Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Relator: | SIMAS SANTOS | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | HABEAS CORPUS PROVIDÊNCIA EXTRAORDINÁRIA FUNDAMENTOS RECURSO LITISPENDÊNCIA LIBERDADE CONDICIONAL OBRIGATÓRIA REVOGAÇÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL REMANESCENTE DA PENA | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Nº do Documento: | SJ200806250021845 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Data do Acordão: | 06/25/2008 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | S | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Privacidade: | 1 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | DETERMINADO AO TEB. LIB. COND. DO ARGUIDO | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Sumário : | 1 – O habeas corpus é configurado no Código de Processo Penal como uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais, pelo que não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação, tendo como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos. 2 – Entende-se hoje que não obsta à apreciação do pedido de habeas corpus a circunstância de poder ser, ou mesmo ter sido, interposto recurso da decisão que aplicou a medida de prisão, sendo então o acento tónico posto ocorrência de abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, na protecção do direito à liberdade, reconhecido constitucionalmente, uma providência a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave e em princípio grosseiro e rapidamente verificável – que integrem as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas nas disposições legais que desenvolvem o preceito constitucional. 3 – O pedido de declaração de nulidade do despacho de revogação de liberdade condicional e que se ordene a promoção de novo processo complementar de revogação de liberdade condicional situa-se para além da função do habeas corpus, que se destina exclusivamente a obter a restituição à liberdade daquele que está ilegalmente detido ou preso e não conhecer de nulidades ou do mérito de decisões judiciais, do que se deve ocupar o tribunal que proferiu a decisão (nulidade, quando não cabe recurso) e o tribunal superior competente, por via de recurso. 4 – De acordo com o n.º 4 do art. 63.º do C. Penal, o disposto nos n.ºs 1 a 3 do mesmo artigo, que tratam da concessão de liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas, não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condiciona, o que significa que se uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente, sem prejuízo do n.º 3 do art. 64.º, salvaguarda que prescreve que, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, em função da revogação da liberdade condicional, pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61.º. 5 – Com efeito, a redacção do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete e que inclui o n.º 4 que dispõe que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena». 6 – Compreende-se a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, mas o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º, pelo que deve ser considerado em conjunto com a pena já cumprida para efeito de eventual aplicação de uma das modalidades de liberdade condicional: a do citado n.º 4 do art. 61.º. 7 – E, face ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2006, de 23/11/2005, DR IS-A de 04-01-2006, deste Tribunal não se pode argumentar em contrário com a descontinuidade entre o inicial cumprimento da pena e o posterior cumprimento do remanescente. 8 – Por outro lado, como decidiu o AcSTJ de 06/01/2005, Acs STJ XIII, 1, 162 a liberdade condicional prevista no n.º 5 [actual n.º 4] do art. 61.º do C. Penal (nas penas superiores a 6 anos de prisão em que já tenham sido cumpridos 5/6 da pena) é obrigatória, no sentido de que se constitui pelo mero decurso do tempo. A única condicionante é a prévia aceitação do condenado, atenta a dignidade da pessoa humana. E sendo esta liberdade condicional é um ónus para o Estado e a Sociedade, e não um prémio para o condenado, ela tem lugar mesmo quando, depois de beneficiar de liberdade condicional facultativa, volta à prisão para cumprir o remanescente da pena, em consequência da revogação dessa liberdade. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão Texto Integral: | 1. Em petição de habeas corpus, subscrita por advogada, o cidadão AA, veio pedir, com referência ao processo n.º 4244/99.8 TXLSB do 1° Juízo do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, a providência de habeas corpus, por se encontrar ilegalmente preso, em violação do disposto nos art. 27°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, e que: – nos termos dos art. 31°, n.° 1 e 3 da CRP e 222°, n° 1 e 2, al. c) e 223°, n.º 4, al. b) ambos do CPP, seja a prisão declarada ilegal e ordenada a sua imediata restituição à liberdade, sob custódia desse alto Tribunal, onde deverá aguardar os ulteriores termos do processo; e concomitantemente, – se declare a nulidade do Despacho de revogação de Liberdade Condicional – proc. n.° 389/2001-RLC, de 23/05/2003, atendendo ao conhecimento superveniente do douto acórdão de 09/05/1996, da 1ª Vara Criminal de Lisboa, Tribunal Boa Hora. – se ordene a promoção de novo processo complementar de revogação de Liberdade Condicional, atendendo ao disposto no art. 44° n.° 1 do Dec.Lei n,° 783/76; com a finalidade de se proceder a nova avaliação in casu, em conformidade com o sustentado pelo requerente. Sustenta para tanto: 1. O requerente foi condenado no processo 4095/87 da 1° Vara Criminal de Lisboa, a Secção por decisão de 18/12/1992, sucessivamente confirmada pelos Tribunal da Relação de Lisboa em 26/05/1993 e do STJ em 04/05/1994, por factos de 1986, em cúmulo na pena de 15 anos de prisão. 2. Ao que, depois de aplicados os perdões concedidos ao Requerente, ao abrigo do art. 13°, n° 1 al. b) da Lei n.° 16/86, e ao abrigo do art. 14.º, n.° 1, al. b) da Lei n.° 23/91, foi condenado na pena única de 11 anos e 3 meses de prisão. 3. Em 09/05/1966, acordou o Colectivo do douto Tribunal da Boa Hora – na sequência da extinção da pena parcelar (sendo a mesma de oito anos), pelo crime p.p. pelo art. 288.° do CP/1982 – na redução, da pena de 15 anos de prisão para a pena única de 12 anos de prisão, no tocante ao requerente, cfr. cópia da douta decisão que aqui e junta, como Doc. n.º 1, e se dá por integralmente reproduzido para devidos efeitos legais. 4. Tendo sido também, no douto acórdão, aplicado dois perdões, de 18 meses cada, ao abrigo do art. 13°, n.° 1 al. b) da Lei n.° 16/86, e ao abrigo do art. 14, n.° 1, al. b) da Lei n.º 23/91, sendo portanto inequívoca a conclusão de que a pena definitiva há-de fixar-se em 9 anos de prisão Ora, atendendo a que o percurso do requerente teve a seguinte cronologia: • 28/05/1986 — Detenção à ordem do Proc. 4095/87 — 1.ª Vara Criminal de Lisboa. • 01/03/1990 — Libertação Condicional à ordem do Proc. 4095/87. • 30/06/1991 — Nova detenção à ordem do Proc. 4095/87 para repetição do julgamento. • 29/03/1995 — Nova libertação condicional à ordem do Proc. 4095/87. • 12/10/1995 — Detenção é ordem do proc. n.° 584/94. OJGLSB – 1.ª Vara Criminal de Lisboa. Pode-se então constatar que: 5. O Requerente foi detido à ordem do Proc. n.° 4095/87 da 1ª Vara Criminal de Lisboa, (3ª Secção), processo que teve inicio (e primeiro julgamento), no Tribunal Judicial de Viana do Castelo com o n.° 297/87, 1° Juízo, 2ª Secção, em 28/05/1986. 6. Tendo-lhe sido concedida a Liberdade Condicional em 28/02/1990, à ordem desse processo, com efeitos a partir de 01/03/1990, conforme decisão do TEP de Lisboa, que aqui se junta como Doc. n.º 2, o que perfaz até a esta data 3 anos e 9 meses de pena cumprida. 7. Em 30/06/1991 foi novamente detido para a repetição do julgamento do Proc. n.° 297/87, 1° Juízo, 2ª Secção, que desta feita realizou-se à ordem do Tribunal da Boa Hora com o n.° 4095/87 da 1ª Vara Criminal de Lisboa, 3ª Secção, cumprindo assim até a esta data 16 meses de liberdade condicional 8. Foi-lhe concedida novamente a Liberdade Condicional no processo n.º 4095/87 da 1ª Vara Criminal de Lisboa, 3ª Secção, com efeitos a partir de 28/03/1995, conforme decisão do TEP de Lisboa, que aqui se junta como Doc. n.° 3 perfazendo até a esta data mais 3 anos e 9 meses de pena cumprida. 9. Em 10/12/1995, encontrando-se o requerente a gozar da liberdade Condicional, foi o mesmo detido à ordem do Proc. n.° 584/94.0JGLSB, 3ª Vara Criminal de Lisboa, ficando detido em prisão preventiva à ordem desse processo, no entanto cumpriu até a esta data mais 6 meses de liberdade condicional 10. Sendo certo que o mesmo cumpriu um total de 7 anos e 6 meses de pena efectiva e 1 ano e 10 meses de Liberdade Condicional á ordem desse proc. (n.º 4095/87 TCLSB), o que perfaz um total de pena já cumprida de 9 anos e 4 meses se se contabilizar, como deve ser contabilizada, a soma dos dois períodos de Liberdade Condicional concedidos no âmbito deste processo. 11. Uma vez que a circunstância de o TEP ter concedido a primeira Liberdade Condicional antes do trânsito em julgado do respectivo processo não obsta a que o bom cumprimento dos termos da mesma se tenha efectivado, consumando-se desse modo como pena condicional cumprida, e a ser computada como tal. 12. Deste modo, e de acordo com a douta decisão do colectivo do Tribunal da Boa Hora junto como doc. n.° 1, o requerente terá atingido o termo da pena de prisão à ordem deste processo em 28/05/1995, bem como, atingido os 5/6 da correspondente pena de prisão de 9 anos, aos 7 anos e 6 meses de pena (montante este integralmente cumprido). 13. Por nutro lado, o 4.º Juízo do TEP de Lisboa quando procedeu à revogação da Liberdade Condicional concedida à ordem do Proc. n.° 4095/87 da 1ª Vara Criminal de Lisboa - 3. Secção, conforme se pode verificar pelo documento junto como Doc. n.º 3, considerou como pena a cumprir pelo arguido, a de 11 anos e 3 meses, isto em oficio datado de 23/05/2001, não atendendo portanto à conclusão do douto colectivo do Tribunal da Boa Hora de 09/05/1996, conforme documento junto como Doc. n.°1. 14. Em consequência, mais uma vez o TEP notificou o requerente no âmbito do «Processo Gracioso de Concessão de Liberdade Condicional” (através do oficio 1043366, de 09/11/2007), sobre a decisão de desligamento dos dois processos aludidos, e o consequente cumprimento em separado da liberdade condicional revogada, o qual teria de cumprir o remanescente da pena, conforme Doc. n.º 4 15. Sucede porém que o requerente veio a ser notificado em 15/04/2008, do douto acórdão do Colectivo da 1ª Vara Criminal do Tribunal da Boa Hora – concluso em 09/05/1996, e só por evidente lapso judicial comunicado ao arguido apenas em 15/04/2008, ou seja 11 anos e 11 meses depois! 16. Lapso esse que originou a que indevidamente o 4.° Juízo do TEP de Lisboa procedesse à referida revogação da Liberdade Condicional (em 23/05/2001), doc. n.° 3 de acordo com o proc. 389/2001 -RLC, pois se se desconhecia o prévio despacho da Boa-Hora! Prosseguindo 17. Face então, à referida notificação, o requerente apresentou um requerimento a 07/05/2008, junto do 1.º juízo do TEP de Lisboa onde requereu que fosse exarada a correspondente liquidação de pena, em conformidade com as circunstâncias supra referidas e atendendo ao disposto no art. 44.º n.° 1 do DL 783/76, de 29 de Outubro, conforme Doc. n° 5.. No entanto, foi com grande perplexidade que o requerente constatou que, após a pertinente exposição ao TEP de Lisboa, este se limitou a declarar (cfr. Despacho n.º 1183062, de 21/05/2006, Doc. n.° 6 dir-se-ia quasi “ao acaso”, dada a ausência da mais breve fundamentação de semelhante directiva, que: Devia o pedido formulado ser feito ao Tribunal da condenação (...) neste caso o Tribunal da Boa Hora em Lisboa. Isto sem sequer aduzir ou confirmar a liquidação de pena enunciada, de que aliás foi formalmente oficiado pelo próprio Tribunal condenatório (em 15/04(2007); muito pelo contrário: ainda foi o arguido notificado (a 12/05/2008, Despacho n.° 1168958), Doc. n.° 7, insistindo que o mesmo teria a cumprir os 4 anos da Liberdade Condicional inicialmente revogada. 19. Pelo que, e face à dislexia processual do TEP – pois se a questão sub judice foi discorrida em processo complementar próprio (nos devidos termos do Dec. Lei - 783/76), e à consequente carência de um outro meio juridico-processual expedito, resta ao requerente solicitar a ponderação desse alto Tribunal sobre o mérito da sua pretensão. 20. Precisamente como forma de interromper a situação em curso; impedindo que o excesso de prisão a que o requerente tem estado sujeito se prolongue ainda mais, à ordem de um processo de cujo o mesmo já cumpriu a totalidade da sua pena de prisão. EM CONCLUSÃO I. À ordem do Proc. n.° 4095/67 da 1ª Vara Criminal de Lisboa, 3° Secção, o requerente cumpriu já os 7 anos e seis meses de pena efectiva, bem como um total de 22 meses em liberdade condicional II Por conseguinte, o termo desta pena de 9 anos ocorreu a 28/05/1995, pelo que a condenação ocorrida como consequência da sua detenção em 12/10/1995 (4 meses e 14 dias depois) não implica qualquer nexo de causalidade entre a mesma e a revogação de qualquer remanescente da pena, entretanto extinta. III. Alega que, a ter-se ainda assim verificado, se deveu nitidamente a um lapso judicial, mercê das sucessivas omissões de comunicação das decisões entre os tribunais envolvidos, o que perpetuou o erro ao longo dos sucessivos procedimentos processuais. IV Assim, e de acordo com os termos supra referidos, a libertação do Requerente deveria ter ocorrido aquando dos 5/6 da pena que se encontrava a cumprir (à ordem do proc. 584/94), ou seja em 27/10/2007 (cfr. Despacho de 09/11/2007, 1.° Juízo do TEP), Doc. n° 4, quando lhe foi concedida a Liberdade Condicional à ordem desse processo. O senhor Juiz do TEP informou, nos termos do art. 223.º, n.º 1 do CPP, que: «Nos termos e para efeitos do disposto no art. 223.º do CPP, informa-se Vossa Ex, que o requerente mantém-se preso à ordem do proc. 4095/87, da 1.ª Vara Criminal de Lisboa, desde 27-10-2007, data em que foi que foi concedida a liberdade obrigatória por atingir os 5/6 da pena que cumpria à ordem do proc. 584/94.0, da 1ª Vara Criminal de Lisboa. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 223° n° 1 do Código de Processo Penal, relativamente ao arguido AA, no presente processo de querela com o no 4095/87 (NUIPC 500/87.6 TCLSB), tenho a informar o seguinte: 2.1. E conhecendo. O requerente tem legitimidade e pode formular, como formulou, a petição – n.º 2 do art. 222.º do CPP. Mantém-se a situação prisional do requerente. Tem entendido o STJ (cfr., por todos, o AcSTJ de 10/01/2002, proc. n.º 2/02-5, com o mesmo Relator) que o habeas corpus, tal como o configura o Código de Processo Penal, é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso que a medida não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação, tendo como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos. Mas, dentro da evolução ultimamente operada na jurisprudência deste Tribunal, a entender-se que não obsta à apreciação do pedido de habeas corpus a circunstância de poder ser, ou mesmo ter sido, interposto recurso da decisão que aplicou a medida de prisão preventiva, deve ser-se especialmente exigente na análise do pedido de habeas corpus. Nessa posição o acento tónico do habeas corpus é posto na previsão constitucional, o que vale por dizer na ocorrência de abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, na protecção do direito à liberdade, reconhecido constitucionalmente, uma providência a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave e em princípio grosseiro e rapidamente verificável – que integrem as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas nas disposições legais que desenvolvem o preceito constitucional. Necessária, se torna, pois e nesta óptica, a invocação do falado abuso de poder, por virtude e prisão ou detenção ilegal, do atentado ilegítimo à liberdade individual – grave e em princípio grosseiro e rapidamente verificável – que integre as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas na lei ordinária, para desencadear o exame da situação de detenção ou prisão em sede da providência de habeas corpus; invocação que se não esgota obviamente numa indicação do respectivo nomen iuris, mas inclui obrigatoriamente a elencagem dos factos em que se apoia essa invocação, incluindo os referentes à componente subjectiva imputada à(s) autoridade(s) ou magistrado(s) envolvido(s), sendo certo que o abuso de poder a que se arrime o requerente da petição, muitas vezes se reconduzirá a infracção disciplinar ou criminal. O requerente invoca, já se disse, como fundamento da ilegalidade da prisão de que se socorre o habeas corpus, o excesso de prazos [al. c)]: a prisão obedece a prazos, sejam os prazos máximos legalmente estipulados para a prisão preventiva (cfr. art.ºs 215.º e 218.º), seja a medida concreta da pena fixada em decisão judicial condenatória. 2.2. Isto posto, importa começar por notar que os dois pedidos “concomitantes” formulados pelo requerente se situam para além do objecto da providência de habeas corpus em que nos situamos. Na verdade pede-se no respectivo requerimento que o Supremo Tribunal de Justiça declare a nulidade do despacho de revogação de liberdade condicional (proc. n.° 389/2001-RLC, de 23/05/2003), atendendo ao conhecimento superveniente do ac. de 09/05/1996, da 1ª Vara Criminal de Lisboa, Tribunal Boa Hora e se ordene a promoção de novo processo complementar de revogação de liberdade condicional, atendendo ao disposto no art. 44° n.° 1 do DL n.° 783/76; com a finalidade de se proceder a nova avaliação in casu. Ora, como se viu, a providência extraordinária de habeas corpus destina-se exclusivamente a obter a restituição à liberdade daquele que está ilegalmente detido ou preso e não conhecer de nulidades ou do mérito de decisões judiciais. Desses objectos se ocupam o tribunal que proferiu a decisão (nulidade, quando não cabe recurso) e o tribunal superior competente, por via de recurso. Assim, o Supremo Tribunal de Justiça conhecerá somente do pedido formulado a título principal: imediata libertação do requerente, por ilegalidade da prisão a que está submetido. Mas vejamos, primeiro, quais são os elementos relevantes. 2.3 Resultam do requerimento, da informação e das certidões juntas, os elementos que se sintetizam no seguinte quadro:
O requerente esteve preso entre 27/05/86 e 01/03/90 e entre 30/06/91 e 29/03/95 (7 anos 6 meses e 1 dia) e desde 12/10/95 (mais 12 anos, 8 meses e 13 dias até 25/06/08): 20 anos, 2 meses e 14 dias, para cumprimento sucessivo de duas penas, de 9 e 14 anos, que totalizam 23 anos de prisão. E está na estranha situação de estar em liberdade condicional, mas preso… O requerente parecer situar o cerne da fundamentação do seu pedido no conhecimento superveniente do acórdão de 09/05/1996, da 1ª Vara Criminal de Lisboa, Tribunal Boa Hora, do qual entende derivar a nulidade do Despacho de revogação de Liberdade Condicional – proc. n.° 389/2001-RLC, de 23/05/2003, e a necessidade se ser promovido novo processo complementar de revogação de Liberdade Condicional, atendendo ao disposto no art. 44° n.° 1 do Dec.Lei n,° 783/76; para nova avaliação. Para além de não estar dentro dos poderes de cognição deste Tribunal, como se disse, no âmbito desta providência excepcional, de decidir sobre a arguida nulidade, o certo é que o haveria(á) que atender, face à amnistia decretada e à diminuição da pena única conjunto aplicada em consequência, é à redução do período de tempo a cumprir, em função dessa redução, como já se refere na informação a que alude a informação da Juiz da 1.ª Vara Criminal, tendo em conta também que desde a data do ligamento e esta data, já cumpriu o recorrente 7 meses e 29 dias, por força da revogação. Por outro lado, o requerente invoca no ponto IV do seu requerimento o decurso de 5/6 da pena a cumprir, mas fá-lo âmbito de outro processo alheio ao presente, confusão a que igualmente se referem, como se viu, as informações do art. 223.º do CPP. Aliás, o espanto manifestado pelo requerente no ponto 17 do seu requerimento quanto ao acolhimento pelo 1.º Juízo do TEP de Lisboa de um seu requerimento, resultará eventualmente de não se ter apercebido de que a decisão de revogação da liberdade condicional foi tomada, antes, pelo 4.º Juízo do TEP de Lisboa. Mas, para além da eventualidade de ser pedida a prisão preventiva do requerente, nos termos que constam da informação a que alude o art. 223.º do CPP, importa notar que os elementos disponíveis apontam para que o requerente já cumpriu mais de 5/6 da pena de 9 anos de prisão. De acordo com o disposto no n.º 4 do art. 63.º do C. Penal, o disposto nos n.ºs 1 a 3 do mesmo artigo, que tratam da concessão de liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas, não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional. O que significa, como refere Maia Gonçalves (CP Anotado, em anotação ao art. 63.º, com o aplauso de Victor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, CP Anotado, pág. 203) que se uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente, sem prejuízo do n.º 3 do art. 64.º (cfr. Figueiredo Dias quanto ao confronto, a propósito, das doutrinas da soma e da diferenciação — As consequências jurídicas do crime, 537-538) A salvaguarda do n.º 3 do art. 64.º significa que, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, em função da revogação da liberdade condicional, pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º. Crê-se que os Tribunais de Execução de Penas tem vindo a entender que então que esse remanescente deve ser tratado como se fosse ele mesmo uma pena autónoma e se a sua duração o consentir se colocará a seu tempo a eventual concessão de liberdade condicional tudo dependendo do novo juízo de prognose que o tribunal haverá de efectuar (cfr. neste sentido Figueiredo Dias, op. cit., pág. 550). Mas a redacção do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete. Ora, dispõe o art. 61.º, n.º 4 do C. Penal que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena». E se se compreeende a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º. Pelo que deve ser considerado em conjunto com a pena já cumprida para efeito de eventual aplicação de uma das modalidades de liberdade condicional: a do citado n.º 4 do art. 61.º. E, face ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2006, de 23/11/2005, DR IS-A de 04-01-2006, deste Tribunal não se pode argumentar em contrário com a descontinuidade entre o inicial cumprimento da pena e o posterior cumprimento do remanescente. Com efeito, decidiu-se nesse aresto com valor reforçado que «nos termos dos números 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a seis anos ou de soma de penas sucessivas que exceda seis anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional.» Ora se a descontinuidade do cumprimento da pena superior a 6 anos motivada a ausência ilegítima não obsta à concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena, por maioria de razão, também a descontinuidade motivada pela “ausência legítima” que constitui a liberdade condicional posteriormente revogada não deverá obstar. Por outro lado, como decidiu este Supremo Tribunal de Justiça (AcSTJ de 06/01/2005, Acs STJ XIII, 1, 162) «a liberdade condicional prevista no n.º 5 [actual n.º 4] do art. 61.º do CP (nas penas superiores a 6 anos de prisão em que já tenham sido cumpridos 5/6 da pena) é obrigatória, no sentido de que se constitui pelo mero decurso do tempo. A única condicionante é a prévia aceitação do condenado, atenta a dignidade da pessoa humana». E sendo esta liberdade condicional é um ónus para o Estado e a Sociedade, e não um prémio para o condenado, ela tem lugar mesmo quando, depois de beneficiar de liberdade condicional facultativa, volta à prisão para cumprir o remanescente da pena, em consequência da revogação dessa liberdade. De acordo com o disposto no n.º 3 do art. 64.º a revogação da liberdade condicional não constitui obstáculo à concessão de nova liberdade condicional. Está, pois, o requerente em condições de ser colocado em liberdade condicional “obrigatória”, se outro obstáculo se não erguer, o que coloca a questão de determinar a decisão a proferir nesta providência. Com efeito, tem evoluído a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça sobre tal questão. Afirmou-se (AcSTJ de 26/04/1995,Acs STJ III, 173) que mesmo quando cumpridos 5/6 da pena nos casos referidos no art. 61°, n° 2 do C. Penal de 1982, os presos não passam a ficar na situação de prisão ilegal, justificativa da providência do habeas corpus, já que a libertação exige sempre intervenção e julgamento do Tribunal de Execução das Penas. O que se reafirmou no AcSTJ de 23/11/1995, proc. nº 102/95 e no AcSTJ de 09/11/2000, proc. nº 3494/00-5 : «(1) - A liberdade condicional prevista no art. 61.º, n.º 5, do CP (cumprimento de 5/6, nas penas superiores a 6 anos de prisão), pese embora o carácter obrigatório de que se reveste, depende do consentimento do condenado, para além de não dispensar a prévia intervenção do Tribunal de Execução das Penas. (2) - Logo, não pode o Supremo Tribunal de Justiça, através da providência excepcional de habeas corpus (em que se solicita a colocação em liberdade, por alegadamente já se ter atingido esse tempo de cumprimento de pena), interferir na competência daquele tribunal, pelo que a mesma, com esse fundamento, não é de conceder (no mesmo sentido o AcSTJ de 31/01/2001, proc. nº 388/01-3). Já no AcSTJ de 24/04/2002 (processo nº 1569/02-5, com o mesmo relator destes autos) se decidiu que não pode o STJ substituir-se ao Tribunal de Execução de Penas e colocar o requerente em liberdade condicional, de acordo com o n.º 5 do art. 61.º do C. Penal, mas, se for o caso ordenar a imediata libertação do requerente. É pois, constante a jurisprudência de que o STJ, no âmbito da providência de habeas corpus, não pode substituir-se ao TEP e decretar a liberdade condicional do requerente (cfr. ainda AcSTJ de 15/07/2003, proc. nº 2863/03-3, AcSTJ de 06/05/2004, Acs STJ XII, 2, 184). Mas face a esse posicionamento encontrou este Tribunal uma outra via que se mostra adequada à defesa da liberdade visada pela providência de habeas corpus e os poderes estreitos que ao Supremo Tribunal de Justiça assistem. Na verdade, decidiu (AcSTJ de 06/01/2005, Acs STJ XIII, 1, 162 de que foi Relator o Conselheiro Santos Carvalho, juiz adjunto neste processo) que «(4) - A liberdade condicional prevista no n.º 5 do art. 61.º do CP (nas penas superiores a 6 anos de prisão em que já tenham sido cumpridos 5/6 da pena) é obrigatória, no sentido de que se constitui pelo mero decurso do tempo. A única condicionante é a prévia aceitação do condenado, atenta a dignidade da pessoa humana. (5) - Considerando que o requerente já cumpriu cinco sextos da pena, devia o TEP ter colocado o mesmo em liberdade condicional. Não o tendo feito, gerou-se uma situação de ilegalidade da prisão, que se manteve para além do prazo fixado na lei, o que constitui fundamento do habeas corpus previsto na al. c), do n.º 2, do art. 222.º do CPP. (6) - Questão que pode suscitar alguma dificuldade é a decorrente de não competir ao STJ a concessão de liberdade condicional. Tal dificuldade não pode, todavia, obstar à libertação do arguido, mostrando-se adequado, no âmbito do disposto no art. 223.º, n.º 4, al. d), do CPP, determinar que o TEP providencie pela libertação imediata do requerente, que ficará em situação de liberdade condicional, fixando o respectivo regime nos termos do art. 63.º do C. Penal» (neste sentido se decidira igualmente no AcSTJ de 23/09/2004, proc. nº 3422/04-5). 3. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça quanto ao pedido de habeas corpus formulado pelo cidadão AA em ordenar ao TEP de Lisboa que coloque imediatamente em liberdade condicional o requerente, nos termos do n.º 4 do art. 61.º do C. Penal, fixando o respectivo regime, se ele não dever ficar preso por outra razão. Sem custas.
Lisboa, 25 de Junho de 2008
Simas Santos (Relator) Santos Carvalho (Juiz Adjunto) Carmona da Mota (Presidente da Secção), vencido conforma declaração anexa.
DECLARAÇÃO DE VOTO 1 — Da leitura dos documentos juntos, recolhi a seguinte síntese factual: 28/05/86 — Detenção à ordem do Proc. 4095/87 (1. Vara Criminal de Lisboa) 20/10/89 — Absolvição (com concomitante colocação do arguido à ordem do processo n.° 297/87 da 2 Secção do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Viana do Castelo) 01/03/90 — Libertação Condicional à ordem do proc. 297/87 de Viana do Castelo. 30/06/91 — Nova detenção à ordem do proc. 4095/87 para repetição do julgamento. 18/12/92 (4095/87) — Condenação (seis crimes de homicídio voluntário qualificado, na forma tentada, e em cúmulo jurídico com a pena parcelar aplicada no processo n° 297/87 da 2 Secção do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, na pena única de 15 anos de prisão, da qual foram declarados perdoados 3 anos e 9 meses de prisão, ao abrigo das Leis n° 16/86 e 23/91. 29/03/95 (4095/87) — Libertação condicional à ordem do proc. 4095/87 pelo período de 4 anos. 12/10/95 — Detenção é ordem do proc. n.° 584/94.OJGLSB (1. Vara Criminal de Lisboa). 12/04/96 (4095/87) — Declarado amnistiado o crime previsto e punido pelo artigo 289° do Código Penal de 1982 e proferido novo acórdão de cúmulo jurídico de penas: pena única de 12 anos de prisão, deduzida de 3 anos de perdão (Leis n° 16/86 e 23/91). Remanescente: 9 anos de prisão. 09/05/1996 — Condenação da ia Vara Criminal (584/94) noutra pena única de 14 anos de prisão. 23/05/2001 (4095/87) — Revogada a Liberdade Condicional. 27/10/07 — Liberdade condicional no proc. 584/94. Idem — Colocação à ordem do 4095/87 (para cumprimento do remanescente: 1 ano, 5 meses e 21 dias de prisão) II – Em suma, o ora requerente esteve preso entre 28/05/86 e 01/03/90 e entre 30/06/91 e 29/03/95 (7 anos e meio) e desde 12/10/95 (mais 12 anos, 8 meses e 13 dias) — num total, até hoje, de 20 anos, 2 meses e 13 dias — para cumprimento sucessivo de um somatório de 9 + 14 anos = 23 anos de prisão. III – Porque o requerente não beneficia nem pode beneficiar de liberdade condicional aos 5/6 das penas sucessivas (art. 63.3 e 4 do CP) (1) nem aos 5/6 da pena ora em cumprimento (64.2 e 3 do CP) (2) o seu pedido de habeas corpus deveria, a meu ver, ter sido indeferido. Carmona da Mota) __________________________________________ |