ter a seu cargo outros projectos que "...poderão ajudar no desenvolvimento das áreas operacionais na vertente da Formação e Qualidade dos Serviços" (fls. 5).
m) O referido e-mail foi recepcionado pelo Dr. II que se comprometeu a lê-lo (fls. 7).
n) No dia 16 de Junho o trabalhador arguido voltou a enviar ao mesmo Dr. II um e-mail no qual se dizia "Se não houver inconveniente para si telefono-lhe amanhã para falarmos uns minutos" (fls. 7).
o) No dia 24 de Julho de 2004 o trabalhador arguido enviou ao mesmo Dr. II um e-mail dizendo "Envio-lhe o meu mais recente projecto." (fls.6).
p) O trabalhador arguido na primeira semana de Julho do corrente ano contactou os Serviços Comerciais da empresa para que os mesmos lhe fornecessem cópias dos contratos celebrados com os clientes da BB.
q) As funções exercidas pelo trabalhador arguido, mesmo no âmbito da facturação, não justificavam nem exigiam o acesso a informação privilegiada e estritamente confidencial da empresa, atendendo sobretudo ao facto de a BB e a Portway serem as únicas empresas a actuar em Portugal no handling a aviões comerciais.
r) No dia 21 de Julho de 2005, cerca das 12,00 horas, durante o horário de trabalho, o trabalhador arguido manteve uma reunião nas instalações da Portway, não estando encarregue pela BBpara tratar de qualquer assunto de serviço junto daquela empresa.
4 - Os comportamentos descritos e imputados ao trabalhador arguido Dr. EE, contrariam frontalmente o dever que lhe é imposto pelas alíneas e) do n.º 1 do art.º 121.º do Código do Trabalho.
Efectivamente, e pese embora não se tenha até à data acesso ao conteúdo dos referidos e-mails, os mesmos revelam indiciariamente que o trabalhador arguido terá divulgado ou fornecido à Portway, única empresa concorrente da BB, informações referentes aos métodos de produção e negócios da sua entidade patronal.
Nesse contexto, assumem particular gravidade as tentativas do trabalhador arguido para conhecer os contratos celebrados pela BB, dos quais constam as condições e termos do negócio, bem como a reunião que o mesmo teve na Portway e que se não destinou a tratar de assuntos de interesse da empresa pois para isso nunca esteve mandatado ou para [sic] houve necessidade de reunir com a empresa concorrente.
Tal comportamento pela sua gravidade, acentuada pelas funções que o trabalhador arguido desempenha e pelo acesso a informação privilegiada junto da Administração da empresa, é suficiente para abalar a confiança mútua enquanto elemento fundamental de qualquer relação laboral.
Os comportamentos descritos resultam da documentação junta aos autos, dos depoimentos testemunhais e de outra informação que chegou à empresa.
Tais comportamentos integram indiciariamente o condicionalismo exigido para a aplicação da sanção de despedimento com justa causa, nos termos dos arts.° 365.º, 366.° e 396.° todos do Código de Trabalho, sendo intenção da entidade patronal proceder a tal despedimento com justa causa do trabalhador arguido, intenção essa que expressamente se invoca nos termos do disposto no art.º 411.° n.º 1 do mesmo Diploma Legal.
5 - Nesse contexto considera-se que os comportamentos do trabalhador arguido são susceptíveis de dar origem ao exercício do poder disciplinar por parte da entidade patronal, integrando o conceito de infracção disciplinar muito grave que poderá conduzir, atenta a prova já carreada para os autos, à aplicação do despedimento com justa causa do trabalhador Dr. EE.
Assim, e nos termos do art.º 413.° do Código do Trabalho, remete-se cópia da presente nota de culpa ao trabalhador arguido, para que este possa actuar em conformidade, nomeadamente, respondendo por escrito no prazo de 12 dias úteis (arts° 411.° e 413.° do Código do Trabalho e contratação colectiva aplicável), a contar da data de recepção da mesma, para esclarecimento dos factos e sua participação nos mesmos, podendo requerer a audição de testemunhas ou a realização de outras diligências probatórias.
Lisboa, 6 de Outubro de 2005
O Instrutor:
JJ»

Como é fácil de ver, na nota de culpa o autor foi acusado de:
- no dia 21 de Maio de 2004, ter enviado um e-mail ao Dr. II, administrador da Portway, dando-lhe a conhecer um projecto da ré e informando-o de que tinha a seu cargo outros projectos que poderiam ajudar no desenvolvimento das áreas operacionais na vertente da Formação e Qualidade dos Serviços;
- no dia 16 de Junho de 2004, ter enviado outro e-mail ao referido administrador da Portway, informando-o de que, se não houvesse inconveniente, lhe telefonaria amanhã para falarem uns minutos:
- no dia 24 de Julho de 2004, ter remetido ao mesmo administrador um e-mail dizendo "Envio-lhe o meu mais recente projecto";
- na primeira semana de Julho do corrente ano, ter contactado os serviços comerciais da empresa, para que os mesmos lhe fornecessem cópias dos contratos celebrados com os clientes da ré;
- no dia 21 de Julho de 2005, cerca das 12,00 horas, durante o horário de trabalho, ter mantido uma reunião nas instalações da Portway, sem que tivesse sido encarregado pela ré de tratar de qualquer assunto de serviço junto daquela empresa.

Confrontando o teor da nota de culpa com o teor da participação elaborada pelo Secretário-geral da ré, torna-se evidente que os factos vertidos na nota de culpa são substancialmente diferentes dos que constam da aludida participação, uma vez que esta não concretiza os e-mails nem os ficheiros que o autor enviou ao administrador da Portway, não é peremptória no que toca à solicitação que o autor teria feito aos serviços comerciais da ré e é absolutamente omissa no que se refere à reunião que, em 21 de Julho de 2005, o autor teria mantido nas instalações da Portway, durante o seu horário de trabalho.

E, sendo assim, não é possível afirmar-se, com base naquela participação, que o Administrador-delegado ficou plenamente ciente dos factos que o autor tinha praticado e, consequentemente, que a conduta do autor integrava infracção disciplinar, pois, em boa verdade, a aludida participação apenas lhe permitiria suspeitar de que algo de errado podia ter havido por parte do autor.

Ora, conforme emerge do teor do n.º 1 do art.º 372.º, o prazo de caducidade do procedimento disciplinar só começa a decorrer a partir da data em que o empregador “teve conhecimento da infracção”, sendo que tal conhecimento implica não só a identidade do autor da infracção, mas também o cabal conhecimento dos factos que a integram, uma vez que, nos termos do art.º 411.º, n.º 1, a nota de culpa deve conter uma descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao trabalhador.

No caso em apreço, a participação enviada, em 4.8.2005, pelo Secretário-geral da ré ao Administrador-delegado da ré era demasiado vaga, para que este pudesse concluir, desde logo, no sentido de que a conduta assumida pelo autor constituía infracção disciplinar.

Deste modo, sempre ficaríamos sem saber em que data é que a ré, na pessoa do seu Administrador-delegado, veio a tomar conhecimento cabal dos factos que ao autor foram imputados na nota de culpa, sendo que essa data, como atrás já foi referido, era absolutamente indispensável para ajuizar da caducidade do procedimento disciplinar.

Desconhecendo-se tal data, impossível se torna dar como verificada a caducidade do procedimento disciplinar, uma vez que o ónus de alegar e provar os factos susceptíveis de conduzir à caducidade do procedimento disciplinar competia, in casu, ao autor, como atrás também já foi dito.

Concluindo, diremos que o autor não logrou provar factos suficientes para dar por verificada a caducidade do procedimento disciplinar, uma vez que os factos dados como provados não permitem afirmar que o órgão de administração da ré já tinha conhecimento, há mais de 60 dias, da infracção disciplinar imputada ao autor, quando este foi notificado da nota de culpa.

3.3 Da invalidade do processo disciplinar, por alegada falta de comunicação da intenção de despedimento
O art.º 411.º estipula, no seu n.º 1, que “[n]os casos em que se verifique algum comportamento susceptível de integrar o conceito de justa causa enunciado no n.º 1 do artigo 396.º, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que tenha incorrido nas respectivas infracções a sua intenção de proceder ao despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”.

Por sua vez, o art.º 430.º, n.º 2, alínea a), do mesmo diploma legal, preceitua que o procedimento disciplinar é inválido se “faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa ou não tiver esta sido elaborada nos termos previstos no art.º 411.º”.

Na petição inicial, o autor arguiu a invalidade do processo disciplinar por várias razões, sendo uma delas a falta de comunicação da intenção da ré proceder ao seu despedimento.
A este respeito, na sentença decidiu-se que a invalidade em questão não se verificava, por não se ter provado a falta daquele comunicação e por, ao invés, se ter provado mesmo o contrário.

Na apelação, o autor insistiu na tese da existência da referida invalidade, alegando que a tal não obstava o facto da M.ma Juíza ter dado como provado que a intenção da ré de proceder ao despedimento constava expressamente da nota de culpa, pois, segundo ele, a afirmação contida na nota de culpa não era da ré, mas sim do instrutor do processo, sendo que o instrutor afirmava, logo a seguir, não uma intenção, mas um juízo de “que poderá conduzir … à aplicação do despedimento com justa causa”, acrescendo, ainda, que a carta a que se refere o art.º 411.º, n.º 1, é uma carta do empregador e não, como no caso em apreço sucedeu, uma carta de um outro trabalhador do empregador, como é o caso do Secretário-geral da ré, que foi testemunha nos autos.

Vejamos se a argumentação do autor merece acolhimento.

Com interesse para a questão agora em apreço provou-se que em 7 de Outubro de 2005 foi entregue, em mão, ao autor uma carta registada com aviso de recepção, que acompanhava a nota de culpa (facto n.º 7 das respostas dadas ao alegado na petição inicial) e também foi dado como provado que da nota de culpa constava expressamente que era intenção da entidade patronal proceder ao despedimento do autor, intenção essa que expressamente se invocou nos termos do disposto no art.º 411.º, n.º 1, do Código do Trabalho (facto n.º 32 das respostas dadas ao alegado na contestação).

Face à factualidade referida, é por demais evidente que o autor foi informado de que a ré pretendia proceder ao seu despedimento, sendo que os factos alegados pelo autor para infirmar tal conclusão nem sequer constam da matéria de facto dada como provada.

O que se poderia questionar (e esta parece ser a questão que o autor efectivamente coloca) era se a comunicação daquela intenção é atendível, por ter sido feita na nota de culpa, uma vez que a literalidade do n.º 1 do art.º 411.º do CT (“… o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador…a sua intenção de proceder ao despedimento, juntando nota de culpa…” – sublinhado nosso) e da alínea a) do n.º 2 do art.º 430.º do mesmo Código (“…Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa…” – sublinhado nosso) parecem sugerir que a declaração de intenção de despedimento não deve constar da nota de culpa, mas sim de outra comunicação escrita que deve acompanhar a nota de culpa.

Tem-se entendido, porém, que aquela exigência legal, que já constava do art.º 10.º. n.º 1, da LCCT (regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64.º-A/89 de 27 de Fevereiro), fica satisfeita se a intenção de despedimento constar expressamente da nota de culpa e não vemos razões para afastar tal entendimento, uma vez que a literalidade dos preceitos não deve ter-se por decisiva, face à razão de ser da exigência da aludida comunicação que se prende apenas com o direito de defesa do trabalhador, na medida em que visa alertá-lo para a gravidade da sanção disciplinar que lhe pode vir a ser aplicada e consequente perda do emprego e para a necessidade de não negligenciar a sua defesa, sendo que, para esse efeito, é absolutamente irrelevante que declaração de intenção de proceder ao despedimento conste de comunicação autónoma ou da nota de culpa.

Por outro lado, o facto da carta que acompanhou a nota de culpa ter sido subscrita pelo Secretário-geral da ré (como se constata de fls. 9 do processo disciplinar) também não é motivo de invalidade do processo disciplinar, uma vez que do art.º 411.º, n.º 1, não resulta que a comunicação da intenção de proceder ao despedimento tenha de ser subscrita pessoalmente pela entidade empregadora.

E o mesmo se diga do facto da nota de culpa não ter sido assinada pela ré, mas sim pelo instrutor do processo disciplinar (vide fls. 20-22 do proc. disciplinar), pois, como decorre do disposto no art.º 414.º, n.º 1, nada obsta a que a nota de culpa possa ser elaborada pelo instrutor nomeado pelo empregador para proceder à realização do processo disciplinar.

Improcede, pois, a invalidade referida.

3.4 Da invalidade do processo disciplinar, por, alegadamente, a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito
Nos termos do n.º 2 do art.º 415.º do CT, a decisão de despedimento deve ser fundamentada e constar de documento escrito e, nos termos do art.º 430.º, n.º 2, alínea c) do mesmo Código, o procedimento disciplinar é inválido se a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito.
Na petição inicial, o autor também invocou a invalidade do procedimento disciplinar com o fundamento de que a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constavam de documento escrito.

Na sentença da 1.ª instância, decidiu-se que tal invalidade não se verificava, por se ter provado que o autor tinha sido notificado através de protocolo, tendo seu pai recebido e assinado um envelope que continha a decisão de despedimento.

Discordando de tal decisão, no recurso de apelação o autor invocou o acórdão do STJ de 11.3.1998 (BMJ, 475.º-445) e alegou o seguinte:
- a decisão de despedimento deve ser fundamentada e constar de documento escrito, como impõe o n.º 2 do art.º 415.º do C.T.;
- o n.º 3 do mesmo artigo refere que na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador, bem como os pareceres que tenham sido juntos nos termos do n.º 3 do art.º 414.º, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a responsabilidade;
- porém, na decisão de fls. 43 do processo disciplinar, datada de 23 de Novembro de 2005, apenas consta: “A administração da BB– Sociedade Portuguesa de Handling SA, após ter analisado cuidadosamente o presente processo disciplinar, decidiu acompanhar a proposta do Senhor Instrutor e, nessa medida, aplicar ao trabalhador arguido Dr. EE a sanção de DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA. SEM QUALQUER INDEMNIZAÇÃO OU COMPENSAÇÃO”;
- qualquer semelhança entre esta decisão e o disposto na lei parece pura coincidência;
- só há, pois, que concluir que o procedimento que conduziu ao despedimento é inválido por faltar a respectiva fundamentação à decisão de despedimento (art.º 430.º, n.º 1, al. c) do CT).

Como se depreende do assim alegado, a razão de ser da discordância do autor prende-se com a falta de fundamentação da decisão de despedimento.

Ora, como por este Supremo Tribunal tem sido reiteradamente afirmado, a decisão de despedimento tem de constar de documento escrito e tem de ser fundamentada, mas a lei não proíbe que a fundamentação seja feita por remissão para o relatório elaborado pelo instrutor do processo disciplinar, uma vez que, ao remeter para tal relatório, o empregador subscreve a fundamentação aí aduzida pelo instrutor, o que torna a sua decisão verdadeiramente fundamentada.

Como do teor da transcrita decisão de despedimento se constata, a ré, após ter analisado cuidadosamente o processo disciplinar, “decidiu acompanhar a proposta do Senhor Instrutor e, nessa medida, aplicar ao trabalhador arguido” a sanção de despedimento com justa causa.

Ora, no contexto em que se encontra inserida, a expressão acompanhar a proposta do instrutor não pode ser interpretada à letra, mas antes valer, por força do disposto no art.º 236.º, n.º 1, do C.C., com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário (o autor), pudesse deduzir do comportamento do declarante (a ré).

E para nós é evidente, que o sentido que o autor podia e devia deduzir daquela expressão era o de que a ré tinha aderido não só à proposta de despedimento vertida na parte final do relatório elaborado pelo instrutor do processo disciplinar, mas também à fundamentação – exaustiva, aliás – em que a mesma se sustenta, o que vale por dizer que a decisão de despedimento se mostra devidamente fundamentada.

Em prol da sua tese, o autor invocou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 11.3.1998, publicado no BMJ n.º 475, p. 445 e seguintes, cujo sumário transcreveu, mas, compulsado o teor do referido acórdão, constata-se que o mesmo não tem o alcance que o autor dele quis extrair, uma vez que a situação sobre que versou não tem qualquer similitude com a dos presentes autos.

Com efeito, no caso em apreço naquele acórdão o processo disciplinar foi declarado nulo, por do mesmo não constar qualquer decisão de despedimento, pois, como no aludido aresto se diz, “compulsado o processo disciplinar, verifica-se que o mesmo termina com o relatório final do instrutor e com a carta em que a ré comunica à autora o seu despedimento. No entanto, entre aquele relatório final e a referida carta não consta do processo disciplinar a decisão escrita e fundamentada do despedimento”.

Improcede, por isso, a invalidade em questão.


3.5 Da caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento
O art.º 415.º, n.º 1, do CT estipula que “decorrido o prazo referido no n.º 3 do artigo anterior, o empregador dispõe de 30 dias para proferir decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção”.

Por sua vez, o n.º 3 do art.º 414.º determina que “concluídas as diligências probatórias, o processo é apresentado, por cópia integral, à comissão de trabalhadores e, no caso do n.º 3 do artigo 411.º, à associação sindical respectiva, que podem, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado”.

Da conjugação daqueles dois normativos resulta que a decisão de despedimento tem de ser proferida no prazo de 30 dias após o decurso do prazo de cinco dias úteis de que a comissão de trabalhadores e a associação sindical respectiva (esta no caso do trabalhador ser representante sindical) dispõem para fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado.

Invocando o disposto no art.º 415.º, n.º 2, na petição inicial o autor alegou que o direito da ré lhe aplicar a sanção disciplinar de despedimento já tinha caducado quando tomou conhecimento da respectiva decisão.

E, nesse sentido, alegou, em resumo, o seguinte:
- foi notificado da nota de culpa em 7 de Outubro de 2005;
- apresentou a sua defesa em 25.20.2005, sem ter requerido a realização de quaisquer diligências probatórias;
- a ré não apresentou o processo disciplinar à comissão de trabalhadores, para efeitos de esta emitir parecer, nos termos do n.º 3 do art.º 414.º,
- deste modo, atento o disposto no n.º 1 do art.º 415.º, a ré dispunha de 30 dias, ou seja, até 24.11.2005, para proferir a respectiva decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção;
- no dia 24.11.2005, na ausência do autor, foi entregue a seu pai, Dr. FF, na casa deste, que se situa no mesmo andar, a Nota de envio n.º 01/05 da Groundforce Portugal, referindo “Junto remetemos: Processo Disciplinar - Decisão Final”, e que acompanhava diversa correspondência, designadamente um envelope da Groundforce que continha a nota de vencimentos referentes ao mês de Outubro de 2005 e outros papéis, dois prospectos de propaganda, o n.º 30 do Jornal TAP, uma carta-circular da associação de Solidariedade e Apoio do Pessoal da TAP e uma revista, que nem sequer era dirigida ao autor;
- tendo sido contactado telefonicamente por seu pai, o autor solicitou-lhe que abrisse os dois envelopes, tendo este constatado que o envelope da Groundforce não continha qualquer decisão, mas sim e apenas os elementos atrás referidos;
- a pedido ao autor, o seu pai contactou, ainda no dia 24.11.2005, o Dr. CC, Secretário-geral da ré, dando-lhe conta do que se passava, sendo-lhe dito que ia averiguar e que depois o contactaria, o que não veio a suceder;
- deste modo, a ter sido proferida qualquer decisão no processo disciplinar, ao autor não foi dela notificado;
- face à ausência de qualquer contacto por parte da ré, na sequência do referido contacto entre o pai do autor e o Secretário-geral da ré, o autor, via fax, dirigiu uma carta à ré, cuja cópia se encontra junta à providência cautelar como doc. n.º 7, ficando a aguardar, perante a caducidade do direito da ré lhe aplicar qualquer sanção, que aquela lhe comunicasse a data em que devia retomar o serviço, mas a ré nada disse nem esclareceu;
- e, assim sendo, o autor presumiu que a decisão final referida na Nota de envio n.º 01/05 era uma decisão de despedimento que não tinha sido reduzida a escrito;
- porém, o autor não deixou de dar a possibilidade à ré de ilidir aquela presunção, remetendo-lhe, via fax, a carta cuja cópia se encontra juta à providência cautelar como doc. n.º 8, solicitando à ré que, até às 24 horas do dia 16 de Dezembro de 2005, o esclarecesse acerca da sua situação, sendo que interpretaria o seu silencio como uma declaração de despedimento;
- a ré optou, mais uma vez, pelo silêncio, razão pela qual o autor considerou que a declaração de despedimento tinha chegado ao seu conhecimento no dia 16 de Dezembro de 200.

Como emerge do assim alegado pelo autor, o direito da ré aplicar a sanção de despedimento estaria caducado quando, em 16 de Dezembro de 2005, a declaração de despedimento chegou ao seu conhecimento, já que teriam decorrido mais de 30 dias sobre a data em que ele tinha apresentado a sua resposta à nota de culpa.

A este respeito, na sentença da 1.ª instância a M.ma Juíza limitou-se a dizer que não havia invalidade do processo disciplinar por falta de comunicação da decisão de despedimento, por se ter inequivocamente provado que o autor tinha sido dela “notificado através de protocolo, sendo recebido e assinado pelo seu pai um envelope que continha a decisão e não se encontrava vazio como alegara o autor”.
No recurso de apelação, para além de impugnar a factualidade em causa e que, nessa parte, foi julgada improcedente, o autor alegou que:
- diz-se na sentença que não se provou que o autor não tivesse recebido a decisão final de despedimento;
- mas quem tinha de provar que o autor tinha recebido aquela decisão era a ré, porque dessa recepção depende a eficácia da declaração de despedimento;
- ora, o que a ré provou (sem prejuízo da impugnação da matéria de facto feita a esse respeito) foi que o relatório final fora entregue ao pai do autor, que foi quem assinou o protocolo;
- porém, a ré não alegou nem provou que o pai o tivesse entregue ao filho;
- o autor até podia admitir que a carta contendo o relatório final tivesse sido entregue ao seu pai, mas o que não se provou, nem ele aceita, é que ele, autor, a tivesse recebido, sendo que para o autor não faz sentido que o pai tivesse feito desaparecer a carta, uma vez que ele até a recebeu, quando a tal não era obrigado;
- a ré é que assumiu uma postura que não se compreende, tanto mais quanto foi imediatamente avisada e posteriormente alertada, por duas vezes, que o autor nada tinha recebido, dado que até a própria lei processual civil (art.º 241.º do CPC) refere que, quando a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, será enviada, pela secretaria do tribunal, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as comunicações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em que a citação foi realizada;
- ora, se se pensar que o despedimento é um negócio jurídico que se traduz numa declaração receptícia, cuja eficácia depende de chegar ao poder e conhecimento do destinatário, não se compreende a “casmurrice” da ré em nada fazer relativamente ao alerta feito pelo autor, uma vez que a ré não podia ignorar que o art.º 416.º, n.º 2, do C.T. estabelece que o não recebimento oportuno da declaração de despedimento só é eficaz se tal ocorrer por culpa do trabalhador;
- o autor só pode compreender a atitude da ré no contexto de, aparentemente, não ocorrer a caducidade do direito de aplicar a sanção, atento o disposto no art.º 415.º, n.º 1, do C.T.;
- na verdade, no pressuposto de que não havia Comissão de Trabalhadores na ré, o prazo para proferir a decisão, na perspectiva do instrutor, terminaria nesse dia e, então, haveria que simular uma decisão para cumprir o prazo;
- porém, não tendo recebido, como não recebeu, qualquer declaração de despedimento, aquela não teve qualquer eficácia, e quando o autor (e não o réu, como por manifesto lapso se diz a fls. 52 das alegações) efectivamente a recebeu, já tinha caducado o direito de aplicar a sanção.

Como decorre da argumentação tecida pelo autor, a decisão de despedimento que teria sido entregue a seu pai no dia 24.11.2005 não produziu efeitos, por não estar provado que ele, autor, a tivesse recebido. E, não sendo eficaz, o direito da ré de aplicar a sanção teria caducado naquela data.

Constata-se, porém, que a questão da caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento não foi objecto de apreciação na sentença da 1.ª instância. Tal omissão acarreta a nulidade da sentença (art.º 668.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do CPC) cuja arguição devia ter sido arguida expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso de apelação (art.º 77.º, n.º 1, do CPT), o que o autor não fez.

Aliás, o autor nem nas alegações arguiu a nulidade da sentença. Limitou-se a sustentar a tese da caducidade do direito da ré aplicar a sanção, sem atentar que a decisão da 1.ª instância era omissa a esse respeito.

Não sendo a nulidade da sentença em causa de conhecimento oficioso (art.º 668.º, n.º 2, a contrariu, do CPC), e não tendo a mesma sido arguida pelo apelante, é óbvio que o Tribunal da Relação não poderia conhecer dela, o mesmo acontecendo, agora, com o Supremo tribunal de Justiça funcionando em substituição do Tribunal da Relação, por via do disposto nos artigos 715.º, n.º 2, do CPC, conjugado com o estatuído no art.º 726.º do mesmo diploma adjectivo.

Não se conhece, pois, da referida questão.

3.6 Da eficácia da decisão de despedimento
Na petição inicial, o autor alegou que não foi notificado da decisão de despedimento que teria sido proferida em 23.11.2005 e que, por essa razão, a mesma não era eficaz.

Todavia, como decorre do que ficou dito a respeito da questão anterior, o efeito jurídico que o autor pretendia obter de tal alegação era o da caducidade do direito da ré aplicar a sanção de despedimento e não o da ineficácia do próprio despedimento, o que vale por dizer que a questão da eficácia da notificação da decisão do despedimento feita na pessoa de seu pai, no dia 24.11.2005, não constituía, em sede da causa de pedir, uma questão autónoma, mas antes um simples argumento aduzido pelo autor, para sustentar a tese da caducidade do direito da ré aplicar a sanção disciplinar de despedimento.

Ora, tendo-se decidido que o Supremo não podia conhecer da aludida caducidade, é evidente que também não se pode conhecer da alegada ineficácia da notificação da decisão de despedimento efectuada na pessoa do pai do autor, no dia 24.11.2005.

De qualquer modo, sempre se dirá que, in casu, não tem qualquer relevância saber-se se o autor deve ser considerado notificado ou não da decisão de despedimento recebida por seu pai no dia 24.11.2005, uma vez que o autor não questiona que tenha sido despedido pela ré, pois, o que ele questiona é que o despedimento tenha produzido efeitos em 24.11.2005, dado que, na sua tese, o mesmo só se tornou eficaz em 16.12.2005.

Sucede, porém, que os efeitos jurídico-práticos decorrentes da eventual ilicitude do despedimento seriam os mesmos, independentemente da decisão do despedimento se ter tornado eficaz em 24.11.2005 ou em 16.12.2005, uma vez que a acção só foi proposta em 29.3.2006 (vide art. 437.º, n.º 4, do CT).

Na verdade, sendo o despedimento ilícito, o autor sempre teria direito à pedida reintegração, independentemente da data em que o despedimento se tornou eficaz, e, no que toca às chamadas retribuições intercalares, só teria direito às que se vencessem a partir do 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção, 30.º dia esse que ocorreu já depois de 16.12.2005.

3.7 Da justa causa
O autor foi despedido por alegadamente ter violado culposamente os seus deveres contratuais, ou seja, foi despedido por factos que subjectivamente lhe foram imputados.

Tratou-se, pois, de um despedimento com invocação de justa causa.

Na 1.ª instância decidiu-se que a conduta assumida pelo autor constituía justa causa de despedimento, mas no recurso de apelação o autor impugnou tal decisão.
Importa, por isso, averiguar se tal decisão é de manter.

O conceito de justa causa consta do n.º 1 do art.º 396.º do C.T. que tem vindo a ser referido (o CT/2003) e corresponde ao conceito que já constava da lei anterior, a LCCT (regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro).

E, segundo aquele normativo, constitui justa causa de despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.

A justa causa pressupõe, pois e antes de mais, uma conduta por parte do trabalhador que, por acção ou omissão, se traduza numa violação culposa dos seus deveres contratuais, seja dos deveres principais, seja dos deveres secundários ou acessórios, devendo a culpa ser apreciada objectivamente e em concreto, segundo o critério de um bom pai de família, ou seja, segundo o critério de um empregador normal.

Tal comportamento não é, todavia, suficiente, só por si, para preencher o conceito legal de justa causa. É necessário, ainda, que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, pois, como bem salientam Bernardo Xavier - (6) e Monteiro Fernandes - (7)., o que verdadeiramente caracteriza a justa causa subjectiva é essa imediata impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho.

Perante determinada situação concreta, a dificuldade está em saber quando é que essa impossibilidade se verifica, uma vez que não se trata de uma impossibilidade de ordem material, mas sim de situação de inexigibilidade jurídica que há-de resultar de um juízo de prognose ou de probabilidade, a efectuar pelo julgador sobre a viabilidade da relação laboral, atendendo “no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”, conforme prescreve, no seu n.º 2, o art.º 396.º.

Não se trata, porém, de um juízo fácil de fazer, uma vez que a referida inexigibilidade é manifestamente refractária a um juízo de mera subsunção. Pelo contrário, trata-se de um juízo complexo que tem de ser feito caso a caso e que implica, como diz Monteiro Fernandes - (8)., “não só uma selecção dos factos e circunstâncias a atender, mas também uma série de valorações assentes em critérios de muito diferente natureza – éticos, organizacionais, técnico-económicos, gestionários – e mesmo, não raro, relacionados com pressupostos de ordem sócio-cultural e até afectiva”, uma vez que a inexigibilidade, continua aquele autor, “surge apontada ao suporte psicológico do vínculo”.

E, como a doutrina e a jurisprudência têm vindo a salientar, a inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral só se verifica quando, efectuada a análise diferencial dos interesses em jogo, seja de concluir que deixaram de existir as condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura que, de modo geral, implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos, isto é, quando seja de concluir que não é razoável exigir do empregador a manutenção da relação contratual, nomeadamente por ter sido quebrada a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento de um contrato intuitu personae.

Por outras palavras, a justa causa só se verifica quando seja de concluir que a aplicação de qualquer uma das medidas disciplinares de carácter conservatório não é suficiente para sanar a crise contratual aberta pela conduta do trabalhador.

Acresce que, na formulação daquele juízo, só podem ser levados em conta os factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento, desde que os mesmos tenham sido incluídos na nota de culpa ou na resposta à nota de culpa, salvo se se tratar de factos que atenuem ou diminuam a responsabilidade do trabalhador (artigos 415.º, n.º 3 e 435.º, n.º 3).

E acresce, ainda, que, nas acções de impugnação de despedimento, compete ao empregador alegar e provar, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil, os factos por si invocados na decisão de despedimento, uma vez que, no contexto de tais acções, a justa causa constitui um facto impeditivo do direito nelas invocado pelo trabalhador.

Revertendo, agora, ao caso dos autos importa começar por referir os factos que, no processo disciplinar, foram imputados ao autor e pelos quais ele veio a ser despedido.
E, compulsada a nota de culpa, verifica-se que o autor foi acusado de, exercendo as funções de assessor da Administração da ré, no exercício das quais tem acesso a informação privilegiada, designadamente ao nível dos projectos relevantes para a empresa e do sistema de facturação da mesma, ter praticado os seguintes factos:
- no dia 21 de Maio de 2004, ter enviado um e-mail ao Dr. II, administrador da Portway, informando-o de que lhe remetia um projecto da ré e de que tinha a seu cargo outros projectos que poderiam ajudar no desenvolvimento das áreas operacionais na vertente de formação e qualidade dos serviços;
- no dia 16 de Junho de 2004, ter enviado outro e-mail ao referido administrador dizendo-lhe que, se não houvesse inconveniente, lhe telefonaria no dia seguinte, para falarem uns minutos;
- no dia 24 de Julho de 2004, ter enviado outro e-mail ao mesmo administrador, dizendo-lhe que lhe enviava o seu mais recente projecto;
- na primeira semana de Julho de 2005, ter contactado os serviços comerciais da ré, para que os mesmos lhe fornecessem cópias dos contratos celebrados com os clientes da ré, sem que as funções por ele exercidas justificassem ou exigissem o acesso a informação privilegiada e estritamente confidencial da empresa, atendendo ao facto da ré e a Portway serem as únicas empresas a actuar em Portugal no handling a aviões comerciais;
- no dia 21 de Julho de 2005, cerca das 12 horas, durante o horário de trabalho, ter mantido uma reunião nas instalações da Portway, sem que estivesse encarregado de tratar de qualquer assunto de serviço junto daquela empresa.

E, como na nota de culpa se refere, a ré considerou que os referidos comportamentos contrariavam frontalmente o dever que lhe era imposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 121.º do C.T., dado os referidos e-mails, apesar de, até à data, ainda não se ter tido acesso ao conteúdo dos mesmos, revelam indiciariamente que o autor teria divulgado ou fornecido à Portway, única empresa concorrente da ré, informações referentes aos métodos de produção e negócios da sua entidade empregadora, assumindo particular gravidade as tentativas do autor para conhecer os contratos celebrados pela ré, dos quais constam as condições e termos do negócio, bem como a reunião que teve na Portway e que não se destinou a tratar de assuntos do interesse da ré, pois nunca fora mandatado para tal.

Segundo a ré, a conduta do autor, pela sua gravidade, acentuada pelas funções que ele desempenhava e pelo acesso a informação privilegiada junto da Administração, era suficiente para abalar a confiança mútua enquanto elemento fundamental de qualquer relação laboral, constituindo, por isso, justa causa de despedimento.

Por sua vez, compulsado o relatório final elaborado pelo instrutor do processo disciplinar e no qual a decisão de despedimento se apoiou, verifica-se que os factos vertidos na nota de culpa foram todos dados como provados, com excepção do último (a reunião, no dia 21 de Julho de 2005, nas instalações da Portway), factos esses que o instrutor do processo (e por remissão a ré) consideraram de extrema gravidade pelas razões que na nota de culpa já tinham sido aduzidas.

Por outro lado, da factualidade que na acção foi dada como provada constatamos que os factos pelos quais o autor veio a ser despedido foram todos dados como provados.

A questão que se coloca é a de saber se tais factos são suficientemente graves para justificar o despedimento.

E, tendo presentes as funções que eram exercidas pelo autor (assessor da Administração da ré) e o elevado grau de confiança que as mesmas pressupõem, é por demais evidente que a resposta a dar àquela questão não pode deixar de ser afirmativa, uma vez que a conduta assumida pelo autor (excepção feita ao facto de na primeira semana de Julho de 2005 o autor ter contactado os serviços comerciais da ré, para que os mesmos lhe fornecessem cópias dos contratos celebrados com os clientes da ré – por não estar provado que o autor não tivesse acesso a tais informações e por não estar provado quais os objectivos de tal solicitação) se traduz numa ostensiva violação do dever de lealdade a que estava obrigado para com a ré, por força do vínculo contratual que com ela mantinha (art.º 121, n.º 1, al. e), do C.T.).

Efectivamente, sendo a Portway, como provado está (factos n.os 7 e 82 da contestação), a única empresa, para além da ré, a actuar em Portugal no handling a aviões comerciais, para além das empresas que asseguram o seu próprio handling, é óbvio que os contactos estabelecidos pelo autor, via e-mail, com o administrador da Portway e a informação que, através dos mesmos, àquele forneceu, relacionada com projectos que tinham a ver com a actividade da ré, consubstancia uma conduta de absoluta deslealdade para com a ré, independentemente do teor dos referidos projectos, suficiente, só por si, para quebrar definitivamente a base de confiança que as funções desempenhadas pelo autor necessariamente pressupõem.
E, quebrada essa base de confiança, torna-se manifesto que a relação laboral não podia subsistir, uma vez que a sua manutenção se traduziria para a ré numa exigência absolutamente intolerável, por desmesurada, face ao conflito de interesses em confronto, o que nos leva a concluir pela licitude do despedimento, com a consequente absolvição da ré do pedido

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se julgar procedente o recurso de revista, revogar o acórdão recorrido e absolver a ré do pedido.
Custas pelo autor, nas instâncias e no Supremo.


Lisboa, 13 de Janeiro de 2010


Sousa Peixoto (Relator)
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
______________________

(1) - Na 1.ª instância, o n.º 18.º tinha o seguinte teor:
“Só após a primeira semana de Agosto de 2005, foi possível à R. através do seu Secretário Geral, ter uma primeira percepção dos factos praticados pelo A, percepção indiciária porque decorrente da cópia dos ficheiros informáticos com o objectivo inicial de salvaguardar o seu conteúdo.
(2) - O facto eliminado pela Relação tinha o seguinte teor:
Nesse momento inicia o inquérito para tentar apurar outros factos, tentar concretizar aqueles que a simples visualização de parte do texto dos e-mails a partir do ecrã do computador quando se procedia à cópia dos ficheiros informáticos permitia aceder.”
(3) - Na 1.ª instância, o n.º 24 tinha o seguinte teor:
A partir do mês de Setembro de 2005, a ré obteve os depoimentos escritos constantes do proc. disciplinar.
(4) - Na 1.ª instância, o facto n.º 47.º tinha a seguinte redacção:
Na residência do A. e de acordo com os dados constantes dos registos da R..
(5) - Na 1.ª instância, o n.º 74.º tinha a seguinte redacção:
Concretamente, no dia 21 de Maio de 2004 o A. enviou um e-mail ao Dr. II, administrador da Portway, (fls. 5 do processo disciplinar que aqui se dá por reproduzido) e através do qual se envia um projecto da R. e se informa ter a seu cargo outros projectos que “… poderão ajudar no desenvolvimento das áreas operacionais na vertente da Formação e Qualidade dos Serviços”.
(6) - Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2.ª edição, pag. 491e seguintes.
(7) - Direito do Trabalho, Almedina, 12.ª edição, pag. 556.
(8) - Ob. cit., p. 559.