Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PROCESSO ADMINISTRATIVO SENTENÇA CONDENAÇÃO JUNTA DE FREGUESIA PROCESSO COMUM DEVEDOR INSOLVÊNCIA FALTA DE PAGAMENTO | ||
Apenso: | |||
Data do Acordão: | 04/30/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS / SOLIDARIEDADE ENTRE DEVEDORES. DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL / PARTES / LEGITIMIDADE PASSIVA. DIREITO FALIMENTAR – DISPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS / SUJEITOS PASSIVOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA. | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª ed., p. 768. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 497.º E 519.º, N.º 1. CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 10.º. CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 2.º. | ||
Sumário : | I. No domínio da responsabilidade civil, o art.497º do CC não exige uma atuação concertada de todos os sujeitos para poderem responder solidariamente. II. Tendo o lesado obtido a condenação de uma Junta de Freguesia (em processo administrativo, no qual podia ter demandado todos os eventuais responsáveis, nos termos do art.10º do CPTA) pelo pagamento dos danos reclamados, não pode demandar judicialmente (nos tribunais cíveis) outros eventuais devedores solidários pelo que à primeira exigiu (art.519º, n1 do CC), exceto em caso de insolvência ou dificuldade em obter a prestação. III. Não podendo a Junta de Freguesia ser declarada insolvente (art.2º do CIRE), e não estando demonstrado nos autos a inequívoca dificuldade em obter desta o pagamento da indemnização a que foi condenada, vale a limitação ao direito de demandar estabelecida pelo art. 519º, 1 do CC. | ||
Decisão Texto Integral: |
I. RELATÓRIO Quantias sobre as quais serão contados juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a citação até efetivo reembolso.
5. Inconformadas, as rés interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou o recurso procedente e absolveu-as do pedido.
6. Não se conformando com a decisão do TRP, os autores apelados interpuseram o presente recurso de revista, em cujas alegações formularam as conclusões que se transcrevem: «1. A obrigação diz-se solidária, pelo seu lado passivo, quando o credor pode exigir a prestação integral de qualquer dos devedores e a prestação efectuada por um destes os libera a todos perante o credor comum (artigo 512º, n.º 1 CC). 2. Pressupostos da solidariedade são (i) o direito à prestação integral; (ii) efeito extintivo recíproco ou comum; (iii) identidade da prestação; (iv) identidade da causa; e (v) comunhão de fim. 3. A causa, fonte da obrigação ou facto ilícito que na acção administrativa desencadeou o direito à indemnização do dano dos AA./Recorrentes, foi a violação pela Freguesia de ... do disposto na última parte do art. 6 do Dec. Lei nº 48.052, ao realizar uma série de actos materiais para que o local do sinistro fosse utilizado para banhos, 4. A causa, fonte da obrigação ou facto ilícito que nos presentes autos desencadeou o direito à indemnização do dano dos AA/Recorrentes, foi a violação do dever genérico de prevenção do perigo, ou deveres de segurança no tráfego (art.s 483 e 486 do CCiv.) 5. Temos assim que, a conduta danosa da Freguesia de ... é distinta da conduta danosa das aqui RR/ Recorridas, ou seja, as indemnizações arbitradas num e noutro processo tem causas ou factos ilícitos distintos, bem como não ocorreu qualquer comunhão de fim entre a Freguesia de ... e as aqui RR/Recorridas 6. Assim ao contrário do que se concluiu no acórdão recorrido não estamos perante uma obrigação solidária. 7. Só existe responsabilidade solidária no acto ilícito desde que na sua prática ou para ela, exista um concerto na actuação dos seus participantes, o que não se verifica. 8. Não há solidariedade passiva de diversos responsáveis quando os danos derivam de mais que um facto ilícito. É por isso inaplicável ao nosso caso o regime do art. 519 nº1 do CCiv. 9. Sem prescindir e mesmo que assim não se entendesse, os AA./Recorrentes não estavam inibidos de proceder contra as aqui RR./Recorridas. 10. A parte final do art.519 nº 1 do CCiv excepciona a impossibilidade do credor que exigiu judicialmente a um dos devedores solidários a totalidade ou parte da prestação, de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, a situações em que há razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do credor inicialmente demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação. 11. O acidente aqui em questão ocorreu em 6 de Agosto de 2000. Os AA./Recorrentes com vista a evitar a prescrição do art. 498 nº 3 do Cciv. (5 anos porque consideraram existir facto ilicito que constituia crime) no dia 27 de Julho de 2005 instauraram a presente acção. 12. Para além de evitar a prescrição do seu crédito contra as aqui RR/Recorridas, os AA/Recorrentes tiveram como objectivo ao intentarem a presente acção ultrapassar a dificuldade decorrente do regime jurídico dos bens imóveis dos domínios públicos das autarquias locais, isto é, a inalienabilidade, imprescritibilidade, impenhorabilidade dos bens imóveis da Freguesia de ..., tendo ainda em conta que a Freguesia de ..., enquanto pessoa colectiva pública, não podia ser objecto de declaração de insolvência (art.2, nº 2 a) do CIRE) 13. Por outro lado, como também resulta dos autos tendo a acção contra a Freguesia de ..., no Tribunal Administrativo, sido intentada em 2003(Proc.163/03 do Tribunal Administrativo e fiscal do Porto) só em 8 de Maio de 2017( isto é quase 17 anos após o acidente) veio a transitar em julgado.(tudo conforme consta de certidão junta aos autos) 14. Resulta portanto à saciedade por um lado que, não poderiam os AA/Recorrentes aguardar, que fosse proferida no Tribunal Administrativo sentença transitada em julgado e seguir com a respectiva execução, para só depois demandarem as aqui RR/Recorridas, pois quando isso acontecesse já o direito dos AA/Recorrente há muito estaria prescrito e por outro que muito dificilmente os AA/Recorrentes conseguiriam penhorar bens à Freguesia de ... que uma vez executados pudessem satisfazer o seu crédito. Por outro lado, 15. Os AA./Recorrentes, em 8 de Novembro de 2017 com base no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo instauraram contra a Freguesia de ... execução para pagamento de quantia certa, com vista ao pagamento coercivo das quantias em que esta havia sido condenada. A Freguesia de ... foi notificada para deduzir Oposição na execução em 23 de Novembro de 2017 com a cominação de que “A inexistência de verba ou cabimento orçamental não constitui fundamento de oposição à execução, sem prejuizo de poder ser invocada como causa de exclusão de ilicitude de inexecução espontânea da sentença, para efeitos do disposto no art.159 do CPTA.” 16. Por requerimento datado de 29 de Dezembro de 2017 a Freguesia de ... veio à execução informar a inexistência de verba, cabimento orçamental, ou mesmo património passivel de permitir cumprir a sentença, o que constitui causa de exclusão da ilicitude de inexecução espontânea da sentença. 17. Aqui chegados, não podemos deixar de concluir que, estes factos, subsumem-se precisavente à previsão da última parte do art. 519 nº 1 do CCiv. Está por isso demonstrada e provada nos autos a morosidade ,a onerosidade e a cobrança de resultado duvidoso a que se alude na parte final do art.519 nº 1 do Cciv, e só não está demonstrado e provado o risco de insolvência da Freguesia de ... porque as pessoas colectivas de direito público não podem ser declaradas insolventes senão tal também estaria demonstrado. 18. Não estavam por isso os AA/Recorrentes inibidos de proceder contra ao RR/Recorridas, às quais o seu crédito podia, porque se verificararem as circunstâncias previstas no art.519 nº 1 in fine, ser exigido 19. Não é rigoroso dizer-se, como faz o acórdão recorrido, que o caso em que nos encontramos não pode configurar uma obrigação inexigível tal como prevista no art. 610 do CPCiv. 20. De facto a entender-se que não estão já verificadas as excepções previstas na última parte do art.519 nº1 do CCiv., o crédito que os AA/Recorrentes reclamam nos presentes autos pode configurar uma obrigação inexigível. Porém tal inexegibilidade é tão só temporária. 21. É que os AA/Recorrentes ao demandarem sucessivamente em acções distintas, o mesmo crédito, tornaram temporariamente inexigível o demandado em segundo lugar (o destes autos). 22. A referida inexibilidade temporária, não impede, todavia, que se conhecesse nos presentes autos da existência da obrigação. A “razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação” a que alude o art. 519 nº 1 do CCiv. não são um pressuposto da apreciação do mérito e da procedência da acção. 23. Assim, se fosse este o caso, o que só por hipótese académica se admite, os AA/Recorrentes só poderiam em face do disposto na última parte do nº 1 do art. 519 nº1 do CCiv. executar a sentença proferida se se viessem a verificar qualquer uma das excepções referidas na parte final deste artigo. 24. E não se diga que ao assim acontecer a decisão estaria a incorrer na nulidade prevista no art.615 nº 1, e) do CPCiv (condenação em quantidade superior ou objecto diverso). É que tal decisão estaria unicamente a clarificar juridicamente os factos propostos e a extrair dessa clarificação as pertinentes consequências jurídicas sem incorrer na nulidade prevista no art.615 nº 1 e) do CPCiv. 25. Em suma caso, a entender-se que não estão já verificadas as excepções previstas na última parte do art.519 nº1 do CCiv. o crédito que os AA/Recorrentes reclamam nos presentes autos pode configurar uma obrigação inexigível. Porém tal inexegibilidade é tão só temporária e não impede que se conheça nos presentes autos da existência da obrigação. 26. Não se diga ainda, como faz o acórdão recorrido, que se a presente acção prosseguisse para eventual condenação das RR/Recorridas tendo já sido demandada e condenada pelo montante de idêntica obrigação solidária a Freguesia de ..., o juízo a fazer compreenderia o reconhecimento de um direito dependente da futura insolvência daquela Freguesia ou a impossibilidade de dela obter a satisfação da dívida solidária, o que se traduziria numa condenação condicional o que está vedado pelo disposto no art.621º do CPCiv. 27. É que desde logo o art.519 nº1 in fine do CCiv. não alude unicamente a situações de insolvência ou impossibilidade e satisfação de dívida, mas também a casos em que a execução contra o inicialmente demandado se mostra, por qualquer razão, particularmente onerosa ou morosa para o credor, de resultado duvidoso, etc. 28. Depois a Freguesia de ... enquanto pessoas colectiva pública não pode ser declarada insolvente nos termos do artigo 2.º, n.º2 do CIRE 29. Por fim, mas não menos importante, é que a lei prevê, a possibilidade ou a susceptibilidade de uma condenação “in futurum”, explicitamente acolhida no art. 610, n.º 1e 2, al. a) e b) do C.P.Civil,- julgamento no caso de inexigibilidade da obrigação - uma decisão que obriga o réu a satisfazer a sua prestação, mas só a partir do momento em que se saiba que a obrigação está vencida. 30. Haverá assim que distinguir sentença condicional, de sentença de condenação condicional. Sentença condicional é aquela que só impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto. Sentença de condenação condicional é a sentença em que se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito, mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto. 31. Os tratadistas e a Jurisprudência vêm propendendo para a susceptibilidade da subsistência da sentença de condenação condicional, ou seja, aquela em que “condicionado é o direito reconhecido na sentença” e negando as sentenças condicionais, isto é, aquelas em que “a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão”. 32. Melhor dizendo tem-se entendido que, pode e é aceitável que o juiz sentencie no sentido de que a parte tem o direito por ela rogado na acção, mas apenas desde que ocorra estabelecida conjuntura, que enumera, para que ele se concretize (sentença de condenação condicional), porquanto, neste caso, não estamos perante uma incerteza que regule a eficácia da própria sentença, mas que apenas ajusta o seu modo de exercitação. 33. É o caso dos presentes autos, pois provaram-se todos os pressupostos da responsabilidade civil das RR./Recorridas que habilitam o Tribunal a proferir uma decisão de mérito. Por isso nada obstaria a que fosse proferida uma sentença de condenação condicional, isto é, que fizesse depender o exercício daquela sentença da sobrevivência de um facto futuro e incerto (como por exemplo insolvência ou impossibilidade e satisfação de dívida ou ainda casos em que a execução contra o inicialmente demandado se mostra, por qualquer razão, particularmente onerosa ou morosa para o credor, de resultado duvidoso) sem que tal, como já atrás se referiu constituísse a nulidade prevista no art.615 nº 1 e) do CPCiv. 34. O acórdão recorrido, ao julgar como julgou, violou e fez errada interpretação e aplicação do art. 519 nº 1 do CCiv. 35. Revogando-se o acórdão recorrido e proferindo-se acórdão que acolha as conclusões precedentes e decida conforme a 1ª instância, se fará justiça.»
7. Com as suas alegações de recurso, os autores juntaram aos autos (a fls 1075) cópia do requerimento de uma execução para pagamento de quantia certa (com o valor de €301.990,33) contra a Junta de Freguesia de ..., tendo como título executivo um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (transitado em julgado em 08.05.2017). A fls.1066, os recorrentes juntaram cópia da resposta da Junta de Freguesia executada, a qual alegou não dispor de cabimento orçamental para cumprir a decisão do tribunal administrativo.
8. As recorridas “EE, SA” e “FF, SA”, apresentaram contra-alegações, nas quais defenderam, em síntese, a improcedência da revista.
9. A recorrida “II SA”, apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso. Alegou ainda, de forma subsidiária, nos termos do art.636º, para a hipótese de assim não se entender, que deveria concluir-se ter existido, pelo menos, 50% de culpa da vítima (dado não se ter abstido de entrar na barragem quando não sabia nadar), e pugnou por uma redução dos valores indemnizatórios atribuídos em primeira instância, quer a título de danos patrimoniais quer de danos morais. Para o efeito, sintetizou as suas alegações nos seguintes termos: «1. Porque, tendo em conta os motivos adiantados no douto Acórdão da Relação em crise e as razões que a propósito foram invocadas pelas rés/recorridas nas respectivas contra-alegações, a que a aqui recorrida adere por inteiro, 2. Considera a recorrida que bem andou o douto acórdão em crise ao julgar a acção improcedente devendo, por conseguinte, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, ser negado provimento à apelação. 3. Mas para o caso de assim se não entender e se conclua estarem as rés - e com elas a aqui recorrida - constituídas no dever de indemnizar impõe-se conhecer, a título subsidiário, das questões ora suscitadas pela aqui recorrente, impedida que estava de interpor recurso da decisão que a absolveu, e que se prendem com discordância quanto à forma de condenação proferida em 1a instância; o que se requer, em consonância com as seguintes conclusões: 4. porque, face aos factos apurados nos autos, é inequívoco que nenhuma responsabilidade pode ser imputada às rés/recorridas pela ocorrência que vitimou o marido e pai dos autores; 5. porque, ainda que se assim se não se entenda a solução jurídica da questão continuará a não permitir a imputação às rés da responsabilidade exclusiva na produção do incidente que levou à morte do marido e pai dos recorrentes; 6. Na medida em que vindo assente nos autos que o falecido não sabia nadar, 7. é evidente, sem qualquer margem para dúvida séria, que essa circunstância era por si própria bastante para que a vítima se tivesse abstido de ir a banhos, 8. independentemente de haver ou não placas de proibição de nadar, 9. uma vez que essas placas, a havê-las, se destinariam, como é óbvio, aos indivíduos que o soubessem fazer. 10. mas já não em relação aos que não sabiam nadar, aos quais essa actividade lhes estava vedada pela natureza das coisas, 11. ou seja, o falecido devia pura e simplesmente ter-se abstido de, ignorando se tinha pé e, tendo-o, até onde, embrenhar-se mais de duas dezenas de metros nas águas da albufeira que é público e notório, são águas profundas; 12. mas não se tendo abstido e tendo perdido o pé, o simples facto de não saber nadar levaria pela certa, como levou, à sua morte por afogamento, 13. pelo que com a actuação que teve a vítima agiu com culpa e contribuiu para o seu próprio afogamento, impondo-se que nos termos do disposto no artigo 570º do Código Civil assim seja reconhecido e a sua culpa ser fixada - a continuar-se a entender ter existido culpa das rés - em não menos de 50%. Em todo o caso, e sem prescindir, 14. embora não custe à recorrente reconhecer quão difícil e complicado é quantificar o sofrimento humano e arbitrar uma indemnização que lhe corresponda e contrapor outros valores aos que os lesados, no seu legítimo direito, consideram os mais justos para os ressarcir, 15. sobretudo quando é sabido que a sua fixação assenta sobretudo em critérios fluidos de equidade, 16. considera a recorrente que a indemnização atribuída aos autores a título de dano moral consequente à perda da vida do seu marido e pai é incorrecta, desequilibrada e comparativamente injusta. 17. de resto, foram os próprios autores que a esse título peticionaram a quantia de €49.000,00, números redondos. 18. valor que pecava por exagero ao tempo da propositura da acção e que, reportado a essa altura, deve ser fixado em não mais de 40.000 euros; na medida em que em relação a ele estão pedidos juros desde a citação das rés, que teve lugar há cerca de 12 anos. 19. E se é certo que decorrido todo este tempo as indemnizações a esse título aumentaram é inquestionável que actualmente o valor do dano morte está estabilizado e vem sendo fixado pela jurisprudência portuguesa em cerca de €70.000,00 - cfr. entre muitos outros o Ac. do STJ, de 29.11.2016, tirado no processo 820/07.5TBMCN.Pl.51. 20. Valor que a douta sentença arbitrou, mas que a manter-se implica necessariamente tratar-se de uma indemnização actualizada que como é bom de ver não pode vencer juros acumulados de mais de doze anos desde a citação das rés, mas apenas desde a data da prolação da sentença em crise. 21. por outro lado, considera a recorrente que também as indemnizações arbitradas a título de dano moral próprio da vítima e de cada um dos autores pecam por manifesto exagero antes se devendo fixar em não mais de: - €7.500,00 pelo dano moral próprio da vítima; - €15.000,00 pelo dano moral de cada um dos autores. 22. E porque também em relação a elas se trata de valores actuais, os juros que sobre elas incidam apenas são devidos desde a prolação da sentença. 23. Porque no tocante ao dano de natureza patrimonial consequente à perda da contribuição de rendimentos para o agregado familiar vem dado como assente nos autos que o falecido: tinha 35 anos à data da morte; era mecânico de motorizadas de profissão auferindo salário mensal não concretamente apurado, mas não inferior ao salário mínimo nacional; vivia em comunhão de vida com os autores contribuindo mensalmente para gastos do seu agregado familiar com quantia não concretamente apurada, mas não inferior a 2/3 do seu rendimento mensal. 24. Porque à data da morte do marido e pai dos autores, e é essa que conta, o salário mínimo nacional era de €318,20 - cfr. informação disponibilizada pela PORDATA, em https://www.pordata.pt/PortugaljSal%C3%A1rio+m%C3%ADnimo + nacionai-7 4, 25. dos quais a vítima gastava consigo própria uma terça parte contribuindo com os restantes cerca de €216.00 por mês para os gastos do seu agregado familiar, 26. atendendo à idade da vítima e ao valor dos rendimentos de que os autores se viram privados por causa da sua morte a indemnização a título de perda de alimentos não deve ultrapassar os 76.000 euros. 27. Porque, conforme se alcança dos autos, o Instituto de Segurança Social –IP veio formular pedido de reembolso do que, além do mais, pagou aos autores a título de pensões por morte do beneficiário, que aliás continua a suportar. 28. Porque essas pensões se destinam a suprir a falta do valor dos rendimentos que o falecido deixou de poder prestar, enquanto aos lesados não for atribuída indemnização a cargo do lesante. 29. Mas porque, atribuída a indemnização a cargo do lesante esta não pode ser cumulada com as pensões pagas pela Segurança Social, sob pena de enriquecimento sem causa dos lesados, 30. impõe-se que ao valor da indemnização que venha a ser arbitrada aos autores a título de perda de rendimentos que eram prestados pelo falecido seja deduzido o valor das pensões que as rés foram condenadas a pagar ao Instituto da Segurança Social - IP, interveniente nos autos. 31. Ao decidir de forma diversa a aliás douta sentença em crise fez incorrecta aplicação e interpretação dos artigos 483°, 493°, 494°, 496°, 562°, 566°, 570° e 805° do Código Civil, pelo que, face ao que se deixa dito e com o douto suprimento de Vossas Excelências deve se ser dado provimento ao presente recurso como é de JUSTIÇA»
II. ANÁLISE DO RECURSO E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS
1. O objeto do recurso: Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, a questão essencial a decidir é a de saber se o acórdão em revista fez a correta aplicação do art.519º, n.1 do Código Civil.
2. A factualidade provada:
3. O direito aplicável: - Se a acção prosseguisse para a eventual condenação das Rés, tendo já sido demandada (e condenada), pelo montante de idêntica obrigação solidária, uma entidade terceira, o juízo a fazer compreenderia o reconhecimento de um direito dependente da futura insolvência da entidade inicialmente demandada ou da impossibilidade de dela obter a satisfação da dívida solidária, volvendo-se numa condenação condicional, vedada pelo disposto no art. 621º CPCiv.»
3.2. Os recorrentes alegam, em síntese, que não existiria solidariedade (nos termos do art.512º, e para efeitos do art.519º do CC) porque as indemnizações arbitradas na ação que correu nos tribunais administrativos e a potencial indemnização dos presentes autos teriam causas distintas (pontos 3 a 8 das suas conclusões). Não é assim. O facto danoso indemnizável nas duas ações é o mesmo. A configuração da específica forma de responsabilização de cada uma das rés é que pode ser diferente. Todavia, tal seria irrelevante para se concluir pela existência de eventual responsabilidade solidária de todos os réus, dado que o art.497º do CC, ao estabelecer a regra da solidariedade na responsabilidade civil exige apenas que várias pessoas sejam responsáveis pelos mesmos danos (independentemente da concreta configuração da ilicitude ou da culpa de cada uma delas). Por outro lado, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, também não é necessária uma atuação conjugada ou concertada de todos os sujeitos para poderem responder solidariamente. No domínio da responsabilidade civil, o art.497º do CC não exige esse requisito.
3.3. Alegam ainda os recorrentes (pontos 13 a 18 das conclusões) que, mesmo que se admitisse a existência de responsabilidade solidária entre as rés dos presentes autos e a ré da antecedente ação administrativa, o art.519º do CC não obstaria ao prosseguimento da presente ação porque se verificaria a exceção prevista no art.519º. Tal exceção não poderia ser a do risco de insolvência porque, nos termos do art.2º do CIRE, a Junta de Freguesia, condenada no processo administrativo, não poderia ser declarada insolvente, mas seria a dificuldade em receber daquela entidade o pagamento do montante a que havia sido condenada. Ora, não basta uma qualquer demora na obtenção do pagamento para se justificar a demanda judicial de outro potencial co-obrigado solidário. Nas palavras de Antunes Varela, o credor tem de prosseguir com a execução contra o primeiro condenado, exceto se ela for particularmente onerosa, morosa ou de resultado duvidoso[1]. Dos documentos supervenientes que as partes juntaram com as suas alegações de recurso (dos quais não dispunham anteriormente), respeitantes à execução contra a Junta de Freguesia, apenas resulta que esta entidade alegou não ter cabimento orçamental para proceder ao cumprimento voluntário da decisão. Tal não significa que essa orçamentação não venha a ser possível ou que venha a existir risco de incumprimento definitivo ou de desaparecimento do devedor, tanto mais que se trata de uma pessoa coletiva de direito público. 3.4. Os recorrentes alegam ainda que o art.610º do CPC não impede uma condenação numa obrigação que ainda não é exigível (ponto 22 e seguintes das conclusões), e que a condenação no presente caso não violaria o art.621º do CPC porque não seria condicional na sua natureza. Ora, apesar do esforço que os recorrentes desenvolvem para justificar esta tese, não lhes assiste razão. O que estaria em apreço nos presentes autos não seria a questão de saber se uma obrigação seria ou não temporalmente exigível. Não se trataria de um obstáculo de ordem temporal, objetivamente determinável, que, pela sua própria natureza, desapareceria no decurso de determinado tempo. Se os presentes autos prosseguissem, sendo as rés condenadas a pagar uma indemnização apenas na hipótese de não ser paga pela Junta de Freguesia (anteriormente condenada), como as recorrentes defendem, existiria, inequivocamente, uma condenação sob condição, o que não seria permitido pelo art.621º, pois esta norma estabelece claramente que o decaimento por não estar verificada uma condição não obsta a que a ação se renove quando a condição se verifique. Os recorrentes só de si podem queixar-se, quanto ao resultado da presente ação, pois a estratégia processual que adotaram, ao terem optado por propor ações separadas em vez de terem demandado todos os réus na ação que intentaram nos tribunais administrativo, como o art.10º do CPTA lhes permitia, conduz aos riscos processuais inerentes a tal estratégia.
3.5. Em resumo, não existe motivo para censurar a decisão em revista, porquanto esta fez a correta aplicação do direito pertinente.
3.6. Dado que se confirma o acórdão recorrido, fica prejudicado o conhecimento da ampliação do âmbito do recurso que havia sido condicionalmente pedida pela recorrida “II, S. A”.
III. DECISÃO: Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes (sem prejuízo do apoio judiciário que lhes possa caber).
Lisboa, 30 de abril de 2019
Maria Olinda Garcia Raimundo Queirós Ricardo Costa ----------------- [1] Das Obrigações em Geral, Vol. I (10ª ed), pág., 768 |