Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
265/03.6TBRMR.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DE REVISTA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
FACTOS CONCLUSIVOS
DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA PROBATÓRIA
RESPOSTA AOS QUESITOS
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CONTRATO DE COMODATO
NEGÓCIO FORMAL
DIREITO PESSOAL DE GOZO
RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL
BENFEITORIAS
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 06/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ NEGÓCIO JURÍDICO/ PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ CONTRATOS - DIREITOS REAIS/ POSSE
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - SENTENÇA - RECURSOS
Doutrina: - PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, CÓDIGO CIVIL ANOTADO, VOLUME I, 4ª EDIÇÃO, P. 332.
- VAZ SERRA, RLJ, ANO 114, P. 178.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 219.º, 342.º, N.º1, 376º, N.º 2, 407.º, 779.º, 882º, N.OS 1 E 2, 939.º, 1129.º, 1133.º, N.º 2, 1135.º, ALÍNEA H), 1137º, N.º 1, 1138.º, 1273.º, 1275.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 655.º, N.º1, 646.º, N.º4, 655.º, N.º1, 722.º, N.º 2 E 729.º, N.OS 1 E 2 DO CPC.
Sumário : I - Ao STJ, enquanto tribunal de revista, apenas nos termos dos arts. 722.º, n.º 2 e 729.º do CPC, é consentido que intervenha na apreciação da matéria de facto.

II - Não integra as hipóteses referidas em I a impugnação da resposta dada à matéria de facto com fundamento no valor probatório de um documento que não goza de força probatória plena.

III - Constitui matéria de direito – podendo ser conhecida pelo STJ – a apreciação sobre se determinada matéria provada é conclusiva e integra o thema decidendum
.
IV - Em acção de reivindicação em que o réu deduz se opõe à restituição invocando ter celebrado um contrato de comodato, é conclusiva e integra o thema decidendum, devendo considerar-se não escrita, a resposta a um quesito no qual se pergunta se “a 1.ª ré celebrou com o 2.º réu um contrato escrito de comodato”.

III - Os documentos particulares escritos não impugnados – logo, cuja autoria tenha sido reconhecida – têm força probatória plena quanto à emissão das declarações que deles constam, desfavoráveis ao declarante.

IV - O contrato de comodato é um negócio não formal – mesmo que respeite a bens imóveis – que confere ao comodatário um direito pessoal de gozo sobre o objecto do contrato.

V - A obrigação de restituição ocorre quando finde o prazo convencionado, o uso convencionado ou, não se verificando estas hipóteses, quando for exigida a restituição da coisa.

VI - Se o imóvel foi adquirido por dação em cumprimento, tal aquisição abrange as benfeitorias que nele já se encontrassem realizadas, apenas dando lugar à indemnização – a cargo do actual proprietário e nos termos definidos pelos arts 1138.º e 1273.º do CC – aquelas que hajam sido introduzidas após a transmissão.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1.

A CAIXA AA, C.R.L., instaurou a presente acção de reivindicação, com processo ordinário, contra BB e “SOCIEDADE COMERCIAL CC, L.da”, pedindo a condenação dos réus a (i) reconhecerem o direito de propriedade da Caixa de AA, C.R.L. sobre o prédio que identificam; (ii) reconhecerem a legítima posse da Caixa de AA, C.R.L., sobre o mesmo prédio; (iii) restituírem o prédio à autora completamente livre de pessoas e bens; (iv) absterem-se de qualquer conduta que impeça a autora da normal fruição do seu direito de propriedade sobre o mesmo prédio.

Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que é dona e proprietária do prédio identificado na petição inicial, advindo-lhe o direito de propriedade pelo facto de o ter adquirido por “dação em cumprimento”, para pagamento de uma dívida, conforme escritura pública outorgada no dia 30/06/1999, no Cartório Notarial de Rio Maior, escritura essa outorgada, entre outros, pelo réu BB, na qualidade de sócio gerente da Sociedade DD, L. da, entidade que, para pagamento daquele débito, deu o prédio em cumprimento à ora autora.

Outorgada a aludida escritura, o réu BB, sócio da ex-proprietária do imóvel, foi autorizado pela autora, a pedido daquele, a continuar a explorar, de forma gratuita, parte do imóvel dado em pagamento, tendo-se obrigado a desocupar o prédio, logo que solicitado para o efeito pela autora.

Entretanto, em Dezembro de 2002, a autora comunicou ao réu BB que estava a negociar a venda do prédio, razão pela qual pretendia que o mesmo cessasse a ocupação e exploração que dele vinha fazendo.

Foi assim que, em 27/12/2002, o réu restituiu à autora a posse do imóvel, tendo-o entregue completamente livre de pessoas e bens, tendo a entrega física do prédio sido acompanhada duma declaração subscrita pelo réu BB, confirmando tal entrega.

Na plena posse do prédio e na sequência das negociações que já vinha a desenvolver, a autora prometeu vender o prédio a EE, o que fez mediante contrato-promessa de compra e venda outorgado em 30/12/2002.

Entretanto, dias depois, mais precisamente em 6/01/2003, o réu BB enviou um fax à autora, informando-a que a referida propriedade se encontrava na posse titulada pela Sociedade Comercial “CC”, desde o ano de 1996.

Recebido o fax, a autora de imediato fez deslocar ao prédio um seu colaborador, o qual constatou que, efectivamente, o prédio tinha sido reocupado pelo réu, ou pela ré sociedade, estando no prédio vários animais (cães e cavalos) e utensílios agrícolas diversos.

Perante esta situação, tentou a autora, por várias vezes, reunir com o réu, tendo, após várias e infrutíferas tentativas, ocorrido uma reunião nas instalações da autora, em Rio Maior, na qual o réu, reconhecendo que agia de forma incorrecta, se comprometeu a voltar a abandonar o prédio até 31 de Janeiro de 2003.

Decorrido o aludido prazo, verificou a autora que o réu, uma vez mais, não cumpriu a obrigação por si assumida, mantendo-se na posse do prédio.

Os réus contestaram e deduziram reconvenção. Pugnam pela improcedência da acção, alegando, em síntese, que tanto o 1º réu quanto a 2ª ré se mantiveram no prédio objecto da dação, mas fizeram-no como até aí o tinham feito, isto é, o 1º réu, como proprietário da Sociedade DD e a 2ª ré, como comodatária de parte do referido prédio.

Ao contrário do alegado pela autora, o aludido prédio nunca foi objecto de qualquer pedido de autorização, por parte do 1º réu, para ali se manter, exercendo a sua exploração ou se obrigou a proceder à desocupação do mesmo, quando a autora o requeresse.

A escritura pública de dação em cumprimento não reflecte a totalidade dos contornos do negócio jurídico subjacentes, pois, na data da outorga da referida escritura notarial, o 1º réu explorava, há mais de 15 anos, o identificado imóvel, fazendo-o por si e através da Sociedade DD e o comodato estabelecido, então efectuado de boa-fé, não pressupunha qualquer prazo.

Por seu lado, desde Setembro de 1996, a 2ª ré recebeu de comodato parte do imóvel ora reivindicado e aí tem as suas instalações, exercendo a exploração de uma unidade agropecuária, sob a designação de “CC, L.da”, sendo certo que, à data da escritura, bem sabia a autora que aí se encontrava a laborar a referida sociedade, pelo que a dação efectuada não foi livre de ónus e de encargos, facto que o próprio acto notarial pode atestar.

Admitindo que à autora lhe assiste qualquer razão, o que no entanto não reconhecem, consideram que é devida uma indemnização ao 1º réu e à 2ª ré, pelos longos anos em que se encontram na posse legítima, quer do prédio, quer de parte dele, por força das diversas benfeitorias necessárias e úteis a que procederam.

Em reconvenção, pugnam pela condenação da autora em indemnização, por benfeitorias realizadas, em valor não inferior a 25.000 €, sem prejuízo daquela que se vier a liquidar em execução de sentença. Deve ainda ser reconhecido aos réus o direito de retenção sobre o aludido prédio, até cumprimento da prestação devida pela autora.

Respondendo ao pedido reconvencional, veio a autora, em sede de réplica, alegar, em síntese, que os réus nunca fizeram quaisquer benfeitorias no prédio e, ainda que o tivessem feito, o valor das mesmas foi determinante na avaliação que a autora fez ao prédio quando o aceitou em dação em pagamento, pelo que, virem deduzir um eventual direito de compensação pelas benfeitorias, seria um clamoroso abuso de direito. Por outro lado, o alegado direito de retenção do prédio só existiria se a detenção fosse lícita, o que não é o caso.

Os réus treplicaram, invocando terem sido efectuadas diversas benfeitorias, desde a data da outorga da escritura de dação até ao presente.

Saneado, instruído e julgado o processo, foi proferida a sentença, julgando a acção procedente e, declarando que a autora é dona e legítima possuidora do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, condenou os réus a reconhecerem tal direito de propriedade, abstendo-se de qualquer conduta que impeça a autora da normal fruição de tal direito de propriedade; e condenou, ainda, o réu a entregar à autora o mesmo imóvel, completamente livre de quaisquer pessoas e bens.

No que concerne à reconvenção, foi esta julgada totalmente improcedente e, em consequência, decidiu absolver a autora/reconvinda da totalidade do pedido reconvencional deduzido.

Inconformado, apelou o réu BB para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 6/12/2011, julgando improcedente a apelação, confirmou a sentença recorrida.

Inconformados, recorreram agora os réus para o Supremo Tribunal de Justiça, pretendendo a revogação do acórdão recorrido, devendo os recorrentes ser absolvidos dos pedidos deduzidos pela autora e esta condenada no pedido reconvencional.

Alegando, formularam as seguintes conclusões:

1ª - No acórdão recorrido, é feita errada aplicação das normas relativas ao contrato de comodato. Encontrando-se provada a existência de contrato de comodato entre a autora e o 1º réu e junto aos autos o contrato de comodato que legitima a ocupação do imóvel pela 2ª ré, alternativa não restava senão o reconhecimento desse contrato e a correcta aplicação do regime previsto nos artigos 1129º e seguintes do Código Civil.

2ª - A autora tem que se abster de praticar actos que impeçam ou restrinjam o uso do imóvel pelos réus, devendo ser reconhecido à 2ª ré os mesmos meios de defesa facultados ao possuidor.

3ª - As benfeitorias realizadas pelos réus no imóvel são benfeitorias necessárias nos termos do n.º 2 do artigo 216º do Código Civil, pelo que, nos termos dos artigos 1138º e 1273º do Código Civil, tem necessariamente que ser reconhecido o direito dos réus a serem indemnizados pelas benfeitorias necessárias que realizaram no imóvel.

A autora não contra-alegou.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1º - Encontra-se inscrito a favor da autora o prédio misto, sito ou denominado por P… ou Quinta do P..., freguesia e concelho de Rio Maior, inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo 12 da Secção AP-API e a parte urbana sob os artigos 6.687 e 6.263, descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o nº ..., da dita freguesia, conforme inscrição G-3 (alínea A).

2º - O direito de propriedade da autora advém do facto de o ter adquirido por “dação em cumprimento”, para pagamento de uma dívida no valor de € 199.519,15, conforme escritura pública outorgada no dia 30 de Julho de 1999, no Cartório Notarial de Rio Maior, escritura essa outorgada, entre outros, pelo ora réu BB, na qualidade de sócio da sociedade DD, L.da, entidade que, para pagamento daquele débito, deu o prédio à ora autora (alínea B).

3º - Em 27 de Dezembro de 2002, o réu BB assinou uma declaração com os seguintes dizeres:

“BB, casado, natural da freguesia de …, concelho de Rio Maior, residente na Rua …, no lugar e freguesia de S. Sebastião, declara para todos os efeitos legais que na presente data entrega livre e devoluto, à legítima proprietária C.AA C.R.L., a parte que até hoje tem ocupado do prédio misto, sito em P... ou Quinta do P..., freguesia e concelho de Rio Maior, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 12 da secção APAP1 e na matriz urbana sob os artigos 6687 e 6263” (alínea C).

4º - A autora prometeu vender o prédio a EE, o que fez, mediante contrato-promessa escrito de compra e venda outorgado em 30 de Dezembro de 2002 (alínea D).

5º - Em 6 de Janeiro de 2003, o réu BB enviou à autora um fax, dirigido ao Presidente da Caixa de FF de Rio Maior, com o seguinte teor:

“Assunto: DD, L.da.

São Sebastião, 6 de Janeiro de 2003

Venho pelo presente informar V. Exc.ª que a propriedade, sita na Quinta do P..., encontra-se na posse titulada pela Sociedade Comercial CC, L.da, desde o ano de 1996” (alínea E).

6º - A Sociedade CC, L.da é uma sociedade comercial, com sede na Rua …, S. Sebastião, Rio Maior, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Rio Maior sob o nº …, com o capital social de 500.000$00, repartido por três quotas, uma no valor nominal de 50.000$00 pertencente a GG, outra de 50.000$00 pertencente a HH e uma terceira quota no valor nominal de 400.000$00 pertencente ao réu BB, sendo este o seu único gerente, bastando a sua assinatura para validamente obrigar a sociedade (alínea F).

7º - Os sócios GG e HH são, respectivamente, pai e mulher do réu BB (alínea G).

8º - A autora dirigiu ao réu, em 25/02/2003 a seguinte carta, carta essa por ele recebida, com seguintes dizeres:

“Como é do seu conhecimento, o prédio acima identificado pertence à C.AA. conforme escritura pública de dação em cumprimento outorgada, entre outras pessoas, por si, no passado dia 30 de Julho de 1999. Desde a data da referida escritura até ao passado dia 27 de Dezembro de 2002, veio V. Exc.ª, com o consentimento desta Instituição, a fazer a ocupação parcial do aludido prédio, ocupação essa que terminou no referido dia 27 de Dezembro, tudo conforme o acordado com a Direcção desta C.AA. Aliás, neste mesmo dia 27 de Dezembro, V. Exc.ª entregou declaração por si subscrita, confirmando a entrega do prédio da C.AA., tendo dois colaboradores desta Instituição ido com V. Exc.ª ao prédio confirmar encontrar-se o mesmo completamente livre e devoluto. Posteriormente, mais exactamente em 6 de Janeiro de 2003, tomou a C AA conhecimento de que V. Exc.ª teria voltado a ocupar o prédio, agora, alegadamente, através duma sociedade denominada CC, L.da, sociedade de que V. Exc.ª é sócio e único gerente, tudo conforme fax que V. Exc.ª nos enviou. Depois disso, e na sequência de vários contactos estabelecidos com V. Exc.ª, reconheceu V. Exc.ª a indevida reocupação do prédio, tendo-se comprometido, uma vez mais, a abandoná-lo até ao fim do passado mês de Janeiro. Entretanto, já a C AA havia prometido vender o aludido prédio, facto esse que, aliás, levou a que interpelássemos V. Exc.ª para proceder à entrega do prédio até 31 de Dezembro, entrega essa que, como já salientámos, efectivamente ocorreu em 27/12.

Perante a situação agora verificada e a continuada e abusiva ocupação do prédio, informamos V. Exc.ª do seguinte:

a) - Deverá V. Exc.ª, no prazo máximo de cinco dias, abandonar na totalidade o prédio que nos pertence, restituindo-o completamente livre de pessoas e bens.

b) - Caso assim não venha a acontecer, advertimos V. Exc.ª que, no imediato, intentaremos em Tribunal a acção judicial respectiva.

Para além disso, informamos que a C.AA. já procedeu à outorga de contrato promessa, prometendo vender o prédio, tendo prazos muito curtos para entregar o mesmo ao promitente-comprador, sob pena de correr o risco de ter de pagar elevadas indemnizações. Advertimos V. Exc.ª que não prescindiremos de receber de V. Exc.ª quaisquer montantes em que, eventualmente, venhamos a incorrer, em consequência de não podermos dar cumprimento ao aludido contrato promessa em virtude da ocupação abusiva que V. Exc.ª tem vindo a fazer do prédio. Sem outro assunto, e na expectativa de suas urgentes notícias, creia-nos com os nossos melhores cumprimentos (alínea H).

9º - Outorgada a escritura pública aludida no ponto 2º, o réu BB foi verbalmente autorizado pela autora, a pedido daquele, a explorar, de forma gratuita, parte do imóvel referido no ponto 1º, obrigando-se o réu BB, verbalmente, a desocupar o prédio, logo que solicitado para o efeito pela autora (resposta aos quesitos 1º e 2º).

10º - Em Dezembro de 2002, a autora comunicou ao réu BB que estava a negociar a venda do prédio e pretendia que o mesmo cessasse a ocupação e exploração que dele vinha fazendo (resposta ao quesito 3º).

11º - Em 27/12/2002, na sequência do constante no ponto 3º, o prédio encontrava-se livre de pessoas e bens, o que foi verificado por um funcionário da autora (resposta aos quesitos 4º e 5º).

11º - Em data não apurada, mas depois de 27/12/2002 e antes de 6/01/2003, o réu BB reocupou o prédio com vários animais e utensílios agrícolas diversos (resposta ao quesito 6º).

12º - Em data não apurada, mas depois de 12/07/1996, foi colocada uma tabuleta à entrada do prédio referido no ponto 1º, fazendo alusão à sociedade “CC, L.da” (resposta ao quesito 7º).

13º - Após o constante no ponto 4º e em reunião havida com elementos da direcção da autora, o réu BB comprometeu-se, verbalmente, a restituir o prédio em causa até 31/01/2003 (resposta aos quesitos 8º e 9º).

14º - Decorrido o aludido prazo, o réu não entregou o prédio (resposta ao quesito 10º).

15º - Decorrido o prazo de cinco dias, mencionado na carta enviada pela autora em 25/2/03, o réu BB manteve no prédio os cães e cavalos (resposta ao quesito 11º).

16º - O réu levou ainda para o prédio porcos, ovelhas, vitelas e várias alfaias agrícolas (resposta ao quesito 12º).

17º - O prédio referido no ponto 1º foi sempre trabalhado pelo réu BB, tendo sido por este adquirido, sendo que tal aquisição foi registada a favor daquele em 10/05/1991. Posteriormente, a “DD, L.da”, adquiriu tal prédio, tendo registado a sua aquisição em 20/04/1993, sendo que o registo de constituição de tal sociedade data de 25/09/1990 e, desde a sua constituição até ao registo da sua dissolução, o réu BB foi sempre seu sócio e gerente (resposta aos quesitos 14º e 15º).

18º - Por via do constante em 17º, o réu BB, primeiro por si e depois enquanto sócio-gerente da sociedade DD, L.da, limpou e amanhou o prédio referido no ponto 1º, mantendo-o produtivo. Procedeu ao reboco e à substituição dos sistemas eléctricos e de canalização dos pavilhões destinados à avicultura e suinicultura construiu parques no prédio; vedou o mesmo e nele construiu um picadeiro (resposta aos quesitos 31º, 33º, 34º, 35º, 36º e 37º).

3.

Nos termos do preceituado nos artigos 660º, n.º 2, 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal. Nesta conformidade, cumpre focar as seguintes questões:

a) - Se o réu BB e a 2ª ré celebraram o denominado contrato de comodato junto aos autos, legitimando a ocupação de parte do imóvel por esta;

b) – Se a autora entregou ao 1º réu parte do prédio identificado na petição inicial, para que se servisse dele, com a obrigação de o restituir, ou seja, se a autora e o réu teriam celebrado verbalmente um contrato de comodato, tendo por objecto parte do aludido prédio, legitimando a ocupação do imóvel pela ré;

c) - Se os réus realizaram benfeitorias no imóvel e se, por via disso, têm direito a uma indemnização.

4.

Quanto á primeira questão:

Referem os réus que, “no acórdão recorrido, é feita errada aplicação das normas relativas ao contrato de comodato. Encontrando-se provada a existência de contrato de comodato entre a autora e o 1º réu e junto aos autos o contrato de comodato que legitima a ocupação do imóvel pela 2ª ré, alternativa não restava senão o reconhecimento desse contrato e a correcta aplicação do regime previsto nos artigos 1129º e seguintes do Código Civil”.

Como se verifica, esta conclusão não prima pela clareza.

Parece que os recorrentes pretendem afirmar que a autora entregou ao 1º réu o prédio identificado na petição inicial, para que se servisse dele, com a obrigação de o restituir, ou seja, a autora e o réu teriam celebrado verbalmente um contrato de comodato (artigo 1129º do Código Civil) e que, depois disso, o 1º réu celebrou com a 2ª ré um outro contrato de comodato, conforme documento junto aos autos, tendo por objecto parte do aludido prédio, o que legitimaria a ocupação por parte da ré 2ª ré.

Atendendo, porém, a que o documento que consubstanciaria o contrato de comodato se encontra datado de 1 de Setembro de 1996 e porque o direito de propriedade da autora sobre o referido imóvel advém do facto de o ter adquirido por “dação em cumprimento”, para pagamento de uma dívida, conforme escritura pública outorgada no dia 30 de Julho de 1999, no Cartório Notarial de Rio Maior, escritura essa outorgada, entre outros, pelo ora réu BB, na qualidade de sócio da sociedade DD, L.da, entidade que, para pagamento daquele débito, deu o prédio à ora autora, ter-se-á de interpretar a “conclusão”, no sentido de que o réu BB teria celebrado, em primeiro lugar, o contrato de comodato com a 2ª ré e que, depois da autora o haver adquirido à Sociedade DD, representada pelo réu BB, seu sócio gerente, entregou parte do aludido prédio ao réu BB, igualmente sócio gerente da 2ª ré, para que este se servisse dele, gratuitamente, pelo que se teria estabelecido assim um comodato que não pressupunha qualquer prazo, configurando-se como um contrato intemporal. Daí que, sendo o réu BB sócio gerente da 2ª ré, tal contrato legitimaria a ocupação pela ré.

Assim sendo, importa saber se o réu BB e a ré SOCIEDADE COMERCIAL CC, L.da celebraram o contrato de comodato, consubstanciado no documento que foi junto aos autos;

Se, depois de a autora adquirir o aludido prédio, aquela celebrou um contrato de comodato com o réu BB;

E se, em caso afirmativo, tal comodato legitimaria a ocupação de parte do prédio por parte da 2ª ré, a SOCIEDADE COMERCIAL CC, L.da.

4.1.

Se o réu BB e a ré SOCIEDADE COMERCIAL CC, L.da celebraram o contrato de comodato, consubstanciado no documento que foi junto aos autos.

A autora pede, nesta acção, que os réus sejam condenados a reconhecer-lhe o direito de propriedade sobre o prédio aqui identificado e a restituir-lho livre de pessoas e bens. Trata-se de uma acção de reivindicação.

Estes opuseram-se, alegando que a ré sociedade vinha ocupando parte desse prédio, com base num contrato de comodato, pelo que não devia ser condenada a restituí-lo. E juntaram um documento particular, com data de 1 de Setembro de 1996, intitulado “contrato de comodato”, que teria sido celebrado entre BB e CC L.da, e seria este contrato que legitimaria a ocupação pela ré.

A autora impugnou esse documento, considerando que toda a tese dos réus, fundamentada na prévia existência de um contrato de cessão de exploração e posterior outorga dum comodato, não passa duma história ardilosamente fabricada, visando dar alguma credibilidade à tese por eles carreada para os autos.

Assim foi articulado o quesito 18º, perguntando-se se “a 2ª ré celebrou com o 1º réu um contrato escrito de comodato”. E a resposta dada foi “não provado”.

Na apelação, os recorrentes insurgiram-se contra esta resposta, pretendendo que a mesma fosse alterada, mas não lograram que a sua pretensão fosse satisfeita, mantendo a Relação a resposta ao aludido quesito, concluindo que dos autos não constam elementos que permitam dar resposta diferente, (excepto, naturalmente, que tal documento existe e que nele foi declarado o que dele consta).

Insistem os réus que, perante o documento junto aos autos, andou mal a Relação, não podendo deixar de ser considerado provado que o 1º réu e a 2ª ré celebraram um contrato de comodato, tendo por objecto o aludido prédio.

Mas sem razão.

O Supremo Tribunal de Justiça não é, quanto á factualidade considerada pelo acórdão recorrido, uma terceira instância.

Os seus poderes, quanto à matéria de facto, devem ser vistos à luz dos artigos 722º n.º 2 e 729º, n.os 1 e 2 do CPC.

Enquanto tribunal de revista, com competência restrita à matéria de direito, e só nos limitados termos do n.º 2 do artigo 722º e artigo 729º lhe sendo consentido que intervenha na matéria de facto, a possibilidade de debater essas questões perante ele limita-se à prova vinculada, isto é, à única que a lei admite para prova do facto em causa e à força probatória legalmente atribuída a determinado meio de prova.

Com efeito, também aqui se trata de questões de direito, já que, em tais hipóteses, não há que apreciar as provas, segundo a convicção de quem julga (artigo 655º, n.º 1 do CPC) mas determinar se, para a prova de certo facto, a lei exige, ou não, determinado meio de prova, insubstituível, ou decidir sobre se determinado meio de prova tem, ou não, à face da lei, força probatória plena do facto.

É às instâncias que cabe o apuramento da factualidade relevante, sendo que, na definição da matéria relevante para a solução do litígio, cabe à Relação a última palavra, apresentando-se a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça como residual e apenas destinada a averiguar da observância das regras de direito probatório material (artigo 722º, n.º 2 do CPC) ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto quando confrontado com as situações de insuficiência ou colisão referidas no n.º 3 do artigo 729º do CPC.

Assim sendo, só o documento particular com força probatória plena e invocado inter partes confere competência ao Supremo Tribunal de Justiça para alterar a decisão da matéria de facto.

Porque o aludido documento não goza dessa força probatória plena, não pode o Supremo, com base nele, alterar as respostas à matéria de facto.

Isso não significa que, in casu, o Supremo tenha de acatar a resposta dada ao quesito 18º.

Com efeito, embora vedada ao Supremo Tribunal de Justiça a apreciação sobre a bondade das respostas dadas à matéria de facto, tal como estas se encontram fixadas pelo Tribunal da Relação, por extravasar os seus poderes (vide artigos 729º e 722º, n.º 2 CPC), não lhe está vedado contudo, porque versa matéria de direito, a apreciação sobre se determinada matéria, que consta como “facto” julgado provado, constitui, na verdade, uma mera conclusão e se encerra, em si, o thema decidendum e se, assim sendo, deverá ser julgada não escrita, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 664º do C.P.C.

Porque a matéria que integra o referido quesito é conclusiva e integra o thema decidendum, isto é, “se a 2ª ré celebrou com o 1º réu um contrato escrito de comodato”, não pode deixar de se considerar como não escrita (artigo 646º, n.º 4 CPC).

Essa circunstância não invalida, porém, as ilações retiradas pelas instâncias, no sentido de que a 2ª ré não assinou o aludido documento nem obteve a entrega do prédio, ou parte do prédio, pelo primeiro réu, para o explorar, a título gratuito.

É verdade que, no caso vertente, encontra-se junto aos autos a fls. 57 a 60 um documento, denominado “contrato de comodato”, aparentemente assinado pelo primeiro outorgante BB, ora 1º réu e pela 2ª ré, representada por HH, esposa do 1º réu.

Porém, contrariamente aos documentos autênticos que provam a sua autenticidade, ou seja, provam por si que emanam da entidade documentadora respectiva, os documentos particulares, em regra, não provam por si mesmos a sua autenticidade ou veracidade.

Tendo sido impugnada a assinatura da 2ª ré, a autenticidade do documento tinha de ser provada, incumbindo a prova à parte que apresentava o documento.

Ora, tal como consta da fundamentação da matéria de facto, as instâncias não conferiram qualquer credibilidade ao referido escrito.

Aliás, a tese defendida pelos réus nunca poderia ser sustentada com base no aludido documento.

Conforme resulta do disposto no artigo 376º, n.º 2 do Código Civil, ainda que, eventualmente, as instâncias tivessem chegado à conclusão que o documento tinha sido assinado pelas pessoas a quem era atribuído, só as declarações contrárias aos interesses dos declarantes se deviam considerar plenamente provadas e não as favoráveis, ou por outras palavras, só os factos compreendidos nas subscritas declarações e na medida em que são contrários aos interesses dos declarantes se podem considerar plenamente provados[1]. Como também observa Vaz Serra, “nessa medida o documento pode ser invocado, como prova plena, pelo declaratário, contra o declarante; em relação a terceiros, tal declaração não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente[2]”.

Ora, relativamente á matéria factual pertinente ao conhecimento da presente alegação, resultaram provados os seguintes factos:

No dia 6 de Janeiro, o réu BB enviou à autora um fax, dirigido ao respectivo presidente, informando que a referida propriedade se encontrava na posse titulada pela Sociedade Comercial CC, L.da, desde o ano de 1996 (alínea E).

A Sociedade CC, L.da é uma sociedade comercial, com sede na Rua …, ... .., Rio Maior, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Rio Maior sob o nº …, com o capital social de 500.000$00, repartido por três quotas, uma no valor nominal de 50.000$00 pertencente a GG, outra de 50.000$00 pertencente a HH e uma terceira quota no valor nominal de 400.000$00 pertencente ao réu BB, sendo este o seu único gerente, bastando a sua assinatura para validamente obrigar a sociedade (alínea F).

Os sócios GG e HH são, respectivamente, pai e mulher do réu BB (alínea G).

Em contrapartida ao aduzido, os réus não lograram provar que, desde Setembro de 1996, a ré Sociedade explore parte do prédio reivindicado (resposta negativa ao quesito 17º); nem que ocupe parte do imóvel, aí tendo as suas instalações e nele explorando uma agropecuária (resposta negativa ao quesito 19º); nem que, à data da escritura da dação em cumprimento, a autora soubesse que no prédio laborava a ré sociedade (resposta negativa ao quesito 20º).

Finalmente, também não resultou provado o quesito 21º, no qual se perguntava se “a ré sociedade nunca fora interpelada pela autora para a restituição do prédio ou de parte deste”.

Deste modo, não tendo havido entrega do aludido prédio à 2ª ré, não seria possível a existência do referido contrato de comodato.

Donde, não se provando na titularidade da ré sociedade a existência de qualquer vínculo, obrigacional ou real, quer provindo da autora, quer provindo de terceiro, que legitimasse a sua detenção ou ocupação do imóvel reivindicado, sendo que nem a efectividade desta ocupação se verificou, com o consequente ónus perante a adquirente do prédio, nada existe de relevante ou pertinente que obvie à concretização do direito de sequela da autora.

4.2.

Se, depois de a autora adquirir o aludido prédio, aquela celebrou um contrato de comodato com o réu BB, tendo por objecto parte do referido prédio misto.

No âmbito da sua contestação, o réu BB alega ter-se mantido a ocupar o prédio como sócio gerente da Sociedade DD, tendo sido esta sociedade que cedeu o imóvel, em dação em cumprimento, à ora autora. Alega, ainda, ter-se estabelecido assim um comodato que não pressupunha qualquer prazo, configurando-se como um contrato intemporal, o que justificaria a ocupação do prédio, obstando à sua entrega.

Relativamente a esta tese arquitectada pelo réu, ficou provado que, outorgada a escritura pública de dação em cumprimento, em 30/07/1999, o réu BB foi, verbalmente, autorizado pela autora, a pedido daquele, a explorar, de forma gratuita, parte do imóvel objecto da dação, obrigando-se o mesmo réu, verbalmente, a desocupar o prédio, logo que solicitado para o efeito pela autora (resposta aos quesitos 1º e 2º). E que, em Dezembro de 2002, a autora comunicou ao réu BB que estava a negociar a venda do prédio e pretendia que o mesmo cessasse a ocupação e exploração que dele vinha fazendo (resposta ao quesito 3º).

Em contrapartida, não se provou que o mesmo réu tivesse continuado a explorar tal imóvel (vide resposta restritiva ao quesito 1º) e que entre autora e réu não tivesse sido estabelecido qualquer prazo para a entrega do imóvel (vide resposta restritiva ao quesito 16º).

O artigo 1129º do Código Civil define o comodato como “o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir”.

A primeira parte da definição, “o contrato pelo qual uma das partes entrega”, faz naturalmente pressupor o seu cariz real quoad constitutionem. Assim, antes da entrega da coisa não se encontra constituído qualquer contrato de comodato, pelo que não poderá ser exigida a entrega da coisa em comodato.

Como se verifica, in casu, a autora permitiu que o réu explorasse parte do prédio, objecto do contrato de dação em cumprimento, de forma gratuita, o que este passou a fazer.

Uma vez que não se encontra estabelecida na lei qualquer forma para o contrato de comodato, ele será naturalmente considerado como não formal, nos termos do artigo 219º, mesmo que respeite a bens imóveis, como ora acontece, pelo que, com a entrega do prédio, para que o explorasse, de forma gratuita, constituiu-se o contrato de comodato.

Em resultado do contrato, o comodatário adquiriu um direito pessoal de gozo sobre o aludido bem objecto do comodato.

Tendo o direito do comodatário natureza pessoal, não pode ser oposto ao titular de um direito real maior sobre o bem. O direito do comodatário apenas prevalece contra outros direitos pessoais de gozo se tiver sido constituído em primeiro lugar (artigo 407º). O comodato confere, porém, ao comodatário a posse da coisa, o que lhe permite a tutela possessória dessa situação (artigo 1133º, n.º 2).

Demonstrado que autora e réu celebraram um contrato de comodato, importa saber se o réu está ou não obrigado a restituir o aludido prédio à autora.

A restituição da coisa emprestada, findo o contrato, constitui uma obrigação do comodatário (artigo 1135º, alínea h), surgindo como consequência da natureza temporária do comodato, enquanto concessão de gozo de bens alheios.

A obrigação de restituição é normalmente sujeita a prazo, findo o qual a coisa deve ser restituída ao comodante, incorrendo o comodatário em mora se o não fizer. Mesmo não sendo convencionado prazo certo para a restituição vale como convenção nesse sentido a determinação do uso da coisa, pelo que o comodatário fica vinculado a ter que a restituir, logo que o uso finde, independentemente de interpelação (artigo 1137º, n.º 1), pelo que ficará constituído em mora se o não fizer. Apenas se não for estipulado prazo para a restituição, nem determinado o uso da coisa, é que a obrigação de restituição constituirá uma obrigação pura, caso em que o comodatário só será obrigado a restituir a coisa quando tal lhe for exigido (artigo 1137º, n.º 2). Sendo estipulado prazo, o respectivo benefício correrá, nos termos gerais, por conta do devedor (artigo 779º).

No caso concreto, apurou-se que na cedência gratuita de parte do imóvel efectuada pela autora ao réu BB, a pedido deste, para que o explorasse, não foi estipulado qualquer prazo concreto e definido para a duração de tal cedência. Todavia, esta devia terminar e o réu comodatário obrigou-se à restituição, logo que a autora lhe solicitasse que desocupasse o prédio.

Verifica-se, assim, que, no caso sub judice, não foi expressamente convencionada a duração temporal do comodato, nem estamos perante uma situação de determinação do uso da coisa comodatada, pelo que o réu comodatário era efectivamente obrigado a restituir o imóvel comodatado, logo que este lhe fosse exigido (artigo 1137º, n.º 2).

Estamos perante a figura do comodato precário, cuja duração não é determinada, ficando assim a sua extinção apenas dependente da exigência da coisa pelo comodante, a qual corresponde à denúncia do contrato.

Donde, atenta a descrita natureza do vínculo obrigacional em causa, em articulação com a factualidade apurada, surge com clareza a obrigação do comodatário em proceder à entrega da coisa comodatada à autora comodante, atenta a solicitação que lhe foi efectuada, à qual não era alheia a promessa de compra do prédio que veio a ser formalizada por contrato-promessa, celebrado entre a autora e terceiro em 30/12/2002.

Efectuada a desocupação do prédio, na sequência da denúncia operada pela autora, o réu BB, em 27/02/2002, assinou uma declaração, comprovando que, nessa data, entregou livre e devoluto à autora a parte que até então tinha ocupado do aludido prédio misto, sendo que, na mesma data, e na sequência de tal declaração, o prédio encontrava-se livre de pessoas e bens, o que foi verificado por um funcionário da autora.

Assim sendo, extinto o contrato, não dispõe o réu BB de título que legitime a ocupação do referido prédio, ainda que, abusivamente, o reocupasse, como reocupou.

4.3.

Uma das obrigações do comodante é a de restituir as benfeitorias ao comodatário. O artigo 1138º do Código Civil estabelece que o comodatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja efectuado na coisa emprestada. Desta solução resulta que o comodatário tem o direito a ser beneficiado das benfeitorias necessárias que haja efectuado bem como levantar as benfeitorias úteis, se tal puder ser efectuado sem detrimento da coisa, havendo lugar à restituição do enriquecimento por despesas no caso contrário (artigo 1273º CC). O comodatário não tem, no entanto, direito ao levantamento de benfeitorias voluptuárias (artigo 1275º CC).

No caso concreto, provou-se que o prédio foi sempre trabalhado pelo réu BB, tendo sido por este adquirido, sendo que tal aquisição foi registada a favor daquele em 10/05/1991.

Posteriormente a “DD” adquiriu tal prédio, tendo registado a sua aquisição em 20/04/1993, sendo que o registo de constituição de tal sociedade data de 25/09/1990 e, desde a sua constituição até ao registo da sua dissolução, o réu BB foi sempre seu sócio e gerente, não se provando que, com referência à data de 30/07/1999, o réu explorasse, há mais de 15 anos, o imóvel.

Provou-se, ainda, que, por via de tal ocupação, o réu BB, primeiro por si e depois enquanto sócio da sociedade “DD”, limpou e amanhou o aludido prédio, mantendo-o produtivo. Procedeu ao reboco e à substituição dos sistemas eléctricos e de canalização dos pavilhões destinados à avicultura e suinicultura. Construiu parques no prédio. Vedou o mesmo e nele construiu um picadeiro.

Mas não se provou que tal tenha sido também praticado pela “CC”, ora ré, nem que o réu BB tenha substituído as coberturas dos pavilhões.

Assim sendo, como destes factos não resulta qualquer efectiva ocupação do imóvel reivindicado por parte da ré sociedade, nem que esta, lógica e consequentemente, aí tenha efectuado quaisquer benfeitorias, não poderia deixar de improceder, como improcedeu, o pedido indemnizatório por si deduzido.

Relativamente ao réu BB, é verdade que houve a implantação de benfeitorias, efectuadas quer a nível individual, quer enquanto sócio gerente da “DD”, sendo que ambos foram, sucessivamente, donos e titulares de tal imóvel.

Tendo sido o mesmo imóvel adquirido pela ora autora, em dação em cumprimento, daquela sociedade, que sucedeu na titularidade do imóvel ao réu BB, tal aquisição englobou, necessariamente, a propriedade plena do imóvel, devendo este ser entregue no estado em que se encontrava ao tempo da venda, abrangendo, nomeadamente, as partes integrantes e os frutos pendentes (artigo 882º, n.os 1 e 2, ex vi do artigo 939º CC). O que significa que a transmissão do imóvel para a autora, através da dação em cumprimento, englobou, necessariamente, como bem considerou a sentença, as várias benfeitorias que no mesmo foram efectuadas, quer pela devedora transmitente (Sociedade DD), quer pelos anteriores proprietários (entre os quais figura o réu BB).

Deste modo, competia ao BB a prova de que as benfeitorias (provadas) haviam sido feitas ou introduzidas após o início do comodato, celebrado em 30/07/1999, pois só estas poderiam não ser englobadas naquela transmissão e no valor pelo qual foi efectuada.

Todavia, tal prova, cujo ónus competia ao réu/reconvinte (artigo 342º, n.º 1 CC), não se mostra efectuada, como decorre ainda dos factos provados (pontos 17º e 18º) que os aludidos melhoramentos ou benfeitorias foram introduzidos no prédio, em data anterior à documentada dação em cumprimento, ou seja, enquanto o réu foi o dono de tal prédio e enquanto a dona foi a sociedade DD, de que o mesmo réu era sócio gerente.

Assim sendo, também não poderia deixar de se ter concluído, como havia já concluído a sentença, que as referidas benfeitorias não eram susceptíveis de indemnização, o que tornava desnecessária a apreciação da sua natureza (necessárias, úteis ou voluptuárias), assim improcedendo o pedido reconvencional na totalidade.

5.

Pelo exposto, embora com diversos fundamentos, nega-se a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Lisboa, 21 de Junho de 2012

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Ana Paula Boularot

______________________
[1] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição, página 332.
[2] RLJ, ano 114, página 178.