Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04A4412
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONEXA COM A CRIMINAL
ACTIVIDADES PERIGOSAS
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: SJ200508030044121
Data do Acordão: 03/08/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 2282/04
Data: 05/18/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - O alongamento do prazo permitido pelo artigo 498º n.º 3 do C. Civil aplica-se também aos responsáveis meramente civis, sendo necessário tão só que tenha havido crime sujeito a prescrição de prazo mais longo.
II - A exploração comercial de uma piscina aberta ao público onde, independentemente da idade ou de uma eventual incapacidade, qualquer pessoa pode entrar mediante o pagamento de certa importância, impõe especiais cuidados por parte de quem usufrui dos proventos que a mesma proporciona.
III - A utilização da piscina por todos aqueles que pagarem o ingresso é, quando em funcionamento, uma actividade perigosa.
IV - A responsabilidade do proprietário só será assim excluída se provar que empregou todas as providências, todas as medidas e meios exigidos, para impedir um afogamento evitável na piscina de que é dono.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I - "A" e mulher B intentaram acção com processo ordinário contra C - Empreendimentos Urbanos e Turísticos SA, pedindo que a ré seja condenada a pagar a quantia de 92.559,37 euros e juros.

Alegaram que o menor, seu filho, faleceu por afogamento numa piscina da ré, por omissão do dever de vigilância e ausência de meios de salvamento.

Contestando, a ré excepcionou a prescrição e a remissão, sustentou não ter qualquer responsabilidade e requereu a intervenção de D e da Companhia de Seguros E.

Foram admitidas as pretendidas intervenções, vindo a Seguradora invocar a prescrição e a outra chamada defender que não impende sobre ela qualquer responsabilidade.

O processo prosseguiu termos, tendo em despacho saneador sido julgadas improcedentes as invocadas excepções.

Apelou a ré e a Companhia de Seguros.

Teve lugar audiência de julgamento, sendo proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Recorreram os autores.

O Tribunal da Relação confirmou o decidido.

Inconformados, recorrem os autores para este Tribunal.

Formulam as seguintes conclusões:
- O acórdão julgou improcedente a impugnação da matéria de facto, alegando que a Relação não pode, em princípio, alterar as respostas dadas aos quesitos pela 1ª instância;
- Com tal entendimento, o acórdão fez "tábua rasa" do estipulado no artigo 712º do CPC;
- E não deu cumprimento ao estipulado no n.º 5 do artigo 690-A do CPC;
- O acórdão julgou improcedente a arguição de nulidade da sentença, admitindo, no entanto a hipótese de erro de julgamento;
- A inexistir o alegado vazio legal, deveria o caso "sub-judice" ser resolvido com recurso à analogia, nos termos do artigo 10º do CC;
- E, em tal situação, deveria aplicar-se ao caso, a regulamentação da assistência aos banhistas nas praias, estabelecida pelo Dec.-Lei n.º 42305, ou caso tal não se entendesse, a regulamentação dos parques de diversões aquáticas, estabelecidas pelo Dec.-Lei n.º 65-A/97 e regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 5/97, ambos de 31.03.

Respondendo às alegações a ré defendeu que:


- O acórdão recorrido pronunciou-se sobre o recurso da matéria de facto, rejeitando-o e julgando-o improcedente, pelo que não existe motivo de nulidade nem violação do artigo 712º do CPC;
- A recorrida Vianorte não incorreu em qualquer tipo de responsabilidade, não tendo violado nenhum dever legal nem nenhuma obrigação contratual;
- Por isso, a decisão recorrida não merece qualquer censura;
- Provoca-se ainda a apreciação das questões suscitadas nas conclusões infra, nos termos do artigo 684º-A do CPC;
- A eventual responsabilidade pelo sucedido compete integralmente à interveniente D, tia do menor, que o acompanhava e a quem estava confiada a guarda e a obrigação de vigilância e que negligenciou e incumpriu os seus deveres. Não só omitiu os cuidados mínimos, que no caso se impunham por ser um menino doente, como inclusivamente distraiu-se na brincadeira com os outros, deixando o F só, na piscina, a afastar-se para a zona mais funda, a perder o pé e a afogar-se;
- Tendo o acidente do filho dos autores ocorrido em 28.08.1998 e a morte quatro dias depois e suscitando-se a mera e eventual responsabilidade civil da ré recorrida, "ab initio", não lhe é aplicável qualquer prazo prescricional eventualmente mais longo do que o ordinário, porque não existiu qualquer crime nem o facto era susceptível de constituir crime quanto à ré/recorrida, verifica-se a excepção peremptória da prescrição, que se invoca nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 493º do CPC.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Vem dado como provado:

A ré é proprietária da Estalagem "Vianorte" e explora comercialmente uma piscina, aberta ao público, instalada na referida Estalagem;

Em 28 de Agosto de 1998, por volta da 11.30 horas, o menor F, na companhia das suas tias, D e G, bem como de três filhos menores destas, dirigiu-se à piscina propriedade da ré, sita na Estalagem Vianorte;

Efectuado o pagamento dos referidos ingressos, o grupo dirigiu-se para piscina grande do empreendimento;

Após algum tempo, quando se encontrava na referida piscina, o F perdeu os sentidos, tendo permanecido, aproximadamente durante cinco minutos, submerso nas águas da piscina;

O menor F foi retirado da piscina por um utente da mesma, depois de alertado pelos gritos das tias daquele;

O menor F deu entrada no Hospital de S. João no Porto, em 28.08.98, pelas 13.15 horas, aí vindo a falecer em 31.08.98;

A ré Vianorte celebrou com a interveniente Mundial Confiança um contrato de seguro titulado pela apólice com cópia junta a fls. 32;

Depois de retirado da piscina, o menor F foi assistido por H, também utente da piscina, que tentou restabelecer a respiração e a batida cardíaca do menor;

Na piscina havia um telefone pelo menos com ligação para a recepção, que foi usado para, através daquela, chamar meios de salvação;

Desde o momento em que foi detectado que o F se encontrava no fundo da piscina e o da chegada da equipa do INEM demoraram cerca de 15 minutos;

Desde o momento em que o F foi retirado da piscina até ao da chegada da equipa do INEM, ele permaneceu no chão, sem assistência médica e sob os cuidados de H, que não tem quaisquer conhecimentos em matéria de socorrismo e não tinha à sua disposição qualquer material médico de primeiros socorros;

Não se encontravam no local quaisquer vigilantes credenciados para operações de salvamento e primeiros socorros;

O menor F foi transportado pelo INEM para o Hospital de S. João;

Na sequência do afogamento, o menor F viria a morrer, por "a anoxia cerebral que surgiu como complicação da asfixia, por submersão em água doce";

Se no local estivesse pessoal especializado e existissem meios técnicos de salvamento seria evitada a morte do menor;

O F era um rapaz cheio de vida e alegre;

Com o funeral os autores despenderam a importância de 183.300$00;

Na aquisição de terreno para a sepultura gastaram a importância de 160.000$00;

Na construção de um jazigo gastaram a importância de 250.000$00;

Os autores visitam a campa do filho diariamente, aí colocando flores e velas acesas, no que despendem, em média, a importância mensal de 100 euros;

Em deslocações ao Hospital, Instituto de Medicina Legal, Tribunal e Polícia, despenderam até à presente data a importância de 500 euros;

O F era o filho mais velho do casal, sendo um jovem meigo e carinhoso para os seus pais e irmão mais novo; sempre disponível para auxiliar a família e, designadamente, tomar conta do irmão;

Os autores sofreram um profundo desgosto, que alterou radicalmente e para sempre as suas vidas;

O autor marido começou a revelar atitudes de revolta e de grave desadaptação no seu local de trabalho, o que motivou a sua saída da empresa;

O autor marido esteve desempregado durante vários meses;

Na sequência da morte do seu filho, os autores perderam toda a vontade de viver, revelando grande insatisfação, quer em casa, quer junto dos seus amigos, cuja companhia praticamente deixaram de frequentar;

Aquando dos factos dos autos, o menor F encontrava-se a passar férias em casa da tia D, irmã do autor marido e madrinha do menor;

A tia D era a única do grupo que sabia nadar;

O F não sabia nadar e nunca tinha entrado numa piscina;

O F sofria de epilepsia com lipotomas (desmaios) de causa ansiogénica;

O F tinha o sonho de entrar numa piscina e estava ansioso e excitado;

Nas ocasiões que ia à praia e tomava banho no mar, o F era sempre acompanhado pelo pai e rodeado de cuidados;

O F tinha tomado um bom pequeno-almoço em casa da tia D;

A interveniente D não comunicou ao funcionária da ré que lhes facultou o acesso à piscina que o F sofria de epilepsia;

A tia D não tinha levado nenhuma bóia ou meio de salvação para o F usar na piscina e não os solicitou a nenhum empregado da ré;

O F meteu-se na piscina sem qualquer tipo de bóia ou meio de salvação;

A piscina tem 19,98 metros de comprimento e 10 de largura;

A certa altura, o F afastou-se para a parte mais funda da piscina, ficou sem pé e perdeu os sentidos, submergindo para o fundo da piscina;

A tia D encontrava-se longe do local, no lado contrário da piscina, a brincar com os outros;

A interveniente D não assistiu à entrada e presença do F na piscina;

A interveniente D e a sua irmão G deram conta da ausência do menor F e alertaram isso com gritos;

O F foi retirado do fundo da piscina por um dos utentes, após o que foi assistido por H, também utente da piscina, ao mesmo tempo que I telefonou para a recepção da estalagem a fim de, dali, convocarem os bombeiros, o que deu origem a que também o INEM fosse convocado ao local;

A ré tem um empregado responsável pela piscina, encarregado da vigilância e do apoio à piscina e pela sua organização, mormente ao nível do pessoal;

O encarregado da piscina tem formação em primeiros socorros, desde a altura em que fez a tropa;

No bar da piscina trabalhavam duas colaboradoras que a ré contratou sazonalmente para o Verão, para o serviço necessário;

No momento do acidente, se encontrava no espaço junto à piscina o respectivo encarregado, I;

Na piscina, está assinalada a profundidade de cada zona e sinalizada a descida de profundidade;

A piscina encontrava-se equipada com um telefone pelo menos com ligação para a recepção, croque metálico de 2 metros, com duas bóias circulares com retenida de 5,80 metros de comprimento e um kit de apoio e primeiros socorros, composto de um farmácia (com álcool, mercúrio, água oxigenada, tintura de iodo, compressas, pensos e medicamentos vários);

Até à época em que ocorreu o acidente, a ré Vianorte teve dificuldade em contratar um nadador-salvador para a piscina, dado o número de pessoas com tal habilitação ser, à época, insuficiente para as praias e estruturas hoteleiras e balneares com piscinas;

O F nasceu a 23 de Agosto de 1983 e foi registado como filho de A e de B;

A presente acção deu entrada em juízo a 7 de Fevereiro de 2002;

O acidente a que se reportam os autos deu origem, no Tribunal de Instrução Criminal do Porto, aos autos de instrução n.º 165/01, em que figuravam como assistentes A e B e como arguidos D e J, enquanto administrador da sociedade Vianorte;

Naqueles autos de instrução, veio a ser proferido, em 30.11.2001, despacho que pronunciou a arguida D como autora material de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelos artigos 10º e 137º n.º 1, do Código Penal, e, ao mesmo tempo, de não pronúncia, quanto ao arguido J;

Aquele despacho veio a ser confirmado por acórdão desta Relação de 05.06.2002;

Por sentença de 10.07.2002, do Tribunal da Comarca de Matosinhos, a arguida D veio a ser absolvida do crime de homicídio por negligência de que fora pronunciada.

III - Está em causa a revista dos autores e o pedido de ampliação do âmbito do recurso, feito pela ré.

Socorrendo-se do disposto no artigo 684-A do C. Processo Civil, pede a recorrida que se reapreciem as questões por si suscitadas desde logo no recurso interposto do despacho saneador.

Na sua tese ocorreu a prescrição e impende sobre a interveniente a responsabilidade do acidente.

Vejamos a problemática da prescrição, analisando a questão da eventual responsabilidade civil dos réus de forma conjunta.

O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso (artigo 498º n.º 1 do C. Civil).

Se, porém, o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabelece prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável (n. 3 do referido artigo).

O alongamento justifica-se já que, se para efeitos penais se pode discutir a questão durante um prazo mais longo que o da acção cível, nada justificará que não se pudesse aproveitar tal prazo para apreciar a responsabilidade civil.

Como as instâncias já concluíram, os factos em causa são susceptíveis de integrar o crime de homicídio por negligência, punido, em abstracto, com pena de prisão até 3 anos, de onde resulta um prazo de prescrição de 5 anos (artigos 10º, 137º n.º 1 e 118 n.º 1, alínea c), todos do C. Penal).

Defende, contudo, a ré recorrente que não lhe é aplicável qualquer prazo prescricional mais longo do que o ordinário, porque só responderá, eventualmente, a título de responsabilidade civil e não criminal. Terá por isso ocorrido a prescrição.

A questão de saber se o disposto no artigo 498º n.º 3 do C. Civil se aplica ou não aos responsáveis meramente civis, não é de solução pacífica.

A ré, como pessoa colectiva que é, é um centro autónomo de relações jurídicas, autónomo mesmo em relação aos seus membros ou às pessoas que actuam como seus órgãos. Mas, tal não significa que a pessoa colectiva não responda pelos actos de quem legitimamente actue em seu nome. As pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários (artigo 165º do C. Civil).

A responsabilidade civil das pessoas colectivas abrange a responsabilidade contratual e extracontratual, remetendo a referida norma para o artigo 500 do C. Civil.

Para que a pessoa colectiva responda é assim necessário que sobre o órgão, agente ou mandatário recaia igualmente a obrigação de indemnizar, o que sucede quando existe culpa da pessoa física que praticou o acto ilícito causador do dano, excepto se se tratar de matérias onde responda sem culpa; que o acto causador dos danos tenha sido praticado pelo órgão, agente ou mandatário no exercício da função que lhe foi confiada, ou seja por causa das suas funções e não apenas por ocasião delas. Essa responsabilidade mantém-se mesmo que o acto seja praticado intencionalmente em vista de um interesse próprio do seu autor. O acto, embora doloso, desde que praticado em vista do interesse da pessoa colectiva ou em conexão com ele, responsabiliza esta, se tiver sido praticado no exercício de função que lhe foi confiada (artigo 500 n.º 1 e 2 do C. Civil).

A posição do comitente é assim de garante da indemnização perante o lesado, pelos actos praticados pelo comissário, que causem danos e independentemente de culpa sua.

Se a vontade legislativa foi dar cobertura à obrigação devida ao lesado, tal cobertura deve manter-se no campo da prescrição, ou seja o comitente não pode deixar de cobrir a indemnização devida ao lesado por todo o tempo em que o comissário estiver obrigado a indemnizar "pelo que a obrigação só deve prescrever quando o mesmo acontecer com a obrigação do comissário" - Ac. STJ de 22.02.94, CJ I, pág. 126.

Veja-se, aliás, que a letra do artigo 498 n. 3 - "Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável" - não faz qualquer distinção pelo que é aplicável a todos os responsáveis, quer civis quer criminais. Necessário é tão só que tenha havido crime sujeito a prescrição de prazo mais longo.

Conclui-se assim que não ocorreu a prescrição.

Importa, pois, analisar a problemática da responsabilidade.

Diga-se antes de mais que, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, não é possível alterar a matéria de facto. A censura do Supremo sobre a apreciação da matéria de facto seria admissível se as instâncias tivessem atribuído ao meio de prova um valor que ele não comporta ou tivessem deixado de lhe conceder o seu valor legal (artigo 722º n.º 2 do C. Processo Civil), o que não é claramente o caso.

Nem o Supremo pode exercer, sem mais, censura sobre o não uso pela Relação dos poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 712º do C. Processo Civil, podendo-o fazer sobre o seu uso, mas, mesmo neste caso, a possibilidade de sindicância por este Tribunal não poderá ultrapassar a perspectiva formal e processual.

Não tem assim razão de ser a pretensão dos recorrentes, devendo este Tribunal aceitar a factualidade apurada pelas instâncias e ainda as presunções de facto daí extraídas.

Da matéria de facto considerada provada conclui-se desde logo que nenhuma responsabilidade é possível imputar à chamada D, como, correctamente foi reconhecido na decisão impugnada (como aliás, o foi no processo crime que correu termos), nada se tomando necessário acrescentar a esse respeito.

O cerne da questão consiste em saber se a ré sociedade é ou não responsável. A Companhia de Seguros responderá nos termos do contrato celebrado, se existir obrigação de indemnizar por parte da segurada.

Está em causa um afogamento numa piscina explorada comercialmente pela sociedade ré, aberta ao público, instalada numa estalagem propriedade da mesma ré e onde se tem acesso mediante pagamento de determinada importância. A piscina com 19,98 metros de comprimento e 10 metros de largura, tem uma profundidade suficiente para os utentes ficarem "sem pé".

Está-se no campo da responsabilidade civil extracontratual, ou seja da que resulta da violação de um dever geral de abstenção contraponto a um direito absoluto, no caso, direito de personalidade.

São conhecidos os pressupostos: o facto, o dano, a ilicitude, a culpa, o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artigo 483 n. 1 do C. Civil).

Existindo no nosso ordenamento jurídico uma responsabilidade objectiva (artigo 483º nº 2 do C. Civil) e casos de responsabilidade por actos lícitos ou intervenções lícitas (artigo 339º do C. Civil por exemplo), a verdade é que o que aqui interessa analisar é a responsabilidade civil subjectiva por factos ilícitos.

Embora se assista hoje a uma forte tendência no sentido de aumentar a responsabilidade objectiva, mantêm-se o primado da culpa, continuando esta a ser a pedra base do edifício da responsabilidade civil.

No caso em análise o único pressuposto que pode ser questionado é exactamente a culpa. Os danos causados pela morte do menor na piscina poderão ser imputados ou não à ré e, por virtude do contrato, à Companhia de Seguros?

Vem dado como assente que o menor permaneceu cerca de 5 minutos submerso na água da piscina, tendo sido retirado por um utente da mesma, depois de alertado por gritos, sendo assistido por um utente que tentou restabelecer a respiração e a batida cardíaca do menor. Chamados os meios de salvação, a equipa do INEM demorou cerca de quinze minutos.

Desde o momento em que a vitima foi retirada da piscina até ao da chegada do INEM, a mesma permaneceu sem assistência médica de qualquer espécie, não se encontrando no local quaisquer vigilantes credenciados para operações de salvamento e primeiros socorros.

Foi dado ainda como assente que "se no local estivesse pessoal especializado e existissem meios técnicos de salvamento seria evitada a morte do menor. Tendo que se considerar tal como uma conclusão, a verdade é que a mesma foi tirada dos factos apurados. O menor, saliente-se, veio a falecer no hospital três dias depois.

A exploração comercial de uma piscina aberta ao público onde, independentemente da idade ou de uma eventual incapacidade, qualquer pessoa pode entrar mediante o pagamento de determinada importância, impõe especiais cuidados por parte de quem usufrui dos proventos que a mesma proporciona.

O nº 2 do artigo 493º do C.Civil estipula que quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados é obrigado a repara-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.

Está-se perante uma situação de presunção de culpa, cabendo ao demandado provar que empregou todas as medidas exigidas pelas circunstâncias, com o fim de prevenir os danos causados.

Esta inversão do ónus da prova justifica-se pelo perigo que certas coisas ou actividades representam como causa de danos, ou, dito de outro modo, do risco que a ausência de especiais precauções pode acarretar nesses casos.

Não basta assim que se prove a normal diligência, tornando-se necessário que se alegue e prove terem sido adoptadas as precauções particulares que a técnica respectiva indicar como idóneas a prevenir os resultados danosos de actividades intrinsecamente perigosas ou a perigosidade dos meios principal ou acessoriamente utilizados - Cons. Rodrigues Bastos " Notas ao Código Civil" II, página 292.

Não dizendo a lei o que se entende por actividade perigosa, deverá existir uma cautelosa e ponderada apreciação casuística.

Tratando-se de piscina aberta ao público em geral há que ter em conta o risco que a ausência de vigilância da sua utilização pode causar. São relativamente vulgares os acidentes ocorridos em piscinas públicas, sendo de considerar tal actividade como perigosa por sua própria natureza, para os efeitos no disposto no citado artigo 493º nº2.

Não se tendo para estes casos optado por uma responsabilidade objectiva, continuando a considerar-se a culpa como fundamento da responsabilidade, agravou-se, contudo, a medida de ordinária diligência que o agente deve prestar, pondo a seu cargo o dever de adoptar todas as medidas aptas a evitar o dano, o que se justifica pela periculosidade que a actividade representa e pela previsão de dano, excluindo-se a responsabilidade " só para as lesões absolutamente inevitáveis"- Prof. Vaz Serra, Bol. 85, págs. 376 e 378; Acs. STJ de 17-3-98 CJ I, pág. 138.

A utilização da piscina por todos aqueles que pagarem o ingresso é, desde logo em abstracto, uma actividade perigosa quando em funcionamento.

Nem aproveita à ré recorrida o facto de na piscina estar assinalada a profundidade (bastará pensar nas crianças e analfabetos) nem o facto de existir um telefone com ligação para a recepção ou a circunstância de existir um empregado encarregado da piscina.

A verdade é que não se encontravam no local " quaisquer vigilantes credenciados para operações de salvamento e primeiros socorros" e, como já descrito, ninguém com conhecimentos específicos socorreu o menor.

Ora, a ré só veria a sua responsabilidade excluída se provasse que empregou todas as providências, todas as medidas e meios exigidos para impedir um afogamento evitável na piscina sua propriedade.

Diga-se que a existência ou não existência de legislação especial sobre o caso não afastam sem mais, os princípios enunciados. De qualquer forma situações algo similares têm merecido especiais cautelas, como é o caso do funcionamento dos recintos com diversões aquáticas (Dec-lei 65/97 de 31 de Março e Decreto Regulamentar nº5/97 de 31 de Março).

Sendo a ré responsável e respondendo a seguradora nos termos contratuais, importa quantificar os danos.

Há que reparar os danos patrimoniais e compensar, até onde possível, os danos não patrimoniais ( artigos 562º, 563º, 564º, 566º e 496º, todos do Código Civil).

Vem dado como provado que os autores, por virtude da morte do filho, despenderam cento e oitenta e três mil e trezentos escudos com o funeral, cento e sessenta mil escudos com o terreno da sepultura, duzentos e cinquenta mil escudos com o jazigo e quinhentos euros em deslocações, o que totaliza 3.459,37 euros.

Peticionaram os autores a quantia de 25 mil euros pelo direito à vida e 25 mil euros por prejuízos patrimoniais, importâncias que não sofreram oposição válida.

Pedem ainda os autores a importância de 25 mil euros a título de danos morais e uma quantia mensal para deslocações ao cemitério, quantia que terá de ser considerada abrangida nos danos não patrimoniais pedidos.

As importâncias estão dentro dos montantes que este tribunal tem ultimamente considerado razoáveis pela morte de um jovem de 15 anos, que subitamente os pais perderam.

Condenam-se assim a ré Sociedade e a Seguradora, solidariamente, a pagarem aos autores a quantia de 78.459,37 euros e juros como pedidos.

Nos termos expostos concede-se a revista.

Custas na proporção do vencido.

Lisboa, 8 de Março de 2005

Pinto Monteiro,

Lemos Triunfante,

Reis Figueira.