Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
030453
Nº Convencional: JSTJ00004318
Relator: MARIO CARDOSO
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
ACTO JUDICIAL
INSTRUÇÃO PREPARATORIA
ACUSAÇÃO
MINISTERIO PUBLICO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196105170304533
Data do Acordão: 05/17/1961
Votação: MAIORIA COM 3 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 14-06-1961; BMJ 107, 345
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 4/1961
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL. DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: DL 41033 DE 1957/03/18 ARTIGO 1 ARTIGO 4 ARTIGO 5.
L 300 DE 1915/02/03 ARTIGO 32.
DL 35007 DE 1945/10/13 ARTIGO 2 N3 ARTIGO 12 PAR2 ARTIGO 21 ARTIGO 28 ARTIGO 30 ARTIGO 50.
CP886 ARTIGO 125 PAR2 PAR4 PAR5.
CPP29 ARTIGO 166 ARTIGO 646 N6 ARTIGO 669.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RC DE 1960/05/03.
ACÓRDÃO RC DE 1960/04/19.
ACÓRDÃO STJ DE 1961/01/25 IN BMJ N103 PAG543.
ACÓRDÃO STJ DE 1955/05/25 IN BMJ N49 PAG191.
Sumário :
A expressão "actos judiciais" do paragrafo 4 do artigo 125 do Codigo Penal abrange tambem os actos de instrução e de acusação praticados pelos titulares da acção penal.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferencia, do Tribunal Pleno no Supremo Tribunal de Justiça:
Por haverem infringido as regras da resinagem prescritas nos artigos 1, 4 e 5 do Decreto-Lei n. 41033, de 18 de Março de 1957, responderam na comarca de Mangualde, em processo de transgressão, o Coronel A, a "B" Sociedade Central de Resinas, C, D, E, F e G. A infracção das citadas regras legais fora verificada em 2 e 4 de Dezembro de 1957 pela competente fiscalização.


Em julgamento o excelentissimo juiz concluiu das provas produzidas que nas datas em que os pinhais foram visitados pela fiscalização da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agricolas ja tinha sido feita a exploração da resina, pois esta terminara em Novembro de 1957. Nestas condições e porque os autos de noticia haviam entrado em juizo no dia 2 de Dezembro de 1959 extinto se achava o procedimento criminal nos termos do artigo 32 da Lei n. 300, de 3 de Fevereiro de 1915.


Inconformado o digno representante do Ministerio Publico com esta decisão dela interpos recurso para a Relação de Coimbra.
Por seu douto acordão de 3 de Maio de 1960 este tribunal decidiu que efectivamente o artigo 32 da Lei n. 300, de 3 de Fevereiro de 1915, estava ainda em vigor mas que, tendo a acção penal, exercida pelos agentes florestais segundo o n. 3 do artigo 2 do Decreto-Lei n. 35 007, inicio na data em que e levantado o auto de noticia, correspondendo a sua entrega em juizo a acusação em processo penal (paragrafo unico do artigo 2 do Decreto-Lei n. 35 007) e sendo os actos judiciais de que fala o paragrafo 4 do artigo 125 do Codigo Penal os actos de instrução praticados pelo Ministerio Publico ou pelas restantes entidades mencionadas no referido artigo 2 do Decreto-Lei n. 35007, no caso sub judice não tinha prescrito o procedimento pelas contravenções a que os autos aludem.


Efectivamente o processo evidenciava que os transgressores foram avisados pelos serviços florestais para pagarem as multas alguns meses antes de expirado o prazo de dois anos contados das datas das infracções.
Por tais motivos revogou o Venerando Tribunal a quo a sentença recorrida e mandou se designasse dia para o julgamento dos arguidos.


Com o fundamento de estar a decisão proferida na parte em que resolveu que a expressão "acto judicial" utilizada, no paragrafo 4 do artigo 125 do Codigo Penal, como interruptivo da prescrição do procedimento criminal, abrangia todos os actos de instrução com vista ao prosseguimento da acção penal, os actos, pois, praticados pelo Ministerio Publico e pelas outras entidades que por lei podem exercer a acção penal, estava em manifesta oposição com o que decidido fora no acordão da mesma Relação de 19 de Abril de 1960, junto por certidão, isto e, que "acto judicial", para os efeitos do paragrafo 4 do citado artigo 125, e somente o acto praticado pela magistratura judicial, pelo juiz, interpos o excelentissimo Procurador da Republica junto da Relação recorrida o presente recurso a fim de se fixar jurisprudencia nos termos do artigo 669 do Codigo de Processo Penal.


Das decisões proferidas, em oposição em processo de transgressão não era possivel interpor recurso ordinario para o Supremo - artigo 646, n. 6, do Codigo de Processo Penal, o citado acordão, de 19 de Abril de 1960, transitou em julgado e ambas as decisões foram proferidas no dominio da mesma legislação.


Admitido o recurso e subido o processo a este Tribunal deu o excelentissimo Ajudante do Procurador-Geral junto da Secção Criminal o seu parecer no sentido de que nada obstava a que se julgasse existente a alegada oposição e a que se mandasse prosseguir o recurso para o Tribunal Pleno.


Por acordão de folhas 121 foi ordenado que o recurso prosseguisse para o Tribunal Pleno por haver decisões explicitas sobre hipoteses precisamente identicas por interpretação oposta da mesma disposição legal nos referidos acordãos da Relação dos quais não podia ser interposto recurso ordinario.
Na sua desenvolvida alegação de folhas 126 e seguintes, sustentou o excelentissimo Ajudante do Procurador-Geral, com doutos argumentos, que o conflito de jurisprudencia se devia solucionar no sentido do resolvido no acordão recorrido cuja doutrina e a que deve fixar-se em assento.
Corridos os vistos de todos os excelentissimos juizes Conselheiros do Tribunal cumpre decidir.


O que tudo visto:


E indubitavel a existencia, ja reconhecida nos termos expostos no referido acordão da Secção Criminal que mendou seguir o recurso, da oposição, afirmada e dos restantes pressupostos legais para o conhecimento do presente recurso.


Esta sub judice o problema que consiste em se saber se os actos judiciais que, segundo o disposto no paragrafo 4 do artigo 125 do Codigo Penal, interrompem a prescrição do procedimento criminal, são, restritamente, os actos do juiz ou, com maior amplitude, tambem, os actos de instrução preparatoria da competencia do Ministerio Publico e das outras entidades com funções de fiscalização e de instrução, como, no caso, os funcionarios florestais, cujo exercicio da acção penal se inicia com o levantamento do respectivo auto de noticia, correspondente a entrada desse auto em juizo a acusação em processo penal, artigo 2 do Decreto-Lei n. 35007, de 13 de Outubro de 1945.


Interessa para a sua resolução começar por definir o conceito da prescrição da acção penal e por indicar a sua razão de ser.
O conceito que na doutrina mais se tem seguido, e o que efectivamente se considera de adoptar, e o que ve na prescrição penal a elevação a categoria de facto juridico do facto natural do decurso do tempo, o reconhecimento de força juridica dada a uma força natural - (sic) Manzini.
Ha da parte do Estado a diminuição ou ate o desaparecimento do interesse de punir, de perseguir, a anulação do uso do poder de repressão, no caso da prescrição do procedimento ou do crime, originada pelo decurso de determinado lapso de tempo fixado na lei penal substantiva.
Fundamenta-se essa orientação legal na incerteza da utilidade, ou, ate, na desnecessidade, da repressão para a prevenção geral ou especial e demais fins das penas, relacionada com o esquecimento do facto criminoso e com a sua não verificação actual.


Se durante o transito de certo periodo não foi praticado qualquer acto que ponha em movimento ou de prosseguimento e continuação ao procedimento criminal, se se não efectuaram quaisquer diligencias de instrução persecutoria da infracção e, certamente, de entender-se que por parte do Estado, se veio a reconhecer a inutilidade senão, ate, a inconveniencia da sua punição.


O ilustre penalista Pereira do Vale, Anotações, pag. 425, disse que se o lesado com o crime ou a sociedade deixarem decorrer meses e anos sem promoverem a punição de um facto criminoso pareceria terem renunciado implicitamente ao direito de proceder contra o seu autor.
No direito penal positivo portugues consigna-se, citado paragrafo 4 do artigo 125 do Codigo Penal, que a prescrição do procedimento criminal se conta, sempre, desde o dia em que foi cometido o crime ou, se antes dela algum acto judicial teve lugar a respeito do crime, desde o dia do ultimo acto.
Ate a vigencia do Decreto-Lei n. 35 007, quando a instrução do processo penal competia ao juiz, ja se interpretava a aludida expressão - acto judicial - como abrangendo qualquer acto processual persecutorio do crime, em harmonia com a noção e o fundamento que se referiu serem dadas a prescrição do procedimento criminal.


Ja, então, o citado jurisconsulto nas Anotações, pag. 432, interpretava as palavras - actos judiciais - empregadas no paragrafo 5 do artigo 125, como querendo referir somente aqueles actos que produzem o resultado de fazer prosseguir utilmente o processo para a acção da justiça.
Conta-se o prazo para a prescrição da acção desde o ultimo acto judicial, isto e, do ultimo dos actos de instrução do processo ou de acusação ou de todos aqueles pelos quais o Ministerio Publico e a parte ofendida exercem ou põem em movimento a acção ou o procedimento criminal porque todos esses actos conservam judicialmente a lembrança do crime e, por conseguinte, a necessidade do exemplo (cit. Anotações, pagina 430).
Actos judiciais, tambem então se opinava na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 23, pagina 376, para o efeito da interrupção da prescrição, eram os praticados pelo tribunal por autoridade da lei, relativos aos tramites necessarios do processo embora o juiz neles não interviesse.
De um modo geral todos os actos legais que são, por si mesmo, elementos do processo.


Nesta orientação se integrou o Codigo de Processo Penal, publicado em 15 de Fevereiro de 1929, que, no Capitulo 2, intitulado "Dos actos judiciais" considera, nos artigos 70 e seguintes, como tais alguns actos não praticados pelo juiz.


Apos a entrada em vigor do Decreto-Lei n. 35007, de 13 de Outubro de 1945, pelo qual passou a competir ao Ministerio Publico a instrução do processo, continuou, de inicio, a ser ampla a interpretação dada a expressão actos judiciais da lei substantiva, compreendendo-se nela, como do seu fundamento resultava dever ser, todos os actos processuais destinados a perseguir o crime, mostrando que este não esta esquecido, como diz o Doutor Vitor Faveiro no Codigo Penal, pagina 276.
Efectivamente desde que no paragrafo 2 do artigo 12 desse Decreto se atribuiram ao Ministerio Publico todos os poderes e funções que pelo Codigo de Processo Penal competiam ao juiz na fase da instrução do processo, sem quaisquer restrições, necessariamente se reconheceu a sua realização a eficacia que tinha quando exercida pelo juiz, sob pena de ficar sem sentido o preceito como se afirmou no acordão deste Tribunal de 25 de Janeiro deste ano, no Boletim, n. 103, pagina 543.


No sentido de que a denuncia e a investigação que se lhe seguir interrompem a prescrição, com referencia aos paragrafos 2 e 4 do artigo 125 do Codigo Penal, se resolveu, tambem, no Supremo, acordão de 25 de Maio de 1955, no Boletim, n. 49, pagina 191.

Sendo o Ministerio Publico orgão do Estado com a primacial função de verificar a existencia das infrações, exercer a acção penal e perseguir os seus autores não pode falar-se em diminuição ou desaparecimento da necessidade ou ou utilidade de perseguir e de punir ou de renuncia por parte do Estado ao poder de reprimir quando este, por intermedio desse orgão, esta, justamente com a pratica de actos de instrução do processo respectivo, investigando sobre a existencia dos elementos da infracção e os seus sujeitos, demonstrando, assim que ela não esta esquecida.
Seguir a interpretação oposta levaria, de resto, a absurdos como os de se considerar que ate a pronuncia não haveria, em regra, interrupção da prescrição, de terem os que denunciaram o crime de contar com um prazo incerto e aleatorio no necessario a instrução e de se considerar irrelevante para a interrupção da prescrição toda a actividade exercida durante a fase da instrução quando o processo ainda não tivesse passado dessa fase findo que fosse o prazo designado para a prescrição.
Como o juiz frequentemente intervem na fase da instrução preparatoria - artigos 21, 28, 30 e 50 e seguintes do Decreto-Lei n. 35 007, dependeria do acaso, muitas vezes, a verificação da prescrição. Se se desse a intervenção do juiz havia a interrupção, se so o Ministerio Publico interviesse actuaria a prescrição.
Não se compreenderia, para mais, que se exigisse ao denunciante e ao assistente o pagamento de determinadas taxas ou impostos por actividades exercidas na fase da instrução e, não obstante, se considerassem irrelevantes para a interrupção da prescrição essas actividades quando o processo não passasse dessa fase.
Chega-se, assim, a conclusão racional de que pelos fundamentos da instituição, seu conceito, argumento historico, interpretação logica da lei penal substantiva harmonica com a lei do processo e alcance que na doutrina e na jurisprudencia lhe tem sido conferido, não pode dar-se a expressão - acto judicial do paragrafo 4 do artigo 125 do Codigo Penal, o sentido restrito - acto do juiz - mas que deve ele entender-se no sentido amplo abrangendo os actos de instrução preparatoria efectuados pelo Ministerio Publico ou pelas entidades as quais a lei, para tanto, atribui competencia, como doutamente conclui o excelentissimo Ajudante do Procurador-Geral.
Pelo exposto se formula o seguinte assento a fim de se fixar jurisprudencia, nos termos do artigo 669 do Codigo de Processo Penal.
"A expressão "actos judiciais" do paragrafo 4 do artigo 125 do Codigo Penal abrange, tambem, os actos de instrução e de acusação praticados pelos titulares da acção penal".
Sem imposto.


Lisboa, 17 de Maio de 1961

Mario Cardoso (Relator) - Eduardo Coimbra - F. Toscano Pessoa - Amorim Girão - Morais Cabral - Jose A. Moreira -
Da Mesquita - Alfredo Jose da Fonseca - Sousa Monteiro - Carlos de Miranda - Pinto de Vasconcelos - Amilcar Ribeiro
- Lopes Cardoso (Vencido. O problema resolvido pelo acordão recorrido foi o de saber se deviam considerar-se actos judiciais, interruptivos da prescrição, os praticados, não em juizo, pelas entidades cujos autos de noticia tem força de caso julgado nos termos do artigo 166 do Codigo de Processo Penal.
O mesmo acordão disse: "a acção (penal), no caso dos autos iniciou-se com a autuação pela Policia Florestal".
Ora, quanto a mim, nem essa autuação constitui ainda acção penal, que so em juizo pode ser exercida, como resulta do artigo 2 do Decreto n. 35007, nem tal autuação constitui acto judicial, posto que não e praticado em juizo.
So considero actos judiciais os actos praticados, quer pelas partes quer pelo juiz, em juizo.
Aos actos praticados pelo Ministerio Publico no exercicio dos antigos poderes do juiz que o referido Decreto para o Ministerio Publico transferiu, considero-os tão interruptivos da prescrição como os que antes o juiz praticava. Mas isso não permite votar o assento com a amplitude e a justificação que tem).
Bravo Serra (Vencido por entender que, por definição, actos judiciais são os praticados pelo juiz; e não e por fetichismo verbal o atingimento desta conclusão. A lei e a este respeito de clareza meridiana. Como bem salientou a folhas, o douto juiz de Mangualde, o exercicio da acção penal e acto judicial são coisas inconfundiveis; com aquela dentro das atribuições de varias entidades, da-se impulso ao processo, mas so com o acto judicial se pode interromper o prazo da prescrição.
Impõe-se a aceitação da ensinança do ilustre Professor Cavaleiro de Ferreira expressa no seu curso de Processo Penal. Entendo pois, e com ressalva de melhor respeito pelas doutas opiniões em contrario que não e de reconhecer eficacia interruptiva dos actos de instrução preparatoria).
Barbosa Viana (Vencido: votei nos termos do douto voto precedente).