Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOÃO CURA MARIANO | ||
Descritores: | AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM RECONVENÇÃO USUCAPIÃO DUPLA CONFORME FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 04/29/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | Para efeitos de verificação da dupla conformidade a que alude o artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, deve considerar-se que as fundamentações são essencialmente diversas quando seguem percursos distintos, acolhendo raciocínios jurídicos diferentes, não quando divergem em pormenores ou em aspetos secundários, sem que se possa afirmar que seguiram linhas de pensamento autónomas. | ||
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Decisão Texto Integral: | I – Relatório
A Autora propôs ação especial de divisão de coisa comum, pedindo que se proceda à divisão de dois prédios rústicos. Para tanto alegou, em síntese, que ela e os Réus são donos e legítimos possuidores, em mão comum e nas proporções de ½ para a Autora e ½ para os Réus, de dois prédios rústicos, sendo um sito em ...., freguesia ......, concelho ......., descrito na CRP ....... sob o nº …23 e inscrito na respetiva matriz sob o nº ...60-.., e o outro sito em ........, freguesia ....., concelho de ......, descrito na CRP ...... sob o nº ….03 e inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...46-.., os quais advieram ao domínio e posse da Autora, na proporção de ½, por escritura de doação outorgada no dia 14 de abril de 2016, sendo os imóveis em causa indivisíveis em substância, pretendendo a autora fazer cessar a situação de compropriedade.
Contestaram os Réus, alegando serem eles os únicos proprietários dos prédios em questão, por terem-nos adquirido por usucapião. Concluíram pela improcedência da ação e deduziram reconvenção, pedindo que fossem reconhecidos como únicos e legítimos proprietários daqueles prédios. Subsidiariamente, para a hipótese de ser julgada procedente a ação pediram: 2º Reconhecer-se que a ré é titular de um direito de crédito sobre o autor, nos termos expostos no art. 89.º que, na presente data, ascende ao montante de € 26.171,20, condenando-se a Autor no pagamento deste montante, acrescido de juros moratórios desde a data da notificação deste articulado até efetivo e integral reembolso; 3º Condenar-se ainda a Autora autor a pagar à Ré as quantias que vierem a liquidar-se nos termos dos arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2 do CPC, relativas aos encargos e despesas exclusivamente suportadas pela Ré com os mesmos imóveis até à extinção das obrigações supostamente comuns com a Autora; 4º Declarar-se que o crédito da Ré, assim verificado e reconhecido, deverá ser devidamente graduado e pago na fase da adjudicação ou venda dos bens dividendos, através da quota-parte que cabe à Autora, tomando-o em consideração no valor das tornas a pagar ou a receber por cada um deles; 5º Reconhecer-se o direito de retenção da Ré sobre os imóveis identificados no art. 1º da P.I., até ao pagamento integral dos créditos referidos em 1º e 2º, com todas as consequências legais, designadamente as previstas no art. 759º, nºs 1 e 2 do Código Civil.
Replicou a Autora, sustentando a improcedência do pedido reconvencional deduzido pelos Réus.
Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu: I. Julgar a ação improcedente, absolvendo-se os Réus do pedido. II. Julgar a reconvenção procedente, e julgar os Réus donos e legítimos proprietários do: a) Prédio rústico, composto de souto bravo, sito em ......., freguesia ........., concelho ............., descrito na CRP de ........ sob o nº ……….23 e inscrito na respetiva matriz sob o nº ..60.-.., e b) Prédio rústico, composto de mato e pinhal, sito em ...., freguesia ...., concelho ....., descrito na CRP de ....... sob o nº ….03 e inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...46-...
A Autora interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação ....., tendo sido proferido acórdão em ... de Março de 2020 que julgou o recurso improcedente, tendo confirmado a sentença recorrida.
Desta decisão recorreu novamente a Autora para o Supremo Tribunal de Justiça, através da interposição de recurso de revista comum.
Notificada para se pronunciar sobre a possibilidade do recurso não ser admitido por se verificar uma situação de dupla conforme, a Autora sustentou que, apesar do acórdão do Tribunal da Relação ter confirmado a sentença proferida na 1.ª instância, fê-lo, utilizando uma fundamentação essencialmente diversa da exposta na sentença da 1.ª instância, pelo que não se verifica o obstáculo previsto no artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Foi proferida decisão de não admissão do recurso pelo Relator com a seguinte fundamentação: O artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, dispõe que sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, a decisão proferida na 1.ª instância. O acórdão recorrido confirmou sem voto de vendido a sentença proferida na 1.ª instância, pelo que resta apenas verificar se a fundamentação das duas decisões foi essencialmente diversa. Ambas as decisões julgaram a ação de divisão de coisa comum improcedente e procedente o pedido principal, deduzido em reconvenção pelos Réus, porque consideraram que os Réus haviam adquirido, como únicos proprietários, os prédios cuja divisão se pretendia, por usucapião. Ambas as decisões também consideraram que a aquisição por usucapião destes imóveis resultou da prova da verificação de uma situação possessória, não titulada, pacífica e pública, iniciada em 1987. A única divergência que resulta da leitura das duas decisões é a de que a sentença da 1.ª instância qualificou o início da posse como uma situação de inversão do título de posse, enquanto o acórdão da Relação entendeu que, não tendo a situação possessória iniciada em 1987 sido antecedida de quaisquer atos de mera detenção que permitissem qualificar o início da posse como um caso de inversão de título de posse, o seu início era o de uma prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito. Esta divergência da qualificação do início da posse não adquire uma relevância que permita concluir-se que estamos perante duas fundamentações essencialmente distintas. Estamos perante uma mera discrepância de pormenor que não se traduz na escolha de percursos totalmente diferentes para se atingir a mesma decisão. Em ambas se concluiu pela aquisição do direito de propriedade em exclusivo pelos Réus de dois prédios rústicos, por usucapião, resultante da prática dos mesmos atos de posse, com o mesmo início. Apenas se verificou uma diferença de perspetiva quanto à qualificação jurídica desse início, face à factualidade provada, o que não é suficiente para se dizer que estamos perante uma fundamentação das duas decisões essencialmente diferente. Assim sendo, estamos perante a situação prevista no artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pelo que o recurso de revista interposto não é admissível.
A Autora reclama para a Conferência desta decisão, alegando, em conclusão, que a divergência de qualificação do início da posse tem “força” suficiente para adquirir uma relevância que permita concluir-se que estamos perante duas fundamentações essencialmente distintas.
Responderam os Réus, pronunciando-se pelo indeferimento da Reclamação.
II – Da admissibilidade do recurso Quando o conteúdo da decisão da Relação é precisamente a mesma da que foi proferida na 1.ª instância, apenas é possível recorrer de revista comum para o Supremo Tribunal de Justiça se o acórdão da Relação tiver sido subscrito com um voto de vencido ou se a sua fundamentação for essencialmente diversa da que fundamentou a decisão da 1.ª instância. As fundamentações são essencialmente diversas quando seguem percursos distintos, acolhendo raciocínios jurídicos diferentes, não quando divergem em pormenores ou em aspetos secundários, sem que se possa afirmar que seguiram linhas de pensamento autónomas. Neste caso, em que as decisões das instâncias coincidem, sem voto de vencido, apenas a verificação de fundamentações essencialmente diversas poderia justificar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, através de interposição de recurso de revista comum. Em causa estava apurar quem, entre Autora e Réus, beneficiava de uma posse boa para usucapião sobre determinados imóveis. Ambas as decisões consideraram que a aquisição por usucapião destes imóveis resultou da prova da verificação de uma situação possessória, não titulada, pacífica e pública, iniciada em 1987, divergindo apenas da qualificação do comportamento que iniciou a posse. Enquanto a sentença da 1.ª instância considerou que o início da situação possessória pelos Réus correspondia a uma inversão do título de posse, o acórdão da Relação entendeu que, não tendo o início da posse sido antecedido de quaisquer atos de mera detenção que permitissem qualificar o início da posse como um caso de inversão de título de posse, ela correspondia a uma prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito. Este diferente entendimento jurídico-qualificativo, sem qualquer relevância para o desfecho da ação, incidiu sobre um dos diversos elementos caraterizadores da posse, estando muito longe de ser suficiente para que se possa afirmar que estamos perante fundamentações essencialmente diversas, para os efeitos do artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Por estas razões, o recurso não é admissível, nos termos do artigo do Código de Processo Civil, devendo ser indeferida a reclamação apresentada.
* Decisão Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada pela Autora, confirmando-se a decisão reclamada.
* Custas do incidente pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
* Nos termos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/20, de 1 de maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este coletivo.
Lisboa, 29 de abril de 2021
João Cura Mariano (relator)
Fernando Baptista
Vieira e Cunha |