Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99B040
Nº Convencional: JSTJ00036195
Relator: SOUSA INÊS
Descritores: CASO JULGADO
QUESTÃO PREJUDICIAL
LIMITES DO CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
Nº do Documento: SJ199902180000402
Data do Acordão: 02/18/1999
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Referência de Publicação: BMJ N484 ANO1999 PAG318
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 9830562
Data: 05/21/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC39 ARTIGO 96 ARTIGO 660.
CPC67 ARTIGO 660.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1993/03/23 IN CJSTJ ANO1993 TII PÁG25.
ACÓRDÃO STJ PROC620/98 DE 1998/07/09.
ACÓRDÃO STJ PROC6/97 DE 1997/07/10.
Sumário : I - A partir do CPC61, o caso julgado não se forma acerca das questões prejudiciais, salvo se houver pedido de declaração incidental.
II - O caso julgado material só se forma sobre o pedido e não sobre toda a causa de pedir - a sua força cobre apenas a resposta dada à pretensão do autor e não ao raciocínio lógico que a sentença percorreu para chegar a essa resposta.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A e esposa B intentaram, a 20 de Novembro de 1995, acção declarativa, de condenação, com processo comum, na forma ordinária, contra C e esposa D a reivindicar destes o rés-do-chão de um prédio urbano, sito no lugar da Trindade, freguesia de Meixomil, concelho de Paços de Ferreira, inscrito na respectiva matiz sob o artº 121 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o nº 6913, do livro B-16, com inscrição em vigor, a favor dos autores; e pedindo, ainda, a condenação dos réus a repararem todos os danos que lhes causaram.

Alegam, em resumo, que adquiriram derivadamente o prédio cujo rés-do-chão os réus ocupam, sem qualquer título uma vez que em juízo já foi demonstrado a inexistência de arrendamento que os réus invocam para se negarem a entregar o prédio aos autores.

Os réus contestaram, pugnando pela absolvição dos pedidos, e deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos autores a reconhecerem que os réus são arrendatários do Rés-do-chão reivindicado, pagando a renda mensal de trinta mil escudos, por contrato verbal de fins de Junho de 1984 e cujo fim é o comércio.

Os autores replicaram a manter a sua inicial posição e pugnando pela absolvição do pedido reconvencional.

De essencial, os autores alegaram que, por sentença de 20 de Outubro de 1995, proferida na acção com processo especial de consignação em depósito nº 73/93, do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, que os ora réus moveram aos ora autores, já transitada em julgado, foi acertado nunca ter sido realizado qualquer contrato de arrendamento comercial ou outro entre os ali autores e réus.

Entretanto, na pendência desta acção, os réus instauraram contra os autores procedimento cautelar de restituição provisória de posse da água provinda de um poço existente no quintal do prédio em causa cujo passador os autores, a 4 de Junho de 1996, fecharam, privando de água o estabelecimento comercial dos réus.

A requerida providência foi concedida por douta decisão do Tribunal do Círculo de Paredes de 11 de Julho de 1996 na qual se julgou provado entre os mais, o seguinte facto:

"1. - Desde cerca de 1984 que os requerentes tomaram de arrendamento aos requeridos o R/C do prédio descrito no artigo 1 da petição inicial constante de fls. 2 e seguintes do processo principal",

e sendo certo que tal decisão transitou em julgado.

A seguir, os réus, em articulado superveniente, ampliaram o pedido reconvencional no sentido de os autores reconvindos serem também condenados a reconhecerem que do contrato verbal de arrendamento faz parte integrante o fornecimento de água ao locado nas condições que ficaram expostas nos autos.

Os autores responderam, opondo-se a esta ampliação do pedido reconvencional.
O Tribunal de Círculo de Paredes, por douta sentença (saneador - sentença) de 17 de Março de 1997, depois de admitir o pedido reconvencional, com a ampliação derivada do articulado superveniente, julgou parcialmente procedente e provada a acção, condenando os réus:
a) a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre o rés-do-chão reivindicado; e
b) a entregarem aos autores o referido rés-do-chão, livre de pessoas e bens, absolvendo-os do pedido de condenação na reparação de danos;
e julgou improcedente o pedido reconvencional, com a respectiva ampliação, com condenação dos réus, como litigantes de má-fé, no pagamento de multa, no valor de quinze unidades de conta, e de indemnização aos autores que se veio a fixar em quatrocentos e oitenta e nove mil e quinhentos escudos, acrescida de IVA sobre quatrocentos e cinquenta mil escudos.
Isto assim por se ter entendido, no ponto essencial da sentença desta acção, que a sentença do Tribunal da Comarca de Paços de Ferreira de 20 de Outubro de 1995, proferida na anterior acção com processo especial de consignação em depósito, tem força de caso julgado material relativamente à questão de saber se existiu um contrato de arrendamento entre o autor marido e os réus, relativo ao rés-do-chão reivindicado, ficando definitivamente assente que tal contrato não existiu.
Daí a procedência da reivindicação e a improcedência do pedido reconvencional; e, também tanto quanto se alcança, a condenação dos réus como litigantes de má fé.
O Tribunal da Relação do Porto, por douto Acórdão de 21 de Maio de 1998, em apelação dos réus, confirmou a sentença, sendo de anotar que este arresto vem elaborado nos termos hoje permitidos pelo artigo 713, n. 5, do C.P.Civil de 1995, pelo que nada acrescentou à sentença, não obstante o melindre da questão.
Inconformados, os réus pedem revista.
Mediante este recurso os réus pretendem a revogação do Acórdão em revista, bem como da sentença por ele confirmada, ordenando-se o prosseguimento dos autos.
Para tanto os réus ofereceram douta alegação na qual sustentam, no essencial, que sobre o fundamento da sentença proferida na anterior acção com processo especial de consignação em depósito, segundo o qual nunca foi celebrado qualquer contrato de arrendamento comercial ou outro entre os ali autores e réus, se não formou caso julgado material.
No Acórdão violou-se o disposto nos artigos 456, 497, 498, 522 e 673, todos do C.P.Civil (de 1961).
Os autores alegaram, doutamente, no sentido de se negar a revista.
O recurso merece conhecimento.
Vejamos se merece provimento.
A matéria de facto adquirida não vem posta em crise, sem prejuízo dos aspectos que adiante serão tratadas, nem há lugar à sua alteração, pelo que, nesta parte, em obediência ao disposto no artigo 713, n. 6, aplicável por força do artigo 726, se remete para os termos daquele aresto (e, através dele, para os da sentença).
A situação que ocorre, é aliás, a que acima ficou descrita.
Convém, não obstante, precisar melhor o que se passa com a anterior acção.
Trata-se de uma acção com processo especial de consignação em depósito, intentada pelos ora réus contra os ora autores, nos termos dos artigos, 841, n. 1, alínea b), do C.Civil, 22 e seguintes do Reg. do Arrend. Urbano e 1024 e seguintes do C.P.Civil de 1961, para consignação em depósito da renda de trinta mil escudos, referente a Abril de 1993, de um logo ali alegado contrato verbal de arrendamento de 1 de Outubro de 1984, celebrado entre os ali réus, como senhorios, e o ali autor, como arrendatário, do rés-do-chão em causa.
Foi nesta acção com processo especial que foi proferida a sentença de 20 de Outubro de 1995.
O pedido, nessa acção, foi o de se julgar subsistente e válido o depósito daquela renda e extinta a obrigação.
Nessa acção, a fazer fé na bondade do relatório daquela sentença, nenhuma das partes requereu o julgamento da questão de saber se o invocado contrato de arrendamento era ou não uma realidade, com força de caso julgado fora desse processo, nos termos do artigo 96, n. 2 do C.P.Civil de 1961.
Na mesma sentença, ao fixarem-se as questões que importava solucionar, como se dispunha no artigo 659, n. 1, do C.P.Civil de 1961, não se incluiu entre elas a predita de saber se havia ou não sido celebrado o invocado contrato de arrendamento.
É na motivação de facto da sentença que aparece a referência ao contrato de arrendamento, nos seguintes termos:
São os seguintes os factos provados com relevância para a decisão do incidente de falsidade e para a decisão da causa:
6 - Nunca foi realizado qualquer contrato de arrendamento comercial ou outro, entre os réus e os autores".
Quer isto dizer que o arrendamento não foi tratado naquela sentença como uma questão de direito, a resolver mediante a subsunção de factos respeitantes a declarações negociais das partes à lei, mas sim como uma pura questão de facto, julgada como tal no momento próprio e tida como adquirida ao proferir-se a sentença.
Finalmente, na parte decisória, a sentença limita-se a julgar a acção improcedente e, em consequência, insubsistente e inválido o depósito efectuado.
Nada se decidiu, aqui , acerca do arrendamento.
No C.P.Civil de 1939, dispunha-se no artigo 96, II, sob a epígrafe "Amplitude da competência: decisão dos incidentes e das questões suscitadas pelo réu. Valor desta decisão":
"A decisão destas questões e incidentes não constituirá caso julgado fora do processo respectivo, excepto:
a) Se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente para decidir em razão da matéria e da hierarquia;
b) Se o conhecimento da questão ou do incidente implicar o conhecimento do objecto da acção".
Coerentemente com este preceito, no artigo 660 do mesmo Código, depois de se determinar ao juiz que na sentença resolvesse todas as questões levantadas pelas partes e daquelas que a lei lhe permitisse ou impusesse o conhecimento oficioso, dispunha-se em parágrafo único:
"Consideram-se resolvidas tanto as questões sobre que recair decisão expressa, como as que, dados os termos em causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido".
Foi perante estes textos legais que Manuel de Andrade, invocado pelas instâncias, abordou a questão que se coloca na presente revista.
Ora, aquele mestre não é tão peremptório como se afirma na sentença acolhida no Acórdão recorrido.
Na realidade, Andrade começa por afirmar como regra que "o caso julgado só se forma em princípio sobre a decisão contida na sentença.
O que adquire força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos (materiais) litigados pelas partes e à concessão ou denegação de tutela jurisdicional para esses bens ou direitos. Não a motivação da sentença: as razões que determinaram o juiz; as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar aquela conclusão (pontos ou questões prejudiciais)"
(In "Manual de Direito Processual Civil", ed. de 1956, pag. 296).
Mais adiante, imediatamente antes do texto transcrito pelas Instâncias, Andrade refere como seguro que sobre os simples factos instrumentais (pelo menos) da sentença se não forma caso julgado.
(Ob. Cit. pag306).
Este passo tem importância precisamente porque na sentença de 20 de Outubro de 1995 o arrendamento foi tratado como um facto, adquirido mediante o respectivo julgamento da matéria de facto, e não a título de solução dada a uma questão prejudicial de natureza jurídica.
O que, logo a seguir, aquele autor afirma como coberto pela força do caso julgado é o direito posto em juízo pelo autor com base imediata da sua pretensão, ou seja, na espécie, o direito de consignar em depósito a renda respeitante ao mês de Abril de 1993.
No texto invocado pelas instâncias escreve-se logo a seguir à parte transcrita e sublinhada, dentro do mesmo período: "(...) quando o mesmo se lhe negar, sempre e inalteradamente, um tal valor no tocante aos antecedentes lógicos dessa resposta - aos vários juízos preliminares com que o tribunal a tenha motivado" 3
(3) Ob. cit., pag306.
Ao tempo, ainda merecia grande consideração a doutrina de Savigny que tanto defendeu a extensão da força do caso julgado material aos motivos da sentença, a qual influenciou Alberto dos Reis e o C.P.Civil de 1939.
O que Andrade aceitou, ao interpretar a alínea b) do artigo 96 do C.P.Civil de 1939, foi a formação de caso julgado material acerca da questão prejudicial "sempre que só sobre tal ponto exista divergência entre as partes e o juiz venha a sentenciar em conformidade, dando como liquidada a restante matéria do pleito". "Então é que (...) pode asseverar-se que (...) o julgamento da causa depende unicamente da apreciação desse ponto (...)4".
(4) Ob. cit., pag 314 e 315.
Pois bem: mesmo à luz do disposto no artigo 96, II, alínea b), do C.P.Civil de 1939, caso ainda estivesse em vigor e fosse aplicável à espécie, não se poderia afirmar a formação de caso julgado material sobre o descrito facto número seis da sentença de 20 de Outubro de 1995, ou seja, o nunca ter sido celebrado qualquer contrato de arrendamento entre os réus e os autores daquela acção. Há que considerar com toda a estrutura do processo em que foi tirada aquela decisão.
Trata-se de uma acção com processo especial de consignação em depósito de uma renda.
O que constituía pressuposto mediato de os ali autores consignarem em depósito a renda de Abril de 1993 era a celebração e subsistência do contrato de arrendamento de 1 de Outubro de 1984.
Quando os ali réus negaram a celebração de tal contrato não se defenderam por excepção, mas sim por impugnação.
Deste modo, o que constituiu questão prejudicial, necessária em absoluto à decisão do "thema decidendum", foi a existência do arrendamento.
Só cabia ao tribunal julgar essa celebração e subsistência do arrendamento, ou, então, não provada.
Ora, ao decidir-se, a nível do julgamento da matéria de facto, que "nunca foi realizado qualquer contrato de arrendamento, comercial ou outro, entre os réus e os autores" foi-se muito além do que era necessário em absoluto à decisão da causa, pois que bastava julgar não provada a celebração.
Se o Juiz, nessa sentença, tivesse ido ao ponto de na parte decisória declarar que nunca fora celebrado o contrato, sem dúvida que se trataria de decisão nula, nos termos do disposto no artº 668, n. 1, alínea d), segundo segmento, do Cod. de Procº Civil. Ora, não tendo aquela sentença ido tão longe, aquela afirmação puramente factual não é nem melhor nem mais valiosa.

Desta sorte, mesmo à luz do Cód. de Procº Civil de 1939, quanto aquela afirmação factual, desnecessária à decisão acerca da pretensão de consignar em depósito a renda, de nunca ter sido celebrado qualquer contrato de arrendamento, valeria o disposto no corpo do artº 96º, II, desse Cód. de Procº Civil: a decisão desta questão não constitui caso julgado fora do respectivo processo.

Entretanto, em 1961, o legislador foi sensível aos inconvenientes da solução legislativa anterior que estendia a força do caso julgado material a questões prejudiciais sem requerimento das partes nesse sentido. E teve também em atenção que a doutrina e jurisprudência de países com sistemas afins ao nosso se entendia que o caso julgado se não forma acerca das questões prejudiciais, salvo se houver pedido de declaração incidental (Andrade, ob. cit, págs. 308 a 311 e 316; e Antunes Varela, in "Manual de processo Civil", 2ª edição, pág. 718 e 719)

Por isto, com o Cód. de Procº Civil desse ano, foram revogados, do anterior de 1939:

a) o § único do artº 660º que considerava resolvidas, não apenas as questões sobre que recaísse decisão expressa, mas também as que, dados os termos da causa, constituíssem pressuposto necessário do julgamento expressamente proferido;

b) a al. b) do artº 96º que estendia a força do caso julgado material às questões prejudiciais necessárias em absoluto ao conhecimento do objecto da acção;

c) e a própria expressão "valor desta decisão" na epígrafe do predito artº 96º.

Eurico Lopes "Cardoso, no seu Cód. de Procº Civil Anotado, ainda entendeu que o sentido destas revogações não terá sido o de negar força de caso julgado material à decisão das questões prejudiciais necessárias, mas sim o de deixar mão livre aos tribunais.

E, de facto, encontram-se muitas decisões, por vezes reveladoras de simples inércia que atribuem força de caso julgado material as decisões (propriamente ditas) acerca das questões prejudiciais em absoluto (o que, repete-se, até nem é o caso dos autos).

Antunes Varela (In "Manual de Processo Civil, 2ª Edição, págs. 710 e seguintes) , interpretando a lei actual, ou melhor, o Cód. de Procº Civil de 1961 que, nesta parte, não foi alterado em 1995, ensina que o caso julgado material só se forma sobre o pedido, ou seja, o efeito jurídico pretendido pelo autor e não toda a causa de pedir (Repete-se que, na espécie, só a existência do arrendamento constitui causa de pedir da acção; e não a sua existência). A força do caso julgado cobre apenas a resposta dada à pretensão do autor e não ao raciocínio lógico que a sentença percorreu, para chegar a essa resposta. Decorre do artº 96º do Cód. de Procº Civil que a decisão de questões suscitadas pelo réu não constitui caso julgado fora do processo respectivo, a não ser que alguma das partes requeira o julgamento com essa amplitude. "A força do caso julgado não se estende, por conseguinte, aos fundamentos da sentença, que no corpo desta se situam entre o relatório e a decisão final" (Varela, ob. Cit., pág. 714).
"Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para efeitos de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final" (Varela, ob. cit., pág. 716).
"As reservas formuladas quanto à eficácia do caso julgado sobre os factos subjacentes à decisão procedem de igual modo, mutatis mutandis, quanto às relações jurídicas prejudiciais (...)" (Varela, ob. cit., pág. 717).

Precisamente na espécie, a afirmação de nunca ter sido celebrado o arrendamento não integra a decisão final, constitui apenas um fundamento da sentença, com natureza factual (na sua concreta economia), de onde não se encontrar coberta pela força do caso julgado material (Escreveu-se no Acórdão de 23 de Março de 1993 (Carlos da Silva Caldas), deste Tribunal, in Colectânea - Supremo, 1993, II, pág. 25: "As respostas aos quesitos numa causa não são prova absoluta em outra, ainda que as partes sejam as mesmas, não têm força de caso julgado"). E, para mais, tal afirmação revela-se impertinente, incidenter tantum, dada a sua absoluta desnecessidade; para a improcedência da acção bastava que se não provasse, como se não provou, a existência do contrato e não o seu contrário (prova do contrário).

Entendimento não de todo coincidente é o de Miguel Teixeira de Sousa (In "Estudos Sobre o Novo Processo Civil", págs. 578 e seguintes, em especial pág. 581). Mas interessa à decisão deste pleito, aqui e agora, o que esse Autor observa: "importa acrescentar, no entanto, que essas relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas só podem conduzir à extensão do caso julgado aos fundamentos da decisão quando o processo no qual ela foi proferida fornecer às partes, pelo menos, as mesmas garantias que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos. (...) Esta regra mais não é que uma extensão do princípio de que as provas produzidas num processo não valem numa outra causa que ofereça maiores garantias às partes (artº 522º, nº1), pois que, se nessas circunstâncias, aquelas provas não possuem qualquer valor extraprocessual, também os fundamentos a que respeitam não podem valer fora do respectivo processo".

Ora, na espécie, a sentença de 20 de Outubro de 1995 foi proferida em acção com processo especial de consignação em depósito cujos termos terão sido os dos artigos 1024º e ss. do Cód. de Procº de 1961, em especial os do artº 1028º, nº 1, desse Código, ou seja, os termos do processo Sumário, e sem possibilidades de intervenção do tribunal colectivo ou de recurso dado o valor da causa (artº 678º do Cód. de Procº Civil de 1961). Tratou-se, assim, de processo que ofereceu menos garantias que as do presente, que é uma acção declarativa com processo comum na forma ordinária, de onde, à luz do princípio que se revela no artº 522º, nº 1, do Cód. de Procº Civil de 1961, o facto adquirido sob o número seis daquela sentença não poder ter valia na presente causa.

Concluiu-se, assim, que as instâncias erraram quando atribuiram força de caso julgado material à afirmação contida no ponto seis da motivação de facto da sentença de 20 de Outubro de 1995.

Na verdade, a afirmação de inexistência de arrendamento ali produzida tem o mesmo valor que a afirmação da sua existência feita no número primeiro da sentença de 11 de Julho de 1996 (fls. 12 do apenso de restituição provisória de posse), nos presentes autos, isto é, nenhum.

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em, concedendo revista, revogar o Acórdão recorrido, bem como a sentença por ele confirmada a partir da linha 7 a fls. 93 (a seguir ao segundo asterisco), incluindo a parte respeitante à condenação dos réus como litigantes de má fé, devendo a acção prosseguir os seus termos.
Custas pelos autores.
Lisboa, 18 de Fevereiro de 1999.
Sousa Inês.
Nascimento Costa. (Segue Declaração de Voto)
Pereira da Graça.
DECLARAÇÃO DE VOTO:

Subscreve a decisão apenas porque ao processo de consignação em depósito foi atribuído o valor de 30000 escudos, pelo que não podia ser julgado pelo Colectivo nem havia recurso.
A prova obtida não pode por isso fornecer garantias suficientes para se considerar aqui procedente a excepção de caso julgado.
Não acompanho a fundamentação restante do acórdão, que vai na linha de uma orientação restritiva sobre o âmbito do caso julgado.
Tenho-me situado em posição, creio que maioritária hoje na doutrina e na jurisprudência, que propende a um certo regresso a Savigny, como expus em acórdãos de que fui relator (acórdãos de 9 de Julho de 1998, recurso 620/98 e de 10 de Julho de 1997, recurso 6/97).
Ilídio Gaspar Nascimento Costa