Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S2705
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: ACÓRDÃO POR REMISSÃO
Nº do Documento: SJ200703140027054
Data do Acordão: 03/14/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO À RELAÇÃO.
Sumário : 1. A fundamentação por simples remissão para os termos da decisão recorrida pressupõe que, cumulativamente, a mesma seja confirmada inteiramente e sem qualquer declaração de voto, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos.
2. Deste modo, tendo o acórdão da Relação revogado parcialmente a sentença recorrida, não pode, na parte não revogada, limitar-se a aderir à fundamentação nela produzida.
3. Se o fizer, há violação do disposto no n.º 5 do art.º 713.º do CPC e tal violação implica a baixa do processo à Relação para que esta profira novo acórdão, se possível pelos mesmos juízes.*

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


1. Relatório

"AA" propôs no tribunal do Trabalho da Vila Nova de Gaia a presente acção contra Empresa-A, pedindo que a ré fosse condenada a reintegrá-la (caso ela, autora, não viesse a optar pela indemnização de despedimento) e a pagar-lhe as prestações pecuniárias que normalmente teria auferido desde a data do despedimento até à da sentença, bem como a quantia de 5.233,31 euros a título de retribuições e subsídios vários que devidamente discriminou e os juros de mora contados desde a data da citação.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando ilícito o despedimento, condenou a ré a pagar à autora; a) uma indemnização em substituição da reintegração; b) as retribuições que ela deixou de auferir desde o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão final, deduzidas das importâncias que ela comprovadamente tenha obtido com a cessação do contrato e que não teria recebido se não fosse o despedimento e do montante do subsídio de desemprego que eventualmente também tenha recebido; c) a quantia de 3.320,72 euros a título de retribuições e subsídios vários; d) juros de mora.

A ré recorreu da sentença, mas o Tribunal da Relação do Porto, lançando mão do disposto no n.º 5 do art.º 713.º do CPC, confirmou-a, por mera remissão, excepto na parte relativa às deduções a fazer nas retribuições intercalares, que revogou, com o fundamento de que não havia lugar a quaisquer deduções, por não estar provado que a autora tivesse auferido rendimentos ou subsídio de desemprego após o despedimento.

Mantendo o seu inconformismo, a ré interpôs o presente recurso de revista, concluindo a sua alegação da seguinte forma:

Nulidade do acórdão recorrido:
1. O Acórdão recorrido modificou a decisão da primeira instância, tendo ampliado a condenação da aqui recorrente, na medida em que decidiu que “nada se tendo provado acerca do subsídio de desemprego eventualmente recebido pela A., bem como outras quantias auferidas por ela em consequência do despedimento, nada há a deduzir à quantia a que a R. foi condenada a pagar-lhe”.
2. Verificada tal circunstância, não podia o acórdão recorrido invocar o disposto no artigo 713.°, n.° 5 do CPC para não se pronunciar sobre as questões suscitadas nas conclusões do recurso da apelante, sequer sobre as três questões que ele mesmo entendeu corresponderem à síntese de tais conclusões.
3. Não se tendo verificado nos autos a hipótese prevista no artigo 713.°, n.° 5 do CPC, ao não se pronunciar quanto a nenhuma das questões objecto do recurso, contidas nas respectivas conclusões, nem quanto às questões nas quais o Tribunal da Relação entendeu resumir ou sintetizar tais conclusões, o acórdão recorrido deixou de pronunciar-se sobre questões de que obrigatoriamente tinha que tomar conhecimento (art.º 668.°, n.° 1, al. d), 684.°, n.ºs 2 e 3 e 716.°, n.° 1 do CPC), pelo que é nulo, nulidade essa que expressamente se argui.
4. Nas conclusões 11 a 14 da apelação, era suscitada a questão da utilização, pela 1.ª instância, de factos não alegados pela autora que, não obstante, foram considerados provados.
5. Ora, a modificação da matéria de facto que tal questão pode importar, é restrita às instâncias (art.º 712.° e 729.°, n.ºs 1 e 2 do CPC), pelo que, declarada a nulidade do acórdão, deve ordenar-se a sua baixa ao Tribunal da Relação do Porto para que o reforme, pronunciando-se quanto às questões que do recurso de apelação são objecto, consistentes nas questões constantes das conclusões de tal recurso (art.º 718.°, n.° 1, do CPC).
6. Ao remeter para o disposto no art.º 713.°, n.° 5, do CPC, tendo concomitantemente alterado a decisão da 1.ª instância, o acórdão recorrido violou também, por erro de interpretação e aplicação o disposto em tal norma jurídica.
Despedimento:
7. Na acção judicial para declaração da ilicitude do despedimento, constitui facto constitutivo do direito do trabalhador, o próprio despedimento.
8. Assim sendo, ao trabalhador compete o ónus de alegar e provar que foi despedido, impendendo sobre a entidade patronal o ónus de alegar e provar que esse despedimento foi lícito (cfr. art.º 342.°, n.os 1 e 2, do Código Civil).
9. A autora, aqui apelada, não alegou ter sido despedida no dia 20 de Abril de 2004; pelo contrário, entendeu que não foi despedida nem no dia 20, nem no dia 21, nem no dia 22, nem no dia 23, nem no dia 24 nem no dia 25...por tal forma, que não foi até essa data que exigiu os créditos pela cessação do contrato de trabalho, mas sim até 3 de Maio (cfr. art.os 15.°, 16.°, 17.° e documento n.° 2 da petição inicial, onde, para obtenção do apoio judiciário, refere: encontro-me desempregada por ter sido despedida em 3 de Maio de 2004).
10. E em lado algum dos factos provados se encontra "provado" que a recorrida tenha sido despedida no dia 20 de Abril de 2004 ou em qualquer outro dia.
11. Ao confirmar a procedência da acção e, dessa forma, o despedimento da autora, sem que dos factos provados resulte tal despedimento, sequer no dia em que a sentença e o acórdão da Relação o situam ou em qualquer outro, a decisão recorrida violou de forma grosseira, o disposto nos artigos 342.°, n.° 1 do Código Civil, 664.° do CPC e 74.° do CPT e 429.°, alínea a), do Código do Trabalho (cfr. fls. 221 dos autos), devendo ser revogado e substituída por outra que revogue o acórdão recorrido e, em consequência, julgue a acção improcedente, absolvendo a ré recorrente do pedido.
Antiguidade:
12. Na sentença da 1.ª instância afirma-se o seguinte: desconhecem-se os exactos termos em que a ré assumiu a exploração do estabelecimento em que trabalhava a autora, nomeadamente se foi por trespasse, cessão de exploração ou outra forma; desconhece-se a data exacta em que isso aconteceu; apenas se sabe que a Ré se constituiu por escritura pública de 19/01/2000 e que iniciou a sua actividade em Fevereiro de 2000 (cfr. fls. 221 da sentença, três últimos parágrafos).
13. Se não se sabe como, nem quando, nem a que título, a ré se encontra no local onde estava o estabelecimento de outra sociedade, como é que se pode concluir que ela adquiriu o estabelecimento dessa sociedade anterior?
14. A autora, aqui recorrida, não alegou sequer que a recorrente tenha adquirido o estabelecimento a qualquer outra sociedade; pelo contrário, alegou que foi admitida pela própria ré em 1988 (cfr. art.º 1.º da petição) e que o que se passou é que houve uma mudança de nome (cfr. art.º 5.° da resposta à contestação); jamais alegou qualquer aquisição do estabelecimento entre pessoas jurídicas diversas, nem qualquer forma de aquisição desse estabelecimento.
15. Ao julgar a aqui recorrente adquirente do estabelecimento comercial de Empresa-B, sem que esse facto fosse alegado e afirmando mesmo que se desconhecia se, quando e como, tal aquisição se tinha verificado, a decisão recorrida violou, de forma grosseira, o disposto nos artigos 342.°, n.° 1 do Código Civil, 664.° do CPC, 7.° do CPT e 37.°, n.° 1, da LCT, devendo ser revogada.
16. E, por consequência, deve a recorrente ser absolvida de todos os pedidos que resultem da consideração da antiguidade da recorrida a partir de tal pressuposto não verificado, da aquisição pela recorrente do estabelecimento comercial de Empresa-B.
Prova dos créditos:
17. Nos artigos 3.° a 6.° da petição inicial, a recorrida alegou que era titular de determinados créditos sobre a recorrente.
18. O tribunal da primeira instância pronunciou-se sobre tal matéria, tendo-a julgado não provada.
19. Se não se provaram tais créditos, não tem a recorrente que fazer prova de que agiu sem culpa, sendo absolutamente impertinente a alusão ao disposto no artigo 799.°, n.° 1 do Código Civil que, dessa forma, foi por erro de interpretação e aplicação, violado pela decisão recorrida que remeteu por inteiro para os fundamentos da decisão da primeira instância.
20. Em consequência, face ao julgamento da matéria de facto que julgou não provada a factualidade invocada nos artigos 3.° a 6.° da petição, a decisão recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos e 342.°, n.° 1 e 799.°, n° 1 do Código Civil, devendo ser revogada e substituída por outra decisão que, quanto a tais créditos, absolva a ré desse pedido.

A autora contra-alegou e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se a favor da concessão parcial da revista.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. As questões
Como resulta das conclusões formuladas pela recorrente, que, nos termos do artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicáveis ao processo laboral, por força do disposto no n.º 5 do art. 81.º do CPT, delimitam o âmbito do recurso, as questões submetidas à apreciação deste Supremo Tribunal são as seguintes:
- saber se houve violação do disposto no art.º 713.º, n.º 5, do CPC;
- saber se o acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia;
- saber se a autora foi despedida pela ré;
- saber se a ré deve ser considerada adquirente do estabelecimento;
- saber se a ré responde pelos créditos vencidos antes da sua constituição;
- saber se esses créditos existem.

3. Os factos
Os factos que vêm dados como provados não foram objecto de impugnação e, por isso, dão-se aqui por reproduzidos ao abrigo do disposto no art.º 713.º, n.º 6, do CPC, aplicável ao recurso de revista por força do disposto no art.º 726.º do mesmo Código.

4. O direito
Uma das questões suscitadas pela recorrente prende-se com o disposto no n.º 5 do art.º 713.º do CPC e esta será a primeira questão que iremos apreciar, uma vez que a sua eventual procedência implicará que o processo seja remetido à Relação, por força do disposto no n.º 2 do art.º 762.º, n.º 2, do CPC, para que aí sejam efectivamente as questões que constituíam o objecto da apelação,.

Como já foi referido, a Relação não apreciou explicitamente as questões que a ré pretendia ver apreciadas no recurso de apelação. Limitou-se a enunciá-las e a dizer que elas tinham sido devidamente apreciadas na sentença que confirmou (remetendo para a respectiva fundamentação), excepto na parte em que mandou deduzir, às retribuições que a autora teria auferido desde o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção até ao trânsito da sentença, as importâncias que a mesma comprovadamente tenha obtido com a cessação do contrato e que não teria recebido se não fosse o despedimento e o montante do subsídio de desemprego que eventualmente também tenha recebido. Nessa parte, a Relação revogou oficiosamente a sentença, fundamentando essa revogação com o facto de não estar provado que a autora tivesse obtido rendimentos ou subsídio de desemprego após o despedimento de que foi alvo.

Por outras palavras, a Relação, apesar de ter revogado parcialmente a sentença, remeteu para os seus fundamentos, limitando-se a aduzir as razões atinentes à revogação.

O recorrente alega que tal forma de decidir constitui uma clara violação do n.º 5 do art.º 713.º do CPC, uma vez que o mesmo só permite elaborar o acórdão por remissão para os fundamentos da sentença recorrida, quando esta seja confirmada inteiramente e sem qualquer declaração de voto, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos.

Vejamos se o recorrente tem razão.
O n.º 5 do art.º 713.º do CPC diz o seguinte:
5 - Quando a Relação confirmar inteiramente e sem qualquer declaração de voto o julgado em 1.ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, pode o acórdão limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.

Aquele normativo processual foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, 12 de Dezembro, que teve por objectivo (1) “tornar a justiça mais pronta e, nesse medida, mais justa”, prosseguindo “uma linha de desburocratização e de modernização, com vista a melhor atingir a qualidade na prestação de serviços ao cidadão que recorre aos tribunais, esforço esse que passa, nomeadamente, por uma verdadeira simplificação processual”.

Na prossecução daquele objectivo geral, o legislador entendeu por bem simplificar a elaboração dos acórdãos dos tribunais superiores e disse-o claramente no preâmbulo do referido D.L.:
“Simplifica-se, por outro lado, a estrutura formal dos próprios acórdãos, caminhando decididamente no sentido do aligeiramento do relatório, permitindo a fundamentação por simples remissão para os termos da decisão recorrida, desde que confirmada inteiramente e por unanimidade.”

Como é sabido, as decisões judiciais têm de ser sempre fundamentadas, não podendo a sua fundamentação ser feita por simples remissão para a fundamentação invocada pelas partes. É o que inequivocamente resulta do disposto no art.º 158.º do CPC, nos termos do qual “[a]s decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (n.º 1) não podendo a justificação “consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição” (n.º 2). E é também o que decorre do disposto no artigos 659.º, n.º 2 e 713.º, n.º 2, do CPC..

O n.º 5 do art.º 713.º constitui, pois, uma excepção àquele regime regra e a questão que agora se coloca é a de saber se aquele n.º 5 permite uma interpretação que admita a elaboração do acórdão por simples remissão parcial para a remissão recorrida, ou seja, se a Relação pode, simultaneamente, confirmar e revogar parte da sentença da 1.ª instância, remetendo, na parte que a mesma é confirmada, para a respectiva decisão e fundamentação.

A resposta à questão assim colocada, passa pelo disposto no art.º 9.º do C. C., nos termos do qual “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1), não podendo, todavia, “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2), sendo certo que “[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).

Como decorre do teor do art.º 9.º do C.C. e como diz João Baptista Machado (2), “[o] texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei”. Mas cabe-lhe também, continua aquele autor (3), uma função positiva, pois, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador.

Por outras palavras, diz ainda aquele autor (4), “[a] letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art.º 9.º, 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto “falhado” se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a colher como resultado da interpretação.”

Ora, tendo presente o teor do n.º 5 do art.º 713.º, não podemos deixar de concluir que a situação nele prevista (a elaboração do acórdão por remissão) exige a verificação cumulativa de dois requisitos: a) que o acórdão seja tirado por unanimidade; b) que a sentença recorrida seja inteiramente confirmada, quer quanto à decisão, quer quanto aos seu fundamentos. Só neste caso é que o acórdão poderá ser elaborado por remissão.

Poderia dizer-se que o legislador disse menos do que queria dizer e, com base nisso, fazer uma interpretação extensiva da norma, de modo a estender a sua aplicação aos casos em que a sentença e a respectiva fundamentação só parcialmente sejam confirmadas, mas tal implicava que se chegasse à conclusão de que a letra da lei tinha ficado aquém do espírito que a enforma. Acontece, porém, que o teor do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95 não permite que se chegue a esse resultado, pois, como nele se diz, o legislador apenas quis simplificar a estrutura formal dos acórdãos, permitindo a sua fundamentação por simples remissão para os termos da decisão recorrida, “desde que confirmada inteiramente e por unanimidade” (sublinhado nosso).

A terminologia usada no preâmbulo afasta quaisquer dúvidas acerca do pensamento legislativo que enforma o preceito em apreço, o que torna inadmissível a aludida interpretação extensiva.

Temos de reconhecer que, à primeira vista, não há razões para que na elaboração do acórdão não se possa lançar mão da remissão parcial. De facto, se a decisão recorrida comporta várias questões, a apreciação e decisão de vários pedidos (desde logo nos casos de coligação), a condenação e/ou absolvição da vários réus, seria absolutamente razoável que a Relação pudesse confirmar o que merece confirmação, remetendo nessa parte para a fundamentação da sentença e que se limitasse a apreciar a parte restante da sentença. Razões de celeridade e de economia justificavam que assim fosse.

Todavia, como se depreende do que já foi dito, essa não foi a intenção do legislador e compreende-se porquê. Com efeito, tratando-se de uma medida inovadora, é natural que o legislador, numa atitude de compreensível prudência, não quisesse romper abruptamente com o regime regra, tendo preferido dar apenas um pequeno passo no sentido de simplificar a elaboração dos acórdãos (5), reservando essa possibilidade tão somente para os casos em que a sentença fosse inteiramente confirmada, por unanimidade, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, fazendo depender o eventual alargamento do seu campo de aplicação ao sucesso que, na prática, aquela medida viesse a obter. Não nos parece, por isso, que a razão de ser do preceito tenha tido a amplitude que à primeira vista lhe poderia ser dada, o que afasta a possibilidade da sua interpretação extensiva.

Poderia dizer-se, ainda, que quem permite o mais permite o menos (a maiori ad minus), mas importa não esquecer que este argumento interpretativo só tem cabimento na chamada interpretação enunciativa que é aquela em que o intérprete deduz de uma norma um preceito que nela apenas está virtualmente contido, utilizando para tal certas inferências lógico-jurídicas que assentam naquele argumento, no argumento “a minore ad maius” (a lei que proíbe o menos também proíbe o mais) e no argumento “a contrario”.
Porém e pelas razões já referidas, afigura-se-nos que o texto da norma não comporta, ainda que virtualmente, outro sentido que não seja o de que a elaboração do acórdão por remissão só é consentida quando, cumulativamente, se verifiquem os dois requisitos atrás referidos (unanimidade da decisão e total confirmação da decisão recorrida, seja no que toca à decisão propriamente dita, seja no que diz respeito aos seus fundamentos). A expressão inteiramente (“confirmada inteiramente”) não deixa margem para equívocos nem segundo sentido.

Concluindo, diremos que a letra da lei é clara, que não há razões para supor que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (pelo contrário) e que a solução adoptada é perfeitamente razoável e que o recurso ao disposto no n.º 5 do art.º 713.º do CPC só é admissível quando a decisão recorrida for inteiramente confirmada, por unanimidade, quer no que toca à decisão propriamente dita, quer no que diz respeito à respectiva fundamentação. Tal não se verificando, a Relação não pode deixar de apreciar detalhadamente as questões que integram o objecto do recurso, ainda que a sua fundamentação seja igual à produzida na 1.ª instância.

Como se disse no acórdão deste Supremo Tribunal, proferido em 4 de Fevereiro de 2003, no processo n.º 4343 (6), o uso da remissão pressupõe que a Relação confirme inteiramente o julgado em 1.ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos e sem qualquer declaração de voto. Trata-se, claramente, acrescentamos nós, de uma faculdade condicionada à verificação cumulativa daqueles pressupostos.

Fica, assim, prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas no recurso

5. Decisão
Nos termos expostos, decide-se revogar a decisão recorrida e ordenar que o processo seja remetido à Relação, para que esta profira novo acórdão em que conheça efectivamente das questões suscitadas no recurso de apelação, sem recurso ao disposto no n.º 5 do art.º 713.º do CPC, pelos mesmos juízes, se tal for possível.
Custas pela autora.

Lisboa, 14 de Março de 2007
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis
Fernandes Cadilha
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(1) - Vide parte inicial do preâmbulo do referido Decreto-Lei.
(2) - Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 14.ª edição, p. 182.
(3) - Ob. e loc. citados.
(4) - Ob. cit., p. 189.
(5) - Recorde-se o que expressivamente é dito no preâmbulo do D. L.: “Simplifica-se [...], caminhando [...] no sentido do aligeiramento do relatório, permitindo a fundamentação por simples remissão [...]” – sublinhado nosso – .
(6) - Subscrito pelos Conselheiros Ferreira Ramos, Azevedo Ramos e Silva Salazar, in Col. Jur.-Acs do STJ-Tomo I, de 2003, p. 85.
No mesmo sentido, vide os acórdãos do STJ de 22.6.99, proferido no proc. 435/99 (CJ, II, 159)