Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B1956
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOITINHO DE ALMEIDA
Descritores: RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
EXTINÇÃO
HIPOTECA LEGAL
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Nº do Documento: SJ200407130019562
Data do Acordão: 07/13/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 4804/03
Data: 12/15/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : O artigo 152º do CPEREF deve ser interpretado no sentido de não abranger as hipotecas legais.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Por apenso aos autos de recuperação de empresa, em que era Requerente "A, Lda.", foi a mesma declarada falida. No apenso da reclamação de créditos foi proferido saneador/sentença que fixou a respectiva graduação.
Por acórdão de 15 de Dezembro de 2003, a Relação do Porto julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
Inconformado, recorreu para este Tribunal, alegando, em substância, o seguinte:
A sentença proferida em 1ª Instância não verificou nem graduou a hipoteca constituída pelo Instituto e oportunamente reclamada, de que beneficia o crédito de 582.252,57 € relativo a contribuições declaradas nas folhas de remuneração dos meses de Junho de 1995 a Junho de 1996, Julho de 1997 a Agosto de 2001, acrescidas de 259.142,82 € de juros de mora vencidos até Março de 2002, no montante máximo de 841.359,39 €.
A referida sentença e o acórdão recorrido assentam numa interpretação indevida do artigo 152º do CPEREF que apenas determina a extinção dos privilégios creditórios do Estado, das autarquias e das instituições de segurança social com a declaração de falência. Não abrange as hipotecas legais.
Quanto ao acórdão do Tribunal Constitucional nº. 363/02, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 11º do Decreto-Lei nº. 103/80 e artigo 2º do Decreto-Lei nº. 512/76, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil, as suas considerações não impõem uma interpretação extensiva do artigo 152º do CPEREF, no sentido de que também as hipotecas legais são extintas com a declaração da falência.
Com efeito, o acórdão refere-se concreta e expressamente ao processo de execução, não ao processo especial de falência. Neste existem "todos os elementos que permitem a qualquer interessado conhecer quais os credores da empresa que com ele contrate e ainda o montante dos débitos, uma vez que se mostra inequívoco o conhecimento nos autos falimentares do activo e do passivo da empresa, e outros elementos a ela referentes."
Cumpre decidir.

2. Constitui objecto do presente recurso a questão de saber se o artigo 152º do CPEREF deve ser interpretado no sentido de abranger também as hipotecas legais.
Dispõe este artigo (na redacção do Decreto-Lei nº. 315/98, de 15 de Outubro) que "Com a declaração de falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação de empresa ou de falência".
Sendo esta disposição de natureza excepcional (em princípio a falência não determina a extinção dos direitos reais de garantia) só por interpretação extensiva nela se poderão incluir as hipotecas legais (artigo 11º do Código Civil).
Ora, esta interpretação não se afigura possível.
Com efeito, se o legislador se referiu unicamente aos privilégios creditórios quando não podia ignorar a existência de hipotecas legais instituídas em benefícios dos créditos das entidades públicas que menciona, é que só àqueles pretendeu restringir a medida adoptada.
O que se explica, por um lado, pela falta de publicidade dos privilégios que, assim, comprometem a segurança jurídica, e, por outro, pela intenção de não deixar totalmente desprotegidos os créditos públicos.
Como se observou no acórdão deste Tribunal de 25 de Março de 2003 (revista nº. 558/03) o Decreto-Lei nº. 132/93, de 23 de Abril, que aprovou o CPEREF, foi objecto de várias alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 315/98, de 20 de Outubro, que abrangeram o artigo 152º. "Se fosse intenção do legislador incluir nesse preceito as hipotecas legais, era esse o momento ideal para o fazer, pois já se tinha gerado controvérsia acerca da interpretação da referida norma, controvérsia que o legislador não podia ignorar".
No sentido exposto se pronuncia a larga maioria das decisões deste Tribunal (acórdãos de 8 de Fevereiro de 2001, revista nº. 3968/00, de 18 de Junho de 2002, revista nº. 1141/02, de 25 de Março de 2003, já citado, de 27 de Maio de 2003, revista nº. 198/03 e de 29 de Janeiro de 2004, revista nº. 2779/03).

Concede-se, pois, a revista e ordena-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Exmos. Desembargadores, se julgue novamente a causa, com respeito pela interpretação acima exposta do artigo 152º do CPEREF.
Custas a final pela parte vencida.

Lisboa, 13 de Julho de 2004
Moitinho de Almeida
Noronha do Nascimento
Ferreira de Almeida