Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3573/16.2T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PERDA DE CHANCE
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE MANDATO
ADVOGADO
JUÍZO DE PROBABILIDADE
NEXO DE CAUSALIDADE
DANOS PATRIMONIAIS
INCUMPRIMENTO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 07/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O dano da perda de chance processual traduz-se numa certa probabilidade de ganhar a ação, afirmação que é independente da dificuldade de quantificação dessa probabilidade e é independente de se qualificar a perda de chance como dano emergente ou lucro cessante.

II - Para haver indemnização, a probabilidade de ganho de causa há-de ser razoavelmente elevada, uma “possibilidade real” de sucesso que se malogrou, competindo ao lesado a alegação e prova dessa probabilidade de êxito.

III - E tem de verificar-se um nexo de causalidade entre a aludida perda de chance e os prejuízos patrimoniais demonstrados em concreto.

IV - Não é toda a perda de chance que pode ser reconhecida como um dano indemnizável, mas, apenas, a perda de chance que se manifeste consistente e séria e com um grau razoável de concretização.

Decisão Texto Integral:

***

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.



1 - AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB e outros, peticionando pela procedência da ação a condenação dos RR. a pagar ao A.: 

“a) A título de danos patrimoniais o montante de € 69.367,29, acrescido de juros de mora desde a entrada do requerimento executivo, bem como todas as despesas do processo executivo, conforme supra alegado e peticionado;

b) A título de danos não patrimoniais a quantia de € 25.000,00, acrescidas de juros de mora até efetivo e integral pagamento.”

Pedido que veio a ser reduzido quanto aos danos patrimoniais para o valor de € 56.087,51.

Para tanto alegou, em suma:

- ter recorrido ao escritório dos aqui RR. a quem outorgou procuração para o patrocinarem no âmbito de injunção na qual foi demandado;

- agendada audiência de discussão e julgamento, apresentaram os RR. renúncia ao mandato a 24/11. E em 25/11 no início da audiência requereu R. CC a notificação da renúncia apresentada ao ora A. ali presente, bem como que a audiência fosse dada sem efeito atenta tal renúncia e subsequente notificação;

- o A. foi notificado e o requerido adiamento foi indeferido. Tendo sido realizada a audiência de julgamento sem a presença do referido R. CC que após o decidido se ausentou da audiência;

- ficando o ora autor sem representação de mandatário e sem testemunhas por ter sido instruído pelo R. a não fazer comparecer as mesmas já que a audiência seria adiada, na sequência da renúncia que seria apresentada com vista a obter esse mesmo adiamento para “preparar devidamente” o julgamento;

- no processo mencionado veio o A. a ser condenado ao pagamento da totalidade da quantia peticionada;

- tendo sido apresentado recurso pela R. DD foi o mesmo julgado improcedente. Posteriormente tendo sido instaurada execução contra o ora A., tendo como valor da execução € 81.637,29.

- Desse valor reconhecendo o A. ser apenas devidos € 12.000,00;

- Os RR. a quem o A. conferiu mandato, não atuaram com a prudência necessária, nem com a perícia e diligência exigível;

- Tendo causado ao A. com as suas condutas danos patrimoniais e não patrimoniais que elencou. A final peticionando a sua condenação ao pagamento desses mesmos valores.

2 - Devidamente citados, contestaram os RR..

Em suma tendo:

- Excecionado a sua ilegitimidade porquanto os RR. BB, EE, FF e CC (1º a 4º R.R.) sempre atuaram enquanto sócios da sociedade “João Pedroso e Associados RL – Sociedade de Advogados RL”, sendo em nome e no interesse desta que exercem a advocacia.

Tendo a 5ª R. DD sido contratada verbalmente pela referida sociedade para assinar duas peças processuais – prestando assim um serviço à referida sociedade - como é do conhecimento do autor.

Agindo todos os RR. em nome da sociedade. Motivo por que é esta sociedade quem deve ser demandada.

Assim concluindo pela sua absolvição da instância.

Sem prescindir, mais alegaram os RR. apenas ter o R. CC tido intervenção direta no processo em que o A. foi demandado.

Pelo que e a não se considerar que todos são partes ilegítimas, então apenas este R. deverá ser considerado parte legítima.

Com a consequente absolvição da instância dos demais RR.;

- Impugnado parcialmente o alegado pelo autor.

Afirmando ter sido cumprido o mandato conferido, de acordo com as instruções e orientações do autor, incluindo a renúncia ao mandato que o A. invocou na petição.

A qual nenhuma consequência teve na produção da prova.

Mais alegaram inexistir dano decorrente do mandato, nem nexo causal entre qualquer ato do R. CC e a condenação do A..

Sendo a probabilidade de sucesso da oposição deduzida na injunção em causa claramente diminuta. Pelo que a pretensão indemnizatória com base na perda de “chance” tem de improceder.

- Sem prescindir, requereram ainda os RR. a intervenção principal provocada das companhias de seguro “Axa” - atual “Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A.” e “Mapfre Seguros Gerais, S.A.” ao abrigo de contratos de seguro de responsabilidade civil com as mesmas celebrado, transferindo os RR. como sócios e a sociedade, em nome de quem alegaram ter atuado, a responsabilidade pelos danos decorrentes do exercício da advocacia para a 1ª seguradora “Ageas” (identificando duas apólices); e os RR. enquanto advogados essa mesma responsabilidade para a segunda companhia “Mapfre” – sendo tomador de tal seguro neste caso a Ordem dos Advogados.

Termos em que terminaram peticionando que seja(m):

“a) (…) considerada a ilegitimidade dos réus, sendo os mesmos absolvidos da instância;

b) (…)  considerada a ilegitimidade dos réus BB, EE, FF e DD, sendo os réus absolvidos da instância;

 c) (…) consideradas procedentes, por provadas, as exceções alegadas pelos réus com a consequente absolvição dos mesmos do pedido;

d) (…) considerados os pedidos do autor improcedentes por não provados e, consequentemente absolvidos os réus do pedido;

e) (…) admitir a intervenção principal provocada da AXA (atual AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A.), assumindo a qualidade de ré, juntamente com os demais réus no processo, nos termos dos artigos 316º e seguintes do CPC, mais requerendo, para o efeito, que seja ordenada a citação desta ré, nos termos e para os efeitos do artigo 319º do CPC;

f) (…) admitir a intervenção principal provocada da Mapfre Seguros Gerais, S.A.,

assumindo a qualidade de ré, juntamente com os demais réus no processo, nos termos dos artigos 316.º e seguintes do CPC, mais requerendo, para o efeito, que seja ordenada a citação desta ré, nos termos e para os efeitos do artigo 319.º do CPC.”

 3 - Respondeu o A. às exceções invocadas, concluindo pela sua improcedência. Sem prescindir e perante o alegado, mais requereu a intervenção principal provocada da sociedade de advogados “João Pedroso e Associados RL – Sociedade de Advogados RL”.

4 - Foram admitidas as requeridas intervenções principais e citadas quer a sociedade de advogados quer as seguradoras.

5 - Não contestou a chamada sociedade de advogados.

 6 - Contestou a chamada “Ageas” alegando que o 2º contrato de seguro invocado pelos RR. não estava em vigor à data dos factos. No mais invocou não responder pelos danos eventualmente causados porquanto em causa está a responsabilidade individual de cada um dos RR. e não da sociedade por si segura. Sem conceder, invocou ainda a exclusão do contrato de seguro dos atos em questão por não terem sido tempestivamente reclamados os danos. Mais tendo impugnado o alegado e concluído inexistir dever de indemnizar.

Concluindo pela procedência das exceções e quando assim se não entenda pela sua absolvição do pedido.

 7 - Contestou a chamada “Mapfre”, em suma tendo alegado:

- a sua ilegitimidade porquanto o contrato de seguro foi celebrado entre si e a Ordem dos Advogados, estando excluído da sua cobertura a responsabilidade da sociedade de advogados a quem o mandato foi conferido, sociedade que transferiu a sua responsabilidade para a também chamada Axa;

- No mais impugnou o alegado.

Tendo concluído pela procedência da exceção de ilegitimidade invocada e quando assim se não entenda pela sua absolvição do pedido.

 8 - Respondeu a Ageas à exceção de ilegitimidade invocada pela chamada Mapfre.

 9 - Realizada audiência prévia, foi na mesma proferido despacho saneador no qual:

- se admitiu a redução do pedido apresentada pelo autor e se fixou o valor da ação em € 94.367,29 e

 - foram apreciadas e julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade invocadas.

- no mais se tendo relegado para final o conhecimento das outras exceções (substantivas) deduzidas.

Foi ainda identificado o objeto do litígio e após identificação dos factos já assentes entre as partes, enunciados os temas da prova.

10 - Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença e, sendo a final decidido:

A) condeno as intervenientes “João Pedroso e Associados – Sociedade de Advogados, RL” e MAPFRE – Seguros Gerais, S.A., a pagar ao A. AA:

a) € 32.000,00 de danos patrimoniais (…);

b) € 8.000,00 de danos não patrimoniais;

c) acrescem juros de mora a partir da data de citação das intervenientes. 

B) Absolvo os RR. e a interveniente AGEAS dos pedidos.”


*


Do assim decidido, apelaram as intervenientes principais “João Pedroso, Associados, Sociedade de Advogados, RL” e “Mapfre Seguros Gerais, S.A.”, sendo decidido pelo Tribunal da Relação do Porto:

“Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedentes os recursos interpostos por “João Pedroso, Associados, Sociedade de Advogados, RL” e “Mapfre Seguros Gerais, S.A.”., consequentemente e revogando a decisão recorrida (no que respeita à condenação destas intervenientes) decidindo absolver as mesmas do pedido contra si deduzido. 

Custas pelo Autor”.


*


Agora inconformado o A., com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ, e formula as seguintes conclusões:

“1. Não pode o Recorrente conformar-se com o douto acórdão proferido entendendo haver violação de lei substantiva por erro de interpretação e aplicação, devendo, por conseguinte, ser o mesmo revogado, sendo proferido acórdão que mantenha a decisão proferida em primeira instância.

2. Na verdade, o caso em análise nos presentes autos reporta-nos para a figura da perda de chance, na medida em que veio o Recorrente na presente ação peticionar danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da atuação ou omissão dos seus advogados no âmbito do processo n.º 82679/13....

3. Não podendo o Recorrente concordar com o entendimento vertido pelo tribunal a quo no douto acórdão recorrido quanto à perda de chance.

4. De facto, no caso em apreço, o Recorrente contratou os Recorridos melhor identificados na petição inicial como seus advogados, tendo assim celebrado um contrato de mandato forense.

5. Obrigando-se assim os mesmos a desenvolver uma actividade com todo o zelo e utilizando os seus conhecimentos técnicos para encontrar a solução jurídico-legal adequada, gerando a violação destes deveres responsabilidade perante o cliente.

6. No caso em apreço, resulta dos autos que o Recorrido Dr. CC atuou de forma ilegítima, não tendo agido com a necessária ciência, competência, zelo e diligência profissionais.

7. Na verdade, no que concerne à atuação do Recorrido Dr. CC, resultou provado designadamente o que consta nos artigos 6.º a 11.º, 32.º, 33.º, 38.º, 40.º e 41.º da matéria de facto dada como provada.

8. Ora, resultou assim que o Recorrido CC, não obstante bem saber que o julgamento não foi adiado na sequência da renúncia à procuração, optou por abandonar o julgamento, deixando que o mesmo se realizasse sem que o Recorrente estivesse acompanhado de mandatário.

9. Resultando ainda inequivocamente que o Recorrido CC havia transmitido ao Recorrente que o julgamento seria adiado e que não seria necessário que se fizesse acompanhar pelas suas testemunhas.

10. Ora, ao renunciar à procuração, em face do disposto no artigo 47.º do Código de Processo Civil, devia o Recorrido Dr. CC saber que não seria o julgamento adiado.

11. E, a não entender assim, ao ter conhecimento no dia da audiência de discussão e julgamento de que o mesmo se iria realizar, sempre se encontrava obrigado a assegurar o patrocínio do Recorrente.

12. Bem sabendo que o Recorrente se encontrava convicto de que o julgamento não se iria realizar e que, abandonando a audiência de discussão e julgamento, deixaria o Recorrente desamparado.

13. Impedindo aquele de em tempo útil obter a assistência de outro advogado.

14. Não tendo além disso em momento posterior interposto atempadamente recurso da decisão que indeferiu o adiamento, mas tendo apenas apresentado requerimento a invocar a nulidade de tal despacho.

15. Tendo, sem qualquer margem para dúvida violado de forma objetiva o disposto nos indicados normativos legais, mais precisamente no n.º 2 do artigo 92.º e alíneas b) e e) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 95.º do EOA/2005.

16. Ora, verificando-se uma atuação ilícita por parte do Recorrido Dr. CC e incumpridora do mandato que lhe foi conferido – a qual não é colocada em causa pelo tribunal a quo, cumpria assim aferir da responsabilidade que tal violação gera e da obrigação de indemnização ao Recorrente.

17. Concluindo, contudo, como referido supra, o tribunal a quo que no caso em apreço não poderia proceder o pedido de indemnização formulado por não ter o Recorrente demonstrado no seu entendimento a perda de uma qualquer oportunidade ou chance que demande indemnização

18. Contudo, salvo melhor opinião, mas acompanhando entendimento que tem merecido acolhimento a nível doutrinal e jurisprudencial, entende o Recorrente que no caso em apreço, a perda de chance deve ser considerado com um dano intermédio, autónomo do dano final, gerando a obrigação de indemnizar não apenas quando seja possível demonstrar o nexo causal entre o facto e o dano final, mas quando se pode concluir que existia a possibilidade de obtenção de um resultado final, perdendo a parte

tal possibilidade em consequência da atuação do mandatário.

19. Sendo nesses casos a chance portadora de um valor de per si, sendo a respetiva perda passível de indemnização, desde logo quanto à frustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram para o expectante.

20. Veja-se neste sentido e quanto às dificuldades de estabelecimento do nexo causal - Manuel Carneiro da Frada em Direito Civil - Responsabilidade Civil - O Método do Caso, Coimbra, 2006, p. 100 e ss., em especial pp. 103 e 104 e Patrícia Costa, em O Dano da Perda de Chance e a sua Perspectiva no Direito Português, Dissertação de Mestrado, p. 101.

21. A não se entender assim e não podendo afirmar-se o nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa do interveniente e os danos sobrevindos para os autores, tal conduzirá irremediavelmente a inúmeras situações (senão mesmo na quase totalidade) em que não obstante se poder afirmar sem margem para dúvidas que o profissional violou os seus deveres, tendo incumprido ou cumprido defeituosamente o mandato que lhe foi conferido, tal como ocorre no caso em apreço, não ocorre qualquer penalização do mesmo.

22. Ora, a chance ou oportunidade perdida merece a tutela do direito porque, à data da violação ilícita, integra o património jurídico do lesado, o seu património económico e moral, sendo ressarcível por consubstanciar um dano certo.

23. No caso em apreço não poderíamos assegurar com absoluta certeza que a ter o Recorrido Dr. CC cumprido as suas obrigações profissionais, assegurando a representação do Recorrente no âmbito da audiência de discussão e julgamento e produzindo a prova indicada pelo Recorrente, teria sem margem para dúvidas sido obtido provimento quanto ao alegado em sede de oposição.

24. Nem tal prova seria fácil de fazer se considerarmos desde logo que o julgamento no âmbito do processo n.º 82679/13... se realizou em novembro de 2014 e o julgamento no âmbito dos presentes autos se realizou no ano de 2019 e assim decorridos já cerca de sete anos desde os factos em causa, os quais decorreram no ano de 2012.

25. Sendo assim os depoimentos das partes e testemunhas fortemente condicionados pelo longo período de tempo decorrido e pelas recordações das mesmas sobre os acontecimentos.

26. Sendo por outro lado muito difícil replicar na ação de responsabilidade civil movida contra o advogado, o julgamento que ocorreria na outra ação, desde logo, porque uma das partes da ação inicial não é parte na ação de responsabilidade civil, não sendo possível garantir o contraditório nos termos em que seria realizado na primeira ação, tornando assim mais difícil prever qual teria sido o desfecho daquela.

27. Neste caso o Recorrente, foi privado de um direito processual essencial, consagrado na lei do processo, que no caso em apreço constituirá também um bem jurídico protegido pelo contrato.

28. Devendo por conseguinte, desde que provada a existência de uma atuação indevida por parte do advogado, admitir-se que a perda de chance de vencimento é suficiente para que a consistência da oportunidade perdida justifique uma indemnização.

29. E, a entender nesse caso o tribunal não ser possível determinar o dano sofrido, sempre deverá ser atribuída indemnização a calcular de acordo com critérios de equidade, nos termos do disposto no artigo 566.º do Código Civil.

30. Veja-se neste sentido, os seguintes acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-01-2014, proc. n.º 15/11.3TCGMR.G1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2010, Proc. n.º 171/2002.S1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/02/2013 - proc. n.º 488/09. 4TbESP.P1.S1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/03/2011, Proc. n.º 9195/03.0TVLSB.L1.S1.

31. Ora, o Recorrido Dr. CC, agiu de forma ilícita ao abandonar a audiência de julgamento, não obstante bem saber encontrar-se obrigado a assegurar o patrocínio do Recorrido até que este constituísse novo mandatário.

32. Acresce que, por indicação do Recorrido, Dr. CC, as testemunhas do Recorrente não compareceram em sede de audiência de discussão de julgamento, não tendo assim sido ouvidas.

33. Por outro lado, o Recorrente foi inquirido pelo tribunal, sem a presença de mandatário, o que determinou que as testemunhas da outra parte não fossem sujeitas a contraditório, atendendo ao facto do Recorrido não ter assistência de advogado na audiência de discussão e julgamento.

34. Sendo assim certo que, em consequência da atuação do Dr. CC, perdeu o Recorrente a oportunidade de fazer valer a sua tese em sede de audiência de discussão e julgamento.

35. Por facto, repita-se, unicamente imputável ao Dr. CC.

36. Ora, a perda da oportunidade e do direito de produzir a sua prova e contraditar as testemunhas da parte contrária, no âmbito do processo de injunção e assim a perda da oportunidade de tentar demonstrar os seus argumentos numa fase tão crucial do processo, constituem necessariamente uma perda de chance, um dano que merece tutela legal e que, como tal tem de ser indemnizado.

37. Nestes termos, agiu o Dr. CC de forma ilícita e culposa, tendo violado os deveres a que se encontrava adstrito em virtude do mandato conferido e tendo em consequência de tal conduta perdido o Recorrente qualquer oportunidade de produzir a sua prova e contraditar as testemunhas da parte contrária e assim de fazer valer a sua tese.

38. Assim, considerando a atuação do Recorrido e o que se deixou acima exposto quanto à perda de chance, a qual sem margem para dúvidas se verifica no caso em apreço em consequência de uma atuação de Recorrido ilícita, culposa e violadora do mandato conferido pelo Recorrente, sempre deveria tal perda de chance ter sido considerada como um dano autónomo, sendo a respectiva perda passível de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, tal como decidido pelo tribunal de primeira instância.

39. Acresce ainda que, para além do que se deixa supra exposto, vem o tribunal a quo no douto acórdão recorrido pronunciar-se em concreto no que concerne aos danos não patrimoniais.

40. No que concerne aos factos provados 49 a 54, referentes aos danos sofridos até ao desfecho final da ação e subsequente execução, remete-se para o exposto supra, entendendo-se que são de facto tais danos ressarcíveis.

41. Por outro lado e no que concerne aos factos provados nos pontos 40 e 41, entendeu o tribunal a quo que o Recorrente terá decidido tal estratégia em conjunto com o Dr. CC, tendo “colaborado e anuído na estratégia processual, na medida em que a insegurança e nervosismo sejam justificados no não adiamento, não é este circunstancialismo imputável ao mandatário R., pois a decisão em si de não adiamento não lhe é imputável.

42. E mesmo que se entenda estar em causa tão só o nervosismo e insegurança de depor sem a presença do seu advogado (sem correlacionar com o ponto 41, como a decisão da matéria de facto o fez), esta factualidade então e só por si não assume gravidade suficiente para justificar uma indemnização autónoma.”

43. Ora, com o devido respeito por opinião diversa, não podemos concordar com tal entendimento.

44. Na verdade, resulta dos autos que a renúncia seria apresentada por decisão conjunta entre o Recorrente e o Recorrido CC.

45. Contudo, resulta também dos autos que o Recorrente se encontrava confiante que o julgamento seria adiado, tendo tal crença sido transmitida e firmada pelo Recorrido Dr. CC que aliás terá transmitido ao Recorrente que não era necessário que as testemunhas comparecessem – vide facto 38 da matéria de facto dada como provada.

46. Ora, o Recorrente não tem quaisquer conhecimentos jurídicos, tendo procurado profissionais habilitados, da área para o representarem no processo, pelo que, não obstante poder o Recorrente concordar com a renúncia, não saberia naturalmente o Recorrente os efeitos de tal renúncia.

47. Não podendo ser o Recorrente a saber se tal determinaria o adiamento ou não do julgamento, nem podendo tal ónus ser imputado ao Recorrente.

48. Pelo contrário, o Recorrido, Dr. CC, como advogado, tinha obrigação de saber que a renúncia não determinaria o adiamento do julgamento e que não ocorrendo o adiamento se encontrava obrigado a assegurar a representação do Recorrente.

49. Até porque, como resulta dos autos, continuou a ser o advogado do Recorrente e a representá-lo mesmo após a renúncia à procuração – vide factos 30, 31 e 33 da matéria de facto dada como provada.

50. Pelo que, não tendo sido adiado o julgamento e ao não ter o Recorrido CC continuado a assegurar a representação do Recorrente, os danos não patrimoniais daí decorrentes apenas àquele podem ser imputados.

51. Na medida em que foi o Recorrido Dr. CC não cumpriu com a diligência que se lhe impunha, não tendo assim cumpridos mandato que lhe foi conferido.

52. Pelo que, em face do que se deixa supra exposto, entende o Recorrente, com devido respeito por entendimento diverso que mal andou o tribunal a quo ao decidir em sentido contrário, revogando a decisão proferida em primeira instância.

53. Tendo violado designadamente os artigos 493.º, 562.º e seguintes, 798.º e 799.º do Código Civil.

54. Devendo, por conseguinte, ser revogado o douto acórdão proferido pelo tribunal a quo, mantendo-se a douta sentença proferida pelo tribunal de primeira instância.

55. Pelo que, deve ser admitido e apreciado o recurso pelo Recorrente interposto.

TERMOS EM QUE,

Deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida com as legais consequências”.

Responde a recorrida, João Pedroso e Associados, Sociedade de Advogados, RL., concluindo:

“1. A reapreciação da matéria de facto requerida pela agora Recorrida foi considerada pelo tribunal recorrido como tendo observado os ónus de impugnação e especificação que sobre si recaía.

2. No entanto, entendeu o tribunal recorrido não efetuar tal reapreciação na medida em que, mesmo que esta fosse procedente, o desfecho não seria diferente, não advindo por isso qualquer efeito útil da requerida reapreciação.

3. Nesse contexto, decidiu o tribunal recorrido com base na matéria de facto apurada pelo tribunal de primeira instância, julgando totalmente procedentes os recursos interpostos pelas agora Recorridas “João Pedroso, Associados, Sociedade de Advogados, RL” e “Mapfre Seguros Gerais, S.A.”., e, consequentemente, revogando a decisão proferida (no que respeita à condenação destas intervenientes) decidindo absolvê-las do pedido contra si deduzido.

4. Assenta esta decisão, agora recorrida, no facto de o tribunal de segunda instância ter julgado procedentes a questões jurídica suscitada pela Apelante / Recorrida no recurso de apelação interposto, no qual se afirma que os pressupostos da indemnização (arbitrada) – de acordo com os factos provados e não provados não questionados - por perda de chance se não verificam.

5. Efetivamente, no recurso de apelação interposto e julgado procedente pela decisão agora em recurso, a Apelante/Recorrida invocou a ocorrência de erro na subsunção jurídica dos factos ao direito, levada a cabo pelo tribunal de primeira instância, ao apreciar e julgar procedentes as conclusões 5, 7 segs. aí vertidas;

6. Julgando procedente tal argumentação, concluiu o tribunal recorrido que, independentemente da procedência de todos os demais fundamentos de recurso oportunamente suscitado pela Apelante/Recorrida, a pretensão do Apelado/Recorrido improcede na totalidade, inexistindo fundamento para condenar a interveniente sociedade a pagar ao Autor, agora Recorrente, um valor indemnizatório que o mesmo fundou na violação dos deveres contratuais e estatutários do(s) mandatário(s) e que o tribunal de primeira instância entendeu ser de imputar à agora Recorrida na qual os RR. advogados se integram.

7. Subjacente ao pedido formulado nos autos, está a responsabilidade civil/profissional de advogado pela prática de atos jurídicos, tendo o Apelado/Recorrente invocado que os Snrs. Drs. BB, EE, FF, CC, GG e HH, todos advogados da sociedade de advogados “João Pedroso e Associados – Sociedade de Advogados, RL”, e II, advogado estagiário, e tal como julgado pelo tribunal de primeira instância, a própria Apelante/Recorrida interveniente (atento o que consta em 3 dos factos provados), não cumpriram ou cumpriram defeituosamente as obrigações que lhes advinham do exercício de tal mandato, causa dos prejuízos que elencou na sua petição.

8. A pretensão indemnizatória do Apelado/Recorrente funda-se portanto na «perda de chance» ou a «perda de oportunidade» de evitar um prejuízo – a condenação que sobreveio nos autos mencionados em 1) dos factos provados.

9. Segundo a construção da teoria do dano da perda de chance, a ressarcibilidade desse dano fica condicionada pela verificação de uma chance neutra, que comporte a possibilidade (séria) de materialização num resultado favorável, sem que dessa oportunidade resulte uma certeza, e em que, apesar dessa incerteza, «a pessoa se encontre numa situação de poder vir a alcançar esse resultado, porque reúne um conjunto de condições de que depende a sua verificação», mostrando-se, portanto, «investida de uma chance real de consecução da finalidade esperada (…) sem que seja concomitantemente provada a presença de qualquer facto impeditivo ou extintivo desses resultados» – que o Apelado/Recorrente não alegou e que por isso não logrou provar.

10. O Tribunal de primeira instância decidiu que «responsáveis pelas indemnizações são as agora Intervenientes/Recorridas “João Pedroso, Associados, Sociedade de Advogados, RL” e “Mapfre Seguros Gerais, S.A.”», não tendo sido interposto recurso da absolvição dos Réus.

11. No presente caso, o que está em causa é a prova, pelo Apelado/Recorrente, da probabilidade de sucesso da oposição à injunção n.º 82679/13... constante de fls. 73/81, no sentido de concluir pela total improcedência desta.

12. Acontece, porém, que a Apelado/Recorrente não alegou factos que permitissem ao Tribunal avaliar do «grau de probabilidade de obtenção da vantagem» ou da «probabilidade real, séria e esperável» de a sua pretensão ser julgada procedente, o que sempre inviabilizaria a possibilidade de determinação de qualquer eventual indemnização.

13. O direito a uma indemnização pela perda de chance, no caso dos profissionais forenses, tem de ser feita de acordo com o grau de probabilidade de sucesso no litígio em questão e de forma a concluir que essa oportunidade ficou, por via da ação ou omissão do advogado, irremediavelmente perdida.

14. Contudo, a conjugação de toda a factualidade, provada e não provada, evidencia a não demonstração por parte do Apelado/Recorrente - a quem incumbia o ónus de o provar – de um circunstancialismo suscetível de fundamentar um qualquer juízo sério de que a oposição que naquela ação deduziu – seguindo o «critério do julgamento dentro do julgamento» - viria a ter qualquer tipo de viabilidade.

15. Analisando, assim, o ilícito imputado ao CC - consistente numa violação dos deveres contratualmente impostos ao réu no âmbito do contrato de mandato forense que lhe foi concedido -, conclui o Apelado/Recorrente que «o Recorrido Dr. CC, agiu de forma ilícita ao abandonar a audiência de julgamento, não obstante bem saber encontrar-se obrigado a assegurar o patrocínio do Recorrido até que este constituísse novo mandatário (…), Sendo assim certo que, em consequência da atuação do Dr. CC, perdeu o Recorrente a oportunidade de fazer valer a sua tese em sede de audiência de discussão e julgamento.»

16. Por amor à verdade, importa referir que o CC não é Recorrido, por ter sido absolvido pelo tribunal de primeira instância, absolvição essa da qual o Apelado/Recorrente não recorreu.

17. Sem prejuízo, não podendo, na situação em análise, afirmar-se que a conduta do CC tivesse provocado ou implicado perda de chance, prefigura-se que a omissão não conduz a um verdadeiro dano.

18. Tanto basta para que se não verifique a chamada perda de uma qualquer oportunidade ou chance que demande indemnização.

20. Nestes termos e melhores de direito, cujo douto suprimento se invoca, e soçobrando, desta forma, as conclusões da alegação do Apelado/Recorrente, deverá a presente resposta ser recebida e julgada totalmente procedente por provada, em consequência do que deve o recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido.

21. Caso assim se não entenda, deve sempre ser ordenada a baixa do processo ao tribunal recorrido, para reapreciação da matéria de facto requerida pela agora Recorrida, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito a proferir – cfr. art. 682º, nº 2 do CPC.

Com todas as consequências, como é de Justiça”.

Respondeu a recorrida Mapfre – Seguros Gerais, S. A., concluindo:

“I. A proceder o presente Recurso, o que apenas à cautela se admite, os presentes Autos sempre terão de ser remetidos ao Tribunal “a quo” para reapreciação da matéria de facto objeto dos recursos de Apelação e demais questões de direito, nomeadamente quanto à ilegitimidade da ora Apelada, e que aquele Tribunal Considerou ter ficado “Prejudicado” ou ser “inútil”, atento o disposto no artigo 679.º do Código de Processo Civil.

Contudo,

II. A Decisão recorrida é exemplar no que ao cumprimento do dever de gestão processual e os princípios da celeridade, da cooperação e da economia processual diz respeito, face uma Decisão cujo erro na aplicação do direito aos factos era manifesta, pelo que deverá ser mantida na sua íntegra.

III. Fundando-se a Causa de Pedir dos Autos na responsabilidade civil profissional de advogado, o direito que o Recorrente se arroga titular sempre terá de se limitar a uma mera “perda de chance”, como Julgou, e bem, a Decisão recorrida e é aceite pelo Recorrente, conf. conclusões 2, 18, 19, 22 da Alegação de Recurso.

IV. No caso dos Autos subjacentes aos presentes (Injunção n.º 82679/13...), não foi a conduta dos mandatários do Recorrente que determinou a condenação deste no pagamento do valor do contrato de empreitada objeto daquela Injunção.

V. Inexiste qualquer nexo de causalidade entre qualquer conduta dos mandatários do Recorrente e a condenação deste no âmbito dos Autos de Injunção, cuja defesa, atenta a prova produzida e as próprias declarações de parte do Recorrente, sempre estaria votada ao insucesso.

VI. Independentemente de qualquer conduta ilícita do advogado do Recorrente, o que não se aceita, o certo é que, face aos factos constantes dos Autos, o ora Recorrente nunca lograria obter ganho de causa na ação judicial subjacente aos presentes Autos.

VII. O Recorrente, sequer, alegou em sede de petição inicial, factos que permitissem ao Tribunal avaliar do “grau de probabilidade de obtenção da vantagem” ou da “probabilidade real, séria e esperável” de a sua pretensão ser julgada procedente, o que sempre inviabilizaria a possibilidade de determinação de qualquer eventual indemnização.

VIII. O Recorrente não alegou, qual teria sido o teor do depoimento que as testemunhas que alegadamente não compareceram na audiência final que pudesse vir a determinar a sua absolvição.

IX. Antes, do relatório pericial junto aos autos, da prova documental carreada  pela Requerente da Injunção, o depoimento das testemunhas destas e o depoimento de parte do A., que o Tribunal julgou como incongruente e pouco credível, sempre determinariam a sua condenação.

Acresce que,

X. A obrigação de qualquer mandatário judicial não é uma obrigação de resultado, mas sim uma obrigação de meios.

XI. A Decisão recorrida não é passível de qualquer juízo de censura, contrariamente ao que o Recorrente pretende fazer crer, sendo, antes, exemplar no que ao cumprimento do dever de gestão processual e os princípios da celeridade, da cooperação e da economia processual diz respeito, face a uma Decisão cujo erro na aplicação do direito aos factos era manifesta.

XII. Devem, assim, improceder as Conclusões do Recurso interposto pelo Recorrente, na sua íntegra.

Ainda que assim não fosse,

XIII. Sempre teria de se concluir pela inexistência da prática de facto ilícito por parte do mandatário do Recorrente.

XIV. Resulta da fundamentação de facto da Sentença proferida pela Primeira Instância que: 36 - O fundamento da renúncia à procuração foi o protelamento do processo para o A. poder negociar a dívida e conseguir liquidez com vista ao pagamento da dívida. / 37 – E foi decidido em conjunto pelo A. e pelo CC, o que determina que o Recorrente validou o patrocínio exercido pelos seus mandatários, independentemente de qualquer juízo de censura que sobre o mesmo se possa tecer.

XV. Se a “estratégia” concertada entre o Recorrente e os seus mandatários não veio a produzir o desfecho esperado por aquele, mal se compreende que sejam os seus mandatários responsabilizada pela mesma e respetivo desfecho.

XVI. No exercício do mandato o mandatário não se vincula a uma obrigação de resultado, mas tão-só de meios.

XVII. Ainda que se considerasse que o Recorrente sofreu um dano de perda de chance, inexiste a prática de qualquer facto ilícito por parte dos mandatários do Recorrente, passível de determinar a atribuição de qualquer indemnização e, por maioria e razão, qualquer nexo de causalidade entre qualquer conduta dos mandatários do Recorrente e o que este peticiona nos Autos.

XVIII. O mandato exercido pelos advogados do Recorrente respeitou não só as instruções deste, como a estratégia definida entre ambos, com os riscos inerente à mesma, Decisão que sempre se imponha, sob pena de violação do disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 563.º, 1157.º, 1161.º, al. a), e 1163.º do Código Civil.

Nestes termos e nos mais de direito:

A) Deve o Recurso interposto pelo Recorrente ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se na íntegra a douta Decisão proferida pelo Tribunal “a quo”.

Caso assim não se entenda,

B) Devem os presentes Autos ser remetidos ao Tribunal “a quo” para reapreciação da matéria de facto objeto dos recursos de Apelação e demais questões de direito, e que aquele Tribunal Considerou ter ficado “Prejudicado” ou ser “inútil”, atento o disposto no artigo 679.º do Código de Processo Civil”.

*

O recurso foi admitido.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.

*

Nas Instâncias foram julgados como provados e não provados, os seguintes factos:

“FACTUALIDADE PROVADA. (O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade)

“(…) 

1 - A Massa Insolvente da Tedimóvel – Tectos, Divisórias e Móveis, Lda., apresentou requerimento de injunção contra o ora A. AA para obter o pagamento coercivo de € 66.562,67 que este tinha em dívida no contrato de empreitada celebrado, entre eles, para alteração da moradia deste – fls. 69/70 (A). 

2 - Nesta injunção, que teve o n.º 82679/13..., o ora A. apresentou a oposição constante de fls. 73/81, subscrita pelos RR. BB e CC, a defender (em resumo muito breve): 1.º - o preço da empreitada foi de € 57.0000,00, do qual já pagou € 45.000,00; 2.º - a redução dos € 12.000,00 em dívida em € 7.000,00; 3.º - impugnando os factos do requerimento de injunção (B). 

3 - O ora A., para o efeito, assinou a Procuração de fls. 93 e 259, na qual “constitui pelo presente instrumento seus bastantes procuradores os Senhores Doutores BB, EE, FF, CC, GG e HH, todos advogados da sociedade de advogados “João Pedroso e Associados – Sociedade de Advogados, RL”, e II, advogado estagiário, todos com escritório na Rua..., ...º - ... ..., aos quais confere os poderes forenses gerais, com a faculdade de substabelecer” (C). 

4 - A 24/11/2014, na ... Secção ... foi apresentado o requerimento de fls. 96, devidamente assinado, do seguinte teor: “BB, EE, FF, JJ, CC, HH, GG e II, todos mandatários no processo à margem referenciado (Processo nº 82679/13...), vêm nos termos do disposto no art. 47.º do Código de Processo Civil, renunciar ao mandato que lhes foi conferido por AA” (D). 

5 - No processo nº 82679/13... teve lugar, a 25/11/2014, audiência de julgamento, na qual estiveram presentes, além das demais pessoas identificadas na Ata de fls. 102, o CC como mandatário do ali R. AA (E).

6 - No início da audiência, foi pedida a palavra por este mandatário do Réu, e, sendo lhe concedida, disse: “atento o requerimento junto aos autos através do qual os mandatários do réu renunciaram ao mandato, e que a notificação do requerido é efetuada pessoalmente, deverá o Tribunal, atento o facto de o mesmo se encontrar presente, cumprir o art. 47.º do CPC, dando sem efeito o presente julgamento. Mais consignou que, tendo o próprio renunciado igualmente ao mandato, não poderá realizar a presente audiência de julgamento” (F). 

7 - O Mmº Juiz ordenou a notificação ao Réu da renúncia efetuada pelos ilustres mandatários – fls. 103 (G). 

8 - A esta notificação se procedeu, de imediato, sendo o Réu advertido de que, sendo obrigatória a constituição de mandatário, “deveria, no prazo de vinte dias, constituir novo mandatário – art. 47.º, nº 3, do CPC – sob pena de o processo prosseguir seus termos aproveitando-se os atos anteriormente praticados pelo advogado, se a falta for do réu, executado ou requerido” – fls. 136 (H). 

9 - O Mmº Juiz proferiu o seguinte despacho: “nos termos legais, sem prejuízo dos efeitos normais que decorrem da renúncia efetuada pelos Ilustres Mandatários do réu, não há lugar ao adiamento da presente audiência de julgamento, o que decorre, designadamente, do regime previsto no art. 47.º do CPC. 

Assim, deverá produzir-se a prova oportunamente requerida nos autos, tudo sem prejuízo de constituição oportuna de mandatário por parte do réu, caso seja esse o seu propósito” – fls. 103 (I). 

10 - Deste despacho foram todos os presentes devidamente notificados – fls. 104 (J). 

11 - O CC não assistiu ao resto da audiência (K). 

12 - O Mmº Juiz proferiu, no processo nº 82679/13..., a 10/12/2014, a sentença constante de fls. 106/126, que, na procedência da ação, condenou o réu AA a pagar à autora “Massa Insolvente da Tedimóvel – Tectos, Divisórias e Móveis, Lda.”, a quantia de € 66.552,67, acrescida de juros de mora vencidos desde a propositura da ação e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento (L). 

13 - O ora A., por intermédio da Dra. DD, apresentou, no processo nº 82679/13..., o requerimento de fls. 128/130 e 134, a arguir a nulidade de falta de pressuposto processual de patrocínio obrigatório e, consequentemente, serem anulados todos os atos praticados pós notificação do réu para constituição de novo mandatário com as demais consequências legais” – fls. 134 (M). 

14 – Este requerimento foi enviado para os autos a 12/12/2014 – fls. 748/756. 

15 - Com este requerimento foi junta a procuração de fls. 135, subscrita por AA, na qual constitui sua procuradora a Senhora Doutora DD (…) a quem confere os poderes forenses gerais, com as faculdades de substabelecer (N). 

16 - O ora A., no requerimento de fls. 139/169, recorreu da sentença, mas o Tribunal da Relação do Porto, pelo douto Acórdão de fls. 174/218, datado de 16/11/2015, não aceitou a nulidade invocada de falta do pressuposto processual de patrocínio obrigatório nem os fundamentos do recurso, julgando improcedente o recurso e mantendo a sentença recorrida (O). 

17 - A “Massa Insolvente da Tedimóvel – Tectos, Divisórias e Móveis, Lda.”, executou a sentença, correndo a execução com o nº 1712/16...., pelo valor de € 81.367,29, tendo sido penhorados bens e valores ao ora A. – fls. 53/60 e 223/248 (P). 

18 - O ora A. apresentou queixa-crime contra os ora RR. pelo crime do art. 256.º do C. Penal, nos termos do requerimento de fls. 252/256, tendo por objeto a procuração em que é constituída sua procuradora a Dra. DD (fls. 273), processo que tem o nº 3620/16.... – fls. 583 (Q). 

19 - A 2 de setembro de 2016, CC subscreveu e fez autenticar a “Declaração” de fls. 37, do seguinte teor: “declaro, por minha honra, e para os devidos efeitos legais, que os meus colegas II (…), GG (…) e HH (…): a) desconhecem o Sr. AA; b) desconhecem qualquer processo judicial ou não judicial intentado por ou contra o Sr. AA, nomeadamente o processo nº 82679/13... (…). Mais declaro que embora a procuração outorgada pelo Sr. AA seja conjunta e mencione o nome dos supra referidos Colegas, procedimento habitual do escritório e do qual estes têm conhecimento, os mesmos nunca tiveram conhecimento desta procuração, sendo a tal alheios, e que o processo do Cliente foi unicamente tramitado por mim – fls. 37 (R). 

20 - Declaração idêntica apresentou em relação aos Colegas BB, EE e FF – fls. 414 (S). 

21 - CC subscreveu e fez autenticar a “Declaração” de fls. 43 e 416, da qual consta (em resumo): declaro, por minha honra, e para os devidos efeitos legais, que a minha colega DD (…): a) desconhece pessoal e profissionalmente o Sr. AA; b) desconhece qualquer processo judicial ou extrajudicial intentado por ou contra o Sr. AA, designadamente o processo nº 82679/13...; c) “a única intervenção levada a efeito foi o envio, e consequente assinatura eletrónica, das alegações de recurso, que foram efetuadas no processo melhor descrito na alínea anterior, a meu pedido expresso, tendo as mesmas sido, por mim, totalmente elaboradas. 

Mais declaro que a procuração outorgada pelo Sr. AA a favor da minha DD foi entregue no meu escritório, tendo a mesma, juntamente com as alegações de recurso, sido enviadas, via correio eletrónico, para a minha DD. 

Pelo que o processo do cliente foi unicamente tramitado por mim” (fls. 45, autenticação) (T). 

22 - Por contrato de seguro titulado pela Apólice nº ... foi celebrado entre AXA (agora AGEAS) e “João Pedroso e Associados – Sociedade de Advogados, RL”, a 02/04/2014, por 12 meses, contrato de responsabilidade civil profissional (extracontratual) até € 250.000,00, pelas “reclamações que sejam pela primeira vez comunicadas ao segurador por escrito durante o período de vigência da apólice, derivadas de atos e/ou omissões ocorridos e/ou erros cometidos desde a data de retroatividade da apólice. Neste caso, a data de retroatividade a considerar é a data do início deste contrato, 02/04/2008.

Após o vencimento e/ou cancelamento da apólice, fica estipulado um período de 12 meses imediatamente subsequentes para comunicar as reclamações derivadas de atos e/ou omissões ocorridos e/ou erros cometidos durante a vigência da apólice” – nº ... das Condições Particulares (fls. 475) (U). 

23 - A alínea a) do nº 8 exclui da cobertura “atividades exercidas em nome individual” – fls. 476 (V). 

24 - Entre 02/04/2015 e 01/04/2016 vigorou entre a seguradora AXA (agora AGEAS) e “João Pedroso e Associados – Sociedade de Advogados, RL”, o contrato de seguro titulado pela Apólice nº ..., com o objeto e cláusulas particulares idênticas ao anterior – fls. 504/508 (W). 

25 - Entre a sociedade de seguros MAPFRE – Seguros Gerais, S.A., e a Ordem dos Advogados foi celebrado o contrato de seguro titulado pela Apólice nº ..., que tem como segurados (além do mais) os Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, que exerçam a atividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional, até ao limite de € 150.000,00 – fls. 543/544 (X). 

26 - Quanto ao âmbito temporal, foi clausulado que “o segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional coberta pela presente apólice, e, mesmo, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limite temporal de retroatividade” – nº 7 das Condições Particulares – fls. 545 – que dá definições de reclamação (Y). 

27 - No caso em que a atividade profissional dos segurados seja desenvolvida ao abrigo de uma Sociedade de Advogados, fica entendido que as coberturas providenciadas pela presente apólice, sem prejuízo dos respetivos limites de indemnização, funcionam apenas na falta ou insuficiência da apólice de Responsabilidade Civil Profissional que garanta a dita Sociedade de Advogados, entendendo-se esta última como celebrada em primeiro” – nº 12.1.1 das Condições Particulares – fls. 547 (Z). 

28 - “Estabelece-se uma franquia de € 5.000,00 por sinistro, não oponível a terceiros lesados” – nº 9 das Condições Particulares – fls. 545 (AA). 

29 - No processo de execução nº 1712/16...., foi celebrado acordo, homologado por sentença de 28/03/2017, no qual se fixou o valor a pagar pelo ora A. à Massa Insolvente da Tedimóvel – Tectos, Divisórias e Móveis, Lda., em € 50.000,00. 

Para além deste valor o ora A. depositou € 1.878,06 de juros e € 4.209,45 de despesas – fls. 579 (BB). 

30 - O R. CC enviou ao A. o email de fls. 41 do seguinte teor: 

“Estando a decorrer um prazo judicial e tendo em conta que a sua defesa necessita de ser devidamente preparada venho, muito respeitosamente, rogar a V. Exa. o favor de nos informar se já contactou outro Colega nosso, e se o mesmo assegura o seu patrocínio, ou se seremos nós a continuar com o processo em epigrafe melhor identificado” (CC). 

31 - O ora A. respondeu com o email de fls. 42, do teor seguinte: “Relativamente à questão colocada no email infra, tenho a dizer que sempre tive a maior confiança no Sr. Dr. e no vosso escritório, assim sendo alheio à situação criada com a vossa renúncia ao mandato, para a qual não vi qualquer justificação. Por estas razões, uma vez que a situação foi criada pelo Sr. Dr., agradeço que ma resolva, depositando eu toda a confiança, continuando o Sr. Dr. a continuar com o processo, como refere no seu email. Agradeço ainda, que me esclareça, sobre a forma como vai resolver o assunto e me vá dando conhecimento dos procedimentos que for efetuando” (DD). 

32 - Não foi apresentado recurso do despacho proferido na audiência de julgamento de 25/11/2014 no que concerne à não aceitação do pedido de adiamento do julgamento (EE). 

33 - O R. CC manteve-se ao longo de todo o processo nº 82679/13... em contacto com o A., sendo o mesmo quem exerceu o efetivo patrocínio do mesmo, tendo remetido email ao A., a 05/01/2016, a explicar o teor do Acórdão – fls. 47 (FF). 

34 - Pela procuração de fls. 93 foi constituída procuradora do A. a Sociedade de Advogados “João Pedroso e Associados – Sociedade de Advogados, RL”. 

35 - Ao longo de todo o processo nº 82679/13... todos os Advogados identificados na procuração referida se mantiveram alheios ao mesmo com ressalva de CC. 

36 - O fundamento da renúncia à procuração foi o protelamento do processo para o A. poder negociar a dívida e conseguir liquidez com vista ao pagamento da dívida. 

37 – E foi decidido em conjunto pelo A. e pelo CC. 

38– Foi dito ao ora A. que não era necessário que as testemunhas comparecessem em julgamento, pelo que não foi produzida parte da prova apresentada na oposição à injunção. 

39 – Apenas a esposa do ora A., LL, o acompanhou no dia do julgamento, não tendo comparecido as testemunhas MM, NN e OO. 

40 – O A. ficou bastante nervoso e inseguro quando passou a prestar declarações de parte sem a presença do seu advogado. 

41 – Pois estava confiante que o julgamento seria adiado. 

42 – A esposa do ora A., que se encontrava indicada como testemunha, disse não pretender prestar declarações nos termos do disposto no art. 497.º, nº 1, alínea c), do CPC, por indicação do A.. 

43 - O A. nunca outorgou procuração a favor da Ré DD, não sendo a assinatura que da mesma consta do seu punho – perícia – fls. 798/802. 

44 – O ora A. foi informado pelo Dr. CC que o recurso da sentença ia ser interposto por uma senhora advogada que não fazia parte do escritório de advogados “João Pedroso e Associados – Sociedade de Advogados, RL”. 

45 – O ora A. ficou à espera que o chamassem para que assinasse procuração a favor da senhora advogada que ia interpor o recurso; se o tivessem chamado teria assinado a referida procuração. 

46 – O ora A. nunca contactou com a Ré DD, não conhecendo a mesma. 

47 – A Ré DD limitou-se a assinar as duas peças processuais referidas em 13 e 16, as quais foram elaboradas pelo R. CC, a pedido expresso deste. 

48 - O A. reconhece que tinha em dívida para com a Tedimóvel – Tectos, Divisórias e Móveis, Lda., o montante de € 18.000,00. 

49 – Toda a situação descrita causou e continua a causar angústia e ansiedade ao A.. 

50 – Que se encontra deprimido e a ser medicado. 

51 – Passou a sofrer de insónias. 

52 – Não conseguiu em muitos dias ir trabalhar. 

53 – O A. nunca tinha sido alvo de penhoras. 

54 – O mandato conferido, através das orientações e decisões do ora A. ao R. CC, foi o seguinte: 

a) dívida existia mas o A. pretendia que se deduzisse oposição para ganhar tempo e para pagar em prestações; 

b) redução da dívida com reconhecimento de defeitos que o A. alegava existirem na sua residência; 

c) reduzir dívida em montantes que o A. alegava já ter pago. 

55 – Na oposição foram alegados factos nos termos das orientações do A. e foram requeridos todos os meios de prova que o A. disponibilizou para fazer prova de factos que alegava. 

56 – O ora A. disse ao R. CC que existiam defeitos na obra. 

57 – E que as trabalhadoras da sociedade do A. MM e NN teriam visto efetuar pagamentos à Tedimóvel para pagamento desta obra. 

58 – A perícia ordenada pelo Tribunal concluiu pela inexistência dos defeitos – fls 424/431. 

59 – A subscrição da oposição foi também efetuada pelo R. BB por ser prática no escritório, uma vez que este R. não conhece o A.. 

60 – As procurações forenses são outorgadas, por prática do escritório, a todos os advogados e advogados estagiários do escritório. 

61 – O ora A. pagou à Interveniente João Pedroso e Associados, Sociedade de Advogados, RL, a quantia de € 1.000,00, por conta do processo identificado em 2 dos Factos Provados – fls. 763. 

62 – A sociedade de advogados João Pedroso e Associados, Sociedade de Advogados, RL, nunca se dirigiu à Interveniente AGEAS reclamando qualquer indemnização em virtude dos atos ou omissões em causa nestes autos. 

63 – No processo crime identificado em 18 dos Factos Provados, o Ministério Público, findo o inquérito, proferiu despacho de arquivamento – fls. 803. 

64 – O ora A., inconformado com o despacho de arquivamento, requereu a abertura da fase de instrução. 

65 – Por despacho proferido a 05/12/2018, foi pronunciado para julgamento, em processo comum e perante tribunal singular, o arguido CC “pelos factos constantes do RAI a fls. 381 a 383 e que dou por reproduzidos, pela prática de um crime de falsificação p.p. pelo art. 256.º, nº 1, alíneas a), e) e f) do CP” – fls. 803/811. 

66 – O ora R. CC interpôs recurso da decisão instrutória e o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão proferido a 26/06/2019, concedeu provimento ao recurso, revogou o despacho de pronúncia e ordenou o arquivamento dos autos – fls. 940/950. 

67 – Este Acórdão transitou em julgado a 11/07/2019 – fls. 940.

Julgou ainda o tribunal a quo como não provada a seguinte factualidade:

“Não se provou qualquer outro facto com interesse para a boa decisão da causa, designadamente que:

a) pela procuração de fls. 93 foram constituídos procuradores os Advogados BB, EE, FF, CC, GG e HH;

b) o fundamento da renúncia à procuração foi a falta de preparação pelo R. CC do julgamento;

c) o R. CC informou o A. que iriam recorrer do ...;

d) a ser interposto recurso do despacho de indeferimento do adiamento, havia probabilidade séria de obter provimento no Tribunal da Relação;

e) a esposa do A. declarou não querer depor como testemunha por ter verificado que o mandatário do A. não estava presente;

f) o ora A. veio a ser condenado no processo de injunção no pagamento de quantias que não devia e, ainda, de quantias que já havia pago;

g) o A. não tinha condições económicas que lhe permitissem proceder ao pagamento do valor exigido;

h) o A. não compreendeu a sentença proferida e por esse motivo não procedeu ao pagamento do referido valor;

i) o A. ficou bastante indignado e revoltado ao tomar conhecimento de uma procuração alegadamente outorgada por si a favor da Dra. DD;

j) o ora A. entregou € 5.000,00 em numerário à Tedimóvel para pagamento das obras que esta lhe efetuou na sua residência;

k) e, entregou-lhe, para o mesmo fim, dois cheques, no valor, respetivamente, de € 10.680,00 e de € 9.320,00, sacados sobre uma conta de que é titular a sociedade A. Banco, Lda.;

l) a obra padecesse de defeitos;

m) o A. só passou a sofrer de crises convulsivas depois do julgamento”.

*

Conhecendo:

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608, 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1, do C.P.C. No caso em análise questiona-se:

- O direito a indemnização do recorrente/autor por perda de chance processual;

- Resultante da renúncia ao patrocínio e abandono, pelo mandatário judicial, da audiência de julgamento que prosseguiu seus termos;

- E sem hipótese de o recorrente/autor constituir novo mandatário em tempo útil.

*

Em causa a pretensão indemnizatória do autor fundada na «perda de chance» ou a «perda de oportunidade» de evitar um prejuízo – a condenação que lhe sobreveio no processo contra si instaurado pela Massa Insolvente da Tedimóvel – Tectos, Divisórias e Móveis, Lda., para obter o pagamento coercivo de € 66.562,67.

 Está em causa a responsabilidade contratual de advogado por eventual incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de mandato.

Concluiu-se na 1ª Instância (sentença) que, “Logo, não parece que o abandono da sala de audiências pelo Sr. CC depois de saber que a audiência ia prosseguir tenha sido um ato legítimo de advogado que zela pelos interesses do seu constituinte. É violador, mesmo, do nº 2 do art. 92.º e das alíneas b) e e) do nº 1 e do nº 2 do art. 95.º do EOA/2005.

Pelos danos resultantes do abandono do patrocínio responde a sociedade de advogados “João Pedroso e Associados – Sociedade de Advogados, RL”, na qual está integrado e lhe terá entregado, nos termos do seu regulamento interno5, este caso particular”.

No entanto considerou: ““As chances terão de ser sérias e reais (certas), ou seja, indemnizáveis por as probabilidades perdidas gozarem de um determinado grau de consistência e probabilidade suficiente de verificação do resultado pretendido para que a sua perda possa ser considerada como relevante a nível ressarcitório” (- Nuno Santos Rocha - «A Perda de Chance» Como Uma Nova Espécie de Dano (2014, Almedina) – 59.).

Cabe ao lesado o ónus da prova da probabilidade não despicienda (ou melhor, aceitável) de sucesso na ação caso o ato negligentemente omitido pelo advogado tivesse sido praticado 13. Isto porque, repetimos, a perda de chance tem de ser certa e resultar de ato ilícito, culposo e imputável objetivamente à conduta do advogado”.

E, “Aceitamos, pois, face a tudo o exposto (insistimos) que existe perda de chance no caso concreto, por ser certa a perda da oportunidade de obter um resultado favorável face à conduta absentista do sr. CC. Esta perda de oportunidade não pode, por isso, deixar de ser imputada, repetimos, à conduta negligente deste ilustre Advogado, por ter deixado o seu cliente sem apoio técnico-jurídico e por ter levado a que o seu cliente não convocasse as testemunhas para comparecerem na audiência de julgamento. Ou seja, além de não ter testemunhas (com exceção da esposa), o ora A. ficou sem pessoa habilitada que pudesse instar as testemunhas da parte contrária”.

Por outro lado, entendeu o Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, que, “O direito ao ressarcimento por perda de chance ou oportunidade no âmbito do exercício do mandato forense tem como pressuposto a demonstração da consistente e séria probabilidade de obtenção da vantagem alegadamente perdida por ação imputada ao mandatário. 

Recaindo sobre o autor a prova de tal probabilidade”.

E que, “No que respeita à probabilidade de sucesso de tal oposição nada consta na factualidade provada que o sustente, como se justifica em seguida”.

E acrescenta: “A conjugação de toda esta factualidade evidencia a não demonstração por parte do A. – a quem incumbia o ónus de o provar – de um circunstancialismo suscetível de fundamentar um qualquer juízo sério de que a oposição que naquela ação deduziu – seguindo o “critério do julgamento dentro do julgamento” - viria a ter qualquer tipo de viabilidade. O mesmo é dizer que o A. não demonstrou a perda de uma qualquer oportunidade ou chance que demande indemnização”.

Vejamos:

O dano da perda de chance processual traduz-se numa certa probabilidade de ganhar a ação, afirmação que é independente da dificuldade de quantificação dessa probabilidade e é independente de se qualificar a perda de chance como dano emergente ou lucro cessante, referindo-se, ainda, que, para haver indemnização, a probabilidade de ganho de causa há-de ser razoavelmente elevada, uma “possibilidade real” de sucesso que se malogrou, competindo ao lesado a alegação e prova dessa probabilidade de êxito.

No caso de perda de oportunidades processuais, a questão fulcral está em aferir se o frustrado sucesso da ação resulta dessa perda de oportunidade processual, impondo-se fazer o denominado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável por aquele tribunal, apreciação que se traduz, enquanto tal, numa questão de facto, que não de direito.

E tem, igualmente, de verificar-se um nexo de causalidade entre a aludida perda de chance e os prejuízos patrimoniais demonstrados em concreto, que se reconduziam, no caso concreto, ao montante da condenação naquele processo.

Sobre esta matéria refere o Prof. Paulo Mota Pinto, em Direito Civil, Estudos, Perda de Chance Processual, Gestlegal, a página 795: “A orientação dominante da nossa jurisprudência em matéria de perda de chance processual passou, pois, a ser hoje a de que o dano resultante da perda de chance processual só releva se se tratar de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, “com elevado grau de probabilidade ou de verosimilhança” (na expressão do citado acórdão de 29 de Abril de 2010), que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida. Para o determinar o tribunal que julga a indemnização deverá realizar um “julgamento dentro do julgamento”, segundo a perspetiva que teria sido adotada pelo tribunal que apreciaria a ação ou o recurso inviabilizados, sendo esta uma questão de facto”.

Esclarece este autor em anotação: “Haverá, pois, que fazer o “julgamento dentro do julgamento” não no sentido da solução jurídica que pudesse ser adotada pelo tribunal da presente ação sobre a matéria da causa em que ocorreu a falta, mas sim pelo que possa ser considerado como altamente provável que o tribunal da ação em que a defesa ficou prejudicada viesse a decidir. Mas tal apreciação inscrever-se-á, quando tal numa questão de facto, que não de direito”.

Também, e como citado na sentença, “As chances terão de ser sérias e reais (certas), ou seja, indemnizáveis por as probabilidades perdidas gozarem de um determinado grau de consistência e probabilidade suficiente de verificação do resultado pretendido para que a sua perda possa ser considerada como relevante a nível ressarcitório” (Nuno Santos Rocha - «A Perda de Chance» Como Uma Nova Espécie de Dano (2014, Almedina) – 59).

Não é toda a perda de chance que pode ser reconhecida como um dano indemnizável, mas, apenas, a perda de chance que se manifeste consistente e séria e com um grau razoável de concretização.

E a apurar-se facto ilícito e dano (conduta do mandatário judicial e consequências dessa conduta) terá, ainda, de se apurar a existência, ou não, de nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

No juízo de prognose póstuma efetuado tem o sucesso da chance de se manifestar superior à possibilidade do insucesso.

Sobre esta matéria se pronuncia Paulo Mota Pinto, reafirmando a pág. 806, que: “Para avaliar se existe ou não nexo de causalidade [entre o facto ilícito e os danos] e qual é a consistência da chance frustrada, o tribunal da ação de indemnização deve realizar uma espécie de “julgamento dentro do julgamento” (…) tentando reconstituir, para efeitos indemnizatórios, qual teria sido o resultado no processo que se frustrou. Nesse “julgamento dentro do julgamento” … o tribunal da ação de indemnização deve, pois, adotar a perspetiva do tribunal do processo frustrado, para apurar como este teria decidido o processo (o que poderá ser particularmente relevante quanto a questões jurídicas sobre as quais existiam opiniões divergentes) no que constituiu uma apreciação de uma questão de facto e não uma questão de direito”. Na nota 94, a pág. 808, sublinha-se também: “… o que importa para a questão da responsabilidade civil do advogado não é saber como deveria ter sido decidido corretamente esse processo (se é que pode existir uma só decisão correta, e não estamos aqui perante uma ficção) mas antes apurar como ele teria sido na realidade decidido (o que já é uma questão de facto…).

Ou seja:

A apreciação da consistência da chance e do nexo de causalidade entre o facto ilícito e danos envolvem, pois, questões de facto, que não de direito subtraídas, portanto, à cognoscibilidade do STJ, como refere o Ac. STJ de 11.1.2017, proferido no Proc. nº 540/13.1T2AVR.P1.S1 e Ac. STJ de 16-12-2020, no Proc. nº 1976/17.4T8VRL.G1.S1.

O “julgamento dentro do julgamento” envolve um critério da adequação que deve ser geral e objetivo e que deve levar à conclusão de que o nexo de adequação se tem de aferir segundo um juízo ex ante, e não ex post, mais rigorosamente, segundo um juízo de prognose póstuma.

Em tal juízo de prognose póstuma devem ser levados em consideração os conhecimentos correspondentes às regras da experiência comum, mas não só. Além destes, devem ser tidos em conta os especiais conhecimentos do agente (mandatário), aqueles que o agente efetivamente detinha, apesar de a generalidade das pessoas deles não dispor.

Ou como refere o Ac. do STJ de 09-07-2015, no Proc. nº 5105/12.2TBXL.L1.S1, “no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, mostra-se mais adequado questionar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspetivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes; o ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado”. O que se faz à posteriori no “julgamento dentro do julgamento”.

No caso concreto, o Tribunal da Relação decidiu (em contrário do decidido na 1ª Instância) que, face aos elementos disponíveis, não se verificava a existência do dano da perda de chance (pois não havia fortes probabilidades de sucesso da defesa naquela ação, por modo a evitar a condenação).

Concorda-se com a decisão do acórdão recorrido quando diz: “No que respeita à probabilidade de sucesso de tal oposição nada consta na factualidade provada que o sustente, como se justifica em seguida”.

Acrescentando: “A conjugação de toda esta factualidade evidencia a não demonstração por parte do A. – a quem incumbia o ónus de o provar – de um circunstancialismo suscetível de fundamentar um qualquer juízo sério de que a oposição que naquela ação deduziu – seguindo o “critério do julgamento dentro do julgamento” - viria a ter qualquer tipo de viabilidade. O mesmo é dizer que o A. não demonstrou a perda de uma qualquer oportunidade ou chance que demande indemnização”.

Não se questiona a censurabilidade que merece a conduta do mandatário que abandona a audiência de julgamento, deixando desguarnecido o mandante que nele confiou e lhe conferiu mandato, estando apenas em causa, nesta sede, a probabilidade de êxito, de sucesso da defesa do ora autor naquela outra ação.

Como refere o Ac. do STJ de 01-07-2014, no Proc. nº 824/06.5TVLSB.L2.S1, “A sua “chance” de não ser condenado era mínima, não credível e, por isso, não se pode afirmar que a conduta omissiva e censurável da Ré Advogada tenha sido a causa directa, imediata de não ter sido absolvido na acção de regresso, implicando perda dessa chance”.

E a “chance” de o ora autor não ser condenado naquele processo não era credível, como resulta da matéria de facto apurada.

E essa factualidade é:

- O fundamento da renúncia à procuração foi o protelamento do processo para o A. poder negociar a dívida e conseguir liquidez com vista ao pagamento da dívida.

- E a renuncia foi decidida em conjunto pelo A. e pelo mandatário.

- O A. reconhece que tinha em dívida para com a Tedimóvel – Tectos, Divisórias e Móveis, Lda., o montante de € 18.000,00.

- O mandato conferido, através das orientações e decisões do ora A. ao R. CC, foi o seguinte:

a) dívida existia, mas o A. pretendia que se deduzisse oposição para ganhar tempo e para pagar em prestações;

b) redução da dívida com reconhecimento de defeitos que o A. alegava existirem na sua residência;

c) reduzir dívida em montantes que o A. alegava já ter pago.

- A perícia ordenada pelo Tribunal concluiu pela inexistência dos defeitos.

E, competindo o ónus da prova ao autor, resultou não provado que:

- O ora A. veio a ser condenado no processo de injunção no pagamento de quantias que não devia e, ainda, de quantias que já havia pago.

- O ora A. entregou € 5.000,00 em numerário à Tedimóvel para pagamento das obras que esta lhe efetuou na sua residência.

- E, entregou-lhe, para o mesmo fim, dois cheques, no valor, respetivamente, de € 10.680,00 e de € 9.320,00.

- Que a obra padecesse de defeitos.

Estes factos apurados, para além de não fundarem a convicção de um prognóstico favorável à não condenação do ora autor naquela outra ação, antes apontam em sentido contrário, no da condenação, como ocorreu.

Sendo que também não se deve premiar quem utiliza os recursos da justiça para protelar o cumprimento de obrigações, nomeadamente de dívida.

Assim, embora se entenda que a conduta do mandatário merece censura, por violadora das regras deontológicas e éticas estatuídas no Estatuto da Ordem dos Advogados, que impõem que o advogado aja de forma a defender os interesses legítimos do cliente, e não deve cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões confiadas, essa mesma conduta não deu causa a qualquer dano por perda de chance.

E mesmo quando exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência por outro advogado.

Face aos factos apurados temos que, com a presença, ou não, do mandatário naquela audiência de julgamento, as probabilidades, as chances do aí réu (ora autor/recorrido) de não ser condenado, não se anteviam providas de razoável grau de êxito, não teria reais probabilidades de ser absolvido ou, de o ser parcialmente.

Ou seja, a sua “chance” de não ser condenado era mínima, não credível e, por isso, não se pode afirmar que a conduta omissiva e censurável do mandatário tenha sido a causa direta e imediata de não ter sido absolvido naquela ação de condenação por dívida, implicando perda dessa chance.

Neste sentido se pronunciou, no dia de ontem, o Pleno das Secções Cíveis em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, no Proc. nº 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A (ainda não publicado), votando a seguinte jurisprudência: “O dano da perda de chance, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.

Face ao exposto temos como improcedente o recurso de revista, sendo de manter o acórdão recorrido, que não merece censura.

*

Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art. 663 nº 7 do CPC:

I - O dano da perda de chance processual traduz-se numa certa probabilidade de ganhar a ação, afirmação que é independente da dificuldade de quantificação dessa probabilidade e é independente de se qualificar a perda de chance como dano emergente ou lucro cessante.

II - Para haver indemnização, a probabilidade de ganho de causa há-de ser razoavelmente elevada, uma “possibilidade real” de sucesso que se malogrou, competindo ao lesado a alegação e prova dessa probabilidade de êxito.

III - E tem de verificar-se um nexo de causalidade entre a aludida perda de chance e os prejuízos patrimoniais demonstrados em concreto.

IV - Não é toda a perda de chance que pode ser reconhecida como um dano indemnizável, mas, apenas, a perda de chance que se manifeste consistente e séria e com um grau razoável de concretização.

Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, nega-se a revista e, mantém-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 06-07-2021


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Nos termos do art. 15-A, do Dl. nº 10-A/2020 de 13-03, aditado pelo art. 3 do Dl. nº 20/2020 atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos.

Jorge Arcanjo – Juiz Conselheiro 1º adjunto

Maria Clara Sottomayor – Juíza Conselheira 2ª adjunta