Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00001963 | ||
Relator: | AFONSO DE MELO | ||
Descritores: | INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE PATERNIDADE BIOLÓGICA EXAME SANGUÍNEO RECUSA EXCLUSIVIDADE DE RELAÇÕES SEXUAIS DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA | ||
Nº do Documento: | SJ200205280016336 | ||
Data do Acordão: | 05/28/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 3182/01 | ||
Data: | 01/22/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR FAM. DIR PROC CIV. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 1871 N1 E ARTIGO 12 N2. CPC67 ARTIGO 519. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1999/03/11 IN BMJ N485 PAG418. | ||
Sumário : | I - A norma constante da al. e) do n. 1 do art. 1781 CC, introduzida pela lei 21/98, aplica-se às situações pré-existentes - foi intenção facilitar a prova da paternidade biológica, limitada pela existência de sérias dúvidas (n. 2 do art. 1), considerada a exclusividade das relações sexuais imposta pelo assento de 1983, hoje como Acórdão uniformizado. II - Recusando o réu os exames hematológicos, inverteu-se o ónus da prova sobre essa exclusividade. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A, intentou no Tribunal de Círculo de Leiria, acção em processo comum ordinário contra B pedindo que este seja declarado seu pai e se averbe a paternidade no respectivo assento de nascimento. Alegou que a sua mãe manteve com o R. relações sexuais durante cerca de 6 anos, relações essas exclusivas designadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que antecederam o seu nascimento. A acção foi contestada, negando o R. que tivesse mantido relações sexuais com a mãe da A. e que esta, no referido período legal de concepção, manteve relações de sexo com outros homens. Na sentença final a acção foi julgada procedente. A Relação confirmou a decisão. Daí este recurso de revista, concluindo o R: 1) A alínea e) do n.º 1 do art.º 1871º do C. Civil não é aplicável "in casu". 2) Seria indispensável provar que, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da A., a mãe desta mantivera relações de cópula exclusivamente com o R. 3) Não se provou esta exclusividade. 4) O ónus da prova competia à A., pelo que a acção não podia proceder. 5) O acórdão recorrido violou os art.ºs 12º, n.ºs 1 e 2, e 1871º, n.º 1 e), do C. Civil. A recorrida contra-alegou sustentando a improcedência do recurso. Diz-nos a Relação que está provado: 1 - No dia 23 de Setembro de 1980, nasceu na freguesia e concelho de Leiria, a A. registada como filha de ..... e sem menção de paternidade. 2 - O R. nos anos 70 a 80 exercia funções de empregado de mesa na Base Aérea n.º 5, em Serra do Porto de Urso, Monte Real, local onde a mãe da A. prestava e presta ainda hoje serviços de limpeza. 3 - A mãe da A. manteve relações de cópula com o R. 4 - O R. frequentava a casa da mãe da A., saindo da residência desta de noite. 5 - A mãe da A. manteve relações de cópula com o R. nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da A. A A. intentou a acção em 06/03/1998 sem invocar qualquer das presunções legais estabelecidas no n.º 1 do art.º 1871º do C. Civil. Invocou apenas factos donde resultava a paternidade biológica. E requereu a realização de exames hematológicos (art.º 1801º do C. Civil) a que o R. se opôs. Foi decidido no despacho de fls.59 e verso, que os exames eram essenciais à instrução e decisão da causa, devendo o R. sujeitar-se a eles. O R. agravou e os exames não se realizaram porque o R não compareceu no I.M.L. de Coimbra no dia e hora marcados. A Relação decidiu que o R. não podia ser coercivamente submetido ao exame, ficando apenas sujeito a que o tribunal apreciasse livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, com a eventual inversão do ónus da prova, tal como dispõe o n.º 2 do art.º 519º do C. Civil Este Supremo confirmou o que assim se decidiu. As instâncias, especificadamente a Relação, decidiram quanto ao ónus da prova: O Assento n.º 4/83, de 21/06/1983, determinou que "na falta de uma presunção legal de paternidade, cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no período legal da concepção, só com o investigado manteve relações sexuais (Como se sabe o Assento tem hoje o valor de jurisprudência uniformizada - art.º 17º, n.º 2 do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12). A A. propôs-se provar directamente a paternidade biológica e invocou a exclusividade das relações sexuais entre a mãe e o R. no período legal da concepção. Requereu para isso exames hematológicos. O tribunal não dispõe desse meio de prova porque o R. não quis assumir o risco do seu resultado. Não pode assim queixar-se de falíveis meios de contra-prova ao seu dispor para excluir a paternidade. A A. beneficia da presunção descrita na alínea e) do n.º 1 do art.º 1871º do C. Civil, introduzida pela Lei n.º 21/98, de 12/05. Isto considerando o disposto no art.º 12º, n.º 2, do C. Civil, tal como decidiu o acórdão deste Supremo de 11/03/1999, B.M.J. 485 p. 418. Não há dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado que ilidam a presunção nos termos do n.º 2 do art.º 1781º. O princípio da cooperação enunciado no art.º 266º do C.P.C. inclui o dever de cooperação das partes para a descoberta da verdade previsto no art.º 519º do mesmo Código. Decidiu a Relação que a recusa do R. de se submeter à prova hematológica tornou falível a contra-prova de que dispôs. Isto é: a prova da paternidade resultante das relações sexuais entre a mãe da A. e o R, no período legal da concepção, não cedeu perante a contra-prova do R. quanto à não exclusividade dessas relações. Trata-se, na falta de uma presunção legal, da inversão do ónus da prova nos termos admitidos nas decisões que julgaram o recurso de agravo, que o recorrente não discute nesta revista. Acontece ainda: Com a presente acção a A. pretende o reconhecimento jurídico da paternidade com fundamento na relação biológica existente com o R., que é duradoura ou permanente. Esta relação, ao contrário do que o recorrente argumenta para excluir a aplicação do n.º 2 do art.º 12º do C. Civil, não é, salvo o devido respeito, destituída de qualquer juridicidade. Veja-se, por exemplo, o disposto no art.º 1603º do C. Civil. Foi intenção da Lei n.º 21/98, ao introduzir a alínea e) do n.º 1 do art.º 1871º do C. Civil, que entrou imediatamente em vigor, facilitar a prova da paternidade biológica, limitada pela existência de sérias dúvidas (n.º 2 do mesmo artigo), considerando a dificuldade da prova da exclusividade das relações sexuais da mãe com o investigado no período legal da concepção imposta pelo Assento de 1983. Compreende-se assim que, como decidiu o acórdão deste Supremo de 11/03/1999, se entenda que aquela alínea e), nos termos da 2ª parte do n.º 2 do art.º 12º do C. Civil, se aplique às situações preexistentes. Como o R. não provou que a mãe da A. no período legal da concepção, manteve relações sexuais com os homens que indicou, não iludiu a presunção nos termos referidos no n.º 2 do citado art.º 1781º. A decisão da Relação, com este fundamento não merece a censura que o recorrente lhe faz.Nestes termos negam a revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 28 de Maio de 2002 Afonso de Melo, Fernandes Magalhães, Silva Paixão. |