Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1206/11.2TBLSD-H.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
TRADIÇÃO DA COISA
SINAL
DIREITO DE RETENÇÃO
HIPOTECA
DUPLA CONFORME
INCONSTITUCIONALIDADE
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO FALIMENTAR - EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS SOBRE OS NEGÓCIOS EM CURSO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Miguel Teixeira de Sousa, “Reflexões sobre a reforma dos recursos”, texto correspondente à intervenção realizada na Relação de Coimbra, em 12/2/2007, pp. 11, 14, 15.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 442.º, N.º 2, 755.º, N.º1, AL. F), 759.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 721.º, N.º3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 13.º, 18.º, N.º 2, 20.º, N.º 1, 165.º, AL. B).
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE):- ARTIGOS 102.º, N.ºS2 E 3, AL. C), 106.º, N.º 2, E 104.º, N.º 5.
LEI N.º 41/2013, DE 26-6: - ARTIGO 7.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-AUJ N.º 4/2014, DE 20-03-2014, PUBLICADO NO DR I SÉRIE, N.º 95, DE 19-05-2014.
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 356/2004, 357/2004 E 594/2003.
Sumário :
I - Se à questão de saber se o crédito dos promitentes-compradores sobre a massa insolvente está garantido por direito de retenção, as instâncias responderam de modo concordante – no caso, afirmativamente –, ocorre dupla conforme, impeditiva do recurso de revista, nessa parte.

II - O promitente-comprador que, beneficiando da tradição do imóvel, viu recusado, pelo administrador da insolvência, o cumprimento do contrato-promessa de compra e venda, nos termos do art.102.º do CIRE, tem um crédito sobre a massa insolvente correspondente ao sinal em dobro, nos termos do art. 442.º, n.º 2, do CC, conforme fundamentado no AUJ n.º 4/2014, de 20-03-2014, publicado no DR I Série, n.º 95, de 19-05-2014.

III - A norma do art. 759.º, n.º 2, do CC, quando interpretada no sentido de que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca anteriormente constituída e registada, não padece de inconstitucionalidade material (cf. arts. 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, e 165.º, al. b), da CRP).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I.  Relatório

Por sentença de 16/12/2011, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de AA, Ldª, abrindo-se posteriormente a fase do concurso de credores.

Nesta, os credores Caixa BB, CC e DD, EE e FF impugnaram a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos pelo Administrador da Insolvência, tendo os credores GG, Ldª, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO e PP apresentado as suas respostas.

No saneador-sentença de 8/3/2013 decidiu-se:

Julgar improcedente a impugnação da credora CBB, S.A., a fls. 64 e 121;

Declarar verificada a causa prejudicial para apreciação da impugnação do crédito do credor GG, Lda., e que esta seria apreciada após decisão a proferir no Apenso M;

Julgar parcialmente procedente a impugnação do credor CC e DD e reconhecer o seu crédito no valor de 53.205, 67 € (que beneficia do direito de retenção sobre o imóvel descrito na verba n.º 1);

Julgar parcialmente procedente a impugnação da credora EE e reconhecer o seu crédito no valor de 70 664, 40€ (que beneficia do direito de retenção sobre o imóvel descrito na verba n.º 5);

Julgar parcialmente procedente a impugnação do credor FF e reconhecer o seu crédito no valor de € 80 000,00 (que beneficia do direito de retenção sobre o imóvel descrito na verba n.º ).

Homologar a lista dos demais credores reconhecidos.

Decidiu-se ainda que se procedesse «ao pagamento dos créditos através do produto da massa insolvente, pela seguinte ordem:

A

As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do bem imóvel – art. 172.º, n.º s 1 e 2;

B

Pelo produto da verba n.º 1 – Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número …B, após os pagamentos supra referidos será pago proporcional e rateadamente:

1.º O crédito dos trabalhadores:

HH; II; PP; JJ; KK; LL; MM; NN; OO;

2.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito de CC (Dtº Retenção);

3.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao credor Fazenda Nacional até ao valor de 338, 83 € (proveniente de IMI);

4.º Do remanescente, dar-se-á pagamento e a ratear pelos imóveis apreendidos sobre a verba n.º 2 a 5, ao crédito do credor CBB S.A. até ao limite de 586. 598, 34 €;

5.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP – CENTRO DISTRITAL DO PORTO no valor de € 5 930, 00;

6.ºDo remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente aos demais créditos classificados como comuns de:

QQ – Materiais de Construção, Ldª; RR, S.A; Caixa SS; TT na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 7 até 88 067, 48€; CBB, S.A. na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 6 até 114 499, 46€; UU, Lda; VV, Ldª; ISSS até ao valor de 945, 65 €; XX, Ldª; Fazenda Nacional até ao valor de 3 100, 00 €; Fazenda Nacional até ao valor de 180, 20 €; Fazenda Nacional até ao valor de 204, 00€; ZZ, Ldª; AAA, Ldª; BBB, Ldª; CCC – Comunicações, S.A;

7.º Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente aos créditos subordinados sendo o do  ISSS até ao valor de 5, 14€

C) A graduação do produto da verba n.º 2 - Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número …-C - será realizada após conclusão e apreciação da impugnação do credor GG dependente de causa prejudicial, como supra decidido.

D)Pelo produto da venda da verba n.º 3 - Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número …-D - após os pagamentos supra referidos será pago proporcional e rateadamente:

1.º O crédito dos trabalhadores:

HH; II; PP; JJ; KK; LL; MM; NN; OO;

2.º Do remanescente, dar-se-á pagamento e a ratear pelos imóveis apreendidos sobre a verba n.º 1 a 2 e 4 a 5, ao crédito do credor CBB - SA. até ao limite de 586 598, 34 €;

3.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP – CENTRO DISTRITAL DO PORTO no valor de € 5 930, 00;

4.ºDo remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente os demais créditos classificados como comuns de:

QQ – …, Lda; RR, S.A; TT na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 7 até 88 067, 48€; CBB, S.A. na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 6 até 114 499, 46€; UU, Lda; VV, Lda; ISSS até ao valor de 945, 65€; XX, Lda; Fazenda Nacional até ao valor de 3 100, 00€; Fazenda Nacional até ao valor de 180, 20€; Fazenda Nacional até ao valor de 204, 00€; ZZ, Lda; AAA, Lda; BBB, Lda; CCC – Comunicações, S.A.

5.º Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente aos créditos subordinados sendo:

ISSS até ao valor de 5, 14€;

E) Pelo produto da venda da verba n.º 4 Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número …F após os pagamentos supra referidos será pago proporcional e rateadamente:

1.º O crédito dos trabalhadores:

HH; II; PP; JJ; KK; LL; MM; NN; OO;

2.º Do remanescente, dar-se-á pagamento e a ratear pelos imóveis apreendidos sobre a verba n.º 1 a 3 e 5, ao crédito do credor CBB S.A. até ao limite de 586 598, 34 €.

3.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP – CENTRO DISTRITAL DO PORTO no valor de € 5 930, 00.

4.ºDo remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente os demais créditos classificados como comuns de:

QQ – Materiais de Construção, Lda; RR, S.A; Caixa SS; TT na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 7 até 88 067, 48€; CBB, S.A. na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 6 até 114 499, 46€; UU, Lda; VV, Lda; ISSS até ao valor de 945, 65€; XX, Lda; Fazenda Nacional até ao valor de 3 100, 00€; Fazenda Nacional até ao valor de 180, 20€; Fazenda Nacional até ao valor de 204, 00€; ZZ, Lda; AAA, Lda; BBB, Lda; CCC – Comunicações, S.A.

5.º Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente aos créditos subordinados sendo o do

ISSS até ao valor de 5, 14€;

G) Pelo produto da verba n.º 5- Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número …-G após os pagamentos supra referidos será pago proporcional e rateadamente:

1.º O crédito dos trabalhadores:

HH; II; PP; JJ; KK; LL; MM; NN; OO;

2.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito de EE (Dt.º Retenção).

3.º Do remanescente, dar-se-á pagamento e a ratear pelos imóveis apreendidos sobre a verba n.º 1 a 4, ao crédito do credor CBB SA, até ao limite de 586 598, 34 €.

4.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP – CENTRO DISTRITAL DO PORTO no valor de € 5 930, 00.

5.ºDo remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente os demais créditos classificados como comuns de:

QQ – Materiais de Construção, Lda; RR, S.A; Caixa SS; TT, na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 7 até 88 067, 48€; CBB, S.A. na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 6 até 114 499, 46€; UU, Lda; VV, Lda; ISSS até ao valor de 945, 65€; XX, Lda; Fazenda Nacional até ao valor de 3 100, 00€; Fazenda Nacional até ao valor de 180, 20€; Fazenda Nacional até ao valor de 204, 00€; ZZ, Lda; AAA, Lda; BBB, Lda; CCC – Comunicações, S.A;

6.º Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente aos créditos subordinados sendo o do ISSS até ao valor de 5, 14€.

H) Pelo produto da verba n.º 6- Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes, sob o número … após os pagamentos supra referidos será pago proporcional e rateadamente:

1.º O crédito dos trabalhadores:

HH; II; PP; JJ; KK; LL; MM; NN; OO;

2.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito de FF (Dt.º Retenção).

3.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao credor Fazenda Nacional até ao valor de 224, 92 € (proveniente de IMI).

4.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do credor CBB – SA, até ao limite de 114 499, 46 €.

5.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP – CENTRO DISTRITAL DO PORTO no valor de € 5 930, 00.

6.ºDo remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente os demais créditos classificados como comuns de:

QQ – Materiais de Construção, Lda; RR, S.A.

Caixa SS; TT na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 7 até 88 067, 48€; CBB, S.A. na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 1 a 5 até 586 598, 34 € e 783, 81 €; UU, Lda; VV, Lda; ISSS até ao valor de 945, 65€; XX, Lda; Fazenda Nacional até ao valor de 3 100, 00 €; Fazenda Nacional até ao valor de 180, 20 €; Fazenda Nacional até ao valor de 204, 00€; ZZ, Lda; AAA, Lda; BBB, Lda; CCC – Comunicações, SA;

7.º Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente aos créditos subordinados sendo o do  ISSS até ao valor de 5, 14€.

I) Pelo produto da verba n.º 7- Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de VN Gaia, sob o número … após os pagamentos supra referidos será pago proporcional e rateadamente:

1.º Dar-se-á pagamento ao credor Fazenda Nacional até ao valor de 0, 29 € (proveniente de IMI).

4.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do credor TT. até 88 067, 48 €.

5.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP – CENTRO DISTRITAL DO PORTO no valor de € 5 930, 00.

6.ºDo remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente os demais créditos de:

HH; II; PP; JJ; KK; LL; MM; NN; OO; QQ – Materiais de Construção, Lda; RR, S.A; Caixa SS; CBB, S.A. na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 1 a 5 até 586 598, 34 € e 783, 81 €; CBB, S.A. na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 6 até 114 499,46 €; UU, Lda; VV, Lda; ISSS até ao valor de 945, 65€; XX, Lda; Fazenda Nacional até ao valor de 3 100, 00€; Fazenda Nacional até ao valor de 180, 20€; Fazenda Nacional até ao valor de 204, 00€; ZZ, Lda; AAA, Lda; BBB, Lda; CCC – Comunicações, S.A.

7.º Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente aos créditos subordinados sendo:

ISSS até ao valor de 5, 14€.»

Inconformados, os credores CC e DD, Caixa BB, S.A., FF e EE, apelaram. Por acórdão de 22/10/12 a Relação do Porto julgou procedentes as apelações de CC e DD, FF e EE, e parcialmente procedente a apelação da CBB, alterando, consequentemente, a graduação efectuada pela 1ª instância, nos termos seguintes:

« (…)

B)

Pelo produto da verba n.º 1- Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número …-B, após os pagamentos supra referidos, será pago:

1.º O crédito de CC, pelo valor de € 100.000,00 relativo ao dobro do sinal entregue no âmbito do contrato promessa de compra da verba n.º 1 , a que acresce a quantia de € 3.205,67 a título de benfeitorias, (Dt.º de Retenção);

2.° Do remanescente, dar-se-á pagamento ao credor Fazenda Nacional até ao valor de 338,83 € (proveniente de IMI);

3.° Do remanescente, dar-se-á pagamento e a ratear pelos imóveis apreendidos sobre a verba n.º 2 a 5, ao crédito do credor CBB, S.A., até ao limite de 586.598,34 €;

4° Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP - CENTRO DISTRITAL DO PORTO no valor de € 5.930,OO€;

5.° Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente os demais créditos classificados como comuns de:

HH; II; PP; JJ; KK; LL; MM; NN; OO; QQ - Materiais de Construção, Ld.ª; RR,  S.A; Caixa SS; TT na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 7 até 88.067,48€; CBB,  S.A., na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n° 6 até 114.499,46€; UU, Ld.ª; VV, Ld.ª; ISSS até ao valor de 945,65€; XX, Ld.ª; Fazenda Nacional até ao valor de 3.100,OO€; Fazenda Nacional até ao valor de 180,20€; Fazenda Nacional até ao valor de 204,OO€; ZZ, Ld.ª; AAA, Ld.ª; BBB, Ld.ª; CCC - Comunicações S.A.; 

6.° Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente aos créditos subordinados sendo o  do ISSS até ao valor de 5,14 €.

(…)

D) Pelo produto da venda da verba n.º 3- Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número n.º …-D após os pagamentos supra referidos será pago: 

1.º O crédito do credor CBB, S.A., até ao limite de 586.598,34€, a ratear pelos imóveis apreendidos sobre a verba n.º 1 a 2 e 4 a 5;

2.º Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente ao crédito do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP - CENTRO DISTRITAL DO PORTO no valor de € 5.930,OO€;

3.º Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente os demais créditos classificados como comuns de:

HH; II; PP; JJ; KK; LL; MM; NN; OO; QQ-Materiais de Construção, Ld.ª; RR, S.A; Caixa SS; TT, na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.° 7 até 88.067,48€; CBB, S.A., na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.° 6 até 114.499,46€; UU, Ld.ª; VV, Ld.ª; ISSS até ao valor de 945,65€; XX, Ld.ª; Fazenda Nacional até ao valor de 3.100,OO€; Fazenda Nacional até ao valor de 180,20€; Fazenda Nacional até ao valor de 204,OO€; ZZ, Ld.ª; AAA, Ld.ª; BBB, Ld.ª; CCC – Comunicações, S.A.;

4.º Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente aos créditos subordinados,  sendo o do ISSS até ao valor de 5,14 €.

E) Pelo produto da venda da verba n.º 4- Prédio urbano descrito na Conservatória do  Registo  Predial  de  Paços  de Ferreira, sob o n.º …-F, após  os pagamentos supra referidos, será pago: 

1.º O crédito do credor CBB, S.A., até ao limite de 586.598,34€, a ratear pelos imóveis apreendidos sobre a verba n.º 1 a 3 e 5;

2.° Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente ao crédito do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP - CENTRO DISTRITAL DO PORTO no valor de € 5.930,OO€;

3.° Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente os demais créditos classificados como comuns de:

HH; II; PP; JJ; KK; LL; MM; NN; OO; QQ-Materiais de Construção, Ld.ª; RR, S.A; Caixa SS; TT na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 7 até 88.067,48€; CBB, S.A., na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.° 6 até 114.499,46€; UU, Ld.ª; VV, Ld.ª; ISSS até ao valor de 945,65€; XX, Ld.ª; Fazenda Nacional até ao valor de 3.100,OO€; Fazenda Nacional até ao valor de 180,20€; Fazenda Nacional até ao valor de 204,OO€; ZZ, Ld.ª; AAA, Ld.ª; BBB, Ld.ª; CCC – Comunicações, S.A..

4° Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente aos créditos subordinados sendo o do ISSS até ao valor de 5,14 €.

G) Pelo produto da verba n.º 1 - Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número …-G após os pagamentos supra referidos será pago:  

1.º O crédito de EE, pelo valor 120.000,00 relativo ao dobro do sinal entregue no âmbito do contrato promessa de compra da verba n.º 5, a que acresce a quantia de € 10.664,40 a título de benfeitorias (Dt.º de Retenção);

 2.° Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do credor CBB, S.A., até ao limite de 586.598,34 €, e a ratear pelos imóveis apreendidos sobre a verba n.ºs 1 a 4;

3.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP - CENTRO DISTRITAL DO PORTO no valor de € 5.930,OO€;

4.° Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente os demais créditos classificados como comuns de:

HH; II; PP; JJ; KK; LL; MM; NN; OO; QQ-Materiais de Construção, Ld.ª; RR, S.A; Caixa SS; TT na parte em que não obtiver pagamento pelo venda da verba n.º 7 até 88.067,48€; CBB, S.A., na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 6 até 114.499,46€; UU, Ld.ª; VV, Ld.ª; ISSS até ao valor de 945,65€; XX, Ld.ª; Fazenda Nacional até ao valor de 3.100,OO€; Fazenda Nacional até ao valor de 180,20€; Fazenda Nacional até ao valor de 204,OO €; ZZ, Ld.ª; AAA, Ld.ª; BBB, Ld.ª; CCC – Comunicações, S.A

5.º Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente aos créditos subordinados sendo o do ISSS até ao valor de 5,14 €.

H) Pelo produto da verba n.º 6 - Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes, sob o número …, após os pagamentos supra referidos, será pago:

 1.º O crédito de FF, pelo valor de € 130.000,00 relativo ao dobro do sinal entregue no âmbito do contrato promessa de compra da verba nº 6, a que acresce a quantia de € 15.000,00 a título de benfeitorias (Dt.º de Retenção);

2.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao credor Fazenda Nacional até ao valor de 224,92 € (proveniente de IMI);

3.° Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do credor CBB, S.A., até ao limite de 114.499,46 €;

4.° Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP - CENTRO DISTRITAL DO PORTO no valor de € 5.930,OO€;

5.° Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente os demais créditos classificados como comuns de:

HH; II; PP; JJ; KK; LL; MM; NN; OO; QQ-Materiais de Construção, Ld.ª; RR, S.A; Caixa SS; TT na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.° 7 até 88.067,48€; CBB, S.A., na parte em que não obtiver pagamento pela venda da verba n.º 1 a 5 até 586.598,34€ e 783,81€; UU, Ld.ª; VV, Ld.ª; ISSS até ao valor de 945,65€; XX, Ld.ª; Fazenda Nacional até ao valor de 3.100,OO€,

Fazenda Nacional até ao valor de 180,20€; Fazenda Nacional até ao valor de 204,00€; ZZ, Ld.ª; AAA, Ld.ª; BBB, Ld.ª; CCC – Comunicações, S.A.;

7.° Do remanescente, dar-se-á pagamento rateadamente aos créditos subordinados, sendo o do ISSS até ao valor de 5,14 €. Custas pela massa insolvente.

Ainda inconformada, a CBB, SA, recorreu para este STJ, sustentando a revogação do acórdão da 2ª instância com base em conclusões de que ressaltam as seguintes questões úteis:

1ª - Estando em curso à data da declaração da insolvência um contrato-promessa de compra e venda de natureza meramente obrigacional, com entrega de sinal e tradição da coisa, será lícito ao administrador da insolvência optar entre o cumprimento e a recusa do cumprimento do negócio, nos termos do artº 102.º do CIRE?

2ª - Em caso afirmativo, a opção pelo não cumprimento do contrato consubstancia, ou não, um facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar, sendo de afastar a aplicação do regime do sinal, previsto no artº 442.º do CC?

3ª - Se o incumprimento não for imputável à parte, por decorrer daquela opção do administrador da insolvência, o direito à restituição do sinal em dobro e o direito de retenção a favor do promitente comprador não existem, por não se aplicar o disposto nos artºs 442.º, n.º 2, e 755.º, al. f) do CC, nem tal estar previsto no artº 102.º do CIRE?

4ª - Ainda que seja de reconhecer o direito de retenção, a hipoteca antes constituída e registada a favor da recorrente prevalece sobre ele, devendo desaplicar-se o artº 759º, nº 2, do CC?

5º - Efectivamente, esta norma, quando interpretada no sentido de que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca anteriormente, padece de inconstitucionalidade material, por violar os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da protecção da confiança e da segurança do comércio jurídico (arts. 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, e 165.º, al. b), da CRP)?

Os credores EE (fls. 1139 a 1144) e FF (fls. 1187 a 1127) contra alegaram, a primeira pugnando pela inadmissibilidade da revista quanto à questão do reconhecimento do direito de retenção por se verificar relativamente a ela dupla conforme, e concluindo um e outro, no mais, pela manutenção do decidido pela Relação.

Os credores CC e DD não contra-alegaram.

O processo foi distribuído neste STJ em 21.1.14, mas ordenou-se a suspensão dos termos do recurso até ao trânsito em julgado do acórdão de uniformização de jurisprudência nº 4/2014, de 20.3.14, publicado no DR I Série, n.º 95, de 19-5-2014.

Cessada a suspensão em 20/5/14, e colhidos os vistos, cumpre agora decidir.  

II. Fundamentação

a) Matéria de Facto:

De entre os factos que a Relação considerou provados interessa destacar os seguintes, visto o objecto do recurso:

1. Por contrato promessa de compra e venda de nove de Novembro de dois mil e dez, o aqui insolvente Magalhães e Matos prometeu vender ao reclamante livre de ónus ou encargos pelo preço de 125 000 00€ (cento e vinte e cinco mil euros), o prédio urbano, destinado a habitação, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Paredes, inscrito na matriz predial urbana sob o  art. …, fracção …, descrita na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número …./….

2. Como sinal ou adiantamento do preço o reclamante pagou à insolvente a quantia de 65.000,00€ (sessenta e cinco mil euros), liquidado da seguinte forma: - 55.000,00€ (cinquenta e cinco mil euros) por transferência bancária para o NIB …, e 10.000,00€ (dez um euros) através de cheque numero … do Banco CCC, agência de Lousada.

3. O remanescente do preço, no montante de 60.000,00€ (sessenta mil euros), seria pago em quatro prestações anuais, a primeira com vencimento em Dezembro de 2011 no montante de 15.000,00€ (quinze mil euros acrescido de juros à taxa de 5% referente ao remanescente do preço).

4. Entregou no acto de outorga do referido contrato promessa, as chaves da referida fracção,  assumindo  a  partir  daí o requerente  FF os custos inerentes à utilização da referida fracção.

5. Desde essa data que o reclamante, juntamente com a sua esposa e o seu filho habitam a referida fracção, quando visitam Portugal (pelo menos três a quatro vezes ano).

6. Desde Novembro de 2009 que o reclamante entrou na posse da referida fracção.

7. É o reclamante que liquida as contas relativas a água e luz.

8. O reclamante tomou conhecimento da existência de penhoras efectuadas na presente fracção, tendo de imediato tentado contactar o executado.

9. Tendo tomado conhecimento de que o sócio gerente da mesma se ausentou para o estrangeiro.

10. O reclamante, para além de habitar na referida fracção, depositou nesta os seus bens pessoais, bem como procedeu à instalação de uma cozinha completa na referida fracção, a qual totalizou um montante de cerca de 15.000,00€ (quinze mil euros).

11. Por via de contrato promessa de compra e venda de bem imóvel celebrado em 30 de Março de 2011 a insolvente DDD Sociedade de Investimentos Imobiliários, Ld.ª, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lousada sob o n° …, declarou prometer vender à reclamante, livre de quaisquer ónus ou encargos, o imóvel destinado à habitação Tipo T3, sito na Rua …, n.º … , freguesia de …, Concelho e Comarca de ..., inscrito na matriz urbana da dita de … no art° … - G e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º I … - G.

12. Edifício  este  construído  a  coberto  do Processo  de  Obras  n.º … respeitando-lhe a licença de construção n.º …/2008 a que corresponde a licença de utilização n.° …/2010, emitida em 19 de Novembro de 2010, pela Câmara Municipal de ....

13. O preço contratado para a compra e venda do imóvel prometido vender foi de € 155.000,00€ (cento e cinquenta e cinco mil euros).

14. A título de sinal e princípio de pagamento, a sociedade ora insolvente recebeu então da Reclamante, que lhe pagou a importância de 60.000,00€ de que conferiu a correspondente quitação.

15. Conforme cláusula 6.ª do sobredito contrato promessa, a promitente vendedora ora Insolvente, logo fez tradição (transferência material) do imóvel supra identificado e prometido vender à reclamante, entregando-lhe as respectivas chaves, com o encargo de a reclamante proceder ao pagamento das taxas e consumos de água e luz, bem como o direito de requerer em seu nome os respectivos contadores.

16. O resto do preço, no montante de 95.000,00€ (noventa e cinco mil euros) foi ajustado ser pago no acto da celebração da escritura definitiva do contrato prometido, contra a apresentação pela promitente vendedora, a insolvente, da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de ... da qual constasse a inexistência ou cancelamento definitivo de quaisquer ónus ou encargos sobre a fracção prometida vender livre de ónus ou encargos.

17. A escritura definitiva ficou contratado ser celebrada até ao dia 30 de Setembro de 2011, incumbindo à reclamante a escolha do Cartório Notarial, dia e hora, e à comitente vendedora a apresentação à Reclamante até oito dias antes, de todos os documentos necessários à celebração da escritura, nomeadamente a referida certidão da Conservatória do Registo Predial de ....

18. Conforme cláusula 11.ª do mesmo contrato promessa, ambas as promitentes declararam que, não obstante a existência de sinal passado, não excluíam a possibilidade de recurso à execução específica prevista no art° 830 do C.C.

19. A fracção prometida vender pela sociedade, ora insolvente, à reclamante ficou a fazer parte da escritura da constituição de propriedade horizontal.

20. Em 09.12.2011 a reclamante fez registar naquela Conservatória do registo Predial o contrato promessa que vem de referir-se.

21. Em consequência da notificação judicial avulsa que a reclamante fez à promitente vendedora, a ora insolvente foi notificada para comparecer no dia 28 de Outubro de 2011 pelas 14,30 horas, no Cartório Notarial de Arnaldo Martins, em ..., mas tal notificação não foi efectuada pois que a senhora solicitadora, agente de execução não conseguiu localizar ninguém pertencente à sociedade insolvente, tendo sido informada por várias pessoas da ausência, sem rasto, dos seus sócios e encerramento das instalações.

22. A reclamante compareceu naquele Cartório Notarial, naquele dia e hora, a fim de celebrar a escritura de venda, não se tendo realizado isto em virtude da promitente vendedora, ora insolvente, não ter comparecido.

23. A reclamante foi surpreendida pela insolvência da promitente vendedora, só dela tendo tomado conhecimento já em Fevereiro de 2012.

24. A credora EE interveio na reunião de credores de 13.02.2012.

25. E foi nessa reunião que o sr. administrador da insolvência notificou a respondente para apresentar a sua Impugnação / Reclamação nos 10 dias seguintes, não havendo oposição de todos os presentes, nomeadamente da Caixa BB também presente.

26. Sendo notificado, também, o sr. administrador para juntar aos autos nova “relação de créditos devidamente corrigida em conformidade com o exposto no dia de hoje”- acta da Assembleia de Credores de 13.02.2017

27. Em 28 de Fevereiro, o sr. administrador da insolvência juntou aos autos nova relação de créditos na qual o crédito da impugnante figura na lista dos créditos não reconhecidos pois fundamenta o AI que não pretende dar cumprimento aos respectivos contratos promessa de compra e venda.

28. O aditamento ao contrato promessa de compra e venda foi celebrado em 30 de Março de 2011.

29. Foi o mesmo redigido e escrito na presença da promitente compradora e de EEE, este na qualidade de sócio e gerente da insolvente

30. Em Março de 2011, a credora passou a habitar a casa prometida vender-lhe e que passou a ser a sua residência, com o seu agregado trabalhos da construção da responsabilidade da Insolvente, nomeadamente, candeeiros, painel solar, acabamentos da janela da cozinhas, etc .....

31. Desde então que todos aí habitam, dormem e fazem as suas refeições, utilizando os quartos de dormir, a cozinha, a sala de jantar, a sala de estar, os quartos de banho e a garagem, esta para parqueamento do seu automóvel, pagando a impugante água, telefone, luz, etc, e aí recebendo o seu correio.

32. Isto com conhecimento e à vista de toda a gente, nomeadamente aos vizinhos.

33. Deixando a Respondente de habitar a sua residência, ate aí num T2, sito na Rua …, n.º …, …°Dtº, cidade de ....

34. A Respondente foi obrigada a despender do seu bolso as despesas relativas a instalação do ramal eléctrico, projecto da certiel, dois móveis para o quarto de banho, reparação da parede traseira e lateral devido a infiltrações de água, tal como idêntica reparação pelos mesmos motivos nas paredes interiores, despesas estas que totalizam € 10.664,40- Dez mil seiscentos e sessenta e quatro euros.

35. No dia 27 de Agosto de 2010, os impugnantes CC e DD celebraram um contrato promessa de compra e venda do seguinte imóvel: Habitação T3, composta por cave, rés-do-chão e andar, com entrada pelo n.º …, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º … e descrito na conservatória sob o n.º …-B.

36. Celebraram esse contrato com o objectivo de adquirirem o imóvel para sua habitação habitual e permanente.

37. Nos termos acordados, o preço a pagar seria de 130.000,00 euros, tendo os reclamantes entregue, na data de celebração do contrato promessa, a quantia de 50.000,00 euros a título de sinal e princípio de pagamento, dando a insolvente quitação desse pagamento.

38. Nos termos contratados, a insolvente obrigou-se a: ” ( ... ) a) a comunicar aos SEGUNDOS CONTRAENTES, por qualquer meio de comunicação idóneo e expedito (acompanhado da simultânea confirmação escrita a enviar por carta registada para os SEGUNDOS CONTRAENTES, a data, hora e local de realização da escritura, com uma antecedência nunca inferior a 15 (quinze) dias; b) a concluir o respectivo prédio até ao dia trinta e um de Dezembro de dois mil e dez sem defeitos e de acordo com as condições estipuladas na memória descritiva que consta do projecto aprovado pela Câmara Municipal de ...; c) a entregar o imóvel na data da escritura desocupado e com todos os seus pertences em perfeitas condições de funcionamento, e d) Obter atempadamente a respectiva licença de utilização, fica técnica de habitação e certificado energético ao edifício e qualidade de ar interior.

39. Ficou ainda convencionado que a escritura de compra e venda definitiva seria celebrada até ao dia 31 de Dezembro de 2010, competindo à insolvente proceder a sua marcação e convocação por factos imputáveis à insolvente, a escritura não se realizou até esse dia, mais concretamente não se realizou porque o imóvel prometido vender" ( ... ) ainda não se encontra integralmente concluído.

40. Bem como ainda não tinha ficha técnica de habitação e certificado energético de edifício e qualidade do ar interior.

41. Estavam e estão por concluir as seguintes partes da construção, as quais se apresentaram inacabadas e com defeitos: quarto de casal (substituição e colocação de soalho e rodapés), casa de banho da suite (substituição/colocação das louras e móveis) remates do soalho em toda a habitação, substituição/colocação de painel solar, granitos da escadaria exterior de acesso à habitação/ aspiração central, corrimão de inox na escadaria interior, substituição/colocação de móveis na casa de banho de serviço, terminar instalação do depósito gás e campainha videoporteiro.

42. Como estão por obter a ficha técnica de habitação e certificado energético de edifício e qualidade do ar interior.

43. Porque as partes ainda mantinham interesse em celebrar o negócio definitivo de compra e venda, no dia 19 de Abril de 2011, reclamantes e insolvente celebraram um aditamento ao contrato promessa, nos termos do qual acordaram prorrogar o prazo de celebração da escritura para o dia 31 de Dezembro de 2011, por forma a permitir que a insolvente pudesse cumprir com o contrato.

44. Como condição para os reclamantes aceitarem o aditamento, acordaram na entrega efectiva do imóvel, tendo a insolvente entregue as chaves aos reclamantes, ficando estes investidos na posse do imóvel, passando a usufruir do mesmo para sua habitação.

45. Os reclamantes passaram a usar o imóvel como habitação, suportando os custos inerentes a essa utilização, nomeadamente com água, luz, telefones, lixos, etc.

46. Até ao dia 31 de Dezembro de 2011, a escritura nunca foi marcada.

47. A Insolvente foi declarada insolvente no dia 16 de Dezembro de 2011.

b) Matéria de Direito

Como o acórdão recorrido foi proferido em data anterior a 1/9/13 (concretamente, em 22/10/12) e o processo teve início depois de 1/1/08, o regime de recursos aplicável é o instituído pelo DL 303/07, de 24 de Agosto,  que precedeu o criado pelo NCPC (2013), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (artº 7º, nº 1, deste diploma).

Em termos rigorosos, pode dizer-se que são três as questões a decidir na presente revista (deste modo se condensando com maior precisão as cinco que acima isolámos, ao resumir as noventa e oito conclusões da recorrente):

1ª) Saber se o crédito dos promitentes-compradores sobre a massa insolvente está garantido por direito de retenção;

2ª) Determinar o montante desse crédito;

3ª) Saber se, caso a resposta à primeira questão seja positiva, não deve o direito de retenção prevalecer sobre a hipoteca, por inconstitucionalidade da norma civil que prevê essa prioridade.

As instâncias responderam de modo inteiramente concordante à primeira questão, reconhecendo esse direito real de garantia.

Concretamente, e para o que agora releva, a 1.ª instância decidiu que:

- CC e DD detém um crédito sobre a massa insolvente e beneficia do direito de retenção sobre o imóvel apreendido e descrito na verba n.º 1 (prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º … – B);

- EE detém um crédito sobre a massa insolvente e beneficia do direito de retenção sobre o imóvel apreendido e descrito na verba n.º 5 (prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º … – G);

- FF detém um crédito sobre a massa insolvente e beneficia do direito de retenção sobre o imóvel apreendido e descrito na verba n.º 6 (prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes, sob o n.º …).

E chamado a decidir esta mesma questão por virtude da apelação da ora recorrente CBB, o acórdão recorrido considerou de igual modo que estes credores gozam do direito de retenção sobre os identificados imóveis, de acordo com o disposto no art. 755 º, nº 1, al. f), do CC.

Portanto, neste concreto segmento decisório, as duas instâncias já se pronunciaram e decidiram de modo totalmente conforme.

Ora, o art. 721º, nº 3, do CPC, dispõe que «Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte».

Este regime – resultante da reforma dos recursos introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/08 - institui o sistema da chamada “dupla conforme”, de acordo com o qual, havendo conformidade entre as decisões da 1.ª instância e da Relação, não é admissível interpor revista para o Supremo [1].

O conceito de “conformidade” ou “desconformidade” das decisões das instâncias não é um conceito unitário, mas antes um conceito divisível ou fraccionável pelas partes[2]; assim, por exemplo, nos casos em que a decisão da Relação se sobrepõe, em parte, à da 1.ª instância, decidindo de modo mais favorável ao recorrente, a revista é inadmissível em virtude de dupla conforme, pois que, caso se mantivesse na totalidade a decisão da 1.ª instância, o acórdão da Relação, decidindo menos favoravelmente, seria irrecorrível; e assim também nos casos em que haja diversos segmentos decisórios que, correspondendo embora aos pedidos formulados na acção, sejam autónomos e independentes entre si (salvo se ocorrer uma situação de incindibilidade entre a matéria das pretensões deduzidas, por se encontrarem intrinsecamente ligadas entre si as decisões de que foram objecto).

No caso presente, o reconhecimento do direito de retenção é independente de saber qual o regime aplicável à determinação do montante do crédito assim garantido – se o do nº 2 do art. 102.º do CIRE, se o do nº 2 do artº 442.º do CC.

E assim, porque ambas as instâncias responderam afirmativamente à questão de saber se os credores (promitentes compradores) beneficiam ou não de direito de retenção sobre os imóveis que foram objecto de tradição para garantia dos seus créditos, ocorre dupla conforme que, quanto a este concreto segmento decisório, obsta à admissibilidade de revista para o STJ.

Ainda que assim não fosse, ou seja, mesmo que se entendesse não existir dupla conforme impeditiva do recurso de revista, teria sempre de considerar-se a resposta à questão dada  pelo recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste STJ n.º 4/2014, de 20-3-2014, publicado no DR I Série, n.º 95, de 19-05-2014: «No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil.»

De resto, as restantes questões suscitadas pela recorrente estão decididas neste mesmo aresto, como se pode verificar analisando atentamente a respectiva fundamentação.

Assim, quanto ao problema de saber qual o montante do crédito dos promitentes-compradores sobre a massa insolvente, por referência ao sinal prestado aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda, a 1ª instância considerou reconhecidos os créditos «pelo valor do sinal pago e entregue à insolvente» (fls 1000), isto é, pelo correspondente ao sinal em singelo; a Relação, diversamente, reconheceu os créditos pelo valor respeitante ao sinal em dobro, aplicando o disposto no artº 442.º, n.º 2, do CC. 

Ora, sobre isto diz-se o seguinte, a dado passo do referido acórdão uniformizador: « (…)O DL nº 236/80 de 18 de Julho veio reforçar a posição jurídica do promitente-comprador nomeadamente no âmbito das transações de imóveis para habitação, conferindo-lhe em caso de incumprimento da outra parte e em alternativa ao direito ao sinal em dobro, também o valor da coisa desde que a mesma lhe tivesse sido transmitida encontrando-se pois em seu poder. Tal desiderato surge corporizado na alteração então introduzida ao nº 2 do artigo 442º do Código Civil. Por seu turno, o DL 379/86 de 11-11, além de haver modificado o normativo em análise veio ainda, coerentemente com tal alteração, elencar no âmbito dos titulares do “direito de retenção” a que se reporta o artigo 755º do Código Civil, o do beneficiário da promessa de transmissão ou constituição do direito sobre a coisa a que se reporta o contrato prometido, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte de harmonia com o artigo 442º (então modificado). (…) O Tribunal da Relação opta, como vimos, por uma visão distinta desta problemática, com reflexos inerentes na solução a conferir-lhe. Na sua tese, declarada a insolvência, o artigo 102º do CIRE confere ao Administrador o direito a não cumprir a obrigação já que “sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em qualquer contrato bilateral em que à data da declaração de insolvência não haja total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento”. Destarte, sendo a própria lei a admitir a possibilidade de não cumprimento por parte do administrador, tal significa que não há dever de cumprimento, o que necessariamente afasta a possibilidade de ilicitude e culpa, que supõem uma obrigação prévia de agir de outra forma; a reforçar este entendimento, argumenta ainda a CBB com o estatuído no artigo 119º do CIRE ao salientar nos seus nsº 1 e 2 que “1– É nula qualquer convenção das partes que exclua ou limite a aplicação das normas anteriores do presente capítulo. 2 – É em particular nula a cláusula que atribua à situação de insolvência de uma das partes o valor de uma condição resolutiva do negócio ou confira nesse caso à parte contrária um direito de indemnização, de resolução ou de denúncia em termos diversos dos previstos neste capítulo”. Corolário lógico desta argumentação seria assim o afastamento do âmbito do CIRE da aplicabilidade do artigo 442º do Código Civil referente ao incumprimento do contrato promessa; a cominação constante do nº 2 desse normativo está dependente da constatação de culpa da parte não cumpridora. Só que esta, com a declaração de insolvência da Sociedade Construções AA Lda. transmudou-se, não sendo já a entidade que era, estando agora representada pelo administrador. Tal modificação traria consigo a impossibilidade de responsabilizar aquela pelo incumprimento do contrato-promessa, uma vez que já não subsiste juridicamente. Em consequência não haveria direito do promitente-comprador ao dobro do sinal prestado, desaparecendo de igual forma o seu direito de retenção. O respetivo crédito iria assim figurar na graduação com uma natureza meramente comum. (…) Começaremos por referir que a norma do artigo 102º do CIRE acima transcrito se aplica, como se vê do próprio texto, “sem prejuízo do estatuído nos artigos seguintes”, conferindo de certa forma autonomia ao estatuído no artigo 106º; e aqui a lei é expressa ao referir que “no caso de insolvência do promitente vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador; a isto acresce que nada apontando, a nosso ver, para o facto de ter havido intuito de modificar com a entrada em vigor do CIRE a orientação legislativa ao nível das consequências de incumprimento da promessa do contrato e suprindo pelo recurso ao regime da compra e venda com reserva de propriedade, a omissão da regulamentação do contrato promessa com efeito obrigacional e tradição do objeto, ficará o nº 2 do artigo 106º aplicável apenas ao contrato promessa com efeito meramente obrigacional e em que não tenha havido aquela tradição ao promitente-comprador[17]. Só aqui, e a menos que uma das partes tenha cumprido integralmente a sua obrigação, poderá o administrador optar por cumprir ou recusar a execução do contrato.

Não se aduza ainda, contra o entendimento exposto, que não há imputação de culpa a fazer em caso de insolvência porque com a declaração desta última, a relação jurídica existente, então reconfigurada, não a poderá comportar, já que ao insolvente se substitui e passa a figurar em juízo apenas a massa falida e o administrador; é para nós claro o cariz redutor deste entendimento; a insolvência não surge do nada, radicando antes e à partida no comportamento de uma entidade que se mostrou não ter cumprido as suas obrigações. Nestes casos já foi decidido e bem, neste Supremo Tribunal de Justiça[18], que se verifica uma imputabilidade reflexa considerando o comportamento da insolvente na origem do processo falimentar; acresce que, seria sempre a esta última que cumpriria afastar a culpa, que se presume, em matéria de responsabilidade civil contratual – artigo 799º nº 1 do Código Civil. Por último diremos que o artigo 97º do CIRE que se reporta à extinção de privilégios creditórios e garantias reais, com a declaração de insolvência, não enumera “o direito de retenção” no elenco dos extintos. Adiante-se ainda que, como bem salienta o recorrente, bastaria, caso contrário, que uma empresa promitente vendedora e incumpridora do contrato, se apresentasse à insolvência para evitar as consequências do incumprimento. Em suma concluímos que não sendo afetado o contrato-promessa, mantêm-se os efeitos do incumprimento a que se reporta o artigo 442º nº 2 do Código Civil. Destarte o crédito pedido do reclamante, valor em singelo no montante de € 108.488,54, mantém a prevalência que lhe é conferida pelo “direito de retenção” tendo sido e bem, graduado acima da hipoteca da CBB. ».

Retira-se do exposto que a tese que obteve vencimento é aquela segundo a qual o crédito do promitente-comprador deverá corresponder ao sinal em dobro, conforme dispõe o artº 442º, nº 2, do CC, e não em singelo, nem tão pouco ao valor que decorre da conjugação das normas do CIRE constantes nos seus artºs 102º, nº 3, al. c), 106º, nº 2, e 104º, nº 5.

Trata-se de entendimento que, muito embora não integre o segmento de uniformização, encerra o valor de premissa lógica necessária que o antecede e, nessa medida, deverá assumir o mesmo carácter vinculativo.

Por último, a questão largamente debatida sobre a inconstitucionalidade material do artº 759.º, n.º 2, do CC, mereceu resposta negativa por parte deste STJ. Assim, lê-se o seguinte no acórdão de uniformização que temos vindo a citar – em linha com a posição várias vezes afirmada pelo TC nos acórdãos nº 356/2004, 357/2004 e 594/2003: «No tocante ao princípio da igualdade estatui o artigo 13º nº 1 da Constituição da República que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. Mas seria ocioso tecer grandes considerações sobre aquilo que é de há muito um dado adquirido sobre aquele normativo: não se pode tratar de uma forma igual aquilo que à partida é desigual. Ora a dilucidação desta problemática depende essencialmente de uma ponderação dos valores e interesses legítimos vigentes na sociedade num determinado momento histórico. E considerações semelhantes valem também no tocante ao princípio da proporcionalidade, também informador do sistema jurídico; a sua aplicação ao caso concreto terá que fazer-se tendo em vista os valores que se entende constituírem os prevalentes na comunidade, harmonizando-os axiologicamente entre si[19]. Como em muitos outros setores do ordenamento jurídico, também aqui, ao nível do contrato promessa, o legislador no seu poder-dever de corrigir desequilíbrios e tomando em linha de conta os interesses e riscos em presença, entendeu propender para a proteção da parte mais débil, o promitente-comprador, face ao credor hipotecário, desde que aquele tivesse entregue ao outro outorgante o sinal e obtido a tradição do objeto do contrato. Assim e na linha do entendimento do que tem vindo a ser repetidamente decidido por este Supremo Tribunal e ainda pelo Tribunal Constitucional, não vemos que haja qualquer inconstitucionalidade naquela opção legislativa[20]. A acrescer ainda a estas razões, não pode igualmente esquecer-se que no momento em que a garantia hipotecária se constituiu, já estavam em vigor os artigos 755º nº 1 alínea f) e 759º nº 2 do Código Civil, o que reforça a necessidade de o credor hipotecário ter de acautelar-se contra os efeitos para eles possivelmente nefastos daquela preferência[21]. Não se argumente pois de igual modo que os princípios da previsibilidade e segurança seriam afetados pela concessão e prevalência do direito de retenção; trata-se de mais uma escolha do legislador, à semelhança de outras – v.g. créditos de trabalhadores - que evidencia claramente uma ponderação de interesses em atenção à parte mais fraca no âmbito da relação contratual, o que implica necessariamente compressão de alguns direitos com vista à busca de uma solução mais equitativa; é o que sucede quanto à prevalência excecional do crédito emergente de contrato promessa ainda, que de natureza obrigacional, sobre a hipoteca, desde que se tenha verificado a tradição do respetivo objeto acompanhada pelo pagamento total ou parcial do preço[22]. Poder-se-á dizer, parafraseando um acórdão deste Supremo Tribunal[23], estarem assim presentes, na interpretação exposta das normas aplicadas, os critérios práticos da justa medida, razoabilidade e adequação material ínsitos no princípio da proporcionalidade que temos vindo a comentar. »

Improcedem ou mostram-se deslocadas, deste modo, as conclusões do recurso.

III. Decisão

Nega-se a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de Julho de 2014

Nuno Cameira (Relator)

Sousa Leite

Salreta Pereira

_____________
[1] Miguel Teixeira de Sousa, “Reflexões sobre a reforma dos recursos”, texto correspondente à intervenção realizada na Relação de Coimbra, em 12/2/2007, pág. 11.
[2] Miguel Teixeira de Sousa, loc. cit., págs. 14 e 15.