Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
213/08.7TJVNF-A.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO AFONSO
Descritores: TÍTULO DE CRÉDITO
LETRA DE CÂMBIO
TÍTULO EXECUTIVO
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
RELAÇÕES IMEDIATAS
OBRIGAÇÃO CARTULAR
RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE
GARANTIA DO PAGAMENTO
SOCIEDADE COMERCIAL
OBJECTO
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
NEGÓCIO GRATUITO
NULIDADE
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 09/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL / DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / TÍTULOS DE CRÉDITO / SOCIEDADES COMERCIAIS / DIREITO PROCESSUAL CIVIL / ÓNUS DA PROVA
Doutrina: Pessoa Jorge, « Direito das Obrigações», vol II, pág. 31
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: ARTS. 721.º-A, N.º 1, AL. C), 814.º, N.º 1, 816;
CÓDIGO CIVIL: ARTS. 160.º, N.º 1M 294.º, 595.º;
LULL: ARTS. 7.º E 17.º;
CSC: ART. 6.º, N.ºS 1 E 3
Jurisprudência Nacional: AC. STJ 17/12/2000, PROC. N.º 1218/99; AC. STJ 17/09/2009, PROC. N.º 267/09.9YFLSB.S1; AC. STJ 07/10/2010, REVISTA 291/04.8TBPRD-E.P1.S1; AC. STJ 28/10/2003, REVISTA 2485/03
Sumário :
I - Nas relações imediatas, isto é, nas relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador-sacado), nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente de convenções extra-cartulares, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, ficando sujeita às excepções que nessas relações pessoais se fundamentem.

II - Assim, não se baseando a execução em sentença – mas sim numa letra – e encontrando-nos no âmbito das relações imediatas, era lícito ao executado invocar os vícios da relação jurídica subjacente (art. 816.º do CPC).

III - A letra dada à execução consubstanciou uma subjacente assunção cumulativa de dívida, prevista no art. 595.º do CC, operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem.

IV - Nem sempre a assunção cumulativa de dívidas se traduz numa garantia de pagamento de dívidas de terceiro, podendo inclusive corresponder à satisfação jurídica de necessidades práticas, numa óptica comercial ou empresarial.

V - As sociedades podem validamente – sem com isso violar o art. 6.º, n.º 3, do CSC – praticar actos gratuitos, nomeadamente prestar garantias a dívidas de terceiros, quando a esses actos presida um interesse próprio da sociedade garante e ainda que deles não decorra uma vantagem económica imediata; basta que haja o objectivo de ser alcançado um fim conveniente à prossecução de vantagens de cariz económico da sociedade, e não de proporcionar uma vantagem ao credor garantido.

VI - É à sociedade garante, que invoca a nulidade da garantia por si prestada, que compete alegar e provar a inexistência de interesse próprio, ou seja, os requisitos da nulidade que pretende aproveitar; isto porque, ninguém melhor que a própria sociedade garante estará habilitada a fazer prova da existência ou não desse mesmo interesse próprio.

VII - A deferir-se o ónus da prova ao terceiro beneficiário, nas situações em que o mesmo não é parte na acção, estaria descoberto o caminho à verificação sempre da nulidade e, por via dela, ao incumprimento obrigacional.
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO


         Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:

         A) Relatório:

         Pelo 5ºjuízo cível do Tribunal Judicial da comarca de Vila nova de Famalicão corre, por apenso, processo de oposição à execução para pagamento de quantia certa deduzido por AA, Lda., identificada nos autos, contra BB, Lda., também identificada nos autos, alegando que nunca teve qualquer relação comercial com a exequente, que nunca contraiu ou assumiu qualquer dívida para com ela, que nada lhe deve e que ela, exequente, se apoderou abusivamente da letra dada à execução, tendo-a apresentado a pagamento e, depois, instaurado a acção executiva de que esta oposição é dependência.

Concluiu pugnando pela procedência da oposição, pela extinção da execução e pela condenação da exequente como litigante de má fé, em multa não inferior a 100 UC e indemnização não inferior a 3.000,00 €.

         A exequente, notificada, contestou a oposição, alegando que a letra dada à execução foi emitida na sequência de um acordo que não foi cumprido e que a executada decidiu assumir juntamente com os primeiros devedores.

Terminou defendendo a improcedência da oposição à execução, o prosseguimento da acção executiva e requereu a condenação da executada como litigante de má fé, em multa e indemnização condignas, a segunda não inferior a 5.000,00 €.

Saneado o processo procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento de acordo com as formalidades legais, conforme da acta consta, no termo da qual, após produção da prova, foi proferido despacho de fixação da matéria de facto dada como provada e como não provada, sem reclamação das partes.

Seguiu-se a prolação de sentença que:

Julgou a oposição improcedente. e condenou a oponente, como litigante de má fé, em 4 UC de multa e em 2.000,00 € de indemnização a favor da exequente, sendo 1.500,00 € para pagamento de honorários e 500,00 € por encargos.

Inconformada, a executada interpôs o recurso de apelação tendo o Tribunal da Relação decidido julgar improcedente  a apelação confirmando a sentença recorrida.

Inconformada interpôs a executada revista excepcional alegando, em conclusão, o seguinte:

I. A Recorrente interpôs recurso de apelação da sentença proferida na primeira instância, na qual se considerou exequível o título dado à Recorrida - exequente em garantia de uma dívida de sociedade terceira, a despeito do disposto no art. 6º , n° 3 do Código das Sociedades Comerciais, com referência ao art. 294° do Código Civil.

II.O acórdão do Tribunal da Relação do Porto confirmou, assim, a sentença recorrida que julgou improcedente, por não provada a oposição à execução apresentada pela executada, condenando-a ao pagamento de uma multa de 4 UCs e ao pagamento de uma indemnização de € 2.000,00 sendo €1.500,00 de honorários para a mandatária da exequente e € 500,00 por encargos próprios desta.

III. Ao proferir o acórdão, entendeu o Tribunal da Relação que "a assunção (cumulativa) de uma dívida (de outras sociedades) por parte de uma sociedade comercial traduz a constituição de uma garantia conferida ao credor" e que "não é pelo simples facto de ter garantido uma dívida de terceiros que, sem mais, o respectivo acto (no caso, a assunção da dívida) deva ser considerado contrário ao fim e interesse da sociedade que o prestou, ainda que dele não decorra uma vantagem económica imediata para esta.

IV.Mais referiu que competia à ora Recorrente alegar e fazer a prova de que a assunção de dívida foi contrária ao seu fim social, ou seja, ao seu próprio interesse, para efeito de ser verificada a nulidade invocada, por violação do art. 6º , n° 3 do Código das Sociedades Comerciais com referência ao art. 294° do Código Civil.

V.E que a alegação de nulidade, por parte da Recorrente, constitui abuso de direito.

VI.Todavia, a Recorrente não se pode conformar, em especial à luz da relevância jurídica e da sua contradição com outros acórdãos já transitados em julgados que foram proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça e por outros Tribunais da Relação, inclusive o da Relação do Porto sobre as questões aqui abordadas.

VII. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça revela-se essencial até como instrumento orientador dos tribunais inferiores, concedendo aos beneficiários da Justiça, uma maior segurança jurídica quanto às questões materiais e processuais que surgem por consequência da prestação de garantias por sociedades a outras sociedades, à luz do art. 6o, n° 3 do Código das Sociedades Comerciais.

VIII. Em contraposição ao acórdão recorrido, a ora Recorrente tomou por base os seguintes acórdãos - fundamentos:

Decidiu o acórdão recorrido, quanto à nulidade da garantia, que "não é pelo simples facto de ter garantido uma dívida de terceiros que, sem mais, o respectivo acto (no caso, assunção de dívida) deva ser considerado contrário ao fim/interesse da sociedade que o prestou, ainda que dele não decorra uma vantagem económica imediata para esta ".

Em contraposição ao fundamento do acórdão recorrido, está o do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Fevereiro de 2000, processo n° 1218/99, in BMJ 494 (2000), p. 366 e seguintes, a corroborar a tese da Recorrente, ao decidir que: "(...)II- A delimitação da capacidade das sociedades comerciais faz-se, nos termos do artigo 6o do Código das Sociedades Comerciais, em função do respectivo fim, que é o da obtenção de lucros mediante o exercício em comum de uma actividade que não seja de mera fruição. (...) VI - São nulos os actos praticados por titulares de órgãos de sociedade comercial que não sejam abrangidos pela capacidade desta. VII- Não podem vincular a sociedade comercial os actos estranhos à capacidade desta praticados por titulares dos respectivos órgãos. VIII- Não tem, assim, cabimento discutir acerca da eventual vinculação de uma sociedade comercial em relação a um contrato de penhor de carteira de activos financeiros prestados a favor de terceiro celebrado por um administrador e um procurador seus, sem que ocorresse qualquer das situações referidas em V"

O acórdão recorrido quanto ao ónus da prova, entendeu que "é à sociedade garante que compete alegar e provar a inexistência de interesse próprio ou que o acto integrador da garantia concedida é contrário ao seu fim social, para que proceda a nulidade prevista no n° 3 do art. 6º do CSC, com referência ao art. 294 do CCiv. " Todavia, em sentido contrário encontra-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-02-2003, processo n° 03A2485, que foi expresso ao decidir que: "Como se viu, a regra geral contida na 1ª parte do n° 3" do art. 6º, cede perante às excepções previstas na parte final do preceito, isto é, no caso de existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou de se tratar de sociedades em relação de domínio ou de grupo. Em tais hipóteses a sociedade possuirá plena capacidade de gozo para a prestação da garantia. Por conseguinte, a verificação dessas situações excepcionais aparecem como condição de validade das garantias prestadas e por isso têm de ser provadas pelo beneficiário da garantia que dela se quiser prevalecer." (sublinhado nosso)

O acórdão recorrido, quanto a questão do abuso de direito, decidiu que "tendo a executada prestado voluntariamente a dita garantia e emitido a letra dada à execução, a nulidade acabada de referenciar nunca seria de decretar já que tal traduziria o deferimento de uma actuação abusiva por parte daquela, sob a veste de um "venire contra factum proprium".

Todavia, em contraposição a esse entendimento, temos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09 de Maio de 1995, processo n° 9421189, disponível in www.dgsi.pt que decidiu que o abuso de direito "I- (...) nem sempre existe quando alguém invoca a nulidade de negócio jurídico em que interveio. II- não se verifica o abuso de direito por parte de uma sociedade comercial ao arguir de nulas, com fundamento no art. 6º, n° 3 do Código das Sociedades Comerciais, as fianças por si prestadas.

IX. Portanto, deverá ser admitido e julgado procedente o presente recurso, tendo em vista a demonstração da contradição existente entre os julgados retro elencados e o acórdão recorrido.

X.No caso em apreço, a recorrente ao interpor o recurso de apelação, considerou o entendimento de que por força do citado art.6º, n° 3 do CSC, com referência ao art. 294° do Código Civil, são nulos os actos gratuitos das sociedades comerciais na medida em que se tratam de actos sem qualquer contrapartida e portanto contrários ao fim lucrativo perseguido pelas sociedades (cfr. art. 980° CC).

XI.É certo que apenas são consideradas válidas, as garantias prestadas no interesse da sociedade garante e tão apenas desta (e, portanto, não no interesse de outra qualquer pessoa).

XII.Ora, sendo a regra geral a de se considerar a sociedade incapaz de prestar garantias gratuitas (como foi no caso) em benefício de terceiros, a alegação e a demonstração de que a garantia fora dada no interesse da sociedade - garante competia ao beneficiário dessa garantia e que no caso dos autos é a Recorrida -Exequente.

XIII.Até porque, de acordo com a Doutrina e Jurisprudência, a referida alegação e demonstração constituem-se em factos impeditivos da declaração de nulidade da garantia, competindo, de outro lado, à Recorrente somente a alegar e provar o carácter gratuito do acto.

XIV.A Recorrente alegou e provou que nunca teve qualquer benefício ou relação comercial com a Exequente que pudesse justificar o interesse social em garantir uma dívida de terceiros, acrescida de juros e encargos e de valor superior ao seu próprio património.

XV.E isto foi reconhecido pelo Tribunal de primeira instância e pela Relação do Porto ao confirmarem que "a executada não teve qualquer relação comercial com a exequente''' e que "no caso sub-judice a apelante logrou apenas provar que a dívida que assumiu tinha como devedores outras sociedades e pessoas singulares (os identificados no contrato junto a fls. 56-58 e 189-191) e que nunca teve relação comercial com a apelada ",

XVI.Pelo que se impõe-se reconhecer que esses factos provados são suficientes para demonstrar a falta de interesse social da executada.

XVII.Até porque prova a demonstrar que existia um interesse da sociedade ou que houve concretizações de vantagens a favor da Recorrente não foi feita pela parte Recorrida,

XVIII.         De forma que a sua inércia em não fazer tal prova, jamais poderia afastar a incidência da disposição legal de carácter imperativo, qual seja, o art. 6º, n° 3 do CSC com referência ao art. 294° do CCivil e, por consequência, o reconhecimento da nulidade do título supostamente dado em garantia de dívida de terceiro.

XIX.Ficou também demonstrado pelo depoimento do legal representante da Exequente que aassunção da dívida pela AA teve como fim único atender o interesse de terceiros devedores e o da própria Recorrida-Exequente.

XX.Porquanto se não ficou provado qualquer facto do qual resulte que a sociedade tenha um justificado interesse na assunção da dívida perante o exequente e, ao contrário, tendo resultado do depoimento de parte do exequente que aquela destinou-se apenas a prosseguir os interesses do terceiro devedor e do exequente, é evidente que tal acto é nulo, porque contrário à lei, nos termos do art. 280° n° 1 e 294° do Código Civil."

XXI.Pelo que, não andou bem o acórdão recorrido neste ponto.

XXII.Também não andou bem o acórdão recorrido, ao que diz respeito à impossibilidade de arguição de nulidade da garantia, pela própria sociedade, considerando que tal consubstanciaria um abuso de direito por parte da mesma.

XXIII.         Com efeito, a invocação da nulidade da garantia é legítima e lícita, uma vez que a prestação de uma garantia de uma dívida de terceiro contraria frontalmente, ab initio, com o primeiro objectivo que deve ser perseguido pelas sociedades comerciais.

XXIV.Pelo que a posterior invocação, por parte da sociedade, da nulidade de uma garantia prestada não pode, nestes termos, constituir abuso de direito, (cfr. Alexandre Soveral Martins ao comentar o art. 6.° in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. I, Almedina, 2010, p. 116)

XXV.Se assim fosse, estava encontrado o caminho para que o património social deixasse de ser um património vinculado - exclusivamente destinado a responder pelas dívidas da própria sociedade -, passando a responder por dívidas de terceiros!!

XXVI.        E não se diga que os terceiros ficam, neste caso, desabrigados, uma vez que ninguém pode alegar o desconhecimento da lei, nomeadamente os limites impostos pela lei acerca da capacidade das sociedades comerciais,

XXVII.Pelo que, quanto às garantias de dívidas prestadas por uma sociedade a favor de terceiros, não há qualquer expectativa por parte do beneficiário da garantia que mereça ser tutelada.

XXVIII.Nestes termos, por ocasião da realização do negócio, "se a sociedade que presta a garantia à dívida de outrem alega que tem justificado interesse próprio, o terceiro ou controla se isso é verdade, ou arrisca e sujeita-se às consequências, ou recusa a garantia", não sendo aceitável, portanto, a alegação de abuso de direito, para efeitos de afastar a possibilidade de invocação da nulidade da garantia.

XXIX.        Até porque estão aqui em causa não apenas os interesses da sociedade que presta a garantia e do beneficiário da mesma, mas interesses mais vastos, e.g., os interesses dos credores daquela sociedade que, il va sans dire, confiam que o património social está imperativa e legalmente afecto ao pagamento exclusivo dos seus créditos.

XXX.         In casu, ficou também provado que a Recorrida/Exequente não se viu impedida de exercer o direito de crédito contra as pessoas singulares dos obrigados principais, promovendo contra eles uma outra acção executiva.

XXXI.        Pelo que, em conclusão, sobretudo no caso concreto, a invocação da nulidade da garantia, pela própria sociedade-garante, não configura qualquer abuso de direito na modalidade de "venire contra factum proprium ".

         Contra-alegou a recorrida pugnando pela bondade do recurso da Relação

A formação de apreciação preliminar proferiu acórdão decidindo-se pela verificação do pressuposto de admissibilidade do recurso de revista excepcional nos termos da alínea c) do nº1 do art.721º-A do Código do Processo Civil (CPC).


***

Tudo visto,

Cumpre decidir:

B) Os Factos:

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1) A exequente deu à execução uma letra de câmbio no valor de € 150.000,00, com data de emissão de 07.02.15 e com vencimento em 07.05.15, sacada por … - BB, Lda. e aceite por AA, Lda. - cfr. documento de fls. 5 do processo principal que aqui se dá por reproduzido.

2) DD, pai do sócio-gerente da executada, EE, em 01/08/2006, confessou-se devedor à aqui exequente da quantia de € 105.254,93, a qual era proveniente de fornecimentos efectuadas por esta, à sociedade "FF, Lda.".

3) O sobredito DD obrigou-se a pagar tal quantia, em 60 (sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas de € 1.940,57, cada uma, com vencimento a primeira em 31 de Janeiro de 2007 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.

4) Sucede que, naquele sobredito dia 31 de Janeiro, o dito DD, não procedeu ao pagamento da prestação vencida nessa mesma data.

5) O que originou o imediato vencimento das restantes prestações.

6) E a exigibilidade imediata da dívida.

7) Sabendo que era o único dos subscritores do dito documento que possuía património susceptível de ser penhorado, o mesmo DD e o filho deste, EE, sócio-gerente da ora opoente, em meados de Fevereiro de 2007, deslocaram-se à sede da ora exequente.

8) Onde propuseram ao legal representante desta, GG, se aceitava que a sociedade ora executada, assumisse a responsabilidade integral pelo pagamento da dívida de € 105.254,93, e, bem assim, que o pagamento dessa mesma dívida fosse efectuado no prazo de 3 anos, através do aceite, e posterior reforma, de uma letra de câmbio, por parte daquela (a ora opoente).

9) Os ditos DD e EE, disponibilizaram-se, ainda, a pagar os juros de mora vencidos e os vincendos e, ainda, as despesas bancárias com o desconto da dita letra.

10) Mais propuseram englobar (n)uma única letra quer o montante da sobredita dívida, quer os montantes referidos no artigo anterior.

11) O legal representante da aqui exequente aceitou a proposta vinda de expor.

12) Na sequência do assim acordado, os mencionados DD e EE, procederam à entrega à exequente, da letra de câmbio que se encontra dada à execução, no valor de € 150.000,00.

13) Ficou, ainda, acordado que a poente daria à execução o documento de fls. 56 a 58, e no caso de receber qualquer quantia, de qualquer um dos outros subscritores desse mesmo título, abateria o montante então recebido, ao valor da letra aceite pela ora poente.

14) Sucede que a letra em causa, na data do respectivo vencimento, e diversamente do que tinha sido acordado, não veio a ser reformada, nem paga, pela ora poente.

15) A exequente instaurou uma execução contra o referido DD.

16) Tendo promovido uma diligência para penhora que ocorreu na habitação do pai, em 9 de Novembro de 2007.

17) Tendo a senhora solicitadora – a mesma que agora foi indicada para a presente execução –, acompanhada de uma outra pessoa da aqui exequente, entrado na habitação do mencionado DD e no respectivo escritório.

18) A execução efectuada na Comarca de Santo Tirso tinha, única exclusivamente, por objectivo pressionar os outros subscritores desse mesmo título, HH e II, face à iminência de uma penhora sobre o recheio das respectivas casas, a pagar alguma quantia por conta dos referidos € 105.254,93.

19) Quantia essa que seria abatida ao montante da letra aceite pela ora poente.

20) Quer a exequente, quer o Sr. DD e o seu filho, sócio-gerente da poente, tinham perfeito conhecimento que o HH e o II, ambos de apelido …, não possuíam qualquer tipo de património e ou rendimentos susceptíveis de penhora, para além dos bens móveis que compõem o recheio das respectivas habitações.

21) E para que o HH e o II não tivessem conhecimento do acordado entre a poente e a exequente, a aqui exequente, no âmbito daquele outro processo executivo, e em conformidade com o acordado com o DD e o sócio-gerente da poente, para além de ter procedido à penhora de outros bens móveis que se encontravam nas residência dos ditos HH e II, procedeu também à penhora dos bens móveis existentes na residência do DD.

22) A executada não teve nunca qualquer relação comercial com a exequente.

C) O Direito:

A recorrente invoca nas suas alegações de recurso a relevância jurídica da matéria vertida no presente processo e a contradição de julgados entre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação e dois acórdãos proferidos pelo STJ.

A formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal de Justiça admitiu a revista excepcional apenas no que se refere ao disposto na alínea c) do nº1 do art.721º-A do CPC, pelo que a cognoscibilidade do recurso está limitada a esta apreciação.

O acórdão recorrido confirmou a sentença proferida na primeira instância que julgou improcedente por não provada a oposição deduzida pela executada.

A execução de que a presente oposição é apenso provém de título executivo diferente de sentença condenatória. O título executivo dado à execução é uma letra de câmbio.

A letra de câmbio é um título de crédito que enuncia uma ordem de pagamento que é dada por determinada pessoa a outra em favor de uma terceira ou à sua ordem.

É evidente que a existência do título pressupõe uma relação jurídica anterior que explica a criação dele. Quem emite uma letra  de câmbio  e a transmite a outrem, dando-lhe o direito de exigir determinada quantia em dinheiro, fá-lo por lhe ser devedor da mesma quantia em virtude, v.g., de um qualquer contrato, ou seja, de uma relação fundamental subjacente.

O direito de crédito cambiário é, porém, cartular. Está compenetrado com o documento. É a titularidade deste que decide a titularidade do crédito, e é assim que a sua transferência ou exercício estão condicionados pela posse legítima da letra.

O direito incorporado no título é um direito literal, ou seja, a letra do título  é decisiva para a determinação do conteúdo, limites e modalidade do direito. O conceito de literalidade põe em relevo a existência, validade e persistência da obrigação da obrigação cambiária não podendo estas ser contestadas com elementos estranhos ao título. O conteúdo, extensão e modalidades da obrigação cartular são os que a declaração objectivamente defina e revele.

São irrelevantes as convenções extra-cartulares (a não ser entre os respectivos sujeitos): “quod non est in cambio non est in mundo”. Assim, por força do art.17º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL) ao portador não podem ser opostas pelo subscritor excepções fundadas nas relações pessoais deste com o sacador.

Mas a obrigação cambiária não é só literal é também abstracta. O negócio cambiário é abstracto; pode preencher uma diversidade de funções económico-jurídicas, não tem uma causa própria tipificada legalmente e é independente, em cada caso concreto, da sua causa, da função determinada que visa.

A natureza abstracta da obrigação cambiária não significa que esta seja assumida sem causa: ninguém se obriga sem causa. O significado da abstracção está em que a causa é separada do negócio cambiário, decorre, não dele próprio, mas de uma convenção subjacente extra-cartular.

O princípio da literalidade projecta-se no próprio teor do título para fixar, nos limites dele, o conteúdo da obrigação; o princípio da abstracção atinge a causa da obrigação e torna esta independente, de tal forma que os eventuais vícios causais não vêm a reflectir-se nela e a pôr  em jogo a sua validade e eficácia.

A par dos dois princípios supra expostos haverá que ter presente o princípio da independência recíproca: a nulidade de uma das obrigações que a letra incorpora não se comunica às demais, consagrado no art.7º da LULL e o princípio da autonomia: autonomia do direito correlativo às obrigações cambiárias e autonomia do direito sobre a própria letra. Não interessa aqui fazer quaisquer desenvolvimentos expositivos sobre estes dois princípios pelo que passamos a analisar a obrigação cambiária nas relações imediatas tal como decorre do art.17º da LULL.

Nas relações imediatas, isto é, nas relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador-sacado, como no caso dos autos), nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente de convenções extra-cartulares, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, ficando sujeita às excepções que nessas relações pessoais se fundamentem.

Assim, nos termos do art.816º do CPC, “não se baseando a execução em sentença…além dos fundamentos de oposição especificados no nº1 do art.814º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados no processo declarativo”. Encontrando-nos no domínio das relações imediatas sempre ao executado era lícito invocar os vícios da relação jurídica subjacente.

Aqui chegados vejamos o que nos traz a matéria de facto dada como assente.

A executada, aqui recorrente, aceitou uma letra de câmbio sacada pela exequente, aqui recorrida, no valor de 150.000,00 €. Obrigou-se, portanto, cartularmente ao pagamento daquela quantia ao legítimo portador da letra.

Do negócio jurídico subjacente retira-se que DD, pai do sócio-gerente da executada, EE, em 01/08/2006, se confessou devedor à aqui exequente da quantia de € 105.254,93, a qual era proveniente de fornecimentos efectuadas por esta, à sociedade "FF, Lda.".

Mais se retira que, posteriormente, o dito DD e seu filho EE, sócio-gerente da executada, propuseram ao legal representante da exequente, GG, se aceitava que a sociedade ora executada, assumisse a responsabilidade integral pelo pagamento da dívida de € 105.254,93, e, bem assim, que o pagamento dessa mesma dívida fosse efectuado no prazo de 3 anos, através do aceite, e posterior reforma, de uma letra de câmbio, por parte daquela (a ora poente).

Os ditos DD e EE, disponibilizaram-se, ainda, a pagar os juros de mora vencidos e os vincendos e, ainda, as despesas bancárias com o desconto da dita letra.

Mais propuseram englobar (n)uma única letra quer o montante da sobredita dívida, quer os demais montantes referidos em sede de facto.

O legal representante da aqui exequente aceitou a proposta vinda de expor e na sequência do assim acordado, os mencionados DD e EE, procederam à entrega à exequente, da letra de câmbio que se encontra dada à execução, no valor de € 150.000,00.

No presente recurso não está em causa nem o saque nem o aceite da letra dada à execução mas tão somente a questão de se saber se houve por parte da executada uma assunção de dívida e se tal é compatível com o disposto no art.6ºnº3 do Código das Sociedades Comercias (CSC) e 294º do Código Civil (CC).

A letra dada à execução, face à matéria de facto provada, consubstanciou uma subjacente assunção cumulativa de dívida, prevista no art.595º do CC, a qual, como o próprio nome indica é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrém. A substituição do devedor ou devedores pode alcançar-se por uma das duas vias descritas no art.595ºnº1 do CC; ou por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; ou por contratação directa entre o novo devedor (assuntor) e o credor (como parece apontar a matéria de facto) independentemente do consentimento do primitivo ou dos primitivos obrigados.

A executada através do então único sócio gerente, JJ, aceitou tornar-se devedora de uma dívida que impendia sobre terceiros (os constantes do contrato junto aos autos a fls.56-58 e 189-191 e nesse sentido aceitou a letra de câmbio em causa., sem que tal aceite determinasse  a exoneração da obrigação dos devedores anteriores, podendo a credora demandá-los, como demandou, com base no contrato referido junto aos autos.

A figura dos autos reconduz-se no ensinamento do Prof. Pessoa Jorge (in Lições de Direito das Obrigações, II vol. Pag.31) a uma co-assunção de dívida. A executada tornou-se devedora mas não se deu a exoneração dos devedores originários. Isso decorre da matéria de facto provada: “ficou, ainda, acordado que a oponente daria à execução o documento de fls. 56 a 58, e no caso de receber qualquer quantia, de qualquer um dos outros subscritores desse mesmo título, abateria o montante então recebido, ao valor da letra aceite pela ora oponente”. Ficaram, pois, todos eles devedores principais (sob o regime de pluralidade passiva, não se descortinando da factualidade que a executada tivesse ficado como garante dos demais devedores o que então aproximaria a assunção cumulativa da dívida à fiança.

Coloca-se, agora, a questão de saber, por um lado, se uma tal assunção cumulativa de dívida é nula face ao disposto no art.6ºnº3 do CSC e se tal nulidade acarreta a invalidade do título dado à execução e, por outro lado, se o acórdão recorrido está em oposição com os acórdãos fundamento apresentados pela recorrente.

Dispõe o art.6ºnº1 do CSC: “A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular”.

E o nº3 do mesmo artigo reza: “Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se tratar de sociedade  em relação de domínio ou de grupo”.

Por seu turno o art.294º do CC diz que “Os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”.

Entende a recorrente que existe contradição  entre o acórdão recorrido  que afirma “que não é pelo simples facto de ter garantido uma dívida de terceiros que, sem mais, o respectivo acto (no caso a assunção de dívida) deva ser considerado contrário ao fim/interesse da sociedade que o prestou ainda que dele não decorra uma vantagem económica imediata para esta” e o acórdão fundamento do STJ datado de 17/2/2000, junto aos autos, que dispõe: “A delimitação da capacidade das sociedades comerciais faz-se, nos termos do art.6º do Código das Sociedades Comerciais, em função do respectivo fim, que é o da obtenção de lucros mediante o exercício em comum de uma actividade que não seja de mera fruição…São nulos os actos praticados por titulares de órgãos de sociedade comercial que não sejam abrangidos pela capacidade desta. Não podem vincular a sociedade comercial os actos estranhos à capacidade desta praticados por titulares dos respectivos órgãos. Não tem assim cabimento discutir acerca da eventual vinculação de uma sociedade comercial em relação a um contrato de penhor  de carteira de activos financeiros prestados a favor de terceiro celebrado por um administrador  e um procurador seus sem que ocorresse situações em que exista justificado interesse próprio da sociedade garante, bem como os casos de sociedade de domínio ou de grupo.

Em primeiro lugar a contradição apontada é mais aparente que real: o acórdão fundamento admite a possibilidade da vinculação da sociedade a uma garantia dada a terceiro (naquele caso através de um contrato de penhor) se demonstrado estivesse que tal garantia representava um justificado interesse próprio da sociedade garante. O acórdão recorrido, por seu turno, admite que não é pelo simples facto de ter garantido uma dívida de terceiros que, sem mais, o respectivo acto (no caso a assunção de dívida) deve ser considerado contrário ao fim/interesse da sociedade que o prestou ainda que dele não decorra uma vantagem económica imediata para esta, mas não deixa de ter em consideração que demonstrado deve estar que existe justificado interesse próprio da sociedade garante.

Cada um dos acórdãos parte de postulados diferentes, mas não contém uma intrínseca contradição. O acórdão recorrido do princípio que a garantia dada a terceiro por parte de uma sociedade comercial é lícita se houver justificado interesse próprio da sociedade garante; o acórdão fundamento do princípio que uma tal vinculação é proibida excepto no caso da existência do referido justificado interesse.

A questão está em saber a quem incumbe o ónus da prova da excepção contida no nº3 do art.6º do CSC.

Em segundo lugar, a situação fáctica e o enquadramento jurídico, em cada um dos acórdãos é dissemelhante: no acórdão fundamento estamos perante um penhor enquanto no acórdão recorrido perante uma assunção cumulativa de dívida. Enquanto o penhor, a hipoteca, a prestação de caução, a fiança constituem garantias especiais das obrigações (insertas no Capítulo VI, do Título II do Livro II do Código Civil), já a assunção de dívida constitui, em princípio, uma transmissão de créditos e de dívidas (inserta no Capítulo IV do Título II do Livro II do Código Civil). E não se diga que se trata apenas de nomenclatura já que a finalidade e o regime de umas e de outra é bem diferenciado.

 Isto leva-nos a interrogar se, de acordo com o princípio da unidade do sistema, se deve considerar como contrária ao fim da sociedade apenas a prestação das garantias a que se refere o indicado Capítulo VI,  ou, numa interpretação mais abrangente, se deve considerar-se como contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais nelas se entendendo toda e qualquer transmissão de créditos ou dívidas.

Por um lado nem sempre a assunção cumulativa de dívidas se traduz numa garantia de pagamento de dívidas de terceiro e, por outro, tal como a cessão de créditos e a sub-rogação por efeito do pagamento de terceiro, também a transmissão singular das dívidas pode corresponder à satisfação jurídica de necessidades práticas, ainda que menos frequentes do as determinantes da transmissão do lado activo  da relação creditória.

Contraem-se dívidas, v.g., para promover a conservação ou valorização de determinadas coisas, ou para assegurar a exploração económica de certas universalidades, ou para evitar um acto do credor que indirectamente o lesaria, ou para se precaver de uma desvalorização da garantia do seu crédito, etc.

Muitas são as razões comerciais, empresariais, por que uma dada sociedade pode co-assumir uma dívida de terceiro sem que isso, por si só, deva ser considerado como contrário ao fim da sociedade. Tudo está em saber se existe ou não justificado interesse próprio dessa sociedade garante. Aliás na esteira do acórdão do STJ de 17/9/2009, citado no aresto sob recurso, e tendo em atenção o disposto no art.160ºnº1 do CC que diz que “A capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins”, “não decorre uma incapacidade absoluta das sociedades para a prática de liberalidades. Apenas na ponderação do circunstancialismo que acompanhou a situação concreta se deve aferir da licitude ou não da liberalidade efectuada pelos órgãos sociais da sociedade…As sociedades podem validamente praticar actos gratuitos, nomeadamente prestar garantias a dívidas de terceiros quando a esses actos presida um interesse próprio da sociedade garante, ainda que deles não decorra uma vantagem económica imediata. Basta que haja o objectivo de ser alcançado um fim conveniente à prossecução de vantagens de cariz económico da sociedade e não de proporcionar uma vantagem ao credor garantido”.

Por isso e transpondo-nos para o ónus da prova, constitui jurisprudência recente deste STJ  (vidé, por todos, acórdão do STJ de 7/10/2010, também citado no acórdão recorrido) que “é à sociedade garante que invoca a nulidade da garantia, por si prestada que compete alegar e provar a inexistência de interesse próprio, ou seja provar os requisitos da nulidade que pretende aproveitar e isto porque ninguém (a não  ser em determinadas situações, o terceiro beneficiado), melhor do que a própria sociedade garante  estará habilitada a provar se tal garantia foi ou não efectuada no seu interesse próprio”

Também, neste particular, entende a recorrente haver contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do STJ de 28/10/2003, junto aos autos, no tocante à incumbência do ónus da prova. Só que a situação em cada um dos casos não é coincidente. No acórdão fundamento, agora em referência, estamos perante a colocação em crise da regra ínsita no art.6ºnº3 do CSC, em face de terceiro beneficiário das garantias prestadas, e, nesse sentido se decidiu que a verificação das situações excepcionais aparece como condição de validade das garantias prestadas e por isso têm de ser provadas pelo beneficiário da garantia que dela se quiser prevalecer.

O caso dos autos é diverso. Trata-se de uma oposição a uma execução cartular por parte da sociedade aceitante da letra de câmbio dada à execução e que pretende fazer valer a nulidade do negócio jurídico subjacente. Partes na oposição à execução são tão-somente a sociedade aceitante da letra e a sociedade sacadora da mesma, nela não se encontrando o terceiro ou terceiros beneficiários da assunção cumulativa de dívida.

Quem invoca a nulidade é a sociedade oponente (e não qualquer terceiro que não está na acção), então é a esta que incumbe provar (e não a terceiros e muito menos à exequente) que não existiu interesse próprio da sociedade executada na assunção da dívida subjacente à obrigação cambial porque, in casu, ninguém melhor que a sociedade executada estará em condições de provar se tal assunção de dívida foi ou não efectuada no seu interesse próprio. A deferir-se o ónus da prova ao terceiro beneficiário, nas situações em que o mesmo não é parte na acção, estaria descoberto o caminho à verificação sempre da nulidade e por via dela ao incumprimento obrigacional.

Ora, da matéria provada retira-se apenas que a recorrente assumiu uma dívida cujos devedores eram outras sociedades e pessoas singulares e que nunca teve qualquer relação comercial com a recorrida. Esta matéria nada nos diz quanto ao interesse ou não interesse da sociedade recorrente na assunção cumulativa da dívida. À recorrente que, na sua oposição à execução, invocou a nulidade do acto de assunção de dívida incumbia provar que tal acto era contrário ao fim da sociedade por inexistir justificado interesse próprio desta. Não o tendo feito, não pode ser considerado nulo o acto da relação jurídica subjacente, nem inválido o título executivo.

O presente recurso não pode deixar de naufragar.

Tendo o Tribunal da Relação concluído pela improcedência da apelação por inexistência de matéria provada que pudesse fazer vingar as pretensões da recorrente, são despiciendas todas as considerações expendidas em matéria de abuso do direito e tendo o STJ chegado à mesma conclusão da do Tribunal “a quo” quanto à não verificação da nulidade invocada pela recorrente, por não ter logrado provar a não verificação da excepção prevista na 2ª parte do nº3 do art.6º do CSC, não há que tomar conhecimento do recurso quanto ao abuso do direito e às eventuais contradições existentes.

Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça, em negar revista, confirmando o douto acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 26 de Setembro de 2013

Orlando Afonso (Relator)

Távora Victor

Sérgio Poças