Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6268/17.6T8VNF.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS
Descritores: ABUSO DO DIREITO
DIREITO À INFORMAÇÃO
SOCIEDADE ANÓNIMA
INQUÉRITO JUDICIAL
CONHECIMENTO PREJUDICADO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES – CONTRATO DE SOCIEDADE / OBRIGAÇÕES E DIREITOS DOS SÓCIOS – SOCIEDADES ANONIMAS / OBRIGAÇÕES E DIREITOS DOS ACCIONISTAS / DIREITO À INFORMAÇÃO.
Doutrina:
- ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, p. 425/426;
- ALEXANDRE MOTA PINTO, Transacções com Partes Relacionadas no Direito das Sociedades in Actualidade Jurídica, n.º 43, p. 26, in https://www.uria.com/documentos/publicaciones/5091/documento/art01.pdf?id=6752;
- ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. V, Almedina, p. 217, 218;
- ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, p. 516;
- ARMANDO MANUEL TRIUNFANTE, A Tutela das Minorias nas Sociedades Anónimas – Direitos Individuais, Coimbra, p. 124;
- COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Volume II, Das Sociedades, 6.ª Edição, Almedina, 2019, p. 245-247;
- DIOGO LEMOS E CUNHA, O inquérito judicial enquanto meio de tutela do direito à informação nas sociedades por quotas, R.O.A., Ano 75, Jan-Jun 2015, p. 331, in https://portal.oa.pt/upl/%7Ba4d1907e-a92f-4cb1-8a9f-c587a2657d65%7D.pdf;
- HEINRICH EWALDHORSTER, A parte geral do Código Civil Português -Teoria Geral do Direito Civil", Almedina, 1992, p. 281;
- LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra, p. 36;
- LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial, 2.º volume, Ed. AAFDL, p. 316;
- MARGARIDA COSTA ANDRADE, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. I, 2.ª Edição, Almedina, p. 377;
- PAULO OLAVO CUNHA, Direito das Sociedades Comerciais, 3.ª Edição, Almedina, p. 296;
- PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, Almedina, p. 187;
- PINHEIRO TORRES, O direito à informação nas sociedades comerciais, Almedina, p. 20;
- RAÚL VENTURA, Sociedades por Quotas, vol. I, Almedina, p. 282, 284;
- RITA RAMOS FERREIRA, Transacções com Partes Relacionadas, p. 3, in https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/15635/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado%20em%20Direito%20e%20Gest%C3%A3o%20Rita%20Ramos%20Ferreira.pdf;
- TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, p. 462 e 463;
- VAZ SERRA, RLJ Ano 111º, p. 202.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 21.º, ALÍNEA C) E 291.º, N.ºS 1 E 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- PROCESSO N.º 287/12.6TBAMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-03-1997, PROCESSO N.º 96A183, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-11-2001, PROCESSO N.º 02A1011, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-06-2002, PROCESSO N.º 1759/02, IN SASTJ, CIVEL, 2002, WWW.STJ.PT;
- DE 02-02-2006, PROCESSO N.º 05B3546, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-01-2014, PROCESSO N.º 2694/05.1TBGRD.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - O direito à informação societária (al. c) do art. 21.º do CSC) é inerente à participação social e vale por si só, com vista à fiscalização geral do funcionamento da sociedade.

II - O exercício do direito colectivo à informação (n.º 1 do art. 291.º do CSC) pode, ademais, ser denegado pela sociedade por recurso à cláusula geral do abuso do direito, a fim de pôr termo a práticas abusivas (não enquadráveis no n.º 4 daquele preceito) que visem fins ilícitos.

III - Não se evidenciando que o autor queira destinar a informação visada a fins diferentes daqueles que enunciou – o apuramento de responsabilidades da administração e a sequente propositura de acção com esse fim – e respeitando aquela a transacções com partes relacionadas, o mero facto de a informação pretendida respeitar a um período temporal alargado e de, até ao momento, não ter sido proposta a correspondente acção e de, até ao momento, não terem sido apurados factos relevantes, não traduzem um exercício abusivo do direito mencionado em II.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

O Autor AA instaurou, em 29-09-2017, no Tribunal de VN de Famalicão, processo especial de inquérito a sociedade comercial (jurisdição voluntária) contra os Réus:

1ª. – “BB, SA”,

2º. – CC,

3º. – DD; e

3º. – EE.

Formulou o pedido de que deve:

a) Ser determinado que a informação pretendida pelo Autor (discriminada no item 139º, da pi), seja prestada;

b) Ser ordenada a realização do inquérito à Ré.

  Ordenada e efectuada a citação dos Réus, estes contestaram (fls. 253 a 282).

  Em suma, alegaram que o Autor tem obtido informação abundante, usa a acção como expediente para perturbar a vida social e tentar obter benefícios à custa da Ré. Apesar da informação entregue, só passados três anos vem referir que ela é falsa e incompleta, sabendo ele que não tem fundamento sério, que perdeu todas as demais acções judiciais instauradas e apenas pretendendo uma “litigância militante”. Desvirtua as finalidades desta acção, tanto mais que nenhuma dúvida colocou directamente à requerida.

  Impugnando a factualidade alegada, refutaram as ilações que o autor refere ter colhido a partir da analisada documentação entregue e, bem assim, as irregularidades e falsidades por que ele concluiu.

 

  Foi proferida sentença em 14-06-2018, na qual se decidiu (fls. 436 a 451):

“Termos em que, em face das disposições legais citadas, condeno os RR. a prestarem ao A. toda a informação por este solicitada e que a seguir se descreve; absolvo os RR. do demais peticionado.

Custas por A. e RR., na proporção do decaimento, que se fixa em ½ para A. e ½ para os RR..

Os demandados, não se conformando, apelaram para a Relação de Guimarães.

Este Tribunal proferiu a seguinte decisão:

“Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação:

a) Declaram nula a sentença recorrida na parte em que condenou os apelantes.

b) Absolvem-se estes do pedido de prestação de informação.

c) Ficam prejudicadas as demais questões recursivas.

d) Mantém-se a absolvição quanto ao pedido de inquérito”.

Não se conformando com o acórdão, veio o Autor interpor recurso de revista, alegando e concluindo:

“1- Vem a presente revista interposta do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que julgou procedente o recurso interposto pelos Recorridos e, em consequência, dando provimento à apelação decidiu:

"a) Declaram nula a sentença recorrida na parte em que condenou os apelantes,

b) Absolvem-se estes do pedido de prestação de informação,

c) Ficam prejudicadas as demais questões recursivas,

 d) Mantém-se a absolvição quanto ao pedido de inquérito.";

2           - A questão a apreciar relativamente ao douto Acórdão recorrido, prende-se com: O abuso de direito do exercício do direito à informação por parte do Recorrente;

3           - Tendo a douta sentença do Tribunal de Ia instância na subsunção dos factos ao direito decidido o seguinte: "(...) Perante esta factualidade, pensamos ser clara a legitimidade do A., enquanto accionista da sociedade R. (pois é detentor de 1.285.715 ações, no valor nominal de €: 1,00 cada uma, correspondente a 10,71 % do capital social da Ré - cfr. ai. A) da matéria de facto assente), para, nos termos dos arts. 21°, n° 1, ah c), 288°, n° 1 e 291°, n°s 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais, supra citados, solicitar à R. as informações em causa nestes autos, sendo que o A. alegou expressamente que "a intenção de exercer o direito à informação se destina a apurar responsabilidades quer do Conselho de Administração, quer do Órgão de Fiscalização".  Tendo alegado esta intenção, fica automaticamente vedado ao conselho de administração da sociedade R. recusar as informações solicitadas pelo A., pois não é patente, pelo conteúdo das informações ou outras circunstâncias, não ser esse o fim visado pelo pedido de informação. Por outro lado, não se verifica que o fundamento apresentado pela R. para a não prestação das informações solicitadas e que supra transcrevemos, se insira em alguma destas circunstâncias: a) Ser de recear que o accionista a utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta ou de algum accionista; b) Que a divulgação, embora sem os fins referidos na alínea anterior, é susceptível de prejudicar relevantemente a sociedade ou os accionistas;  c) Que ocasione violação de segredo imposto por lei. Perante este circunstancialismo, é de concluir pela ilegitimidade da R. em recusar apresentar as informações e os documentos solicitados pelo A.. Procede o pedido nesta parte (...)";

4           - No entanto, a Recorrida alegou a existência de uma nova "forma" de legitimar a sua recusa em prestar informação ao Recorrente enquanto sócio daquela...o abuso de direito;

5           - O acórdão de que aqui se recorre deu razão à Recorrida, entendendo que: "A pretensão, dada a sua inusitada magnitude, rebeldia aos padrões de normalidade e perplexidade que, nas circunstâncias descritas, quanto à sua justeza e necessidade, suscita, apresenta-se, pois, como manifestamente desequilibrada, excessiva, contrária aos ditames da boa-fé, à função ou aos próprios fins úteis da norma, sem fundamento consistente e razoável, ofensiva do sentimento geral de justiça, ou seja, objetivamente abusiva, devendo, por ilegítima, nos termos do art° 334°, do CC, ser obstaculizado o exercício do direito à mesma subjacente";

6           - Conforme se vai demonstrar, os fundamentos que nortearam este acórdão em considerar existir abuso de direito não são de todo verosímeis e, muito menos reais;

7           - O Recorrente discriminou pormenorizadamente toda a informação que pretendia ver prestada, tendo sido rigoroso ao ponto de elencar cada documento _ Vd. Facto Provado 00;

8            - Pelo que, ao contrário do que alega o douto acórdão não se trata de

uma imensidão de documentação mas de documentos específicos sobre determinadas situações;

9            - Salvo o devido respeito por entendimento contrário, confunde o douto acórdão "imensidão" de documentação com a imensidão de pormenor com que o Recorrente concretizou a informação pretendida, pois os três anos entregues ao abrigo do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.° 287/12.6TBAMR.G1.S1 couberam em menos de10            dossiers A4!;

  10- Por outro lado e, conforme se encontra explanado, quer na Petição Inicial, quer na Contestação, o tipo de documentos solicitados prende-se com dois temas fulcrais: A - Das transações entre partes relacionadas, na ótica das compras e das vendas, o que já deu origem à instauração por parte do Recorrente do processo n.° 4416/17.5T8VNF, que corre termos no juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz 3, por impedimento de voto dos Membros do Conselho de Administração no âmbito de uma transação com uma parte relacionada (Contrato de Cessão de Exploração), o que se comprova pelo despacho já proferido no referido processo, cuja junção se requer, nos termos do artigo 680° do Código de Processo Civil, e que aqui se junta como Documento n.° 1 e, se reproduz em toda a sua plenitude probatória; B - Do não reconhecimento de imparidades em dívidas a receber;

11- Ora, encontrando-se discriminada a informação concreta que o Recorrente pretende e, igualmente, de forma vasta e exaustiva a razão pela qual a solicitou: o apuramento de responsabilidades por parte dos Membros do Conselho de Administração pela prática de eventuais irregularidades/crimes cometidos nos anos de 2008 e 2012 a 2016, parece-nos mais que fundamentada e justificada a necessidade e a utilidade da prestação de informação ao Recorrente enquanto sócio da Recorrida;

12- Não é por visto julgadas improcedentes três ações de anulação de deliberações sociais que, em nada se relacionam com este pedido de inquérito judicial, que pode ver agora o seu direito à informação diminuído por "abuso do direito";

13- Igualmente não é por não ter consigo provar nos presentes autos a existência de atos lesivos da sociedade praticados pelos Membros do Conselho de Administração, que pode o Recorrente ser impedido de ter acesso a nova informação;

14- Ademais e, ao contrário do que tão convictamente afirma o acórdão, que o Recorrente pretende tão só "esventrar e devassar a vida societária" da Recorrida, este só pretende mesmo obter informação sobre a vida societária daquela;

15- Prova disto é o Recorrente ter intentado os presentes autos após findos os outros processos judiciais (instaurados entre os anos de 2012 e 2014) e, conforme explicou na sua Petição Inicial, após muita ponderação;

16- Por fim e, contrariando mais uma vez o que alega o douto acórdão, o Recorrente teve e tem cada vez mais necessidade de obter informação sobre a vida societária da Recorrida para apuramento de eventuais responsabilidades por parte dos Membros do Conselho de Administração, aqui Recorridos;

17- Importância esta considerada provada pela sentença a quo nos factos MM., NN. e QQ. e, reforçada pelo processo crime pendente no DIAP de Braga, instaurado já no ano de 2014 e, que conduziu ao pagamento por parte da Recorrida à Autoridade Tributária e Aduaneira da módica quantia de quase quatro milhões de euros, pela prática de uma infração aduaneira, com indícios criminais _ Vd. Documentos n°s. 1 e 2 juntos com o requerimento com a referência eletrónica n.° ... e, ainda, pelo Documento n.° 1 aqui junto;

18- Assim, certo é que: O Recorrente, após muito ponderar (durante dois anos), solicitou judicialmente à Recorrida o pedido de prestação de informação elencado no facto provado 00.;

19- A Recorrida recusou ilegitimamente a prestação de tal informação, invocando ser a mesma muito vasta, o que acarretaria a necessidade de inúmeros recursos humanos e avultadas despesas;

20- Ou seja, a Recorrida recusou ilegitimamente a prestação de informação, uma vez que a mesma só pode ser recusada nos termos do artigo 291° n.° 4 do Código das Sociedades Comerciais;

21- Face a tudo o que foi explanado nos presentes autos, designadamente na Petição Inicial e na Contestação, bem como pela vasta documentação junta com os referidos articulados, as intenções do Recorrente enquanto sócio da Recorrida são tão só apurar eventuais responsabilidades dos Membros do Conselho de Administração, as quais por não ter conseguido provar existirem nos anos já entregues, não quer dizer que não existam nos anos a que refere este pedido de informação, e que o mesmo tem o direito de averiguar!;

22- Não existe pois qualquer abuso de direito no pedido de informação pretendido pelo Recorrente;

23- Tendo o douto acórdão, ao absolver a Recorrida do pedido da prestação da informação violado o disposto nos artigos 21°, 288°, 291° e 292° do Código das Sociedades Comerciais;

24- Neste sentido tem decidido a jurisprudência: - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - processo n.° 114/12.4TBPTL.G1, datado de 23-01-2014, Relator: Helena Melo; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - processo n.° 1560/08.3TBOAZ.P1.S1, datado de 16-03-2011, Relator: Oliveira Vasconcelos; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça -processo  n.°  287/12.6TBAMR.G1.SI,  datado  de  24-04-2014,  Relator:Oliveira Vasconcelos.

Nestes termos e nos melhores de direito que Vas. Exas. doutamente suprirão deverá ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser substituído o douto acórdão ora recorrido por outro que defira o pedido de prestação de informação ao Recorrente”.

Os requeridos responderam à alegação pugnando pela improcedência do recurso, e pela manutenção da decisão recorrida.

Requereram ainda, a título subsidiário, a ampliação do recurso, ao abrigo do artº 636º, nº 4 do CPC, quanto às seguintes questões:

1. Falta de fixação de um prazo para a entrega da documentação solicitada;

2.Condenação em custas a cargo do Requerente e dos Requeridos na proporção de 1/2 para cada, contrariando o disposto no artigo 1052º do CPC.

II- Apreciação do Recurso

Objecto do Recurso:

                       Abuso do direito à informação por parte do recorrente.

Questões prévias

I.

Invocando o disposto no artigo 680.º do Código de Processo Civil, o recorrente procedeu à junção de documentos que constam de fls. 571 e ss.

Visto os termos das alegações, evidencia-se que os documentos em causa não se destinam a comprovar (ou a infirmar) qualquer facto oportunamente alegado, servindo apenas como suporte da alegação de que o Autor intentou uma acção respeitante a uma transacção com uma parte relacionada.

Nestes termos, é manifesta a sua impertinência para a decisão da causa (n.º 1 do artigo 443.º do Código de Processo Civil).

Assim, não sendo processualmente admissível a junção e revelando-se esta impertinente, importa determinar a retirada daqueles documentos dos autos e a sua devolução à apresentante (n.º 1 do artigo 443.º do Código de Processo Civil), fixando-se a correspondente multa em 1 UC (n.º 1 do artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais).

II.

Pedem os recorridos a ampliação do objecto do recurso, de modo a serem apreciadas as questões por si suscitadas na apelação que a Relação teve por prejudicadas. 

Prevê o n.º 1 do artigo 636.º do Código de Processo Civil, sobre a epígrafe “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido”:

1 – “No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação. (…)”. 

Deste preceito subjaz a consideração de que o vencimento se afere pela decisão e não pelos respectivos fundamentos. Como dele resulta, a lei concede à parte vencedora (que, por isso, não dispõe de legitimidade para recorrer – n.º 1 do art. 631.º do CPC) a possibilidade de requerer ao tribunal ad quem a reapreciação de fundamentos da acção ou da defesa em que haja decaído, a fim de precaver a possibilidade de serem acolhidos algum ou alguns dos fundamentos do recurso interposto pela parte vencida. 

Ao aludir à multiplicidade de fundamentos, a lei pretende reportar-se às causas de pedir deduzidas a título alternativo ou subsidiário[1]. É de sublinhar, por outro lado, que esta faculdade tem uma finalidade exclusivamente preventiva, impondo assim ao tribunal de recurso o dever de conhecer do objecto ampliado sempre que aprecie favoravelmente à contraparte o recurso por ela interposto[2].

No caso vertente, a ampliação do objecto do recurso teve, correctamente, em vista a hipótese de ser julgada procedente a revista interposta pelo Autor.

Contudo, há a notar que, como consta do acórdão recorrido, a Relação, em face da solução encontrada, julgou prejudicada a apreciação das questões atinentes à falta de fixação de um prazo para a entrega da documentação solicitada e à conformidade da repartição das custas decidida em 1.ª instância com a norma contida no artigo 1052.º do Código de Processo Civil.

Por isso, é manifesto que os recorridos não decaíram nos fundamentos da apelação que ora elencam como sendo o âmbito da pretendida ampliação. Ter ficado vencido relativamente a qualquer um desses fundamentos recursórios pressupunha, naturalmente, que a Relação os tivesse apreciado e decidido em sentido desfavorável às suas pretensões, o que não se verificou.

Constata-se, pois, que a pretendida ampliação do âmbito da revista é processualmente inadmissível.

Fundamentaçao

Factos provados:

A. O Autor é detentor de 1.285.715 ações, no valor nominal de €: 1,00 cada uma, correspondente a 10,71 % do capital social da Ré.

B. A Ré é uma sociedade comercial anónima que tem como objeto social o fabrico e comércio de painéis para coberturas e revestimentos.

C. O Conselho de Administração da Ré é composto por três membros:

- Presidente do Conselho de Administração - CC, aqui Primeiro Réu;

- Administrador - DD, aqui Segundo Réu;

- Administrador - EE, aqui Terceiro Réu.

D. O Primeiro Réu, além de Presidente do Conselho de Administração da Ré, é igualmente:

A) Gerente e sócio da sociedade comercial “FF, Lda.”, NIPC ..., com o capital social de €: 800.000,00, no qual o mesmo detém uma quota no valor nominal de €: 320.000,00 sendo, por conseguinte, um dos sócios maioritários da referida sociedade. Por sua vez, a sociedade comercial “FF, Lda.” é acionista da Ré, detendo 11,90% do capital social da mesma.

B) Gerente e sócio da sociedade comercial “GG, Lda.”, NIPC ..., com o capital social de €: 4.250.000,00, no qual o mesmo detém duas quotas no valor nominal de €: 875.000,00 e €: 1.250.000,00 respetivamente sendo, por conseguinte, detentor de 50% do capital social da referida sociedade. Por sua vez, a sociedade comercial “GG, Lda.” é acionista da Ré, detendo 23,81% do capital social da mesma.

C) Gerente e sócio da sociedade comercial “HH, Lda.”, NIPC ..., com o capital social de €: 1.250.000,00, no qual o mesmo detém uma quota no valor nominal de €: 562.500,00 sendo, por conseguinte, um dos sócios maioritários da referida sociedade. Por sua vez, a sociedade comercial “HH, Lda.” é acionista da Ré, detendo 23,81% do capital social da mesma.

D) Presidente do Conselho de Administração da sociedade comercial “II, S.A.”, NIPC ..., com o capital social de €: 6.010.000,00 e, na qual é titular de ações, a título pessoal, no valor nominal de €: 1.900.000,00, sendo por conseguinte um dos acionistas maioritários da referida sociedade. Por sua vez, a sociedade comercial “II, S.A.” é acionista da Ré, detendo 29,76% do capital social da mesma.

E. O Segundo Réu para além de Administrador da Ré, é igualmente:

A) Gerente e sócio da sociedade comercial “FF, Lda.”, NIPC ..., com o capital social de €: 800.000,00, no qual o mesmo detém uma quota no valor nominal de €: 320.000,00 sendo, por conseguinte, um dos sócios maioritários da referida sociedade. Por sua vez, a sociedade comercial “FF, Lda.” é acionista da Ré, detendo 11,90% do capital social da mesma.

B) Gerente e sócio da sociedade comercial “GG, Lda.”, NIPC ..., com o capital social de €: 4.250.000,00, no qual o mesmo detém duas quotas no valor nominal de €: 875.000,00 e €: 1.250.000,00 respetivamente sendo, por conseguinte, detentor de 50% do capital social da referida sociedade. Por sua vez, a sociedade comercial “GG, Lda.” é acionista da Ré, detendo 23,81% do capital social da mesma.

C) Gerente e sócio da sociedade comercial “HH, Lda.”, NIPC ..., com o capital social de €: 1.250.000,00, no qual o mesmo detém uma quota no valor nominal de €: 562.500,00 sendo, por conseguinte, um dos sócios maioritários da referida sociedade. Por sua vez, a sociedade comercial “HH, Lda.” é acionista da Ré, detendo 23,81% do capital social da mesma.

D) Administrador da sociedade comercial “II, S.A.”, NIPC ..., com o capital social de €: 6.010.000,00 e, na qual é titular de ações, a título pessoal, no valor nominal de €: 1.900.000,00, sendo por conseguinte um dos acionistas maioritários da referida sociedade. Por sua vez, a sociedade comercial “II, S.A.” é acionista da Ré, detendo 29,76% do capital social da mesma.

F. O Terceiro Réu para além de Administrador da Ré, é igualmente:

A) Sócio da sociedade comercial “HH, Lda.”, NIPC ..., com o capital social de €: 1.250.000,00, no qual o mesmo detém uma quota no valor nominal de €: 562.500,00 sendo, por conseguinte, um dos sócios maioritários da referida sociedade. Por sua vez, a sociedade comercial “HH, Lda.” é acionista da Ré, detendo 23,81% do capital social da mesma.

B) Administrador da sociedade comercial “II, S.A.”, NIPC ..., com o capital social de €: 6.010.000,00 e, na qual é titular de ações, a título pessoal, no valor nominal de €: 1.900.000,00, sendo por conseguinte um dos acionistas maioritários da referida sociedade. Por sua vez, a sociedade comercial “II, S.A.” é acionista da Ré, detendo 29,76% do capital social da mesma.

G. A Ré obriga-se com a assinatura de um administrador.

H. Por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado, proferido no âmbito do inquérito judicial n.º 287/12.6TBAMR foi a Ré obrigada a entregar ao Autor os seguintes documentos:

1 - Dossier Fiscal dos períodos findos em 31.12.2009, 31.12.2010 e 31.12.2011, este último elaborado de acordo com a portaria n.º 92-A/2011, de 28 de Fevereiro, nomeadamente incluindo os seguintes documentos:

1.1 - Balancetes analíticos de grau mais elevado (com todos os clientes, fornecedores, outros devedores e credores…), antes e após os lançamentos de regularização e encerramento de contas dos exercícios de 2009, 2010 e 2011;

1.2 - Balancete analítico de grau mais elevado de abertura de 2010 e 2011;

1.3 - Mapas de antiguidade de saldos dos exercícios de 2009, 2010 e 2011;

1.4 – Mapa de antiguidade de saldos dos clientes considerados de cobrança duvidosa;

1.5 – Mapa de modelo oficial do movimento das provisões, perdas por imparidade em créditos e ajustamentos efetuados no exercício de 2009, 2010 e 2011;

1.6 – Listagem nominativa dos créditos considerados incobráveis, incluindo os seus valores no ano de 2009, 2010 e 2011;

2 - Dossier dos “Preços de Transferência” de 2009, 2010 e 2011, relativo às empresas com relações especiais;

3 - Livros de Acta da Sociedade desde o seu início (Assembleia Geral e Conselho de Administração);

4 - Originais (para consulta) de todas as listas de presenças às Assembleias Gerais da Sociedade;

5 - Tabela de reclassificação de todas as contas de POC para SNC na data da transição, ou seja 01.01.2010 e 01.01.2011;

6 - Extratos de 01.01.2009 a 31.13.2009, 01.01.2010 a 31.13.2010 e 01.01.2011 a 31.13.2011 dos clientes e/ou fornecedores (de conta corrente e de Imobilizado):

6.1.1 - HH,

6.1.2 - FF,

6.1.3 - GG,

6.1.4 - JJ,

6.1.5 - II,

6.1.6 - KK,

6.1.7 - LL,

6.1.8 - MM,

6.1.9 - NN, Lda.

6.1.10 - OO

6.1.11 - PP

6.1.12 - QQ

6.1.13 - RR

6.1.14- SS

6.1.15 - TT

6.1.16 - UU, Lda

6.1.17 - VV, Lda.;

6.1 - Cópia de uma fatura mensal de valor mais elevado por cada um destes clientes e/ou fornecedor;

6.2 - Cópia do respetivo meio de pagamento dessa fatura;

6.3 - Cópia da respetiva nota de crédito do desconto efetuado sobre a fatura atrás referida;

7 - Extratos de 2009, 2010 2011 da conta “ZZ”;

8 - Extratos de 2009, 2010 e 2011 das contas “Adiantamentos por conta de compras” descriminados por fornecedor a quem foram efetuados os adiantamentos;

9 - Contratos de arrendamento das instalações que não são propriedade da empresa;

10 – Relação nominativa dos “Financiamentos Obtidos”, constantes do Balanço (Passivo), acompanhada dos seguintes elementos:

- Tipo de Financiamento

- Data da contratação

- Termo do prazo para pagamento

- Finalidade do empréstimo

- Garantias prestadas (Penhor/Hipoteca/Aval…)

- Fotocópia de todos os contratos de empréstimo em vigor.

I. A entrega da documentação supra discriminada por parte da Ré ao Autor ocorreu no período compreendido entre Julho e Novembro de 2014.

J. A Ré procedeu à entrega ao Autor dos Dossier de Preços de Transferência relativos aos exercícios dos anos de 2009, 2010 e 2011.

K. Procedendo à análise comparativa entre os Dossier de Preços de Transferência, a IES (Informação Empresarial Simplificada) e os valores constantes dos Extratos de Conta Corrente das partes relacionadas, documentos esses entregues pela Ré, verifica-se o seguinte: ANO DE 2009:

L. Relativamente ao ano de 2009, as vendas e prestações de serviços entre partes relacionadas/clientes declaradas pela Ré no Dossier dos Preços de Transferência e na IES coincidem e são os seguintes:

PARTES VENDAS E/OU DESCONTOS VALOR LÍQUIDO %

RELACIONADAS P.SERVIÇOS DESCONTO

JJ 4.053.617 727.712 3.325.905 17,95%

GG 2.112.930 420.403 1.692.527 19,90%

II 1.523.744 204.814 1.318.930 13,44%

FF 1.392.403 182.017 1.210.386 13,07%

LL 246.076 79.176 166.900 32,18%

HH 190.279 29.197 161.082 15,34%

TOTAL 9.519.049,00 1.643.319,00 7.875.730,00

M. No entanto, analisando as Contas Correntes das partes relacionadas/clientes constantes do quadro do artigo anterior, verificamos que a realidade é a seguinte:

PARTES VENDAS E/OU DESCONTOS VALOR LÍQUIDO %

RELACIONADAS P.SERVIÇOS DESCONTO

II 1.540.862 221.931 1.318.931 14,40%

FF 1.396.895 186.509 1.210.387 13,35%

LL 255.204 88.304 166.900 34,60%

HH 193.143 32.061 161.082 16,60%

TOTAL 9.665.399,57 1.789.156,66 7.876.242,91

N. O capital social das sociedades JJ - …, Lda., GG – XX, Lda. e LL – ..., Lda é detido maioritariamente pelos Membros do Conselho de Administração da Ré e/ou familiares.

O. ANO DE 2010: Relativamente ao ano de 2010, as vendas e prestações de serviços entre partes relacionadas/clientes declaradas pela Ré no Relatório e Contas de 2010 (pagina 27), no Dossier dos Preços de Transferência e na IES não são coincidentes e, são os seguintes:

- VALORES DECLARADOS NO RELATÓRIO E CONTAS (PAG.27) DE 2010:

- Transações com Associadas (Clientes) - €: 1.663.686,07;

-Transações com Outras Partes Relacionadas (Clientes) - €: 9.749.142,54;

- Total €: 11.412.828,61

P. - VALORES DECLARADOS NO DOSSIER DOS PREÇOS DE TRANSFEREÊNCIA:

PARTES VENDAS E/OU DESCONTOS VALOR LÍQUIDO %

RELACIONADAS P.SERVIÇOS DESCONTO

JJ 4.053.617 727.712 3.325.905 17,95%

GG 2.112.930 420.403 1.692.527 19,90%

II 1.523.744 204.814 1.318.930 13,44%

FF 1.392.403 182.017 1.210.386 13,07%

LL 246.076 79.176 166.900 32,18%

HH 190.279 29.197 161.082 15,34%

TOTAL 9.519.049,00 1.643.319,00 7.875.730,00

Q. - VALORES DECLARADOS NA IES:

ENTIDADE VENDAS E/OU DESCONTOS VALOR LÍQUIDO %

P.SERVIÇOS DESCONTO

JJ 4.155.309 552.532 3.602.777 13,30%

GG 1.711.581 245.200 1.466.381 14,33%

II 1.349.345 183.646 1.165.699 13,61%

FF 1.493.178 209.170 1.284.008 14,01%

LL 378.213 50.014 328.199 13,22%

HH 157.206 26.376 130.830 16,78%

KK 0 0 0 0,00%

SUB-TOTAL 9.244.832 1.266.938 7.977.895

ZZ 3.701.564 0 3.701.564 0,00%

 428.425 51.782 376.642 12,09%

TOTAL 13.374.820,95 1.318.719,97 12.056.100,98

R. ANO DE 2011: Relativamente ao ano de 2011, as vendas e as prestações de serviços entre as partes relacionadas/clientes declaradas pela Ré no Relatório e Contas de 2011 (página 26), não são coincidentes com os declarados no Dossier dos Preços de Transferência e na IES, como a seguir se discrimina: - VALORES DECLARADOS NO RELATÓRIO E CONTAS (PAG.26) DE 2011:

- Transações com Associadas (Clientes) €: 1.141.756,33;

- Transações com Outras Partes Relacionadas (Clientes) €: 11.349.024,05,

- Total - €: 12.490.780,38.

S. - VALORES DECLARADOS NO DOSSIER DE PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA (PÁGINA 20) DE 2011: - Vendas e prestações de serviços €: 11.152.669,32.

T. - VALORES DECLARADOS NA IES:

ENTIDADE VENDAS E/OU DESCONTOS VALOR LÍQUIDO %

.SERVIÇOS DESCONTO

JJ 2 843 237 466 618 2 376 620 16,41%

GG 1 436 651 0 1 436 651 0,00%

II 717 206 79 581 637 625 11,10%

FF 1 543 185 109 578 1 433 606 7,10%

LL 7 764 6 070 1 694 78,18%

HH 172 354 9 526 162 828 5,53%

KK 2 725 0 2 725 0,00%

VV 891 229 2 917 888 312 0,33%

SUB-TOTAL 7 614 351 674 290 6 940 061

ZZ 3 888 424 588 657 3 299 767 15,14%

SETENTA 977 510 64 668 912 842 6,62%

TOTAL 12 480 284,70 1 327 615,38 11 152 669,32

U. COMPRAS DE BENS E SERVIÇOS: JJ - …, Lda.: - ANO DE 2009: Relativamente ao ano de 2009, as compras de bens e/ou serviços declarados na IES e no Dossier dos Preços de Transferência coincidem e ascendem ao montante €: 66.831,85.

V. Verifica-se, ainda, quanto a esta parte relacionada/fornecedor, a existência das seguintes faturas relativas à prestação de trabalhos de construção civil por parte da mesma à Ré:

- Fatura A01385 – 31/03/2009 – €:7.400,00;

- Fatura A01532 – 30/06/2009 – €: 4.350,00;

- Fatura A01671 – 30/10/2009 – €: 7.150,00;

- Fatura A01788 – 31/12/2009 – €: 8.650,00;

W. A parte relacionada “JJ-…, Lda.”, NIPC 504 773 623, tem como objeto social: o comércio de perfis de alumínio e painéis isotérmicos, fabricação de poliestireno expandido.

X. Para além da prestação de serviços de construção civil, esta parte relacionada vendeu à Ré, através da fatura n.º ... de 31/08/2009 pelo valor de €: 8.400,00, uma viatura ..., matrícula ...-TX.

Y. - ANO DE 2010: Relativamente ao ano de 2010, as compras de bens e/ou serviços declarados na IES e no Dossier dos Preços de Transferência coincidem e ascendem ao montante de €: 148.325,73.

Z. Analisando o extrato da conta corrente desta parte relacionada/fornecedor, verifica-se que para além das compras naquele montante, existem as seguintes notas de débito creditadas na conta corrente de fornecedor:

- N/D 361 – 31/07/2010 – €: 995,36;

- N/D 362 – 31/07/2010 – €: 1.118,86;

- N/D 364 – 31/07/2010 – €: 812,35;

- N/D 385 – 30/09/2010 – €: 854,71;

- N/D 932 – 31/10/2010 – €: 824,00;

- N/D 404 – 30/11/2010 – €: 589,34;

- N/D 411 – 31/12/2010 – €: 577,20;

AA. Tal como no ano 2009, esta parte relacionada prestou serviços de construção civil à aqui Ré, o que se verifica pela Fatura n.º ... de 31/03/2010 no valor de €: 5.005,00.

BB. - ANO DE 2011: Relativamente ao ano de 2011, as compras de bens e/ou serviços declarados na IES e no Dossier dos Preços de Transferência coincidem e ascendem ao montante de €: 287.754,18.

CC. Analisando o Extrato da Conta Corrente desta parte relacionada/fornecedor, verifica-se que para além das compras naquele montante, existem as seguintes notas de débito creditadas na conta corrente de fornecedor:

- N/D 439 – 28/02/2011 – €: 356,87;

- N/D DESP. BANC. – 31/03/2011 – €: 456,33;

- N/D 455 – 31/05/2011 – €: 84,55;

- N/D DESP. BANC. – 30/06/2011 – €: 118,56;

- N/D DESP. BANC. – 30/06/2011 – €: 267,90;

- N/D 478 – 30/09/2011 – €: 1.255,94;

- N/D 479 – 30/09/2011 – €: 194,70;

- N/D 484 – 31/10/2011 – €: 1.482,34;

- N/D 491 – 31/10/2011 – €: 96,00;

- N/D 492 – 31/10/2011 – €: 40,74;

- N/D 500 – 30/11/2011 – €: 69,28;

- N/D 503 – 30/11/2011 – €: 21,35;

- EFN DESP. BANC. – 31/12/2011 – €: 53,62;

- EFN DESP. BANC. – 31/12/2011 – €: 81,81;

- EFN DESP. BANC. – 31/12/2011 – €: 984,08;

DD. KK – …, Lda.: - ANO DE 2009: Relativamente ao ano de 2009, é declarada na IES o valor de €: 480.000,00 a título de compras e aquisições de serviços, que se referem ao pagamento de rendas por parte da Ré a esta parte relacionada/fornecedor.

EE. Através da fatura n.º ... esta parte relacionada/fornecedor debita à Ré o valor de €: 48.000,00 (€: 40.000,00+IVA) a título de “Assistência técnica na montagem da V/ linha de painel para portas”.

FF. A parte relacionada “KK – .., Lda.”, NIPC ..., tem como objeto social: polimento de superfícies metálicas e tratamento de efluentes industriais. Compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.

GG. - ANO DE 2010: Com data de 30/08/2010, através da fatura n.º ... no valor total de €: 221.535,81 (€: 183.087,45 + IVA), é debitada à Ré a Chapa Lacada DX51D,AZ70 ao preço unitário de €: 910,00.

HH. Mais tarde, este preço é corrigido para mais €: 63,00 a unidade através da fatura n.º ... de 30/12/2010 no valor total de €: 15.337,10 (€: 12.675,29 + IVA).

II. - ANO DE 2011: Com data de 30/12/2011, através da fatura n.º ... no valor total de €: 152.456,02 (€: 123.947,98 + IVA), são debitadas duas Bobines de Chapa ao preço de €: 845,00/Kg.

JJ. No exercício de 2011 existem créditos em mora há mais de um ano no montante de €: 16.244.161,34.

KK. Por carta registada data de 26 de Novembro de 2014, o Autor solicitou à Ré a entrega exatamente dos mesmos documentos que o Supremo Tribunal de Justiça a mandou entregar no âmbito do processo n.º 287/12.6TBAMR, sendo a única diferença que o presente pedido visava os exercícios dos anos de 2008, 2013 e 2014.

LL. A Ré, por carta datada de 05 de Dezembro de 2014, recusou ao Autor a entrega de tais documentos, alegando: “Na carta que nos foi enviada, datada de 26/11/2014, V. Exa. faz referência a “irregularidades/crimes cometidas” pela administração desta sociedade nos anos de 2009, 2010 e 2011. Atenta a gravidade dessas afirmações, e antes mesmo de pudermos analisar o volumoso pedido de informações que nos dirige, mostra-se imprescindível esclarecer o sentido e o alcance dessas afirmações, que refutamos de injuriosas”.

MM. Por carta datada de 24 de Janeiro de 2017, o Autor solicitou à Ré, novamente, os mesmos documentos que o Supremo Tribunal de Justiça a mandou entregar no âmbito do processo n.º 287/12.6TBAMR, sendo a única diferença que o presente pedido visava os exercícios dos anos de 2008, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016.

NN. Para o efeito, o Autor alega o seguinte: “Finalizados que se encontram, desde novembro de 2016, todos os processos de anulação de deliberações sociais pendentes, venho retomar o contato com V. Exªs. no seguimento da documentação que me foi entregue em finais do ano de 2014, no âmbito do processo de inquérito judicial.

Sendo certo que a documentação que me foi entregue refere-se somente aos anos de 2009, 2010 e 2011, venho pela presente na qualidade de acionista detentor de 10,71% do capital social da Sociedade Comercial “AAA” – …, S.A. exercer o direito à informação que me é conferido pelos artigos 288º e 291º do Código das Sociedades Comerciais;

Para efeitos do nº 2 do citado artigo 291º, esclareço que a intenção de exercer o direito à informação se destina a apurar responsabilidades quer do Conselho de Administração, quer do Órgão de Fiscalização.

É minha intenção sujeitar a apreciação judicial algumas situações que tive conhecimento através da documentação que me foi entregue;

No entanto, entendo que faz todo o sentido, antes de instaurar mais uma ação com inconvenientes para todos, que me seja facultada a documentação dos anos posteriores, de forma a apurar as responsabilidades e, sujeitá-las, numa só ação à apreciação do Tribunal.

Saliento a V. Exªs. que os documentos que solicito são exatamente os mesmos deferidos pelo inquérito judicial, referindo-se só a anos diferentes, o que significa que, em nome da cooperação e, de forma a pouparmos a todos os inconvenientes de uma nova ação para obtenção dos mesmos documentos, me permitam ter acesso aos mesmos”.

OO. Os documentos solicitados pelo Autor foram os seguintes:

“1 - Dossier Fiscal dos períodos findos em 31.12.2012 a 31.12.2016;

2 - Dossier dos “Preços de Transferência” de 2012 a 2016, relativo às empresas com relações especiais;

3 - Atas da Sociedade desde janeiro de 2016 até à presente data (Assembleia Geral e Conselho de Administração);

4 - Balancetes analíticos (com todos os clientes, fornecedores, outros devedores e credores…), antes e após os lançamentos de regularização e encerramento de contas dos exercícios de 2012 a 2016;

5 - Balancete analítico de abertura de 2012 a 2016;

6 - Mapas de antiguidade de saldos dos exercícios de 2012 a 2016;

7 - Relação dos clientes cujos créditos foram considerados incobráveis, e/ou em situação de imparidade em 2012 a 2016 e cópias dos documentos que serviram de base ao reconhecimento da imparidade ou da incobrabilidade e ao suporte da sua contabilização;

8 - Extratos de 01.01.2012 a 31.13.2012, 01.01.2013 a 31.13.2013, 01.01.2014 a 31.13.2014, 01.01.2015 a 31.13.2015 e, de 01.01.2016 a 31.13.2016, de todas as contas de clientes cujos créditos foram considerados incobráveis, em mora, em imparidade, ou por qualquer outro modo “eliminados” ou “abatidos”;

9 - Extratos de 01.01.2012 a 31.13.2012, 01.01.2013 a 31.13.2013, 01.01.2014 a 31.13.2014, 01.01.2015 a 31.13.2015 e, de 01.01.2016 a 31.13.2016 dos clientes e/ou fornecedores (de conta corrente e de Imobilizado):

9.1 - HH,

9.2 - FF,

9.3 - GG,

9.4 - JJ,

9.5 - II,

9.6 - KK,

9.7 - LL,

9.8 - BBB

9.9 – CCC, SGPS, S.A.

9.10 - RR

9.11 - DDD

9.12 – eee, Lda

9.13- VV, Lda.;

9.2 - Cópia de uma factura mensal de valor mais elevado por cada um destes clientes e/ou fornecedor;

9.3 - Cópia do respetivo meio de pagamento dessa fatura;

9.4 - Cópia da respetiva nota de crédito do desconto efectuado sobre a factura atrás referida;

10 - Extratos de 2012 a 2016 de todas as contas relativas a despesas de representação e deslocações e estadas;

11 - Extratos de 2012 a 2016 das contas “Trabalhos especializados”, “Honorários” e Comissões”;

12 - Extratos de 20112 a 2016 da conta “ZZ”;

13 - Extratos de 2012 a 2016 das contas “Adiantamentos por conta de compras” descriminados por fornecedor a quem foram efectuados os adiantamentos;

14 - Extratos de 2012 a 2016 da conta “Descontos de pp concedidos;

15 - Contratos de arrendamento das instalações que não são propriedade da empresa;

16 – Relação nominativa dos “Financiamentos Obtidos”, descriminando:

- Tipo de Financiamento

- Data da contratação

- Termo do prazo para pagamento

- Finalidade do empréstimo

- Garantias prestadas (Penhor/Hipoteca/Aval…)

- Fotocópia de todos os contratos de empréstimo em vigor.”

PP. A Ré recusou a entrega da documentação solicitada ao Autor: “Recebida e analisada a carta de V. Exa. de 24/1/2017, cumpre-nos referir que os elementos solicitados, pela sua diversidade e considerável volume, suscitam vários problemas.

Por um lado, não dispomos de estrutura administrativa capaz de processar e fornecer em tempo útil esse extenso acervo de informação. Por outro, se recorrêssemos a serviços externos, tal envolveria um custo manifestamente desproporcionado, da ordem das várias dezenas de milhar de euros. Foi isso que sucedeu, como sabe, aquando do inquérito judicial requerido há anos por V. Exº., tendo gerado um dispêndio avultado de recursos, em prejuízo dos interesses da sociedade e de todos os sócios.

Em face do exposto, e tendo em conta que se aproxima a data da prestação de contas anual, V. Exº., como é hábito, não deixará de querer exercer o seu direito à informação, com consulta presencial de documentos, sugerimos que aproveite essa oportunidade para solicitar as informações mais importantes que, dentro das nossas possibilidades e na medida do razoável, tentaremos prestar.”

QQ. O A. enviou carta à R. nos seguintes termos: “Em resposta à carta de V. Ex.ª, datada de 09 de Fevereiro de 2017 e, cujo conteúdo mereceu a minha melhor atenção, venho pela presente esclarecer o seguinte:

- A entrega dos documentos solicitados é um direito que me assiste e, que foi já objeto de decisão judicial;

- Os documentos solicitados são absolutamente essenciais para os objetivos explanados na minha missiva anterior;

- A Assembleia Geral Anual não é o momento próprio para exercer o direito à informação conferido pelos artigos 288º e 291º do Código das Sociedade Comerciais;

- A entrega dos documentos discriminados nos pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 implica tão só a impressão dos mesmos;

- Relativamente aos outros documentos requeridos, os mesmos encontram-se, seguramente, já elaborados face à proximidade da realização da Assembleia Geral Anual, disponibilizando-se a minha pessoa para levar uma fotocopiadora, bem como todo o papel necessário para impressão e cópia de todos os documentos;

- Ao contrário do que alega, não se justifica necessidade de serviços externos, uma vez que a maioria dos documentos se reportam a anos anteriores e, como tal, foram já objeto de compilação e certificação legal, conforme impõe a Lei Comercial.

Face ao exposto, agradeço que proceda à marcação de dia e hora, para ser possível a consulta de tais documentos, consulta esta para a qual me disponibilizo para levar fotocopiadora e, o papel necessário à impressão e cópia dos mesmos, conforme já referi.”

RR. Mesmo com o auxílio disponibilizado pelo Autor, a Ré persistiu na recusa em fornecer a informação solicitada pelo A.. “

Apreciação da questão solvenda

Para determinarmos se o recorrente exerceu abusivamente o direito à informação, impõe-se, primeiramente, apreender os contornos deste direito.

A alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código das Sociedades Comerciais confere ao sócio de uma sociedade comercial o direito a “obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato”.

O direito à informação é genericamente caracterizável como um direito extra-patrimonial dos sócios que é dirigido à sociedade e que assume uma feição instrumental[3] em relação a outros direitos dos sócios[4], assentando o seu fundamento no risco de capital que é inerente à condição de sócio[5]. Nem sempre assim será, pois, em vários casos, tem o sócio direito a ser informado independentemente dos fins a que possa destinar a informação. O que significa que o direito à informação, visto na sua globalidade, integra-se a título principal na participação social, vale por si só, permitindo uma “adequada fiscalização geral do funcionamento societário”[6].[7]

O concreto conteúdo do direito à informação varia consoante o tipo societário[8], compreendendo, mesmo no caso das sociedades anónimas, uma acepção estrita que corresponde ao “direito a haver, a seu requerimento, as informações” prestadas pelos administradores[9].

No caso dos autos, o Autor arrogou-se a exercer[10], no âmbito do catalogado direito à informação em sentido estrito[11], o designado direito colectivo à informação que é garantido pelo disposto no n.º 1 do artigo 291.º do Código das Sociedades Comerciais.

Nos termos desse preceito, «Os accionistas cujas acções atinjam 10% do capital social podem solicitar, por escrito, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo que lhes sejam prestadas, também por escrito, informações sobre assuntos sociais.». Trata-se da expressão do mencionado sentido estrito do direito à informação no âmbito das sociedades anónimas.

 Outorga-se neste preceito aos accionistas que sejam titulares de acções representativas de, pelo menos, 10% do capital social[12], a faculdade de requererem, por escrito (e, preferencialmente, de forma fundamentada) à administração a prestação de informações sobre “assuntos sociais”. Atenta a necessidade da tutela da posição do accionista/investidor, deve-se entender que tal expressão compreende a gestão da sociedade em todas as suas dimensões, isto é no plano externo e no plano interno, abarcando ainda aspectos económicos, financeiros, materiais e até jurídicos[13].

Dada a abrangência deste direito e a perigosidade inerente à divulgação de informações atinentes ao giro comercial societário[14], compreende-se que o legislador faculte à sociedade a possibilidade de recusar a prestação das informações solicitadas (cfr. parte final do n.º 2 e n.º 4 do citado artigo 291.º).

Para além das hipóteses de recusa de prestação de informação legalmente consagradas, tem-se admitido que o recurso à cláusula geral do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil) possa, paralelamente, sustentar idêntica denegação[15]-[16].

Na verdade, à semelhança do que sucede com qualquer outro direito, é defensável que também o exercício da faculdade conferida pelo n.º 1 do artigo 291.º do Código das Sociedades Comerciais fique sujeito ao «(…) controlo institucional da ordem jurídica quanto ao exercício dos direitos subjectivos privados, garantindo a autenticidade das suas funções. (…)», já que «(…) a lei considera, e bem, que a moderação voluntária no exercício de poderes é uma virtude da qual não se pode confiar em demasia.(…)»[17].

Como se sabe, o abuso do direito revela-se numa manifesta contradição entre o fim com que o direito (que, na aparência, existe) é exercido e o interesse a que ele se acha adstrito[18], tornando-se patente quando se constate que existe um claro desrespeito pelos limites axiológicos-materiais do ordenamento jurídico[19] e, mormente, pelos ditames da boa-fé, isto é, a exigência de lealdade, honestidade e correcção próprias de pessoas de bem que exprimem os valores fundamentais do sistema.

Note-se, porém, que, como se salienta no acórdão recorrido, as hipóteses de recusa lícita de prestação de informação contidas no n.º 2 e na parte final da alínea a) do n.º 4 do artigo 291.º do Código das Sociedades Comerciais configuram, justamente, hipóteses de desvirtuação do fim para o qual foi concedido o direito atribuído aos accionistas a que vimos fazendo menção, o que parece sugerir que a demonstração da desfuncionalização desse poder se enquadrará, em primeira linha, nos fundamentos de recusa ali previstos, tornando, pois, desnecessário, nesses casos, o recurso a essa cláusula geral.

Assim, como salienta PEDRO PAIS VASCONCELOS[20], o recurso à figura do abuso do direito à informação relevará, sobretudo, para pôr cobro a «práticas abusivas de accionistas que se servem do direito à informação para fustigar as sociedades e as suas administrações com o fim de as forçar a comprar as suas acções por preços superiores ao respectivo valor num procedimento que, na gira societária é designado por fazer a guerra para vender a paz. Estas práticas, típicas dos sócios corsários, são ilícitas. (…)».

Regressemos ao caso em apreço.

Encontramo-nos no âmbito de um processo de inquérito judicial à sociedade, o qual é legalmente qualificado como sendo de jurisdição voluntária (cfr. artigos 986.º e 1048.º, ambos do Código de Processo Civil).

Todavia, não estando em causa uma resolução assente na conveniência ou na oportunidade mas antes a apreciação da conformação da pretensão do Autor com a finalidade legal, parece claro que este Supremo Tribunal de Justiça dispõe da medida de jurisdição necessária para sindicar a decisão tomada (cfr. n.º 2 do artigo 988.º do Código de Processo Civil a contrario sensu).

Assim sendo, importa, desde já salientar que, o Autor, na qualidade de detentor de acções que correspondem a mais de 10% do capital social da Ré (cfr. ponto A do elenco factual) está habilitado a exercer o direito conferido pelo n.º 1 do artigo 291.º do Código das Sociedades Comerciais.

Sustentou, porém, a Relação que o recorrente exercera abusivamente do seu direito, desenvolvendo o seguinte raciocínio:

«Impressiona e leva-nos a questionar a sua necessidade e utilidade a quantidade e diversidade de documentação solicitada.

Não é normal exigir-se um varejamento assim da escrita referente a nove anos de vida da sociedade (três já objecto do processo anterior e seis deste).

Não se pede uma informação concreta sobre determinado ou determinados assuntos ou elementos do giro social, mormente dos elementos contabilísticos, mas uma imensa panóplia de documentos, sem critério aparente reconhecível, a sugerir prima facie, não o objectivo de exercer o direito a qualquer informação sobre concreto assunto mas o de esventrar e devassar a vida societária – esse resultado, pelo menos, é inevitável – que, apesar do direito dos accionistas, não deve ser objecto de divulgação generalizada nem de perturbação constante, seja porque os interesses tal impõem seja porque àqueles e aos órgãos estão reservados meios de dela se inteirarem, designadamente nas assembleias gerais.

Trata-se de dossiers fiscais anuais, dossiers de preços de transferência com as empresas especialmente relacionadas, balancetes analíticos (com todos os clientes, fornecedores, outros devedores e credores…), antes e após os lançamentos de regularização e encerramento de contas dos exercícios, balancete analítico de abertura, mapas de antiguidade de saldos dos exercícios, relação dos clientes cujos créditos foram considerados incobráveis, e/ou em situação de imparidade e cópias dos documentos que serviram de base ao reconhecimento da imparidade ou da incobrabilidade e ao suporte da sua contabilização, extractos dos vários anos, de todas as contas de clientes cujos créditos foram considerados incobráveis, em mora, em imparidade, ou por qualquer outro modo “eliminados” ou “abatidos”, extractos respeitantes a cerca de trinta clientes e/ou fornecedores (de conta corrente e de imobilizado), cópia de uma factura mensal de valor mais elevado por cada um destes clientes e/ou fornecedor, cópia do respectivo meio de pagamento dessa factura, cópia da respectiva nota de crédito do desconto efectuado sobre a factura atrás referida, extractos de todas as contas relativas a despesas de representação e deslocações e estadas, extractos das contas “Trabalhos especializados”, “Honorários” e “Comissões”, extractos da conta “ZZ”, extractos das contas de “Adiantamentos por conta de compras” descriminados por fornecedor a quem foram efectuados os adiantamentos, extractos da conta “Descontos de pp concedidos, contratos de arrendamento das instalações que não são propriedade da empresa, relação nominativa dos “Financiamentos Obtidos”, descriminando: tipo de financiamento, data da contratação e termo do prazo para pagamento, finalidade do empréstimo, garantias prestadas (Penhor/Hipoteca/Aval…), fotocópia de todos os contratos de empréstimo em vigor.

Mais impressiona ainda, numa perspectiva geral de sensatez, razoabilidade e justiça, se se atentar que, além de, antes, o demandante/apelado já ter obtido idêntica informação relativa aos períodos anuais de 2009, 2010 e 2011, remonta agora o pedido ao ano de 2008 (tendo passado seis anos quando para tal remeteu a primeira carta e agora dez anos!) e estende-o aos períodos anuais de 2012 a 2016, num total de seis anos de exercício (ou nove anos) se se considerarem aqueles, o que dá ideia da envergadura (matérias e actividades), volume (documental) e vastidão (qualitativa, quantitativa e temporal) da informação pretendida, cuja disponibilização significa necessariamente uma imensa invasão de um longo período da vida societária, desde o seu quotidiano aos resultados anuais, mormente no âmbito do seu relacionamento com dezenas de empresas suas clientes.

Parte de toda esta actividade há-de ter sido objecto – não há notícia do contrário – de regular fiscalização pelos órgãos de revisão legal e societários competentes, de discussão e aprovação em assembleias gerais e mesmo das entidades fiscais.

O demandante/apelado não só para fundamentar o pedido de inquérito mas também para justificar o pedido quanto a estes seis exercícios – como, em face do referido, anteviu e realmente parece necessário e adequado a fim de remover suspeitas sobre a seriedade da sua conduta e verticalidade dos seus desígnios –, invocou enfaticamente o que alega já resultar dos documentos recebidos da documentação relativa aos três anos antes já entregues e, a seu ver, indicia prática de actos lesivos e susceptíveis de responsabilização dos administradores.

(…)

Sendo certo, pois, que não está em causa aqui o pedido de inquérito mas sim o direito à informação nos demais seis anos de exercício – para além dos três já objecto daquela apreciação – não se pode (nem se deve) ignorar tal resultado nem a ideia que ele fatal e manifestamente induz de acordo com a qual o autor não tem, por falta – numa parte já comprovada e noutra razoavelmente de admitir – de razões sérias, uma verdadeira e firme intenção de exercer o direito à informação e de utilizar exclusivamente os respectivos resultados (de que ele é instrumento) para o exercício de outros direitos societários (sua finalidade última), nomeadamente o de apurar a responsabilidade dos administradores, como pretextou querer.

E, bem assim, de que, para além da sua persistência no exercício do direito, os seus motivos e objectivos, face à natureza, diversidade e imensidão da informação pretendida e aos resultados (frustrantes) salientados que foram colhidos da já antes fornecida (idêntica) – e que constitui amostra significativa, pela sua amplitude (três exercícios) e relevo (nada de lesivo e responsabilizante dela se colhendo) –, convencem, em conjugação com as demais circunstâncias, que, com elevado grau de probabilidade, não é aquele invocado o fim real visado.

Como resulta dos factos provados, na sequência da anterior acção, a apelante/demandada entregou a documentação (respeitante aos anos de 2009 a 2011), nela ordenada, entre Julho e Novembro de 2014.

Logo por carta de 26-11-2014, o demandante/apelado solicitou – não a entrega, mas a consulta de  – idêntica documentação, aí quanto aos anos de 2008, 2012 a 2014 (facto KK) e carta junta a fls. 220 vº e 221 como doc. 125)).

Tal pressa não se coaduna com uma análise completa, ponderada e profunda (necessariamente morosa), não colhendo o argumento de que a desconfiança sobre as irregularidades surgiu ainda no decurso da entrega.

Sem embargo, nessa carta, refere o apelado: (…)

Detendo, alegadamente, e alardeando o apelado a confirmação das responsabilidades civis e criminais, o certo é que nenhum procedimento penal desencadeou e nenhuma responsabilidade civil exigiu, até agora, quanto a esta, não se mostrando razoável e procedente a invocação do argumento (pretexto) de que necessitava de mais ampla e profunda análise por via do inquérito pedido, uma vez que os pressupostos a esse respeito alegados com base no anterior processo e para fundamentar o presente naufragaram, como adiante melhor se verá.

Em resposta, através de carta de 05-12-2014 (facto LL), fls. 223, doc. 126), referiu  a apelante que: (…)

Apesar do compreensível desafio, o autor, como salientam os recorrentes, não deu efectivamente resposta a tal pedido e não concretizou, nem nesta acção concretiza, os crimes ou irregularidades graves que anunciou (ameaçou?) querer apurar como cometidos pela administração naquele período, omissão que não abona em favor da seriedade e credibilidade do seus motivos e fins, face à suspeita lançada.

Nada fez, aliás, durante mais de dois anos, e só pela carta de 24-01-2017 (doc. 137, fls. 223 vº a 225), voltou ao assunto, nestes termos (…)

Enfatize-se que, como nesta carta se confirma e aliás resulta dos autos, os vários processos de anulação das deliberações sociais entretanto por ele instaurados para invalidar as assembleias gerais foram julgados improcedentes, de onde tem de inevitavelmente concluir-se que não logrou o apelado provar nelas as irregularidades ou invalidades que aí, necessária e concretamente, há-de ter imputado a tais actos e com que tentou invalidá-los, insucesso que também enfraquece a sua argumentação, retira razão de ser à sua cruzada e plausibilidade aos objectivos que disse querer prosseguir com o exercício do direito à informação.

Estranhando-se que nada tivesse respondido – como até decorreria do dever de transparência e lealdade e em termos de boa-fé – e, pelo contrário, se tivesse quedado na passividade ao longo de dois anos, apesar da gravidade das suspeitas, o que bem poderá ter gerado a expectativa por parte dos apelantes de que recuara, se conformara e, afinal, com a primeira documentação, se satisfaria, o certo é que apesar de, nesta carta, ter abandonado, inexplicavelmente, o pedido quanto ao ano de 2008 (como se depreende do longo rol de documentos nela indicados), alargou-o aos anos de 2015 e 2016, mas manteve-o quanto ao pedido de disponibilização para consulta na sede da sociedade em dia marcado e não de entrega.

Na carta de 09-02-2016 (facto PP, fls. 227, doc. 129), a demandada respondeu: (…)

Desta resposta, não resulta, portanto, uma recusa ostensiva e explícita da entrega da documentação  – que, aliás, não fora pedida – uma vez que, nela, ao pedido de consulta marcado pelo apelado na sua anterior carta para 14-02-2017, se alvitrou a sugestão de que ele aproveitasse a data da prestação de contas próxima para a efectuar presencialmente e para solicitar as informações mais importantes dentro das possibilidades e na medida razoável e que “tentaremos prestar”.

O apelado replicou através da carta de 02-03-2017 (fls. 227 vº e 228, doc. 129) (…)

Apesar de no facto RR) constar provado que, apesar desta disponibilidade, “a ré persistiu na recusa em fornecer a informação solicitada”, o certo é que a carta subsequente da apelante, datada de 14-03-2017 (fls. 228-vº, doc. 130), foi:

“Como referimos na nossa carta de 9 de Fevereiro p.p., os elementos solicitados por V. Exa., pela sua quantidade e complexidade (aliás referidas por V. Exa. na sua carta de 24 de Janeiro), criam grandes dificuldades e obrigam a despesas avultadas, que já fomos obrigados a suportar na sequência do anterior inquérito judicial, A sugestão feita por V. Exa. de se fazer acompanhar de uma fotocopiadora e consumíveis, que agradecemos, não resolve a principal dificuldade, que reside no prévio processamento e sistematização da informação a fornecer. Esse trabalho, especializado e que não conseguimos realizar com os meios humanos internos, só foi possível através da contratação de serviços externos, que se revelaram muito dispendiosos. O que redunda em prejuízo dos interesses da sociedade e de todos os sócios.

Por outro lado, como sabe, antes da assembleia geral do passado dia 10 e no decurso dessa assembleia, as suas representantes tiveram oportunidade de recolher abundante informação e de formular as questões que entenderam, as quais tiveram respostas detalhadas, completas e elucidativas, por parte do Presidente do Conselho de Administração. Isto significa que não existe qualquer má vontade ou obstrução da nossa parte em informar V. Exa., pelo que apelamos ao seu sentido de responsabilidade, como sócio desta empresa, para que compreenda que não é razoável voltar a pedir um volume de informação tão extenso como aquele que agora requereu, pelo que solicitamos quê reconsidere nos pedidos efectuados, tendo em conte o volume de informação que já lhe foi prestado anteriormente, na sequência do inquérito judicial, bem como na preparação e no decurso da última assembleia geral.”

Daqui se colhe, portanto, que, por um lado, o apelado obteve, por ocasião da assembleia-geral, “abundante informação” e “respostas” a algumas “questões”, na linha, afinal, do sugerido e permitido pela apelante (o que não foi revelado nem contestado por aquele), e que, por outro, não podendo dizer-se haver da parte dela uma recusa clara e frontal quanto à restante documentação, quando muito haverá protelamento do seu dever mas que só poderá considerar-se, certa e seguramente, como motivado por uma deliberada estratégia de evitar tal entrega e de, por último, impedir o exercício do direito à informação, caso as dificuldades, despesas e prejuízos contrapostos como justificação das suas reticências se revelassem sem qualquer sentido e de todo infundadas ou a possibilidade de afirmar que a disponibilidade apresentada (segundo a qual não existe má vontade nem a ideia de obstruir) e o seu apelo (à responsabilidade, razoabilidade e reconsideração) são absolutamente infundados (falsos).

O que não parece possível nem correcto.

Embora sem prova concreta de tais elementos, não custa a crer e a dar como certo que, com a entrega da volumosa documentação anterior referente a três anos (2009 a 2011) e com as respectivas acções (anterior e esta), a apelante despendeu milhares de euros nos recursos utilizados e meios humanos empregues necessariamente para a reunir, copiar e entregar, bem como para defender a sua posição, e que esta despesa se multiplicará exponencialmente em relação aos outros seis anos (o de 2008, que o autor voltou a incluir e os de 2012 a 2016), efectivamente não se perspectivando como possa ser acolhida e de implementar a sugestão do apelado, feita na carta de 02-03-2017, para levar, ele próprio, a fotocopiadora e o papel necessários, uma vez que isso não exime a apelante da disponibilização dos seus próprios meios (ou a contratação dos externos que se mostrem imprescindíveis), da ocupação das suas instalações para o efeito, com a inevitável perturbação dos seus serviços e funcionamento regular que isso acarretaria. 

Assim entrincheiradas as partes (de um lado, o apelado persistindo em inundar a apelante com os pedidos de entrega sugestivos de pretender fazer uma fiscalização que lhe não compete, insensível àquele apelo e argumentos e não se demovendo ante os nulos ou parcos resultados obtidos ou esperados, e, do outro, a apelante estribando-se nestes), temos de convir que a pretensão daquele não se livra, face ao seu ímpeto e inconsequências já visíveis (maxime quanto à inviabilidade atrás salientada de “apurar responsabilidades”), ao seu tom algo enigmático (por exemplo, a ideia de “sujeitar a apreciação judicial algumas situações que tive conhecimento através da documentação”, sem as explicitar concretamente e sem desencadear qualquer procedimento que logicamente daí haveria de decorrer), não se livra, dizíamos, de ser vista, senão como mal intencionada e destinada a servir de expediente para perturbar o fluir da vida societária, como persistente desconfiança sem fundamento objectivo sério, a não ser a natural e incontornável conflitualidade que frequentemente se gera entre sócios/accionistas e sociedades, sugestiva até de um capricho pessoal, ou seja, excedendo manifestamente não só a finalidade especialmente proclamada (“apurar responsabilidade”) como a que, em geral, preside à atribuição do direito titulado e invocado, apresentando-se como excessivo ou desproporcionado em razão da sua amplitude (informação sobre o exercício de 2008?! e de mais outros cinco anos, além da dos três já conseguida?!) e da ausência de resultados com que é já possível testar a sua razão de ser e utilidade (verificada pelo próprio tribunal recorrido como se viu, tendo-se esfumado as aventadas “irregularidades”, “crimes”, “suspeitas”, “desvios”, “falsidades”, “violação dos deveres de cuidado e lealdade”, “lesão de interesses”, “prejuízos” e as “situações” eufemisticamente brandidas, pretendendo-se um “esforço máximo” apenas para obter vantagem não mais que “mínima”), prejudicial até para o património, giro e imagem da sociedade, mesmo prognosticável como inconsequente.

O pretendido exercício do direito à informação, não obstante enroupado pelo objectivo de “apurar responsabilidades”, surge, assim, comprovadamente já “desmontado” (na expressão eloquente do tribunal a quo a propósito de se ter mostrado estéril a entrega da documentação anterior).

A invocação de tal objectivo, como resulta da conjugação do conteúdo da documentação descrita com todas as demais circunstâncias em que o pedido foi feito, mostra que não é esse o fim visado mas antes o de o apelado se eximir das limitações legais, seja porque mesmo o direito mínimo à informação previsto no artº 288º - consulta – supõe a alegação de motivo justificado e, quanto a certos elementos, se confina ao período temporal de três anos, seja porque ao próprio direito colectivo à informação escrita estabelecido no artº 291º podem ser opostas diversas excepções, assim tendo em vista reduzir drasticamente as hipóteses de a apelante o impugnar ou de excepcionar a recusa, contornando (defraudando) por tal via o sistema legal e os princípios e regras que visam enformar o exercício equilibrado do direito neste peculiar âmbito da actividade societária comercial.

A pretensão, dada a sua inusitada magnitude, rebeldia aos padrões de normalidade e à perplexidade que, nas circunstâncias descritas, quanto à sua justeza e necessidade, suscita, apresenta-se, pois, como manifestamente desequilibrada, excessiva, contrária aos ditames da boa-fé, à função ou aos próprios fins úteis da norma, sem fundamento consistente e razoável, ofensiva do sentimento geral de justiça, ou seja, objectivamente abusiva, devendo, por ilegítima, nos termos do artº 334º, do CC, ser obstaculizado o exercício do direito à mesma subjacente.».

        Para contrariar esta argumentação, contrapõe o recorrente, em suma, que:
· especificou a documentação que pretende, a qual corresponde àquela que antes lhe fora entregue no âmbito do processo n.º 287/12.6TBAMR.G1.S1, desta feita respeitando aos anos de 2008 e 2012 a 2016.
· a documentação pretendida relaciona-se com dois temas: as transacções entre partes relacionadas e a falta de reconhecimento de imparidades;
· a improcedência das acções de anulação de deliberações sociais por si intentadas e a falta de demonstração de factos vertidos na petição inicial não determinam qualquer impedimento à obtenção de informação;
· o pedido visa apenas apurar eventuais responsabilidades dos membros do Conselho de Administração

Cumpre agora decidir.

No âmbito e para o efeito de aplicação do art. 291.º, 2, do Código das Sociedades Comerciais (“O conselho de administração (…) não pode recusar as informações se no pedido for mencionado que se destinam a apurar responsabilidade de membros daquele órgão (…), a não ser que, pelo seu conteúdo ou outras circunstâncias, seja patente não ser esse o fim visado pelo pedido de informação.”). Assim, primeiramente, há a notar que, apesar do esforço argumentativo desenvolvido pelos Réus nos artigos 198.º a 220.º da contestação, não foi elencado um único facto que evidencie que o Autor pretende destinar a documentação a fins alheios àqueles que este enunciou na missiva reproduzida no ponto NN do elenco factual, isto é, o apuramento de responsabilidades do Conselho de Administração e do Órgão de Fiscalização, destinando-se a compilação da documentação respeitante aos anos de 2008 a 2016 a fazer prova numa acção que pretende intentar[21].

É ainda de salientar que, correlativamente, não foi, em devido tempo, invocado o fundamento de recusa a que se refere a parte final do n.º 2 do artigo 291.º do Código das Sociedades Comerciais.

Neste contexto, é imperioso notar que o elenco dos factos provados não contém qualquer circunstância fáctica que apresente, clara e ostensivamente, uma desvirtuação do poder conferido pelo n.º 1 desse preceito.

Ora, o abuso do direito, como excepção peremptória que é, não prescinde da alegação e prova da factualidade que se integre em tal conceito jurídico (cfr. n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil)[22].

Na falta desse decisivo circunstancialismo, apreciemos, ainda assim, a argumentação expendida pela Relação em sentido oposto.

Em primeiro lugar, deve-se notar que a informação solicitada é em tudo idêntica àquela cuja entrega antes fora deferida ao Autor (cfr. pontos H, I, J e pontos KK, MM), reportando-se, desta feita, aos anos de 2008 e de 2012 a 2016.

Daí que, pese embora possa impressionar a enumeração/descrição da documentação em causa, tal não revele, em si mesmo, qualquer desmesura tendo em vista o aludido fim. De resto, cabe realçar que, no aresto proferido por este Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 287/12.6TBAMR.G1.S1[23] não foi igualmente reconhecida qualquer desproporcionalidade entre o volume de documentação solicitada (que, vimos já, apenas se distingue daquele que agora está em causa por respeitar a um período temporal mais amplo) e o propósito então prosseguido pelo Autor e que aí foi julgado atendível.

Repare-se, por outro lado, que o Autor não se arroga a exercer uma função fiscalizadora, mas antes a reunir um acervo documental que lhe permitirá demandar, em juízo, os responsáveis pelas irregularidades que crê terem sido cometidas contra os interesses patrimoniais da Ré (e, indirectamente, dele próprio) por via, mormente, de transacções com partes relacionadas[24]e por falta de reconhecimento de imparidades.

Nesse enquadramento, é de registar que uma boa parte da documentação visada respeita, precisamente, a transacções efectuadas entre a Ré e “JJ - …, Lda., GG – …, Lda.”, entre aquela e “LL – …, Lda.” e entre a primeira e “KK – …, Lda.” (cfr. pontos H e KK do elenco factual), empresas essas que podem consideradas como partes relacionadas (cfr. ponto n.os N e FF do elenco factual).

Ora, é sabido que as transacções com partes relacionadas «transportam um risco de perda ou apropriação injustificada (por vezes, até fraudulenta) de activos da sociedade, em benefício das partes relacionadas»[25], constituindo «o perigo paradigmático de desvio de valor das sociedades»[26].

Uma outra parte da documentação em causa (e aquela que talvez possua maior extensão e vastidão) refere-se à averiguação da sustentabilidade das imparidades contabilisticamente lançadas (cfr. pontos  G e N e ponto OO, todos do elenco factual).

Ora, existindo uma lógica e uma orientação que presidem à pretensão em análise, não poderemos qualificar o pedido formulado como um anormal “varejamento” da escrita da Ré, assente numa extravagante intenção de mera devassa da vida societária.

Por essa razão, a expressão “apurar responsabilidades quer do Conselho de Administração, quer do Órgão de Fiscalização” não pode ser classificada como indício de que o Autor apenas possui um intuito puramente pertinaz. Na verdade – e independentemente até do sucesso que venha a alcançar – a enunciação mais ou menos detalhada desse propósito coaduna-se perfeitamente com o cariz instrumental que é reconhecido ao direito de informação em face do exercício dos direitos sociais que são outorgados aos accionistas minoritários pelos artigos 77.º e 78.º do Código das Sociedades Comerciais.

Por outro lado, não se pode deixar de salientar que foram revelados indícios de factos que, devidamente contextualizados e interligados com outros que, eventualmente, venham a ser apurados, podem ter potencial para alicerçar a preconizada responsabilização dos Réus administradores da Ré, mormente no mencionado âmbito das transacções com partes relacionadas.

Aludimos, por exemplo, à falta de coincidência entre os valores das transacções realizadas, em 2009, entre a Ré e diversas partes relacionadas que se acham inscritos no Dossier dos Preços de Transferência e na IES e a realidade (cfr. pontos D, E, F, L e M do elenco factual) e à desconformidade entre os registos de similares transacções realizadas nos anos de 2010 e de 2011 (pontos O, P, Q, R, s e T do mesmo elenco), avultando ainda os avultados montantes envolvidos em tais ajustes.

Sobressai, também, o facto de a “JJ - …, Lda., GG – XX, Lda.” (cujo capital social é “detido” maioritariamente pelos Membros do Conselho de Administração da Ré e/ou familiares) ter facturado à Ré trabalhos e vendas não compreendidas no respectivo objecto social (pontos W, X, Z e AA do elenco factual). Pode-se ainda, noutro âmbito, mencionar o elevadíssimo valor de créditos em mora, há mais de um ano registados em 2011 (16.244.161,34€; cfr. ponto JJ do elenco factual).

Noutro plano, importa reconhecer que a mera circunstância de, por intermédio da valoração da documentação antes fornecida e de outros meios de prova, ter-se revelado inviável apurar factos dos quais, directamente, surja a responsabilização pretendida pelo Autor, não permite, com a devida segurança, alcançar a inferência de que, uma vez apreciada e contextualizada a documentação cuja obtenção se pretende, se alcançará idêntico resultado.

Como parece claro, a extracção dessa conclusão só será viável quando e se for obtida e valorada a documentação em causa (tanto mais que se desconhece se, por exemplo e por reporte aos anos de 2012 a 2016 se manteve ou se se alterou o valor de transacções com partes relacionadas), pelo que a antecipação preconizada pela Relação se revela extremamente falível. Em suma, não se alcança em que medida o insucesso na demonstração de factos (que até eram desprovidos de interesse para a presente acção) compromete a possibilidade de acesso à informação.

Paralelamente, há que sublinhar que não foi concretamente alegada e demonstrada a dimensão dos custos que a recorrida suportou com a disponibilização da documentação já entregue ao Autor no contexto do processo que, sob o n.º 287/12.6TBAMR.G1.S1, correu termos entre as mesmas partes. Daí que qualquer extrapolação que transponha a dimensão desses dispêndios para a satisfação do pedido actual, revelar-se-á sempre inconsistente e, logo, insusceptível de fundar a recusa da prestação da informação.

Assim, pese embora se reconheça que o fornecimento da informação pretendida pode determinar alguma perturbação no normal funcionamento dos serviços da Ré, evidencia-se que inexistem razões para, com base nessa consideração, ter por preponderante o interesse desta na recusa da informação pretendida, considerando as causas legítimas de recusa de informação previstas no artigo 291.º, 2 e 4, do Código das Sociedades Comerciais.

Cumpre, adicionalmente, notar que o teor da missiva de fls. 228v. não figura nos factos provados.

Mas ainda que a possamos considerar, há a salientar que se desconhece se, efectivamente, no decurso da assembleia-geral aí aludida, as representantes do “Autor tiveram oportunidade de recolher abundante informação e de formular as questões que entenderam, as quais tiveram respostas detalhadas, completas e elucidativas”, como ali se escreveu. E, em todo o caso, não existe qualquer razão pela qual se possa considerar que existe uma área de coincidência ou de sobreposição entre a informação que terá sido facultada às mandatárias do Autor e aquela que é por este solicitada.

Ponderando conjugadamente todos estes aspectos, conclui-se que não se vislumbra na solicitação do Autor qualquer espécie de manifesta desfuncionalização do direito à informação ou, menos ainda, de ostensiva contrariedade da sua conduta aos ditames da boa fé.

Com efeito, o direito exercido mostra-se ancorado na expectativa da revelação de factos (e correlativos meios de prova) que suportem uma futura acção com vista à responsabilização dos Réus e dos membros dos órgãos de fiscalização.

Paralelamente, não se divisa que ao pedido em apreço subjaza um mero capricho ou desígnio egoístico do Autor, nem que a disponibilização da informação pretendida redunde em perturbações de monta para o regular funcionamento da Ré e para o seu giro comercial ou, muito menos, que aquelas se revelem significativa e claramente desproporcionadas para o fim visado pelo Autor.

Injustifica-se, pois, que a sua pretensão seja obstaculizada por recurso à cláusula geral prevenida no artigo 334.º do Código Civil.

Nessa medida, conclui-se pela revogação do acórdão recorrido.

Como acima se expendeu, o acórdão recorrido julgou prejudicada a apreciação das remanescentes questões colocadas na apelação, a saber a fixação de um prazo para a entrega da documentação pretendida e a conformidade das custas fixadas na sentença apelada com o disposto no artigo 1052.º do Código de Processo Civil.

É sabido que, por força da expressa ressalva contida no artigo 679.º do Código de Processo Civil, o disposto no n.º 1 do artigo 665.º do mesmo não é aplicável ao julgamento da revista, pelo que não incumbe a este Supremo Tribunal de Justiça tomar posição sobre as mesmas, tanto mais que tal equivaleria à eliminação ope judicis de um grau de recurso.

Justifica-se, pois, que se determine a baixa dos autos ao tribunal recorrido para apreciação das remanescentes questões suscitadas na apelação[27].

III. Decisão

Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, deferindo-se o pedido de prestação da informação ao Autor.

Mais se acorda em ordenar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para apreciação das remanescentes questões suscitadas na apelação.

Custas pelos Recorridos

 

Lisboa,

04/07/2019

Raimundo Queirós (Relator)

Ricardo Costa

Assunção Raimundo

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[1] Assim TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, págs. 462 e 463 e LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra, pág. 36.
[2] Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 2006, proferido no processo n.º 05B3546 e acessível em www.dgsi.pt.
[3] Como aponta PEDRO PAIS DE VASCONCELOS – A Participação Social nas Sociedades Comerciais, Almedina, pág. 187 –, «a liberdade e o discernimento exigem informação. O agir negocial pressupõe que a pessoa que age o faça informadamente. Por isto, a informação é imprescindível no exercício societário.»
[4] Assim, RAÚL VENTURA, Sociedades por Quotas, vol. I, Almedina, pág. 282 e, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1997, proferido no processo n.º 96A183 e acessível em www.dgsi.pt.
[5] Assim, MARGARIDA COSTA ANDRADE, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. I, 2.ª Edição, Almedina, pág. 377.
[6] Assim, COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Volume II, Das Sociedades, 6.ª Edição, Almedina, 2019, págs. 245-246.
[7] Particularmente, tem-se sustentado que, nas sociedades anónimas (como é o caso da Ré), o fundamento deste direito radica na tutela do mercado de capitais: assim, PINHEIRO TORRES, O direito à informação nas sociedades comerciais, Almedina, pág. 20.
[8] MARGARIDA COSTA ANDRADE, loc. cit..
[9] Cita-se RAÚL VENTURA, ob. cit., pág. 284.
[10] Cfr. o teor do artigo 121.º da petição inicial e das missivas mencionadas nos pontos n.os KK, MM, QQ .
[11] COUTINHO DE ABREU, ob. cit., págs. 245 e 246-247.
[12] Tal requisito tem em vista evitar a devassa da sociedade por parte de accionistas que nela pouco investiram (assim, ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. V, Almedina, pág. 217), correspondendo, por outro lado, a um interesse no menor esgotamento dos recursos internos da sociedade e uma exigência de um interesse mais elevado na gestão societária (assim ARMANDO MANUEL TRIUNFANTE, A Tutela das Minorias nas Sociedades Anónimas – Direitos Individuais, Coimbra, pág. 124).
[13] Assim, ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, ob. cit., pág. 218.
[14] Como explicam MARGARIDA COSTA ANDRADE - ob. cit., pág. 378 - e LUÍS BRITO CORREIA – Direito Comercial, 2.º volume, Ed. AAFDL, pág. 316 -, a constatação de que, neste tipo societário, o envolvimento do sócio com a gestão é menor (redundando num quase alheamento) e de que existe um risco real de que a informação prestada ser usada em prejuízo da sociedade justificam que a lei estabeleça limites ao exercício desta modalidade de direito à informação.
[15] Assim, além da obra de MENEZES CORDEIRO citada no acórdão recorrido, v. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, ob. cit., pág. 195, ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, ob. cit., pág. 222, PAULO OLAVO CUNHA, Direito das Sociedades Comerciais, 3.ª Edição, Almedina, pág. 296, nota 356; DIOGO LEMOS E CUNHA, O inquérito judicial enquanto meio de tutela do direito à informação nas sociedades por quotas, in R.O.A., Ano 75, Jan-Jun 2015, pág. 331, também acessível em https://portal.oa.pt/upl/%7Ba4d1907e-a92f-4cb1-8a9f-c587a2657d65%7D.pdf; na jurisprudência, admitiu essa possibilidade o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 2002, proferido no processo n.º 1759/02 e sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2002.pdf.
[16] Parece ser também esse intuito legislativo, já que como se escreveu no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 280/87, de 08 de Julho, o direito de informação não «(…) poderá ser convocado para uma virtual e dificilmente controlável devassa à vida interna da sociedade, para a qual, numa perspectiva prudencial, os sócios poderão lançar mão de outros meios. (…)».
[17] Cita-se HEINRICH EWALDHORSTER, A parte geral do Código Civil Português -Teoria Geral do Direito Civil", Almedina, 1992, pág. 281.
[18] Nestes termos, v. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, pág. 516.
[19] Como se assinala no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 1978, anotado por VAZ SERRA in R.L.J ano 111º, pág. 202, este é o critério a ter em conta.
[20] Ob. cit., pág. 195.
[21] Propósito que é reiterado nos artigos 137.º e 138.º da petição inicial nos seguintes termos:
«137º Os documentos solicitados destinam-se a apurar a eventual responsabilidade do Primeiro, Segundo e Terceiro Réus enquanto Membros do Conselho de Administração da Ré, no que concerne aos atos de gestão lesivos dos interesses daquela, nos anos de 2008, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016;
138.º Bem como, a comprovar e quantificar os prejuízos para a Ré, causados pela prática das irregularidades cometidas por esses mesmos Membros e, as quais foram já aqui expostas, nos anos de 2009, 2011 e 2012.».
[22] Assim, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 2001, proferido no processo n.º 02A1011 e acessível em www.dgsi.pt.
[23] Acessível em www.dgsi.pt.
[24] O Princípio V.A.5 da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico sobre o “Governo das Sociedades” (acessível em https://www.oecd.org/daf/ca/corporategovernanceprinciples/31557724.pdf) indica que o termo compreende “entidades que controlam, ou estão sob controlo comum, de uma empresa, accionistas com peso significativo, incluindo os respectivos familiares e os gestores principais”.
[25] Cita-se ALEXANDRE MOTA PINTO, Transacções com Partes Relacionadas no Direito das Sociedades in Actualidade Jurídica, n.º43, pág. 26, igualmente acessível em https://www.uria.com/documentos/publicaciones/5091/documento/art01.pdf?id=6752.
[26]Cita-se RITA RAMOS FERREIRA, Transacções com Partes Relacionadas, pág. 3, acessível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/15635/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado%20em%20Direito%20e%20Gest%C3%A3o%20Rita%20Ramos%20Ferreira.pdf.
[27] Neste sentido, v., entre outros, ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, p. 425/426, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 2694/05.1TBGRD.C1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.