Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
321-B-1997.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
DIREITO DE REMIÇÃO
OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO AGRAVO
Sumário : 1.O direito de remição configura-se como um «direito de preferência legal de formação processual», exercitado, - no caso de venda por negociação particular, até ao momento da assinatura do título que documenta a transmissão dos bens, - por um dos familiares do executado, previstos no art. 912º do CPC, que seja terceiro relativamente à execução, tendo como finalidade a protecção do interesse do círculo familiar em evitar a saída do património da família dos bens alienados em processo executivo.

2.O titular do direito de remição – que não detém o estatuto processual de parte na execução –não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar - executado e, nessa qualidade, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do direito - não impondo a lei de processo que seja notificada a data e local em que se irá realizar certa venda extrajudicial, cujos elementos essenciais já se mostram definidos e foram levados ao oportuno conhecimento dos interessados.

3.A omissão de uma notificação que devesse ter sido feita ao executado no decurso da fase da venda extrajudicial constitui nulidade secundária que deve ser reclamada oportunamente, sob pena de sanação, nos termos do art. 205º do CPC.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1.Nos autos de execução ordinária n.º321/97, pendente na 4ª Vara Cível do Porto, em que figura como exequente o Banco BPI,SA, e como executados AA e mulher, BB, procedeu-se à venda por negociação particular do prédio penhorado, sendo o mesmo adquirido por CC. Junto aos autos o título de transmissão e elaborada e notificada a conta de custas, foi pelo comprador do referido imóvel apresentado requerimento a peticionar a investidura na posse, com recurso às forças da autoridade pública, se necessário , em caso de oposição do executado – sendo proferido despacho judicial a ordenar a notificação do executado para, em 20 dias, fazer entrega do imóvel ao adquirente, nos termos dos arts.901º e 928º do CPC.
Como o executado não tivesse procedido, no prazo legal, à entrega do imóvel ao comprador, requereu este que o tribunal realizasse entrega efectiva e coerciva do bem adquirido.
Logo após a apresentação deste requerimento, vieram os filhos menores dos executados, DD e EE, por estes legalmente representados, apresentar,em 21/4/08, requerimento em que declaram pretender exercer o direito de remição relativamente ao bem vendido, juntando a respectiva guia de depósito.
Tal pretensão foi indeferida por despacho que considerou o requerimento manifestamente intempestivo, uma vez que já havia sido assinado, em 16/11/07, o título – escritura pública – que documentava a venda por negociação particular do referido imóvel.
Inconformados, agravaram os titulares do invocado direito de remição para a Relação do Porto, suscitando na sua alegação o facto de aos agravantes não ter sido dado conhecimento da data, lugar e preço da celebração da escritura.
A Relação do Porto, na sequência de reclamação para a conferência da decisão liminar do relator, concedeu provimento ao agravo, por ter entendido não terem sido notificados aos executados – legais representantes dos remidores – o despacho em que se determinou a notificação da encarregada da venda de que a mesma continuava a interessar, devendo proceder à sua realização pela melhor oferta ( que era a do comprador, ora recorrente, pelo valor de €26.000,00) , bem como a data e local da celebração da escritura pública que veio ulteriormente a realizar-se.


2. Inconformado com tal decisão, interpôs o comprador do imóvel – afectado pelo reconhecimento da tempestividade do exercício do direito de remição – agravo em 2ª instância para o STJ, esclarecendo que o mesmo tinha como específico fundamento a oposição do acórdão recorrido com outro, proferido pela Relação de Lisboa, que identifica: trata-se do acórdão de 13/3/08, proferido no p.581/2008, constante da base jurisprudencial daquela Relação em www.dgsi.pt.
E, efectivamente, estando-se perante um «agravo continuado», em que a Relação foi chamada a pronunciar-se sobre decisão da 1ª instância, a admissibilidade de acesso ao STJ, para reapreciar a questão procedimental ou adjectiva que dele é objecto, depende de o recorrente invocar, como específico fundamento do recurso, a existência de um conflito jurisprudencial, ainda não resolvido pelos mecanismos de uniformização da jurisprudência, entre o acórdão recorrido e o indicado como acórdão fundamento.
Tal pressuposto verifica-se efectivamente no caso dos autos, já que o acórdão invocado, proferido pela Relação de Lisboa no mesmo quadro legal - o da reforma de 1995/96 do CPC, já que estava em causa execução iniciada em 1998, - considerou que não constituía nulidade a não notificação aos executados dos requerimentos e despachos em que se consignava que não tinha conseguido obter-se melhor proposta para a venda por negociação particular, que o exequente dera o acordo para a realização da venda, bem como da decisão para que a esta se procedesse, bastando-se a lei de processo com as notificações previstas no art. 886º-A, nºs 1 e 4 do CPC.
Ou seja: na lógica decisória do acórdão. da Relação de Lisboa, invocado pelo recorrente, basta que , no caso de os bens penhorados irem ser vendidos por negociação particular, se consumem as notificações previstas no citado artigo, notificando-se o executado – familiar do titular do direito de remição - estritamente nos termos desse preceito legal.
Pelo contrário, no acórdão. recorrido adoptou-se entendimento mais exigente, ao considerar-se que todas as vicissitudes ocorridas ao longo do processado que culmina na venda por negociação particular incluindo
a - informação atinente à data e local de celebração da escritura - carecem de ser notificadas aos executados, como legais representantes dos remidores, seus filhos menores – sendo, deste modo, manifesto que se adoptaram interpretações diferentes do regime normativo que rege as notificações no âmbito da acção executiva e os seus reflexos na tutela e exercício do direito de remição.



3. O acórdão. recorrido assentou na seguinte situação processual:

Da análise dos autos de execução, de que foram constituídos estes autos de agravo em
separado, retiramos, pelo seu relevo para a apreciação e decisão do recurso, além dos já referidos, os seguintes elementos:
A fls. 683, foi lavrado auto de abertura de propostas, em que se consignou não terem sido apresentadas propostas, ordenando-se a notificação do exequente para requerer o que tivesse por conveniente.
A fls. 695, o exequente Banco "BPI" requereu que se procedesse à venda do imóvel penhorado, por negociação particular, pelo valor mínimo de € 52.373,78, indicando logo para o efeito a Leiloeira e Imobiliária V......, Lda.
A fls. 697, foi ordenada a venda do imóvel penhorado, por negociação particular, pelo preço mínimo indicado pelo exequente, nomeando-se encarregada da venda a sociedade indicada. Fixou-se o prazo de 30 dias.
O mandatário dos executados AA e mulher foi notificado de tal despacho.
A fls. 709, foi deferido o pedido da encarregada da venda de mais trinta dias de prazo para a venda.
A fls. 721, a encarregada da venda veio informar que a melhor oferta obtida até então tinha sido de € 25.000,00.
A fls. 722, despachou-se no sentido de serem notificados o exequente, executado e credores para em dez dias se pronunciarem.
O exequente veio dizer que aceita o valor de € 25.000,00 obtido para a venda do imóvel.


A fls. 735, os executados vieram dizer que se opõem a que a venda se faça por tal preço e requerer que lhes seja concedido o prazo de dez dias para virem aos autos informar a identidade de interessado disposto a pagar um preço não inferior a € 50.000,00 pelo imóvel penhorado, requerimento que foi deferido.
A fls. 743, os executados pediram a prorrogação de tal prazo, por 15 dias, requerimento que foi deferido.
A fls. 744, CC veio manifestar o seu interesse em adquirir o mesmo imóvel pelo valor de € 26.000,00.
A fls. 749, determinou-se que fossem notificados exequente e executado de tal requerimento para, em dez dias, se pronunciarem.
A fls. 759, o exequente veio informar que aceita o valor de € 26.000,00 oferecido por CC.
A fls. 760, tendo decorrido o prazo requerido pelos executados, determinou-se a notificação da encarregada da venda para ter em conta a proposta apresentada pelo dito CC e para, em 10 dias, informar se logrou obter melhor proposta.
A fls. 822, ordenou-se a notificação do encarregado da venda "de que a mesma continua a interessar e deverá proceder à sua realização pela melhor oferta que até então obteve".
Não resulta dos autos que tal despacho tenha sido notificado aos executados.
A fls. 824, a encarregada da venda informou ter concretizado a venda a CC, por ter sido dele a melhor oferta, juntando depósito autónomo.
A fls. 827, foi ordenado se extraísse e entregasse à encarregada da venda a certidão requerida, a fim de ser lavrada escritura pública.
Não resulta dos autos que este despacho tenha sido notificado aos executados.
A fls. 860, a encarregada da venda veio informar ter sido efectuada a escritura pública de venda do imóvel penhorado, juntando cópia da mesma (escritura de 16 de Novembro de 2007).
De fls 891, consta duplicado de "título de transmissão", certificando-se que o bem penhorado (o prédio rústico designado por Campo da Encosta), foi adquirido por CC, através de negociação particular, pelo preço de € 26.000,00, quantia que depositou nos autos, tendo também efectuado o pagamento do IMT e do
imposto de selo. Certificando-se ainda que o despacho de adjudicação foi devidamente notificado e transitou em julgado.

4. São as seguintes as conclusões da alegação do agravante:

a) O douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ora recorrido, pronunciou-se pela tempestividade do exercício pelos ora Agravados do direito de remição sobre o bem adquirido pelo Agravante (prédio rústico denominado "Campo da E.......", sito na freguesia de Balazar, concelho da Póvoa do Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 00000000 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1.002), determinando a revogação do despacho que indeferiu o exercício do invocado direito por caducidade.
b) Muito embora o direito de remição vise a protecção do património da família do Executado, não poderá isso implicar que outros direitos, interesses e legítimas expectativas de terceiros (ademais, acautelados pela previsão legal relativa à remição) sejam completamente desatendidos, como o foram mediante a interpretação realizada pelo Acórdão recorrido do artigo 913.°, alínea b), do Código de Processo Civil, que excedeu, em larga medida, os termos literais da referida previsão legal, as exigências processuais subjacentes e o princípio da certeza e da segurança jurídicas conatural às relações jurídicas negociais privadas.
c) Os remidores sabiam (ou deviam saber, porque o ónus dessa informação cabe aos Executados) que o imóvel seria vendido por venda particular e que tinham de manifestar a intenção de remir.
d) É inconcebível que, sabendo da venda por negociação particular, bem como do valor oferecido pelo Agravante, possam depois de vendido o bem vir exercer um suposto direito de remição por alegado desconhecimento da venda!
e) Constam do recurso e do processo principal elementos mais do que suficientes para se ter de concluir que nada é mais falso do que a alegação de desconhecimento de elementos suficientes para o exercício do direito de remição.
f) O acórdão em causa refere que "A Fls. 697, foi ordenada a venda do imóvel penhorado, por negociação particular, pelo preço mínimo indicado pela exequente, nomeando-se encarregada da venda a sociedade indicada. Fixou-se o prazo de 30 dias",
g) pelo que a 3 de Fevereiro de 2006 os Executados tinham conhecimento da venda e dos termos em que a mesma se realizaria,
h) estando já nessa data congregados os pressupostos, necessários e indispensáveis, para o exercício do direito de remição (ou para a manifestação da intenção de remir o bem em causa), ainda que os Agravados nada tenham feito nesse sentido.
i) A Fls. 721, a Encarregada informou de que o melhor preço obtido até Outubro de 2008 para o imóvel em causa era de € 25.000,00, do que os Executados tiveram pleno conhecimento (notificação efectuada em 8 de Dezembro de 2005 - vide Fls. 724), sendo que, ainda assim, os Remidores, ora Agravados, nada fizeram.
j) A Fls. 732, o Exequente, Banco BPI — Sociedade Aberta, apresentou requerimento a informar que aceitava a venda pelo valor de € 25.000,00.
k) A Fls. 735, os Executados apresentaram requerimento de oposição à venda pelo valor de € 25.000,00 e requereram que lhes fosse dado prazo para indicar um comprador que daria pelo imóvel o valor de € 50.000,00; os remidores não se manifestaram.
1) Foi-lhes concedido (aos Executados) um prazo de 10 dias (Fls. 737) e uma prorrogação de 15 dias (Fls 745), mas não chegaram a identificar o alegado comprador.
m) A 23 de Março de 2007, o ora Agravante veio apresentar a sua proposta de aquisição do bem imóvel pelo valor de € 26.000,00 (Fls. 744 - anterior 149).
n) Os Executados foram notificados desta proposta (Fls 745 e 749).
o) Decorrido mais de um ano da notificação do despacho previsto no artigo 886.°-A do CPC, ninguém veio exercer o direito de remição.
p) O Exequente BANCO BPI SA - Sociedade Aberta, informou, a 27 de Abril de 2007, que aceitava o valor de € 26.000,00.

q) A resposta dos Executados manteve-se; haveria um interessado no bem que supostamente estaria disposto a pagar o dobro do valor proposto pelo Agravante — interessado esse que nunca foi identificado.
r) Por despacho de Fls 765 (notificado aos Executados a Fls. 767), manteve-se o despacho de Fls. 164 (agora Fls. 760), em que se dizia "Notifique o Sr. encarregado da venda para ter em conta tal proposta nas diligências tendentes à venda e para, em 10 dias, informar nos autos se logrou obter melhor proposta'.
s) Não havia melhor proposta e os Executados sabiam-no.
t) Após várias diligências, todas notificadas aos Executados (excepto as apresentadas pelos mesmos), veio o Tribunal (por despacho de Fls. 791) responder ao requerimento dos Executados (Fls. 785 a 787): "Em relação ao alegado pelos executados quanto ao valor do bem a vender, mais uma vez se esclarece aqueles que o bem deverá ser vendido a quem ofereça melhor proposta, podendo os mesmos identificar interessados à encarregada da venda e/'ou ao tribunal, e a melhor oferta será a considerada'' (notificação aos Executados em Fls. 793).
u) Por despacho de Fls. 805 (notificado aos Executados a Fls. 808 - expedição a 20 de Setembro de 2007) ordenou-se que fossem notificados todos os intervenientes processuais do conteúdo de Fls. 200 a 208 e para, querendo, se pronunciarem sobre o direito de preferência invocado pelo Agravante, o que os Executados fizeram, embora com escassos e malogrados fundamentos.
v) O preço proposto pelo Agravante de € 26.000,00 já havia sido dado a conhecer aos Executados há 4 meses, e ainda assim ninguém tinha vindo manifestar a intenção de remir o bem em causa.
w) O despacho de Fls. 822 não traria qualquer novidade para os Executados, porquanto estes já sabiam que o imóvel seria vendido e sabiam qual o preço pelo qual o imóvel seria vendido: já sabiam da venda desde o despacho de Fls. 697 e já sabiam do valor da venda desde o despacho de Fls. 749.
x) O conhecimento a que se refere o artigo 886°-A do CPC estava assim consolidado, pelo menos, desde Março de 2007.
y) A escritura de compra e venda pela qual o Agravante adquiriu o imóvel em causa foi celebrada a 16 de Novembro de 2007, decorridos mais de oito meses da consolidação do conhecimento de todos os elementos necessários para a venda do imóvel.
z) Era neste período que os Executados deveriam ter exercido o direito de remição.
aa) Assim, atentos os actos processuais acima mencionados, e salvo o devido respeito, o preceito do artigo 913.°, alínea b), do CPC, e os vários direitos e interesses em causa aquando da venda de um bem, por negociação particular, foram largamente preteridos, pretendendo-se, deste modo, apagar os efeitos de uma compra e venda absolutamente legítima, de cuja celebração os Executados tinham pleno conhecimento — o que aliás a lei processual (e a reforma de 1995/1996) visa precisamente evitar.
bb) O direito de remição (previsto no artigo 913.°, alínea b), do CPC) e o tempo do seu exercício legítimo foram alterados pela Reforma do processo Civil de 1995/1996, passando a lei a precludir a possibilidade de o remidor exercer o direito por conhecimento superveniente da venda.
cc) Não é, portanto, legítimo extrair-se do artigo 913.°, alínea b), do CPC, a interpretação no sentido de que o remidor ainda pode exercer o direito posteriormente à celebração da escritura.
dd) O remidor tinha conhecimento, ou pelo menos deveria ter conhecimento, da venda pelas informações que o Executado lhe deu (ou devia ter dado).
ee) Os Executados tiveram conhecimento inequívoco do despacho previsto no artigo 886.°-A do CPC.
ff) O legislador afastou a notificação dos titulares do direito de remição porque, sendo eles familiares directos dos executados e dada a finalidade do instituto (protecção da família), assume que os executados lhes deram a informação necessária sobre a venda, devendo ter-se por suficiente esse meio de conhecimento — que efectivamente ocorreu nos presentes autos.
gg)Entende o Agravante, como o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de Janeiro de 2009 (Processo n° 877/2002.C1, in http: //ww.dgsi.pt/jttcnsf/c3fb530030eal c61802568d9005cd5bbl\07flfe52e5a6562802575680054aa4e?OpenDocument&HigbJight=0.remi%C3%A7%C3%A3o.notifíca %C3%A7%C3%A3o). que "I — O direito de remição consiste, essencialmente, em se reconhecer à família do executado a faculdade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução, e destina-se à protecção da família, através da preservação do património familiar, visando a saída dos bens penhorados no âmbito da família do executado. II — Na venda por negociação particular, o remidor só pode exercer o direito de remição até ao momento da assinatura do título que a documenta. III - 0 legislador afastou a notificação dos titulares do direito de remição porque, sendo eles familiares directos do executado e dada a finalidade do instituto (protecção da família), parte-se do princípio de que o executado lhes deu a respectiva informação necessária sobre a venda, e ser suficiente esse meio de conhecimento (ónus do executado). IV — Uma vez informado ou avisado pelo executado, recai sobre o remidor o ónus de comunicar ao encarregado da venda (na venda por negociação particular) que pretende exercer o direito de remição, devendo este informar o remidor da melhor oferta, da data e local para a celebração da escritura pública. V — Recai sobre o remidor o ónus de comunicar que pretende exercer o direito de remição no lapso de tempo que medeia entre o momento em que o executado seu familiar é informado da modalidade de venda e o momento da assinatura do título que documenta a venda por negociação particular, [negrito e sublinhado nossos]"
hh) Recaía sobre os Executados o ónus de informar os familiares directos e sobre estes (Agravantes) o ónus de acompanhar a situação dos bens. É para isso que a lei impõe a notificação ao executado da modalidade da venda e do preço (artigo 886.°-A n.°4 do Código de Processo Civil) — o que sucedeu.
ii) Uma vez informados ou avisados pelos executados, recaía sobre os Agravados o ónus de comunicar à Encarregada da Venda que pretendiam exercer o direito de remição.
jj) Cabia aos Remidores o ónus de comunicarem que pretendiam exercer o direito de remição no lapso de tempo que mediou entre o momento em que os Executados foram informados da modalidade da venda e do preço oferecido e o momento da assinatura do título que a documenta. Certo é que os Agravados não o fizeram.

kk) A mesma conclusão consta do Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Março de 2008 (in www.dgsi.pt).
11) Necessário era que os Remidores dessem conhecimento da sua intenção de remir e não o fizer.
Mas ainda que assim não fosse, no que não se concede e que por mero dever de zelo se acautela,
mm) Os Executados foram notificados do despacho de Fls 881 a 882 (a 14 de Dezembro de 2007 - Fls. 884), do qual resulta claramente que o imóvel em causa havia sido vendido.

nn) A 4 de Fevereiro de 2008 (Fls. 901), foram notificados da conta de custas — sabendo assim que o processo estava findo.
oo) Os Executados foram notificados do despacho de Fls. 918 e 919 (notificação de 05.03.2008), do qual resulta claramente que o imóvel em causa já havia sido vendido.
pp) Em 10 de Março de 2008 (Fls. 925), o Agravante apresentou requerimento para ser investido na posse do imóvel em causa visto que os Executados se recusavam a sair do mesmo.
qq) O requerimento foi deferido pelo despacho de Fls. 926, que ordenou a entrega do imóvel, no prazo de 20 dias, tendo o seu conteúdo sido notificado aos Executados (notificação datada de 26.03.2008, de Fls. 929).
rr) Os Executados não procederam à entrega do imóvel em causa, pelo que, por requerimento de 18 de Abril de 2008, o Agravante informou o Tribunal, novamente requerendo a entrega do imóvel (Fls. 932) com auxílio das forças de autoridade pública.
ss) Só a 21 de Abril de 2008, vieram os filhos dos Executados pretender exercer o direito de remição já caducado (Fls. 936 a 939).
tt) Admitir que se possa usar da remição (extrapolando largamente do conteúdo das revisões legais dos artigos 913.°, alínea b) e e 886°-A do CPC), 5 meses depois do conhecimento da realização efectiva da venda, é, além do mais, consentir no abuso de direito.

uu) O pretendido pelos Agravados não era, mesmo antes da reforma de 1995/1996, admitido!
w) Em suma, o acórdão recorrido ultrapassa até os limites que a anterior legislação, mais permissiva, estabelecia para o exercício do direito de remição.
ww) Salvo o devido respeito, o Agravante não pode nem quer conceber que a interpretação latíssima do acórdão ora recorrido possa, ao arrepio dos princípios básicos do nosso ordenamento jurídico, anular a legítima aquisição pelo mesmo do direito de propriedade plena sobre o imóvel em causa, com base no exercício não só intempestivo como também abusivo do direito de remição.
xx) No presente caso é por demais clara a consolidação da venda efectuada, sendo sobejamente injusta e infundamentada a anulação da venda legitimamente efectuada.
yy) O douto acórdão viola assim, nos termos do artigo 755° n° 1, alínea b), por errada interpretação e aplicação, os artigos 913.°, alínea b) e 886°-A do Código de Processo Civil, devendo, em consequência, manter-se o despacho que indeferiu o direito de remição dos Agravados por intempestivo.

Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

5.. O direito de remição – que “consiste essencialmente em se reconhecer à família do executado a faculdade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução” (José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2.º, reimpressão, Coimbra, 1982, p. 476) – “tem raízes profundas no nosso sistema jurídico”, que remontam às Ordenações e que, com ligeiras variações quanto ao leque dos familiares em que era encabeçado e à natureza dos bens sobre que podia ser exercitado, foi mantido desde o Decreto n.º 24, de 16 de Maio de 1832 (artigo 153.º), passando pela Reforma Judiciária de 1837 (artigo 248.º), pela Novíssima Reforma Judiciária (artigo 602.º), pela Lei de 16 de Junho de 1855 (artigo 16.º), até aos Códigos de Processo Civil de 1876 (artigo 888.º), de 1939 (artigo 912.º) e de 1967 (artigo 912.º) – cf.

autor e obra citados, p. 477, e Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, Lisboa, 1987, pp. 660-662.

Embora na sua actuação prática o direito de remição funcione como um direito de preferência dos titulares desse direito relativamente aos compradores ou adjudicatários, “os dois direitos têm natureza diversa, já pela base em que assentam, já pelo fim a que visam”. Quanto à diversidade de fundamento, “ao passo que o direito de preferência tem por base uma relação de carácter patrimonial”, sendo a razão da titularidade o condomínio ou o des-dobramento da propriedade, já “o direito de remição tem por base uma relação de carácter familiar, sendo a razão da titularidade o vínculo familiar criado pelo casamento ou pelo parentesco (a qualidade de cônjuge, de descendente ou de ascendente)”. Quanto à diversidade de fim, enquanto “o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou de reduzir a compropriedade, ou de favorecer a passagem da propriedade imperfeita para a propriedade perfeita”, já “o direito de remição inspira-se no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas” (José Alberto dos Reis, obra citada, pp. 477-478).

A protecção da família, através da preservação do património familiar, evitando a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado, é , deste modo, o objectivo da consagração legal do direito de remição .

Ao direito de remição sempre (cf. artigo 914.º, n.º 1, do CPC, ) foi atribuída prevalência sobre o direito de preferência (embora, naturalmente, se houver vários preferentes e se abrir licitação entre eles, a remição tenha de ser feita pelo preço correspondente ao lanço mais elevado), o que permite qualificar o direito de remição como um “direito de preferência qualificado” (José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, cit., p. 272) ou um “direito de preferência reforçado” (J. P. Remédio Marques)

O artigo 913.º do CPC, na redacção posterior à reforma de 1995/1996 (operada pelos Decretos-Leis n.ºs 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro) mas anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março – versão aplicável ao caso dos presentes autos –, regulava o momento até ao qual o direito de remição podia ser exercido e que variava consoante a modalidade da venda. Assim:

– no caso de venda judicial (sempre por propostas em carta fechada, uma vez que a reforma de 1995/1996 eliminou a modalidade de venda judicial por arrematação em hasta pública), o direito de remição podia ser exercido até ser proferido despacho de adjudicação dos bens ao proponente (este despacho de adjudicação só podia ser proferido “após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão” – artigo 900.º do CPC);

– no caso de venda extrajudicial documentada por título, até à assinatura do título; e

– no caso de venda extrajudicial não documentada por título, até ao momento da entrega dos bens.

De salientar pelo seu particular relevo para a situação litigiosa dos presentes autos, que a reforma de 1995/96 eliminou a possibilidade, prevista na parte final da alínea b) da versão originária do artigo 913.º, de, no caso de venda por negociação particular, o direito de remição poder ainda ser exercido no prazo de dez dias a contar da data em que o remidor tivesse conhecimento da venda: visou-se com tal restrição quanto ao momento até ao qual pode ser exercido o direito de remição garantir a estabilidade da venda realizada à ordem do processo executivo, tutelando os direitos do comprador de boa fé e a confiança por ele legitimamente depositada na validade e eficácia da aquisição, dificilmente compatibilizável com a possibilidade de exercício tardio do direito, no prazo de 10 dias a contar do superveniente conhecimento da venda pelo remidor, - envolvendo este novo regime a criação para este de um ónus de acompanhar a evolução do processo e a situação dos bens, de modo a poder efectivar oportunamente o seu direito, antes de consumada a alienação.

Importa, por outro lado, clarificar liminarmente a posição e o estatuto processual do titular do direito de remição face à acção executiva em que são alienados os bens que dele constituem objecto: na verdade, o remidor não é parte na acção executiva,

detendo, antes pelo contrário, necessariamente a posição de terceiro relativamente à execução (cfr.Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3º, pag.621).Por outro lado, como titular de um «direito de preferência legal de formação processual», não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal, por força do preceituado no art.892º( cfr.Autor e ob. cit, pag. 624).

Deste estatuto processual decorre que o interessado na remição, como terceiro, não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar - executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito: a concordância de interesses entre os familiares atingidos patrimonialmente pela execução permite compreender a solução legal , particularmente no que se refere à dispensa de notificação pessoal dos possíveis remidores para exercerem, querendo , o seu direito visando a manutenção da integridade do património familiar.

Na verdade, sendo o interesse tutelado com o instituto da remição o interesse do círculo familiar do executado, por ele, desde logo, encabeçado, - e não propriamente qualquer interesse endógeno e típico da acção executiva – considerou justificadamente o legislador que se não impunha complicar e embaraçar a normal tramitação da execução com a averiguação da possível existência de familiares próximos do executado e as diligências tendentes a permitirem a sua localização, com vista a notificá-los pessoalmente para o eventual exercício da remição : cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem , com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo legitimamente depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou.

Note-se que, apesar de o remidor não ser parte, beneficia, quanto às condições procedimentais do exercício do direito que lhe assiste,

da tutela conferida pelo art. 20º da Constituição, não podendo ser-lhe criados ónus ou obstáculos desproporcionados à efectivação da pretendida aquisição dos bens familiares: assim, no Ac. nº 277/07,o TC decidiu julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio do processo equitativo, consagrados nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação da norma do n.º 2 do artigo 912.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, segundo a qual só se considera validamente exercido o direito de remição, por um descendente do executado, no acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, se for acompanhado do depósito da totalidade do preço oferecido na proposta aceite.

No que respeita à tempestividade do exercício do direito de remição, defrontamo-nos com dois valores ou interesses antagónicos, ambos susceptíveis de tutela constitucional: por um lado, o direito do remidor em não ser arbitrariamente privado da possibilidade de salvaguarda e manutenção do património familiar, através da criação de regimes procedimentais desproporcionadamente preclusivos ou limitativos – e como tal violadores do art. 20º da Constituição; por outro lado, a expectativa legítima do adquirente dos bens em não ver a estabilidade e a eficácia da venda executiva abalada, através e um exercício inadmissivelmente tardio e abusivo do direito do remidor, susceptível de ofender o princípio da confiança, ínsito no do Estado de direito democrático.

6.A resolução da situação debatida no presente recurso envolve a resposta a três questões:

- impunha a lei de processo a notificação ao executado dos despachos e vicissitudes processuais, cuja omissão levou o acórdão recorrido a concluir pela tempestividade do exercício da remição?

- a ter existido tal nulidade, não teria a mesma de considerar-se sanada ou precludida, face ao regime que rege a invocabilidade das nulidades processuais secundárias?

-pode vislumbrar-se, na concreta situação dos autos algum constrangimento desproporcionado ao tempestivo exercício do direito de remição pelos interessados, se estes e os seus legais representantes actuassem com a cautela e a diligência devida?

7.Sobre as notificações na fase da venda por negociação particular em acção executiva regem os arts.886º-A e 905º, dos quais decorre que é notificado às partes o despacho que ordena a venda nessa modalidade, designa a pessoa que, como mandatário, fica incumbida de a efectuar e fixa o preço mínimo por que pode ser realizada.

No caso dos autos, fixada a modalidade da venda, verificou-se uma controvérsia entre os interessados sobre o valor mímimo por que se podia vender o imóvel penhorado, decorrente de o encarregado da venda não ter logrado realizá-la pelo valor inicialmente indicado, que culminou na apresentação de proposta pelo comprador, ligeiramente superior ao valor sugerido pelo encarregado da venda :as partes foram sendo ouvidas sobre a matéria, culminando o processado no convite para se pronunciarem sobre a proposta apresentada – sendo esta aceite pelo exequente e nada tendo dito os executados.

Perante tal silêncio, o juiz comunicou ao encarregado da venda de que a mesma continuava a interessar, devendo proceder à sua realização pela melhor oferta obtida. Seguidamente, teve lugar a concretização da venda e a sua formalização por escritura, comunicadas aos autos pelo encarregado da venda.

Deveriam tais vicissitudes processuais ter sido obrigatoriamente notificadas ao executado?

Não existindo regime especial nas normas que regem a acção executiva, é naturalmente necessário recorrer à parte geral do CPC, nomeadamente ao disposto no art. 229º: ora, da aplicação deste regime decorre que não carecem de ser notificados às partes as diligências meramente executivas que, no plano prático, visam concretizar uma venda extrajudicial, já previamente determinada e definida nos seus elementos essenciais, nomeadamente o preço por que vai ser realizada: é que, ao contrário do sustentado pelos recorridos, o executado não tem o direito de assistir e estar presente ao acto de outorga na escritura de venda, nem tem qualquer direito processual a pronunciar-se especificamente sobre as diligências práticas que visam permitir a realização do negócio, sem qualquer inovação relativamente aos seus elementos essenciais, já precedentemente definidos( não sendo obviamente convocáveis as normas que regulam a abertura das propostas em carta fechada, já que não estamos aqui confrontados com uma venda judicial)

Deste modo – e por carecerem, em absoluto de natureza inovatória, nem contenderem com direitos ou garantias das partes, - - não teriam de ser notificados os despachos e informações que constam de fls.824,827,860 e 891.

Já poderá ser mais duvidosa a situação referente ao despacho de fls.822, no caso de se entender que foi o mesmo que encerrou definitivamente a controvérsia acerca do valor pelo qual o imóvel iria ser vendido pela encarregada de venda.

Mas, mesmo que, porventura, se entenda que ocorreu omissão da notificação ao executado de tal despacho, é evidente que a nulidade secundária eventualmente cometida está sanada, pelo facto de os executados – nessa qualidade ou como legais representantes dos remidores - a não terem invocado, nos termos do art. 205º do CPC, na sequência de actos que, sem qualquer dúvida possível, demonstravam que a venda já se havia consumado ( como inquestionavelmente ocorre com o requerimento de 18/3/08, em que se peticionava a entrega do imóvel ao adquirente).

Aliás, em bom rigor, verifica-se que os executados acabaram por não reclamar perante o Tribunal de 1ª instância a referida nulidade, apenas a suscitando, como representantes dos remidores, no âmbito do recurso de agravo em que impugnaram o despacho que julgou manifestamente intempestivo o exercício do direito de remição – portanto, em termos manifestamente intempestivos e inadequados, face ao regime consignado no citado art.205º

7.Na peculiar situação dos autos, dispuseram os remidores de plena oportunidade processual para, agindo com a diligência devida, obterem os meios patrimoniais necessários para o exercício da remição e manifestar no processo a vontade de remir, antes de consumada a venda por negociação particular.

Era, na verdade, evidente para quem seguisse o processo com um mínimo de atenção que – pelo menos, a partir de 3/7/07 (fls 791)- estava iminente a consumação da venda pelo valor oferecido pelo comprador, ao qual os executados não deduziram oposição. Ora, se tivermos em conta que a venda apenas se consumou em 16/11/07,é evidente que os interessados dispuseram de vários meses para se informarem e confirmarem o curso mais que previsível do processo, contactarem com o encarregado da venda, se necessário, e reunirem os meios pecuniários necessários ao exercício da remição.

Nestas circunstâncias, é evidente que não se verificou qualquer obstáculo ou dificuldade desproporcionada no tempestivo exercício do direito de remição pelos familiares dos executados – e, aliás, por eles legalmente representados.

8.Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao agravo, revogando a decisão recorrida na parte em que considerou tempestivo o exercício do direito de remição.

Custas pelos recorridos.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2009

Lopes do Rego (Relator)

Pires da Rosa

Custódio Montes