Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. RELATÓRIO
1. AA veio interpor recurso de revista do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que condenou a R. "BB, S.A", actual CC Companhia de Seguros SA, tendo proferido acórdão onde se diz: "Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso e, por consequência condenar o R. a pagar ao Autor a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais a quantia total de €140.000,00 (cento e quarenta mil euros), acrescida de juros vencidos desde a data da sentença de 1ª instância e vincendos até integral pagamento.”
A decisão foi proferida sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, face à decisão proferida na 1ª instância, não obstante o montante indemnizatório atribuído pelo Tribunal da Relação na parte relativa aos danos patrimoniais ter sido revista em alta, passando a condenação da R. de 30.000 euros para 110.000 euros, mas mantendo-se igual o valor arbitrado quanto a danos não patrimoniais.
Na 1ª instância o tribunal havia decidido:
"Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno a Ré "CC Companhia de Seguros, S.A." a pagar ao Autor, a quantia de 71.579,69 (setenta e um mil quinhentos e setenta e nove euros e sessenta e nove cêntimos), a título de indemnização decorrente de responsabilidade civil emergente de acidente de viação".
Como vem indicado no Ac. do Tribunal da Relação, que aqui se reproduz por facilidade de expressão, “AA intentou acção declarativa de condenação contra DD — Companhia de seguros, S.A, actual "CC Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de Euros 231.880,63, acrescidos de juros de mora, contados desde a citação. Alegou, em síntese, que no dia 02.08.2004, pelas 5h55m, sofreu um acidente de viação quando conduzia o seu veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula ...-KD, na Estrada Nacional n° 10 (recta do Cabo), no sentido Vila Franca de Xira/Porto Alto, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido em que seguia. No sentido contrário e na respectiva hemi-faixa de rodagem, circulava o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ...-LL. Atrás do veículo LL circulava o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ...-TB, conduzido por EE, residente em Santa Iria da Azóia. Ao Km 113,65 da dita via, a condutora do TB iniciou a manobra de ultrapassagem do LL e, para o efeito, invadiu a hemi-faixa de rodagem do sentido contrário àquele em que seguia, embatendo, violentamente, de frente no veículo KD conduzido pelo A. A responsabilidade civil por danos emergentes de acidente relativa ao veículo com a matrícula ...-TB encontrava-se transferida para a R., por contrato de seguro titulado pela apólice AU22101819. Em consequência do acidente o A. sofreu ferimentos, esteve internado no hospitalar, foi submetido a cirurgias e posteriormente sujeito a tratamentos de fisioterapia. Durante todo o tempo em que esteve internado, antes e após as intervenções cirúrgicas, o A. sofreu sempre muitas e fortes dores. Em resultado do acidente sofrido o A. perdeu potência sexual, não mais lhe sendo permitido praticar relações sexuais. Em consequência das sequelas acima referidas o A. encontra-se impossibilitado de desempenhar qualquer tarefa remunerada. Tudo o acima referido causa no A. um enorme desgosto e angústia profunda. O acidente em causa nos presentes autos foi considerado como sendo acidente de trabalho quanto ao A. por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n°3642/04.1TTLSB do 3° Juízo, 2" Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa, tendo sido fixada uma IPP de 22,6%.”
2. Nas conclusões do recurso o A., recorrente, indica o seguinte (transcrição):
“1ª- É insuficiente a indemnização atribuída a título de danos patrimoniais, ditada por aplicação indevida de desconto (de ¼) da “importância que o lesado gastaria com ele próprio, mesmo não havendo acidente”;
2ª- Corrigida a operação, deve a indemnização a esse nível ser fixada de acordo com os mesmos parâmetros não já em 110.000,00 euros, mas sim em 145.000,00 euros, ou, porque assim pedido na apelação, em 120.000,00 euros e complementarmente à decidida no processo de acidente de trabalho;
3ª- Quanto aos danos não patrimoniais, resultando já provado os graves danos e sequelas do A., o desgosto, dor e sofrimento do A., incluindo pela impotência sexual que do acidente lhe adveio, peca também por defeito a indemnização atribuída a esse título;
4ª- A quantificação dos danos sofridos pelo A. coaduna-se perfeitamente com o pedido parcial do A. a esse título, no valor de 60.000,00 euros (ou até para além dele, atento o valor do pedido global), sendo manifestamente insuficientes os 30.000,00 euros fixados na sentença.
5ª - Deve a R. ser condenada no pagamento de juros de mora ao A. à taxa legal desde a citação até integral pagamento, em detrimento da actualização da indemnização;
6ª- Sem conceder, e alternativamente, não pode ser suprimida a operação matemática feita na 1ª instância de actualização dos valores tendo em consideração a evolução do índice de preços do consumidor que se verificou em 2004 - no que ocorreu nulidade do acórdão (art.º 615.º nº 1 als. c), d) e e) –
7ª- a qual tem forçosamente que ser revista em alta tendo em conta os valores arbitrados pela Relação, ou sobre os que, na procedência da Revista, vierem a ser aumentados.
8ªº- A Sentença recorrida violou os artigos 483.º, 496.º, 564.º, 559.º do C.C., pelo que deve ser alterada nos termos acima definidos. E assim se fará Justiça!”
3. O recorrido apresentou contra-alegações e interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
“1 - Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 636.º do C.P.C., e como claramente existe pluralidade de fundamentos da acção e da defesa, a recorrida vem requerer a ampliação do objecto do recurso, na parte em que esta decaiu, requerendo desse modo que V. Exas. conheçam do fundamento nessa parte, ainda que a título subsidiário, prevenindo assim a necessidade da sua apreciação.
2 - Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, a recorrida vem por este meio impugnar a decisão proferida em segunda instância sobre os pontos a seguir individualizados, não impugnados pelo recorrente.
3 - Da desconsideração da prova pericial e a sua repercussão na decisão do Acórdão da Relação:
4 - O Tribunal da Relação defende que não estão vinculados às conclusões das perícias médico-legais efectuadas aos danos corporais dos lesados.
5 - Contudo, antes, reconhece que: “…para a prova do facto em discussão, consideramos que a prova pericial é a mais idónea para fundamentar um juízo seguro por parte do Tribunal. E foi a esse meio probatório que, correctamente, o Tribunal a quo deu relevo para fundar a sua convicção.”
6 -Para depois acrescentar: “Essencial, porém, é que o relatório pericial seja devidamente analisado e interpretado.”
7 – Mas o que é há no relatório pericial dos presentes autos que permite outra analise e/ou outra interpretação, que não seja a que tenha constado da sentença de 1.ª instância ?!?!
8 - O texto de relatório é taxativo: o lesado ficou capaz para o exercício da sua actividade laboral, embora com esforços acrescidos.
9 - Recorda-se também, que as peritas médicas e que foram as autoras do referido relatório pericial, foram ouvidas em sede de audiência de julgamento para prestarem esclarecimentos (requeridos pelo Autor) quanto à circunstância de terem considerado o lesado, apesar das sequelas, capaz para o exercício da sua profissão, embora com esforços acrescidos, e mantiveram peremptoriamente as conclusões constantes do relatório IML.
10 - De salientar que as peritas médicas obviamente tinham perfeito conhecimento da actividade profissional do lesado e o que a mesma implicava fisicamente.
11 - O Acórdão, fundamenta a sua decisão para desconsiderar o resultado da perícia médica, com o facto de ser indesmentível que o lesado nunca mais voltou a trabalhar!
12 - Contudo, não tiveram em consideração, com o devido respeito, a idade já avançada no lesado no momento do acidente que já se encontrava quase em idade de reforma, e que entretanto a empresa para a qual trabalhava entrou em insolvência.
13 - Isto porque é de conhecimento comum, que o ramo da tipografia entrou naquela altura numa grave crise económica, sendo evidente que a empresa para a qual o Autora laborava se aproveitando da situação: de empregados que estavam de baixa médica algum tempo, para não voltarem a readmiti-los ao trabalho.
14 – A empresa para a qual o lesado laborava entretanto “fechou as portas” e o Autor reformou-se.
15 - Foi por esse motivo que o mesmo nunca mais voltou a trabalhar … e entretanto reformou-se
16 - A seguradora não pode ser penalizada pela crise que se abateu no sector da tipografia.
17 – Assim, não se aceita que o Acórdão da Relação não tenha considerado o resultado do relatório do IML que concluiu técnica e peremptoriamente que o lesado ficou apto para o exercício da sua profissão, apenas com a exigência de esforços acrescidos.
18 – O Acórdão da Relação desrespeitou com esta decisão o disposto no art.º 562.º do CC.
19- Requerendo-se desta forma, a V. Exas. Exmos. Juízes Concelheiros do S.T.J. que revoguem o Acórdão da Relação de Lisboa, nesta parte, e reponham a decisão constante da sentença de primeira instância quanto a esta matéria, repondo consequentemente o valor de indemnização aí arbitrado a título de danos patrimoniais futuros. Fazendo desta maneira a esperada e acostumada justiça!
20 - Dos valores pagos pela seguradora de acidentes de trabalho a título de dano patrimonial futuro já recebidos pelo Autor e que não foram “descontados” no cômputo do valor da indemnização agora atribuída a esse respeito.
21 – A sentença de primeira instância deu como provado no art.º 17.º da matéria de facto considerada como provada que “A sentença referida em 15. condenou a seguradora CC , S.A. e o FAT a apagarem ao A. o capital de remição de uma pensão de € 2.774,64, desde 22.12.2005, na proporção de € 2.526,86 e € 247,78 respectivamente. (alínea Q)”
22 – Havendo junto aos autos documentos, que não forma impugnados, que provam que o Autor foi indemnizado no âmbito do acidente de trabalho a título de dano patrimonial futuro pelo valor total de €50.150,77!
23 – O Acórdão da Relação defende que este valor não deverá ser deduzido no cômputo global da indemnização a ser paga a título de dano patrimonial futuro.
24 – Defendendo que depois a seguradora deverá pedir o reembolso desse valor ao lesado!
25 - A Ré, tanto no âmbito do acidente laboral, como no âmbito do acidente de viação, vê-se na contingência de vir a pagar ao Autor o valor de € 160.150,77 a título de dano patrimonial futuro!
26 - Parece evidente que esta situação não é admissível, nem sequer em termos legais, uma vez que em termos de hierarquia de normas, a lei civil vigora acima da Lei 100/97.
27 - E nos termos da responsabilidade civil extracontratual a devedora só poderá ser responsabilizada na estrita medida da sua responsabilidade (nexo da causalidade adequada in parte final do n.º 1 do art.º 483.º do C.C.).
28 - Não podendo, como é evidente, ser condenada a pagar duas vezes pelo mesmo dano – o que no fundo é ao que se está a assistir nos presentes autos.
29 - E aquilo que é sugerido na actual decisão, quanto ao eventual direito de reembolso perante o lesado, veja-se no que consistiria essa possibilidade: A Ré liquidava junto do Autor duas vezes o valor referente aos danos patrimonial futuro, e seguidamente iria propor uma acção de reembolso contra o mesmo para reaver o que tinha pago indevidamente!
30 - Por desrespeito das regras da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente os requisitos da mesma, e o princípio da reconstituição natural (art.º 562.º do C.C.) e pelo desrespeito dos princípios processuais da certeza e economia processual, requer-se que seja revogada o Acórdão quanto a esta não dedução dos valores pagos a título de dano patrimonial futuro no âmbito do acidente laboral concomitante, assim se fazendo a Acostumada Justiça.
31 - Resumindo, requer-se uma nova decisão que ao montante do valor de indemnização a título de dano patrimonial futuro deduza o valor de €50.150,77 (cinquenta mil, cento e cinquenta euros e setenta e sete cêntimos).
32 - Valor indemnizatório a título de danos patrimoniais futuros e valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais:
33 - Se não se considerar como anteriormente se requer, o que só se admite por dever de patrocínio, mas sem conceder, sempre se dirá:
34 - Independentemente de tudo o referido anteriormente, consideram-se os valores fixados no Acórdão da Relação de Lisboa, tanto a título de dano patrimonial futuro, como a título de danos não patrimoniais, muito elevados.
35 - Quanto ao dano patrimonial futuro, não nos podemos esquecer por exemplo que só se está a falar de 9 anos da actividade, uma vez que o lesado estava prestes a reformar-se.
36 - Para além de que se sublinha que a desvalorização permanente do Autor forma 19 pontos e não os 100% considerados nos cálculos utilizados pelos Venerandos Desembargadores.
37 – E ainda o facto, de ter sido descontada uma percentagem ao montante indemnizatório dos gastos que o lesado e o seu agregado familiar iriam necessariamente gastar mesmo se não tivesse ocorrido o acidente, contudo, a percentagem utilizada foi apenas de ¼, quando na perspectiva da Ré deveria ter sido de 1/3.
38 - Requerendo-se deste modo, que seja revogado o Acórdão da Relação de Lisboa quanto à condenação por dano patrimonial futuro, por respeito ao disposto no art.º 562.º do C.C., e a substitua por outra em que se reduza consideravelmente esse valor.
39 - Quanto aos danos não patrimoniais, que serão em todo o caso definidos segundo juízos de equidade, tendo em conta os valores atribuídos noutros casos de maior gravidade clinica, sem embargo do respeito pelo sofrimento do lesado, considera a recorrente que também deverão ser reduzidos, o que desde já se requer também em nome do disposto no art.º 562.º do C.C.
40 – Finalizando-se, requer-se por este meio a V. Exas., Exmos. Juízes Conselheiros do S.T.J, que seja dado provimento o presente recurso subordinado, revogando-se o douto Acórdão da Relação como requerido, substituindo-o por outro em conformidade com o anteriormente sugerido. Assim se fazendo a Acostumada Justiça.
Nestes termos, nos mais de direito e com o Douto Suprimentos do omitido, de dar-se provimento ao presente recurso, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA!”
O recorrente apresentou resposta ao recurso subordinado.
4. Na 1.a instância foram dados como provados os seguintes factos:
1.No dia 02.08.2004, pelas 5h55m, o A. conduzia o seu veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula ...-KD, na Estrada Nacional n° 10 (recta do Cabo), no sentido Vila Franca de Xira/Porto Alto, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido em que seguia. (Alínea A)
2. No sentido contrário e na respectiva hemi-faixa de rodagem circulava o veículo pesado de mercadorias de matrícula ...-LL. (Alínea B)
3. Atrás do veículo LL circulava o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ...-TB, conduzido por FF, residente em Santa Iria da Azóia. (Alínea C)
4. Ao Km 113,65 da dita via, a condutora do TB iniciou a manobra de ultrapassagem do LL e, para o efeito, invadiu a hemi-faixa de rodagem do sentido contrário àquele em que seguia, embatendo, violentamente, de frente, no veículo KD conduzido pelo A. (Alínea D)
5. A condutora do TB veio a falecer em consequência do acidente, vítima de traumatismo craneomeningoencefálico e toráxico. (Alínea E)
6. A responsabilidade civil por danos emergentes de acidente relativa ao veículo com a matrícula ...-TB encontrava-se transferida para a R. por contrato de seguro titulado pela apólice AU22101819. (Alínea F)
7. Em consequência do acidente o A. sofreu ferimentos e foi transportado de ambulância para o Hospital de Vila Franca de Xira. (Alínea G)
8. No dia 01.10.2004 o A. foi conduzido de ambulância para o Hospital da Cuf, onde tinha consulta médica agendada, tendo sido logo determinado o seu internamento nesse hospital, onde permaneceu de 1 de Outubro de 2004 a 13 de Novembro de 2004. (Alínea H)
9. O A. foi regularmente sujeito a tratamentos de fisioterapia e, quando tinha ainda o aparelho ortofixador no pé direito, colocado mediante intervenção cirúrgica com anestesia geral, e colocava esse pé no chão, sofria violentas dores ao ponto de iminentes desmaios. (Alínea I)
10. O A. foi novamente submetido a intervenção cirúrgica na qual foi retirado do seu pé direito o aparelho ortofixador e arames do pé esquerdo. (Alínea J)
11. Só após 8 dias decorridos desde a intervenção anteriormente referida pôde o A. retomar a fisioterapia, com os membros inferiores direitos engessados. (Alínea K)
12. Em 13 de Novembro de 2004 o A. obteve alta hospitalar, com indicação de repouso e seguimento em consultas regulares no Hospital da Cuf, com intervalo de 15 em 15 dias. (Alínea L)
13. O A. foi comparecendo nas referidas consultas até Dezembro do mesmo ano, altura em que, por determinação da R. e da outra seguradora envolvida, passou a ser assistido no Hospital Privado de Ortopedia — HPP Centro, onde lhe foi efectuada osteossíntese do acetábulo esquerdo e osteotaxia do pilão tibial direito. (Alínea M)
14. O A. foi ainda sujeito no referido Hospital a fisioterapia para mobilização articular, tonificação muscular e exercícios proprioceptivos, continuando a ser seguido em várias e sucessivas consultas. (Alínea N)
15. O acidente referido em 4. foi considerado como sendo acidente de trabalho quanto ao A. por sentença transitada em julgado proferida no âmbito do processo n° 3642/04.1TTLSB do 3° Juízo, 2.º Seção do Tribunal do Trabalho de Lisboa. (Alínea O)
16. No âmbito da fase conciliatória do processo referido na alínea anterior foi efectuado exame médico que considerou o A. afectado de uma IPP de 0,4415 desde 21.12.2005, a qual não foi aceite, tendo após, no respectivo apenso de fixação de incapacidade, sido determinado que o A. se encontra afectado de uma IPP de 22,6% desde essa data. (Alínea P)
17. A sentença referida em 15. condenou a seguradora CC , S.A., e o F.A.T. a pagarem ao A. o capital de remição de uma pensão de € 2.774,64, desde 22.12.2005, na proporção de Euros 2.526,86 e Euros 247,78 respectivamente. (Alínea Q)
18. 0 A. nasceu em 15.02.1948. (Alínea R)
19. À data referida em 1., o A. auferia pelo menos a retribuição base de €998,00 x 14 meses, € 89,79 a título de subsídio de turno x 12 meses e € 77,00 a título de prémio de produtividade x 12 meses. (Alínea S)
20. A manobra do veículo TB referido em 4. foi súbita e inesperada. (Quesito 1.°)
21. Não tendo o A. tido qualquer possibilidade de evitar o embate. (Quesito 2.°)
22. De tal embate resultou o despiste do veículo KD conduzido pelo A. (Quesito 3.°)
23. O qual veio a imobilizar-se na berma do lado direito atento o sentido em que seguia, virado em sentido contrário. (Quesito 4.°)
24. No local referido em 1. a 4 a velocidade máxima permitida era de 80 Km/h e a estrada estendia-se em recta. (Quesitos 5.° e 6.°)
25. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1. a 4, o A. circulava com o KD a uma velocidade não superior a 70 km/h/80 km/h. (Quesito 9.°)
26. O veículo LL circulava a uma velocidade não superior a 80 Km/h. (Quesito 10.°)
27. E o veículo TB circulava a uma velocidade superior a 80 Km/h. (Quesito 11.°)
28. Na sequência do embate o veículo KD foi considerado perda total. (Quesito 12.°)
29. Tendo sido necessária uma operação de desencarceramento para retirar o A. do seu interior. (Quesito 13.°)
30. Em consequência do embate, o A. sofreu traumatismo torácico e dos membros inferiores e superior esquerdo com fracturas de arcos costais (6°esquerdo e 5° a 9° direitos) (Quesito 14.°)
31. Fractura exposta cominutiva do pilão tibial direito. (Quesito 15.°)
32. Fratura-luxação do acetábulo esquerdo. (Quesito 16.°)
33. Fratura cominutiva do 1° metatársico esquerdo com esfacelo. (Quesito 17.°)
34. Fratura do colo dos 2° e 3° metatársicos esquerdos. (Quesito 18.°)
35. Fratura dupla do cúbito esquerdo. (Quesito 19.°)
36. E escoriações múltiplas. (Quesito 20.°)
37. Durante o trajecto para o Hospital de Vila Franca de Xira e neste o A. sofreu dores. (Quesito 21.°)
38. Gritando e queixando-se das mesmas. (Quesito 22.°)
39. O A. foi observado no Hospital de Vila Franca de Xira onde lhe foi administrada creatinina, glucose, hemograma e realizadas análises e vários exames radiológicos. (Quesito 23.°)
40. Após, foi de imediato ordenada a sua transferência para o Hospital Curry Cabral, em Lisboa. (Quesito 24.°)
41. Sendo submetido nesse mesmo dia à intervenção cirúrgica referida em 9. (Quesito 25.°)
42. Na qual teve ainda lugar suturação do braço e mão esquerdos e engessamento da perna esquerda, com lavagem e sutura de feridas (Quesito 26.°)
43. Após essa intervenção o A. foi algaliado, assim permanecendo durante 8 dias. (Quesito 27°)
44. E ficou internado na enfermaria daquele hospital até 30.09.2004. (Quesito 28°)
45. Período durante o qual se submeteu a vários tratamentos e lavagens. (Quesito 29.°)
46. O Autor foi submetido a uma T.A.C. (Quesito 30.°)
47. Esse exame foi realizado e resultou do mesmo que a anca do A. se encontrava fracturada. (Quesito 31.°)
48. Pelo que foi agendada intervenção cirúrgica com aquela incidência para dali a 4 ou 5 dias. (Quesito 32.°)
49. Em 16 de Agosto de 2004, foi realizada essa intervenção cirúrgica na anca, sendo o A. sujeito a anestesia geral. (Quesito 33.°)
50. Essa intervenção incidiu também sobre o pé esquerdo do A. (Quesito 34.°)
51. Tendo nela ainda se ajustado o aparelho no pé direito do A. (Quesito 35.°)
52. Dessa intervenção resultou a colocação de algália com ligação à uretra do A. (Quesito 36.°)
53. E de outra algália com ligação à anca para expelição de resíduos. (Quesito 37°)
54. Tais algálias e os pontos de suturação só foram retirados passados 10 dias. (Quesito 38.°)
55. Durante todo o tempo em que esteve internado, antes e após aquela intervenção cirúrgica, o A. sofreu dores. (Quesito 39.°)
56. Com predominância na zona da anca e bacia e membros inferiores. (Quesito 40.°)
57. Os tratamentos cirúrgicos a que o A. foi submetido compreenderam osteotáxis do pilão tibial, fios de Kirschner no 1° metatársico e placa na bacia. (Quesito 41.°)
58. O A. recebeu alta do Hospital Curry Cabral em 30.09.2004, com indicação para manter-se em repouso no leito, só aí podendo fazer mobilização e com seguimento em consultas posteriores. (Quesito 42.°)
59. Nessa data o A. foi transportado para a sua residência em ambulância e conduzido ao 10° andar em maca vertical. (Quesito 43.°)
60. Após o que se recolheu no leito. (Quesito 44.°)
61. A fisioterapia referida em 11. provocou dores ao A. (Quesito 45.°)
62. Das lesões sofridas pelo A. resultaram como sequelas, amiotrofia do quadricípete de 2,5 cm (51,0/48,5 cm). (Quesito 46.°)
63. Consolidação viciosa da fratura do pilão tibial direito com desvio em valgo de 10°. (Quesito 47.°)
64. Ligeiros deficits de flexão dorsal e plantar. (Quesito 48.°)
65. Sinais radiográficos de artrose da tibiotársica. (Quesito 49.°)
66. Deformação do 1° metatársico esquerdo com encurtamento e alargamento associado a pé cavo post traumático. (Quesito 50.°)
67. Deficit de flexão dorsal da tibiotársica (0°). (Quesito 51.°)
68. Encurtamento do membro inferior direito em 2 cm tanto clínico como radiológico. (Quesito 52.°)
69. E sinais radiológicos de pseudartrose do 1/3 do médio cúbito esquerdo, sem tradução clínica. (Quesito 53.°)
70. Tais sequelas determinaram uma situação de incapacidade temporária absoluta para o A. até 21.12.2005. (Quesito 54.°)
71. E a partir daí uma incapacidade parcial permanente não inferior a 22,6%. (Quesito 55.º)
72. À data do acidente o A. trabalhava por conta, sob as ordens, direcção e fiscalização de ..., Lda. (Quesito 57.°)
73. Com a categoria profissional de tipógrafo - impressor. (Quesito 58.°)
74. Para além do referido em 19. o A. auferia ainda € 88,79 de subsídio de turno e os € 77,00 de prémio de produtividade integrados nos subsídios de férias e de Natal. (Quesito 59.°)
75. E € 5,09 diários x 11 meses a título de subsídio de refeição. (Quesito 60.°)
76. A profissão do A. exige boa visão. (Quesito 61.°)
77. Integridade de fala. (Quesito 62.°)
78. Esforços com o tronco e com os braços. (Quesito 63.°)
79. Capacidade respiratória. (Quesito 64.°)
80. Destreza dos membros superiores e das mãos. (Quesito 65.°)
81. Esforços com a bacia e com os membros inferiores. (Quesito 66.°)
82. E faculdades de equilíbrio. (Quesito 67.°)
82.1. As lesões que o A. sofreu e as sequelas daí resultantes são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. (Quesito 68°)
83. Aquando do acidente o A. apercebeu-se do veículo TB que lhe surgiu inesperadamente e a muita curta distância. (Quesito 70.°)
84. E da iminência do embate violento que se verificou. (Quesito 71.°)
85. Após o embate o A. sofreu perda de consciência. (Quesito 72.°)
86. Que retomou ainda com o seu veículo imobilizado no local, no seu interior e durante as operações de desencarcerarnento. (Quesito 73.°)
87. O A. sofreu dores, em face do que gritou estridentemente. (Quesito 74.°)
88. Temeu pela própria vida. (Quesito 75.°)
89. Perdeu várias vezes a consciência. (Quesito 77.°)
90. O A. permaneceu exclusivamente deitado cerca de dois meses. (Quesito 79.°)
91. Após o que se passou a locomover esporadicamente em cadeira de rodas. (Quesito 80.°)
92. Sendo incapaz de se equilibrar ou suster em pé. (Quesito 81.°)
93. O A. só começou a andar em meados de Novembro de 2004, de forma titubeante e com o auxílio de muletas axiais. (Quesito 82.°)
94. O A. foi sujeito a tratamento de fisioterapia até Outubro/Novembro de 2005, com periodicidade diária, de 2' a 6' feira. (Quesito 83.°)
95. Após a alta hospitalar de 13 de Novembro de 2004, o A. ficou recolhido em sua casa, um 10° andar, com excepção da comparência a tratamentos de fisioterapia. (Quesito 84.°)
96. Por lhe ser doloroso o esforço que encetasse para tentar sair.(Quesito 85.°)
97. Permanecendo quase sempre acamado por também lhe custar estar sentado. (Quesito 86.°)
98. A situação referida em 95. a 97. arrastou-se cerca de dois a três meses. (Quesito 87.°)
99. Em face das deficiências de que o A. passou a ser portador este viu-se impedido de exercer as tarefas rotineiras e simples do dia-a-dia. (Quesito 88.°)
100. O A. residia com a sua esposa e com a sua filha maior que se encontrava a seu cargo. (Quesito 89.°)
101. A sua esposa trabalhava por conta de outrem. (Quesito 90.°)
102. Frequentando a sua filha maior um estabelecimento de ensino. (Quesito 91.°)
103. Sendo que não conseguia vestir-se, despir-se e realizar actos de higiene pessoal, sem ajuda de terceiros. (Quesito 93.°)
104. Dependendo da sua esposa para tal. (Quesito 94.°)
105. O A. viu-se forçado a dispor de um alteador de sanita e de uma barra de pegar ao lado de mesma para permitir a sua utilização. (Quesito 95.°)
106. Bem como de uma barra fixa para banheira e uma tábua colocada na mesma. (Quesito 96.°)
107. Vendo-se forçado a tomar banho sentado na referida tábua. (Quesito 97.°)
108. Com a ajuda da sua esposa por impossibilidade de permanecer em pé. (Quesito 98.°)
109. Em Setembro/Outubro de 2004, o A. tirou o gesso da perna esquerda. (Quesito 99.º)
110. O A. locomovia-se com dificuldade, apenas com o auxílio de muletas axiais. (Quesito 100.°)
111. Posteriormente, o A. passou a usar muletas de mão. (Quesito 101.°)
112. O A. ainda tem dores. (Quesito 102.°)
113. Antes do acidente o A. era forte, robusto, extrovertido, alegre, saudável e apaixonado pela prática desportiva. (Quesito 103.°)
114. Correndo uma ou duas vezes por semana cerca de uma hora. (Quesito 105.°)
115. E ao fim-de-semana andava de bicicleta cerca de 50/60 Km. (Quesito 106.°)
116. O A. viu-se impedido de fazer o referido em 114. e 115., em consequência das lesões para si advenientes do acidente. (Quesito 107.°)
117. Em consequência do acidente sofrido o A. perdeu potência sexual. (Quesito 108.°)
118. Tudo o acima referido causa no A. um desgosto e angústia. (Quesito 109.°)
119. Vivendo o mesmo amargurado. (Quesito 110.°)
120. Afligindo-o as dores e limitações de que passou a ser portador. (Quesito 111.°)
121. 0 que o faz sentir diminuído. (Quesito 112.°)
122. O A. sente angústia pelas dificuldades com que se lhe depara o seu futuro e o do seu agregado familiar. (Quesito 113.°)
123. Como consequência das lesões sofridas com o acidente e das intervenções cirúrgicas a que foi sujeito o A. ficou com várias cicatrizes. (Quesito 114.°)
124. E coxeia. (Quesito 115.°)
125. O A. tem complexos do seu aspecto físico. (Quesito 116.°)
126. O A. sente-se embaraçado e envergonhado pelo auxílio de que necessita e pelos incómodos a que sujeita os que lhe são próximos. (Quesitos 117.° e 118.°)
127. Por causa das lesões que o A. sofreu e das sequelas daí resultantes o mesmo viu-se impedido de retornar a sua actividade profissional. (Quesito 68.°) (modificado pela Relação, passando a facto provado).
Foram considerados como não provados os seguintes factos:
1. Em consequência das sequelas acima referidas o A. encontra-se impossibilitado de desempenhar qualquer tarefa remunerada. (Quesito 56.°)
2. …………(Quesito 68.°) (modificado pela Relação, passando a facto provado)
3. O A. não tem habilitações ou qualificações que lhe permitam outra actividade profissional diferente da que exercia antes do acidente. (Quesito 69.°)
4. O Autor teve grave e justificado receio de amputação do membro inferior direito. (Quesito 78.°)
5. O A. passava os dias sozinho, sem qualquer auxílio. (Quesito 92.°)
6. Antes do acidente o A. fazia regularmente ginástica de manutenção. (Quesito 104.°)
7. O Autor tenha temido pela sua vida durante várias semanas. (Quesito 76.°)
II. FUNDAMENTAÇÃO
5. A R. nas contra-alegações suscitou o problema da inadmissibilidade do recurso, por dupla conforme.
O recorrente teve oportunidade de se pronunciar sobre as questões suscitadas pelas contra-alegações da R., direito que exerceu conforme resposta de fls 860 e ss, mas optou por apenas responder à matéria sobre a qual incidia o recurso subordinado, nada dizendo sobre a dupla conforme e o impedimento do recurso de revista.
Notificado para se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no art.º 652.º, n.º1, al. b) do CPC, indicou que a acção deu entrada em juízo a 25/7/2007, i.e., em data anterior à Lei n.º 41/2013, e ao DL n.º 303/2007, cujos artigos 7.º e 11.º, respectivamente, excluíam a aplicação do requisito de admissibilidade “dupla conforme” a este processo.
Em 2007 foi criado o obstáculo da dupla conforme, que impedia o recurso de revista para o STJ nos termos do art.º 721.º, n.º 3 do CPC, na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/08, que dizia: “não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.
Até a esse momento não existia o obstáculo da dupla-conforme, que assim foi introduzido como forma de limitar o acesso ao STJ.
Porém, esta limitação de acesso tem de ser enquadrada na respectiva lei, cujo artigo 11.º determinava, no seu n.º1, que “sem prejuízo do disposto no número seguinte, as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor”, o que ressalvava já para os processos anteriores a não aplicação da dupla conforme.
Entretanto o regime do CPC foi revogado e através da Lei n.º 41/2013, de 26-06, foram criadas novas regras de recurso. Esta lei veio indicar que o seu regime de aplicaria a todas as decisões proferidas após 01-09-2013, independentemente da data da propositura da acção, mas ressalvou-se no art.º 7.º, n.º 1, a aplicação imediata do obstáculo da dupla conforme, que assim não se aplicaria às acções pendentes. Daqui resultou um regime de recurso que já foi sintetizado nos seguintes termos, que reproduzimos dada a sua clareza para efeitos de aplicação ao caso em análise: “1.º- o novo Código de Processo Civil aplica-se a todas as decisões proferidas depois de 1 de Setembro de 2013, independentemente da data em que foi instaurada a respectiva acção (com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º relativamente às acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008); 2.º o novo Código de Processo Civil não se aplica às decisões proferidas até 31 de Agosto de 2013 nos processos que foram instaurados antes de 1 de Janeiro de 2008. O regime de recursos dessas decisões continua a ser o mesmo; é aquele que vigorava antes de 1 de Janeiro de 2008” (António Beça Pereira, in https://www.trg.pt/ficheiros/estudos/interpretacao_arts.5a7_da_lei41-2013_de_26-06_efeitos_de_recurso.pdf.).
No processo em discussão a acção deu entrada em juízo a 25/7/2007 e a decisão recorrida data de 23 de Fevereiro de 2017. É um processo instaurado antes de 2008, mas com decisão posterior a 31/08/2013. Cabe assim na situação de aplicação do NCPC, com excepção do disposto no n.º 3 do art.º 671.º - obstáculo da dupla-conforme, pelo que não há que aferir da sua existência como requisito de admissibilidade do recurso. O recurso é admissível.
6. As questões suscitadas pelo recurso do Autor, para além da referida dupla-conforme, são as seguintes:
a) Como se calculam os valores devidos a título de danos patrimoniais, nomeadamente, se é lícito aplicar um desconto de ¼ da “importância apurada considerando que o lesado teria de despender esse valor em gastos com ele próprio, mesmo não havendo acidente?
b) Como se calculam os juros de mora devidos pelo pagamento de indemnização ao A. – reportam-se à data da citação ou reportam-se a data posterior uma vez que a indemnização foi calculada com actualização monetária?
c) Os danos não patrimoniais foram devidamente valorados pelo tribunal?
7. No recurso de apelação o Autor havia suscitado os seguintes problemas (comuns à revista): Quantum indemnizatório; Juros.
7.1. O tribunal da Relação apreciou as questões suscitadas pelo Autor, nos termos que passamos a transcrever, em relação ao quantum indemnizatório e desconto de importância apurada como gastos com o próprio:
“Na fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros em que o objectivo é compensar o sinistrado pela perda da capacidade de ganho o que está em causa é a medida da incapacidade para o desempenho profissional.
Ora, quanto a esta questão, ficou provado que "por causa das lesões que o A. sofreu e das sequelas daí resultantes o mesmo viu-se impedido de retomar a sua actividade profissional."
Importa, pois realizar o cálculo da indemnização dos danos patrimoniais derivados da incapacidade de que o Autor ficou a sofrer, que é, em termos profissionais, de 100%.
Pretendendo-se uma indemnização em dinheiro, o critério da sua atribuição tendo em conta o que resulta do disposto no art.° 562.° do Código Civil, deverá ser o que, desde há muito, foi jurisprudencialmente consagrado e se exprime da maneira seguinte: a indemnização em dinheiro pelo dano futuro decorrente da incapacidade permanente corresponde a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que [o capital] se extinga no final do período provável de vida7.
Como proceder ao cálculo desse capital?
Podemos dizer, seguindo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2007 que o referido cálculo há-de assentar nas seguintes ideias:
"a) o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, (através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), por forma a que seja possível determinar qual o capital necessário, produtor do rendimento, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida activa do lesado, proporcione à vítima o mesmo rendimento que antes auferiria se não tivesse ocorrido a lesão ou a compense pelo maior grau de esforço desenvolvido;
b) A esse valor deve ser deduzido uma parte correspondente àquela que o lesado já despendia consigo próprio antes da lesão;
c) é preciso ter em conta que o valor resultante das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras dá-nos porém um valor estático, porque parte do pressuposto que o lesado não mais evoluiria na sua situação profissional; não conta com o aumento de produtividade; não inclui no cálculo um factor que contemple a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade; não tem em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma; não conta com a inflação; nem tem em conta o aumento da própria longevidade.
Daí que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa ser considerada, para determinar o "minus" indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.
Em termos de danos futuros previsíveis, a equidade terá a palavra decisiva, correctora, ponderando todos os factores atrás enunciados - art. 566. °- 3 do CC.
Ao fazer intervir a equidade, não poderá ainda o Juiz deixar de atender à natureza da responsabilidade (se ela é objectiva, se fundada na mera culpa, na culpa grave ou no dolo), à eventual concorrência de culpas, à situação económica do lesante e do lesado, e, por fim, às indemnizações jurisprudencialmente atribuídas em casos semelhantes".
Começando pela aplicação de métodos objectivos, tem sido proposta a fórmula matemática utilizada pelo Acórdão do STJ de 05-05-1994 e pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 04-04-1995, mas a sua aplicabilidade prática tem sido reduzida, dada a complexidade de tais fórmulas.
Adoptaremos, assim, o método proposto pelo referido acórdão do STJ, de 04-12-2007 que utilizando uma tabela construída a partir da aplicação do programa informático Excell à fórmula utilizada pelo STJ no acórdão de 05-05-1994 supra citado, permite através de operações aritméticas simples, chegar a resultados equivalentes, na determinação do valor da indemnização.
Essa tabela indica-nos de um lado, a idade que ainda falta para ser atingida a reforma e do outro o factor índice.
O cálculo efectua-se, pois, multiplicando o factor índice correspondente pelo rendimento anualmente auferido, à data do acidente, e novamente multiplicado pela percentagem da incapacidade permanente. Assim se obtém, de forma simples e expedita o capital necessário que proporcione ao lesado, até à sua idade de reforma, o valor correspondente àquilo de que disporia se não fora a lesão.
No caso em apreço, são os seguintes os valores a considerar:
Idade da vítima: 56 anos
Anos até atingir a idade da reforma: 65-56=9
Factor correspondente na tabela referida aos 9 anos: 7,78611
Rendimento anual auferido pelo Autor, à data do acidente: €17.205,26 Taxa de incapacidade: 100%
Elaborando o cálculo:
€17.205,26 x 7.78611 x 100%=€ 133.960.02
Atingida esta primeira fase, há a descontar a importância que o lesado gastaria com ele próprio, mesmo não havendo acidente. Tem-se entendido que esse valor se situa entre 1/3 e 1/4 dos rendimentos, consoante a pessoa seja solteira ou casada.
No caso concreto, o Autor vive com a esposa.
Assim, faremos incidir a percentagem de 1/4 de dedução sobre aquele valor, de que resulta:
€133.960,02 — €33.490,00= € 100.470,02
Aqui chegados, entramos na terceira fase, ou seja naquela em que atenderemos a todos os outros factores que as ditas fórmulas não contemplam e que se repercutirão previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais e que são muitíssimo relevantes, designadamente: desde logo, importa sublinhar que embora considerando na base de cálculo a referência à idade de reforma de 65 anos, tal não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela. Não conta com a inflação. Por fim, o referido cálculo é feito na base de que o lesado ficaria sempre a auferir o mesmo salário e que não teria progressão na carreira.
Daí que, como se referiu, a utilização de fórmulas matemáticas ou de tabelas financeiras só possa servir como ponto de partida, na fixação do montante indemnizatório.
Considerando que o lesado em nada contribuiu para a produção do acidente de que foi vítima e os factores supra referidos que não foram tidos em conta no cálculo matemático, entendemos que aquele valor deve ser corrigido, equitativamente para € 110.000,00.
Fixa-se, assim, em €110.000,00 o valor da indemnização, por danos patrimoniais.”
7.2. O Autor discorda do valor apurado pelo Tribunal e, sobretudo, de o tribunal ao ter realizado a ponderação do valor de equidade devido ter operado uma dedução reportada aos custos que o próprio sempre teria de suportar ainda que não tivesse ocorrido acidente, e que se traduziram no desconto de €33.490,00 ao valor apurado, antes de inflação, tempo de vida pós activa, progressão na carreira, contribuição do lesado para o acidente, de €133.960,02.
Na sua argumentação indica que o desconto realizado só deve operar-se em caso de dano patrimonial devido em caso de morte do sinistrado. Indica em apoio da posição sufragada jurisprudência do TRC (com indicações de posições do STJ).
Tem razão.
Em primeiro lugar, é devido um enquadramento normativo do dano em causa: i) como se explica no Acórdão do STJ de 25/11/2009, proc. n.º397/03.0GEBNV.S1 (Raúl Borges) - disponível em www.dgsi.pt - “no dano patrimonial, o dano real – a perda in natura que o lesado sofre em consequência do acto lesivo – reflecte-se sobre a situação patrimonial do lesado, na modalidade de dano emergente ou de lucro cessante. Enquanto os danos emergentes consistem numa forma de diminuição do património já existente, consubstanciando prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, os lucros cessantes consistem numa forma de não aumento do património já existente, isto é, os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto, mas a que não tinha direito à data da lesão”; ii) trata-se de um dano de natureza patrimonial, em que a determinação do seu valor não se consegue fazer de modo completamente objectivo, razão pela qual a lei mandou intervir no seu apuramento o regime do art.º 566.º, n.º 3, do CC – fazendo surgir a equidade.
Continuando a citar o Ac. do STJ indicado: «Prescreve o artigo 562.º do Código Civil que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, só existindo a obrigação de indemnização em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, como decorre do artigo 563.º e estabelecendo o n.º 1 do artigo 564.º que “O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”, prevendo expressamente o n.º 2 a possibilidade de o tribunal na fixação da indemnização atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, mas “se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”. O artigo 566.º, após proclamar no n.º 1 o primado da reconstituição natural, ressalva que a indemnização deverá ser fixada em dinheiro, sempre que aquela não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor; no n.º 2 estabelece que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que teria nessa data se não existissem danos, e no n.º 3 prescreve que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. Daqui decorrem várias consequências, considerando que há necessidade de adiantar uma prognose de uma situação de futuro a partir da situação de facto adquirida no presente:
1ª – Havendo recurso à equidade, os poderes do STJ encontram-se “limitados” à averiguação do modo como essa equidade foi realizada, em especial, verificando se o foi nos termos habituais utilizados na generalidade das decisões jurisprudenciais, ou se “houve” um apuramento não enquadrado nos critérios jurisprudenciais dominantes – o STJ só julga em matéria de Direito e na verificação do cumprimento da lei.
2ª – “A indemnização do dano patrimonial futuro decorrente de incapacidade permanente deverá corresponder a um capital produtor de rendimento equivalente ao que a vítima irá perder (neste caso e equivalentes, não irá auferir), mas que se extinga no final da vida activa ou do período provável de vida da vítima e seja susceptível de garantir, durante essa vida ou período, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido, às perdas de ganho.» - Acórdão do STJ de 25/11/2009, proc. n.º397/03.0GEBNV.S1 (Raúl Borges).
«Após determinação do capital, há que proceder ao “desconto”, “dedução” ou “acerto” porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, sendo que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%. Estando em causa danos futuros de frustração de ganhos associados a IPP, em alguns acórdãos tem-se em conta a dedução no cômputo da indemnização da importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo durante a vida, o dispêndio relativo a necessidades próprias, às despesas que o lesado necessariamente teria com ele próprio mesmo que o acidente se não produzisse. Será de operar tal desconto no caso de morte, porque é dispêndio que não se efectivará, ao passo que o sobrevivente, com lesão gravemente incapacitante, grande traumatizado, continua a alimentar-se e eventualmente a ter outro tipo de necessidades e de dispêndio, pelo que não parece ser de fazer a dedução.» - Acórdão do STJ de 25/11/2009, proc. n.º397/03.0GEBNV.S1 (Raúl Borges).
Fica assim demonstrado que não havia que fazer nenhuma dedução por conta das despesas do próprio lesado.
Mas tal não significa que o valor indicado esteja completamente errado: no Ac. o Tribunal da Relação não operou a dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, que tem de ser feita sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia.
Considerando que essa dedução tem variado – entre 10% e 33% – e uma vez que o Tribunal da Relação havia descontado 1/4 por conta das despesas do próprio, mas não efectuou nenhuma dedução pela antecipação, considera-se adequado que se atribua o valor de 1/4 à dedução por antecipação, o que significa que o valor final devido por conta deste dano não sofre alteração.
A impugnação efectuada por ambas as partes, nos respectivos recursos, sobre o valor da indemnização arbitrado, conjugado com o regime dos recursos e dos poderes do tribunal (em recurso e em análise da legalidade), permitem concluir que o referencial da equidade, que foi também utilizado, não se conformou, nesta parte, com o modelo seguido pela jurisprudência, o que deve levar à correcção da decisão no sentido de aproximar a solução dos autos das situações paralelas que têm sido submetidas a julgamento. É adequado e equitativo descontar ao valor da indemnização apurado um valor que corresponda ao benefício da antecipação, julgando-se que ¼ é um valor equilibrado, atento os contornos do caso submetido à apreciação deste tribunal.
Tendo em conta o acima referido, fica prejudicado o ponto do recurso subordinado em que o R. alega que o desconto efectuado ficou aquém do devido: supostamente deveria ter sido descontado 1/3 e não ¼, pois já se explicou que este desconto só deve ocorrer em caso de morte do lesado – como se referirá adiante.
7.3. O tribunal da Relação apreciou as questões suscitadas pelo Autor, nos termos que passamos a transcrever, em relação ao dano não patrimonial:
“Dano biológico
O dano biológico traduz-se na diminuição somático psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre."
Parte da jurisprudência, e certa doutrina, consideram o dano biológico como de cariz patrimonia1.
Em abono deste entendimento refere-se que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado — por não se estar perante uma incapacidade para a sua actividade profissional concreta- pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute.
Mas também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial.
Nesta perspectiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos...) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia. E esses condicionalismos naturais podem ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica. Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta directa — ou indirectamente — no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral. Ou seja, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral.
"A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de uni maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.
Aderindo, no essencial, a este entendimento, parece-nos importante começar por distinguir os problemas da ressarcibilidade do dano biológico e do seu enquadramento ou qualificação jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano moral — ou eventualmente como «tertium genus», como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afectação da saúde e plena integridade física do lesado é que, qualquer que seja o enquadramento jurídico que, no caso, se entenda reflectir mais adequadamente a natureza das coisas, é indiscutível que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui seguramente uni dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da «teoria da diferença»; ou, não sendo perspectiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, a penosidade acrescida no exercício das tarefas profissionais e do dia a dia constitui seguramente um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito".
Essa natureza híbrida ou mista do dano biológico é perfeitamente detectável no caso dos autos, em que estamos confrontados com relevantes limitações funcionais do lesado. Dado que já foi fixada a indemnização tendo por base os danos patrimoniais, apenas será contemplado o dano biológico na sua vertente de dano moral.
Não podemos deixar de acentuar, a este título que, à data do acidente o A. era um homem forte, robusto, extrovertido, alegre, saudável e apaixonado pela prática desportivais, sendo que na sequência do acidente deixou de correr e andar de bicicleta, tendo sido fixado pericialmente uma repercussão permanente na sua actividade desportiva e de lazer de grau 4 numa escala de 1 a 7. É ainda especialmente relevante que, em consequência do acidente, o Autor viu considerada pericialmente uma repercussão permanente na sua actividade sexual.
Considerando, pois, a factualidade provada e os critérios legais e jurisprudenciais vigentes, afigura-se-nos adequada a avaliação constante da sentença recorrida ao concluir que "sendo inequívoca a limitação funcional advinda ao A. que lhe irá dificultar ou tornar mais penosas muitas das tarefas quotidianas, considera-se razoável e adequada uma indemnização no montante de €25.000,00".
Assim, mantém-se o valor fixado a este título pela 1.a instância.
Outros danos não patrimoniais
Estabelece o art.° 496.° n.°1 do Código Civil que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito". E nos termos do n.°3 daquela norma legal, " o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo Tribunal."
Não sofre discussão que integram o leque dos danos não patrimoniais indemnizáveis, designadamente as dores físicas, e os desgostos morais.
Ora, no caso concreto do Autor, resulta da matéria assente que, em consequência do acidente, com as lesões sofridas e os tratamentos a que foi sujeito o Autor teve fortes dores, tendo sido fixado pericialmente um grau 5, numa escala de 1 a 7. Além disso, o Autor sofreu angústia, temendo pela própria vida, permaneceu exclusivamente deitado durante dois meses e quase sempre acamado por mais dois a três meses. Tais danos justificam uma indemnização que se fixa em € 5.000,00.
7.4. O Autor discorda do valor de 30.000 euros fixado pelos danos não patrimoniais que considera insuficientes dada a prova produzida. Alega em sua defesa que a jurisprudência mais recente tem dado relevo ao dano que se traduz na repercussão permanente na actividade sexual do lesado.
No Acórdão do STJ de 25/11/2009, proc. n.º397/03.0GEBNV.S1 (Raúl Borges) diz-se o seguinte, sobre questão paralela aí levantada, e com interesse para estes autos:
«Como referia Vaz Serra, in BMJ n.º 83, pág. 83, “a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata-se apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é susceptível de equivalente”. … (…) … é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios. (…) Alguma jurisprudência defende uma intervenção do tribunal de recurso limitada e restrita na fixação deste tipo de danos, não se justificando essa intervenção caso se entenda que a indemnização foi adequadamente fixada, sendo reveladora de bom senso. Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que «os tribunais devem seguir não são fixos» – Antunes Varela/Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, 1.º vol., anotação ao art. 494.º - «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» – só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos.(…) Nos acórdãos de 15-01-2002, revista n.º 4048/01 e de 11-07-2006, revista n.º 1749/06, ambos da 6ª secção, consignou-se que salvo em caso de manifesto arbítrio na fixação da indemnização o Supremo não deve sobrepor-se à Relação na apreciação do quantum indemnizatório por esta julgado equitativo.(…) … consideração o sentido das decisões sobre a matéria, os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito. Os padrões de indemnização que vêm sendo adoptados pela jurisprudência, nomeadamente os mais recentes, constituem também circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade. Na verdade, devendo o quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais ser apurado, sempre, segundo critérios de equidade, deverá atender-se, conforme Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 629, para além do grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, e ainda aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência. O recurso à equidade, exigido pela necessidade de adequação da indemnização às circunstâncias do caso, não dispensa a necessidade de observância das exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios e a necessidade de atender, por razões de justiça relativa e para evitar soluções demasiadamente marcadas por subjectivismo, aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência, importando ter sempre em atenção as circunstâncias de cada caso, bem como as datas em que as decisões foram proferidas e o consequente decurso do tempo relativamente à decisão confrontada.»
No referido acórdão encontra-se uma análise de decisões judiciais em que se encontram referidos danos não patrimoniais semelhantes ao discutido nos presentes autos, e que são os seguintes (sem preocupação de exaustão):
1. “13-11-2003, Revista n.º 2961/03 - 7.ª Secção - Pese embora a jurisprudência recente tenha como referência o valor de 10.000.000$00 na compensação pelo dano morte, mostra-se ajustada a indemnização de 25.000.000$00 a título de danos não patrimoniais sofridos por um jovem de 17 anos de idade, vítima de acidente de viação que o deixou tetraplégico, portador de uma IPP de 95%, impedido de ter actividade sexual, permanentemente algaliado, só podendo deslocar-se em cadeira de rodas, vivendo em permanente depressão e angústia.”
2. 27-01-2005, Revista n.º 4135/04 - 2ª Secção - Fixada a indemnização de 100.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, ao lesado de um acidente de viação, ocorrido sem culpa sua e de que lhe advieram, aos 30 anos de idade, a incontinência total e a impotência, que levou a mulher a abandoná-lo.
3. 22-09-2005, Revista n.º 2277/05 - 2ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 38 - Para indemnizar jovem de 18 anos de idade, que ficou paraplégica, com uma IPP de 80%, pelo dano não patrimonial foi considerado adequado o montante de 100.000,00 €.
4. 15-11-2007, Revista n.º 2671/07 - 7.ª Secção - Lesado com 45 anos de idade que em consequência do acidente sofreu dores intensas, quer no momento do acidente quer depois com tratamentos e intervenções cirúrgicas; esteve em perigo de vida, o que lhe causou grande angústia; continua a sofrer dores que têm vindo a agravar-se; sofre frequentemente de obstipação, retenção urinária, que degenera, muitas vezes, em infecções urinárias; sofre ainda de impotência sexual e diminuição da sensibilidade da perna e pé direitos, bem como de tetraplegia incompleta e psicose pós-traumática; desloca-se em cadeira de rodas, com auxílio de outrem, por não conseguir movimentá-la sozinho devido à atrofia dos seus membros; ficou com sequelas irreversíveis que o levam a uma vida de dependência e terceira pessoa para a satisfação das suas necessidades básicas, com uma IPA de, pelo menos 50%, e de uma incapacidade geral permanente de 80%; não consegue deslocar-se, alimentar ou beber um copo de água sozinho; apresenta várias cicatrizes na zona da cabeça, pescoço, face lateral esquerda e região inguinal direita, com vários centímetros de extensão; à data do acidente tinha boa saúde, não padecia de qualquer deficiência física e era muito dedicado à família e aos amigos, convivendo com estes semanalmente em jogos variados, de que ficou privado, perdendo a alegria de viver; considera-se justa e equitativa a quantia de 79.000,00 € destinada a compensar o autor pelos danos não patrimoniais sofridos.
5. 13-12-2007, Revista n.º 4312/07 - 2.ª Secção - Sinistrado, que na data da propositura da acção tinha 35 anos de idade, em consequência das lesões sofridas no acidente, ficou com a sua capacidade para o trabalho afectada de forma permanente e na sua totalidade. “Demonstrando os factos provados, entre outros, que: - o autor, em resultado do acidente, ficou paraplégico e dependente de uma cama e cadeira de rodas, para além da sua dependência permanente de terceira pessoa para satisfação das suas necessidades diárias; - teve um quantum doloris no grau 6/7, um dano estético no grau 6/7 e ficou com um prejuízo de afirmação pessoal de grau 4/5 e um prejuízo sexual no grau 5/5; tem-se por adequado o montante de 100.000,00 € destinado ao ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor”.
6. 21-02-2008, Revista n.º 26/08 -7ª Secção - Lesado com 38 anos de idade ficou com total e permanente incapacidade; sofreu várias lesões e intervenções cirúrgicas e a padecer de impotência sexual - atribuído a título de danos não patrimoniais o montante de 100.000,00 €.
7. 03-03-2009, Revista n.º 9/09 - 6.ª Secção - Lesado de 47 anos de idade, médico, que por causa do acidente sofrido deixou em definitivo de exercer a profissão e de auferir rendimentos, ficando a padecer de deficiências que lhe conferem uma incapacidade permanente geral de 85%. Na situação referida justifica-se uma indemnização de 150.000,00 € por danos morais se estiver provado, além de tudo o mais, que o lesado ficou em consequência do acidente imediata e irreversivelmente paraplégico, perdendo todo e qualquer tipo de sensibilidade da cintura para baixo, precisando da ajuda permanente de terceira pessoa até ao final dos seus dias para se levantar, deitar e sentar na cadeira de rodas, vestir-se e tratar da higiene pessoal, e que se tornou uma pessoa profundamente deprimida, sem alegria e vontade de viver.
8. 26-05-2009, Revista n.º 3413/03.2TBVCT.S1 - 1.ª Secção - Lesado com 28 anos de idade à data do acidente, então motorista de pesados - fixado em 200.000,00 € o valor da indemnização por danos não patrimoniais, pois que o autor ficou, por causa do acidente, devido às lesões sofridas e às sequelas correspondentes, afectado de uma incapacidade permanente de 100%, necessitando de: usar um par de canadianas como auxiliar de locomoção; submeter-se a consultas periódicas de controle do seu sangue, a intervenções cirúrgicas com anestesia geral, internamentos hospitalares, análises clínicas, exames radiológicos, consultas e tratamentos das especialidades de Urologia e de Cirurgia Vascular, bem como do foro psicológico e psiquiátrico, nomeadamente em relação ao seu estado de impotência sexual; ingerir medicamentos e tomar injecções penianas relacionadas com o seu estado de total impotência sexual; recorrer a tratamentos de fisioterapia dos seus membros inferiores; suportar as despesas com uma terceira pessoa para o desempenho de tarefas pessoais e diárias, tais como cortar as unhas dos pés, locomover-se, tomar banho.
9. 25-06-2009, Revista n.º 2409/04.1TBCBR.C1.S1 - 6ª Secção- Lesado com 38 anos de idade, com total incapacidade, para toda a vida, não só para o exercício de qualquer profissão, mas também para toda e qualquer tarefa, por pequena que seja, para qualquer actividade de lazer, para movimentação, com incontinência urinária e fecal, impossibilidade de ter relações sexuais por falta de erecção, tendo de ficar para sempre acamado ou em cadeira de rodas, dependendo para tudo de outrem – considerado adequado o montante de € 120.000,00 fixado pela Relação.
10. 07-07-2009, Revista n.º 3306/08 - 7ª Secção - Lesado com 53 anos de idade, reformado, com IPP de 60% para as diversas tarefas da vida diária, doméstica e de lazer, sofrendo lesões irreversíveis, (tetraplegia incompleta sensitiva e motora), dependente da ajuda de terceira pessoa até para as mais simples e íntimas tarefas e actividades da sua vida diária, que cada vez mais se apercebe da sua própria incapacidade motora e vê a sua reforma para sempre confinada a uma cadeira de rodas – tem-se por equilibrada a importância de € 90.000,00.
As decisões judiciais indicadas são apenas uma parte das que poderiam aqui ser referenciadas, mas em todas elas se denota que a impotência sexual foi valorada, mesmo no caso de menores, sem actividade sexual.
Os valores arbitrados nunca se situaram em 30.000 euros, mesmo no caso de lesados mais velhos, em que rondaram os 100.000 euros. Naturalmente que a indemnização fixada não o foi apenas por se ter atendido à impotência. Todos os prejuízos decorrentes da lesão sofrida contribuíram para o valor final. Tais prejuízos foram diferentes de caso para caso – desde o IPP, dependência de outras pessoas para as tarefas quotidianas, dano do foro psicológico e psiquiátrico, quantum doloris, dano estético, etc.
Do exposto decorre a necessidade de apurar no caso concreto quais foram os prejuízos provados e que estiveram na base da determinação quantitativa do valor da indemnização.
Dos factos provados considerados pelo tribunal recorrido deu-se destaque:
i) às lesões sofridas;
ii) aos tratamentos a que foi sujeito
iii) fortes dores, tendo sido fixado pericialmente um grau 5, numa escala de 1 a 7.
iv) sofreu angústia, temendo pela própria vida
v) permaneceu exclusivamente deitado durante dois meses
vi) quase sempre acamado por mais dois a três meses.
O tribunal recorrido não considerou relevante o facto provado 117. Em consequência do acidente sofrido o A. perdeu potência sexual. (Quesito 108.°), no sentido de o autonomizar.
Tal facto não assume a gravidade dos casos acima indicados – em que os lesados ficaram paraplégicos e impotentes. Não havendo prova adicional sobre o sentido da perda de potência, nem uma qualquer quantificação, não pode o tribunal julgar da gravidade do facto, tendo se aceitar que o tribunal recorrido efectuou uma adequada ponderação da totalidade dos factos provados na definição do quantum indemnizatório, que não se afigura estar “fora” dos padrões habituais da jurisprudência.
Não é devida qualquer alteração no montante da indemnização por dano não patrimonial.
7.5. O Tribunal da Relação apreciou as questões suscitadas pelo Autor, nos termos que passamos a transcrever, em relação aos juros vs actualização dos valores das indemnizações:
“A Apelante vem defender que a Ré deve ser condenada no pagamento de juros de mora ao A. à taxa legal desde a citação até integral pagamento, em vez da actualização da indemnização, porque dessa forma, entende que fica prejudicado.
Cremos que, nesta parte, improcede a argumentação do Apelante.
Com efeito, pode ler-se na sentença recorrida, quanto a esta temática, o seguinte:
"Tendo em consideração a evolução do índice de preços ao consumidor que se verificou a partir de 2004, data do acidente, deve o montante indemnizatório fixado em 60.0000,00 (sessenta mil euros), ser actualizado para 71.579,69 (setenta e um mil quinhentos e setenta e nove euros e sessenta e nove cêntimos), sendo que tal actualização foi efectuada de acordo com a fórmula de cálculo disponibilizada no portal do INE.
Face à actualização a que se procedeu, ficam prejudicados os juros de mora peticionados pelo Autor".
Com efeito, na sentença recorrida, fixado o quantum indemnizatório, referiu-se expressamente que se procedeu a uma actualização, em função do índice de preços ao consumidor.
Por conseguinte, considerando o que sobre a questão estabeleceu o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.°4/200216, nenhuma censura merece a decisão recorrida.
E, assim, os valores em que ora se condena a Ré, porque igualmente calculados de acordo com os critérios actuais, aplica-se o mesmo critério da sentença da primeira instância e na linha do mencionado acórdão uniformizador de jurisprudência, a quantia indemnizatória ora fixada, vence juros a partir da data da sentença de 1.a instância.”
7.6. O Autor discorda dos argumentos indicados contrapondo que na sentença não foi efectuada nenhuma actualização com base nos critérios usuais, apontando os valores obtidos pelo tribunal:
a) no cálculo da indemnização por danos patrimoniais: €133.960,02 — €33.490,00= € 100.470,02 que veio depois a resultar em 110.000,00. De acordo com os cálculos que apresenta, se houvesse sido realizada uma actualização do valor de 100.470,02 utilizando a ferramenta de cálculo do INE o resultado obtido seria 120.450,00.
O Tribunal da Relação apurou como valor base dos danos patrimoniais: € 100.470,02. Tal valor foi justificado com as seguintes indicações:
“Assim, faremos incidir a percentagem de 1/4 de dedução sobre aquele valor, de que resulta:€133.960,02 — €33.490,00= € 100.470,02
Aqui chegados, entramos na terceira fase, ou seja naquela em que atenderemos a todos os outros factores que as ditas fórmulas não contemplam e que se repercutirão previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais e que são muitíssimo relevantes, designadamente: desde logo, importa sublinhar que embora considerando na base de cálculo a referência à idade de reforma de 65 anos, tal não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela. Não conta com a inflação. Por fim, o referido cálculo é feito na base de que o lesado ficaria sempre a auferir o mesmo salário e que não teria progressão na carreira.”
Em seguida o Tribunal afirmou que “a utilização de fórmulas matemáticas ou de tabelas financeiras só possa servir como ponto de partida, na fixação do montante indemnizatório.”
E, por isso, tomou em consideração:
i) que o lesado em nada contribuiu para a produção do acidente de que foi vítima;
ii) os factores supra referidos que não foram tidos em conta no cálculo matemático (a) idade de reforma de 65 anos, que não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela; b) inflação; c) possibilidades de progressão na carreira)
Após a ponderação indicada, o tribunal veio a fixar o valor corrigido em € 110.000,00. Na opinião do Tribunal este valor corrigido é um valor actualizado. E é o valor actualizado porque o mesmo é apurado “equitativamente dentro dos limites que se tiver por provados”, quando não se possa saber o valor exacto dos danos (art.º 566.º, n.º 3 CC), ainda que nesse apuramento o tribunal deva usar a teoria da diferença (n.º 2 do art.º 566.º CC).
Mas terá sido este “valor actualizado” apurado nos termos mais correctos?
Antes de responder à interrogação importará apurar se a lei impõe ao tribunal que se socorra de algum critério específico na operação de actualização (com vinculação legal) ou, ao invés, se lhe é permitido fazer uma actualização segundo um juízo de equidade (com margem de liberdade), ou recorrendo a outro critério (taxa de juro).
Cremos que a lei contém uma indicação sobre o modo como deve ser efectuada a actualização dos valores apurados – ao remeter para os índices de preços publicitados, ou eventualmente, para as taxas de juro civis. Assim, ainda que na determinação do valor indemnizatório não existam elementos completamente objectivos a serem considerados pelo tribunal, uma vez apurado o valor devido já a sua actualização – que visa contabilizar a erosão do valor da moeda – tende a ser objectiva. Essa objectividade resulta do facto de o “tempo passado” decorrido ser um dado em relação ao qual já se conseguiu objectivar o factor da erosão monetária – seja pela inflação ou deflação – e, em consequência, tal factor deve ser de aplicação igualitária a todas as situações em que ocorra uma definição de dívida monetária. Para o efeito, o Estado português tem promovido a divulgação de índices de referência no apuramento da erosão, entre os quais se conta o IPC, divulgado pelo INE e com uma ferramenta de cálculo da actualização devida disponibilizada na sua página eletrónica.
Este índice é de aplicação ao presente caso, na medida em que o valor apurado na ordem dos € 100.470,02 ainda que o tribunal tenha indicado que foi actualizado (resultando essa actualização em 110.000,00) uma vez que utilizando a ferramenta do INE se verifica que a actualização indicada ficou abaixo do valor que se obteria pela utilização deste método – cerca de 120.000,00 – tendo a parte solicitado a revisão do valor com invocação deste critério de actualização.
Deve por isso o valor de € 100.470,02 ser actualizado através da utilização do IPC – com a fixação do valor actualizado de 120.450,00., que será o valor da condenação da R., o qual vencerá juros de mora à taxa legal, desde a data da decisão de 1ª instância até efectivo e integral pagamento, seguindo-se aqui a orientação do o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.°4/2002, que fixou a seguinte jurisprudência:
"Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.°2 do art.° 566.° do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.° n.°3 (interpretado restritivamente), e 806.° n.°1 também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação."
Nestes termos o valor da indemnização por dano patrimonial futuro deve ser fixada em 120.450,00 Euros, procedendo a argumentação do A., mas ainda sujeita às considerações que se efectuarão sobre o recurso subordinado do R.
b) no cálculo da indemnização por danos não patrimoniais – não foi efectuada actualização, nem na sentença, nem pela Relação, que manteve os valores arbitrados, e ainda suprimiu uma actualização de 11.579,69 – o que conduziria, na opinião do Autor, a nulidade (art.º 615.º, n.1, al. c) e d) CPC), por ter alterado a decisão condenatória da R. sem que esta tivesse interposto recurso desse segmento decisório.
À questão da eventual nulidade do acórdão indicada em b), respondeu o TR por acórdão da conferência de 22 de Junho de 2017, nos seguintes termos:
“"A Apelante vem defender que a Ré deve ser condenada no pagamento de juros de mora ao A. à taxa legal desde a citação até integral pagamento, em vez da actualização da indemnização, porque dessa forma, entende que fica prejudicado.
Cremos que, nesta parte, improcede a argumentação do Apelante.
Com efeito, pode ler-se na sentença recorrida, quanto a esta temática, o seguinte:
"Tendo em consideração a evolução do índice de preços ao consumidor que se verificou a partir de 2004, data do acidente, deve o montante indemnizatório fixado em e 60.0000,00 (sessenta mil euros), ser actualizado para E 71.579,69 (setenta e um mil quinhentos e setenta e nove euros e sessenta e nove cêntimos), sendo que tal actualização foi efectuada de acordo com a fórmula de cálculo disponibilizada no portal do INE.
Face à actualização a que se procedeu, ficam prejudicados os juros de mora peticionados pelo Autor".
Com efeito, na sentença recorrida, fixado o quantum indemnizatório, referiu-se expressamente que se procedeu a uma actualização, em função do índice de preços ao consumidor.
Por conseguinte, considerando o que sobre a questão estabeleceu o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.°4/2002, nenhuma censura merece a decisão recorrida.
E, assim, os valores em que ora se condena a Ré, porque igualmente calculados de acordo com os critérios actuais, aplica-se o mesmo critério da sentença da primeira instância e na linha do mencionado acórdão uniformizador de jurisprudência, a quantia indemnizatória ora fixada, vence juros a partir da data da sentença da 1.a instância.
Não se compreende, por conseguinte, qual o fundamento da afirmação do Recorrente segundo a qual este Tribunal "suprimiu a operação matemática feita na 1.a instância de actualização dos valores tendo em consideração a evolução do índice de preços do consumidor que se verificou em 2004".
Pelo contrário, o que consta do acórdão é precisamente o contrário, ou seja, " os valores em que ora se condena a Ré, porque igualmente calculados de acordo com os critérios actuais, aplica-se o mesmo critério da sentença da primeira instância".
Não houve, por conseguinte, a invocada supressão de qualquer operação matemática de actualização. O facto de não se ter explicitado, como fez a 1.a instância, qual o valor fixado antes e depois da actualização, optando-se por fazer constar do acórdão, apenas o valor final, cremos que tal não constitui nulidade, designadamente qualquer das nulidades previstas nas alíneas c), d) ou e) do art.° 615.° n.°1 do CPC.
Este Tribunal apreciou as questões que lhe competia conhecer, sem estar vinculado à argumentação utilizada na sentença da 1.a instância.”
O Recorrente contesta que o Tribunal da Relação, ao rever em alta o valor base da indemnização devida ao autor, tenha procedido à actualização, nos termos que o havia realizado o tribunal de 1ª instância - através da fórmula de cálculo disponibilizada no portal do INE e com base na evolução do IPC que se verificou a partir de 2004 a aplicar sobre o valor base. O recorrente considera que a frase “E, assim, os valores em que ora se condena a Ré, porque igualmente calculados de acordo com os critérios actuais, aplica-se o mesmo critério da sentença da primeira instância e na linha do mencionado acórdão uniformizador de jurisprudência, a quantia indemnizatória ora fixada, vence juros a partir da data da sentença de 1.a instância” (Ac. TR) não corresponde ao que realmente se apura em termos de contabilização da actualização e que, em consequência, esta não foi realizada, sendo em consequência devidos os juros de mora peticionados.
Na sentença veio definida a responsabilidade da R. pelos danos sofridos pelo A., em consequência do acidente, com a indemnização a ser definida nos termos do art.º 562.º do CC. Não sendo possível a reconstituição natural, nos termos do art.º 566.º a indemnização deve ser fixada em dinheiro, caso em que de acordo com o n.º 2 do mesmo dispositivo se deve utilizar a teoria de diferença, devendo a indemnização ter como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos (fls. 685). Considerando que devem ser indemnizados os danos emergentes e os lucros cessantes, o tribunal olhou para o dano futuro por perda de capacidade de ganho, mas veio a considerar que o A. não demonstrou existir impossibilidade de desempenhar qualquer tarefa remunerada e impedimento a retomar a sua actividade profissional, o que levou o tribunal a negar a atribuição de indemnização a título de dano futuro por perda de capacidade de ganho (fl. 689).
No entanto, o tribunal considerou provado que a actividade profissional implicaria esforços suplementares, que mereciam ser indemnizados. Assim, atendeu à idade do lesado – 56 anos – e à idade da reforma – 65 anos. Considerou ainda o défice permanente de integridade físico-psíquica de 19 pontos, que implica esforços suplementares no exercício da actividade profissional habitual – mas aqui veio a decidir que tal dano deveria ser autonomizado e quantificado autonomamente, porque o A. não teve perda ou diminuição de rendimentos profissionais na sequência do acidente (fls. 691). No que respeita ao seu quantum – fls. 692 – veio a apurar 25.000 euros (limitação funcional que irá dificultar ou tornar mais penosas muitas tarefas quotidianas) acrescida de 5.000 euros, pelos esforços suplementares (fls. 692-3). Os valores apurados tomaram em consideração sobretudo a equidade, atendendo aos valores que têm sido atribuídos pela jurisprudência em situações similares.
Para os danos não patrimoniais – com base do art.º 496.º, n.1 e 494.º- também foi utilizada a equidade na determinação do seu valor – fixada em 30.000 euros (fl. 696).
Após a obtenção dos valores indicados, o Tribunal passou a apreciar o problema da actualização, que realizou com base na evolução do IPC que se verificou a partir de 2004, data do acidente – obtendo o valor actualizado de 71.579,69 (o valor base foi de 60.000) - através da fórmula de cálculo disponibilizada no portal do INE (fls. 696). Por virtude da referida actualização, considerou prejudicada a condenação em juros de mora peticionados (fl. 697).
Expostos os argumentos da recorrente e a resposta à invocada nulidade por parte do Tribunal da Relação, bem como a decisão recorrida conclui-se que o valor arbitrado por danos não patrimoniais foi actualizado, nos termos do definido na sentença e mantido na Relação, que tomaram em consideração a evolução do índice de preços do consumidor que se verificou em 2004, sendo correcta a solução de em caso de actualização dos valores indemnizatórios condenar em juros apenas a partir da data de sentença de 1ª instância, nada havendo a sancionar na decisão recorrida.
8. Tendo-se analisado as questões suscitadas pelo recurso principal, vejamos agora as questões colocadas no recurso subordinado, que não tenham ficado preteridas pelas respostas dadas ao recurso do A., e que são:
a) saber se a prova foi devidamente apreciada e se, nomeadamente, o tribunal da Relação violou a lei em matéria de valor “tabelado” dos meios de prova oferecidos - prova pericial e a sua repercussão na decisão do Acórdão da Relação;
b) saber se pode haver cumulação de indemnização por acidente de trabalho e de viação, quanto aos mesmos danos – patrimoniais futuros por perda de capacidade de trabalho;
c) saber se os valores fixados no Acórdão da Relação de Lisboa, tanto a título de dano patrimonial futuro, como a título de danos não patrimoniais, são exagerados – desconto de ¼ ou de 1/3 para despesas com o próprio; desvalorização permanente do Autor –19 pontos ou 100%;
8.1. O Tribunal da Relação no recurso de apelação veio a alterar os factos provados, aditando o facto 127. “Por causa das lesões que o A. sofreu e das sequelas daí resultantes o mesmo viu-se impedido de retornar a sua actividade profissional”, correspondente ao Quesito 68°.
Esta alteração resultou da reapreciação da prova produzida, solicitada pelo A.
A alteração foi justificada nos seguintes moldes:
"Por causa das lesões que o A. sofreu e das sequelas daí resultantes o mesmo viu-se impedido de retomar a sua actividade profissional".
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção do seguinte modo:
"Relativamente ao exercício da sua actividade profissional, o relatório pericial constante de fls. 553 a 559 é peremptório ao considerar que "as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicam esforços suplementares". Tal entendimento foi sustentado pelas Sras. Peritas subscritoras do relatório pericial em sede de esclarecimentos prestados em Audiência de Discussão e Julgamento. O Tribunal entende ser de privilegiar a posição sustentada pericialmente, em detrimento das testemunhas, colegas do Autor, que sem conhecimentos médicos, consideraram que dificilmente o Autor poderia voltar a exercer a sua posição de tipógrafo, razão pela qual se considerou como não demonstrado o facto constante do ponto 2. da Matéria de Facto Não Provada e demonstrado o facto constante do ponto 82.1. da Matéria de Facto Provada."
Cumpre antes de mais referir que para a prova do facto em discussão, consideramos que a prova pericial é a mais idónea para fundamentar um juízo seguro por parte do Tribunal. E foi a esse meio probatório que, correctamente, o Tribunal a quo deu relevo para fundar a sua convicção. Essencial, porém, é que o relatório pericial seja devidamente analisado e interpretado.
Como é sabido, a prova pericial tem por objecto "a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial"(art° 388° do C.C.).
Apesar de o perito dispor de conhecimentos especiais que o julgador não possui, a sua função é a de "auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos", não impedindo tal que seja "um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova"'
Daí que a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo tribunal (art° 389° do C.C.).
E "apesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente arbítrio dos juízes., que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se rcfere. "
Por conseguinte, o Tribunal, na análise que elabora da prova pericial, tem de ter presente que o perito médico pronuncia-se em termos médicos e através de linguagem técnica específica. Assim, quando o médico diz que "as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares", tal afirmação apenas significa que, o sinistrado não está, em termos absolutos, impossibilitado de exercer determinada actividade. Assim aconteceria, cingindo-nos ao caso concreto, na hipótese de ao Autor terem sido amputados um braço ou uma perna, pois como decorre dos pontos 78, 80 e 81 dos factos provados, o exercício da profissão de tipógrafo impressor exige, designadamente, destreza e esforços daquelas partes do corpo. Ora, o Autor mantém relativa integridade daqueles membros, pelo que, na perspectiva do médico, ele pode exercer a sua profissão, embora implicando "esforços suplementares". O que serão esses "esforços suplementares", não é referido no relatório, mas pode inferir-se que sente dores, como está assente no ponto 112. Tais esforços suplementares decorrem igualmente, impõe-se concluir, designadamente das sequelas referidas nos pontos 62 a 68 dos factos provados. E trabalhar nestas condições, em sofrimento, portanto, levará, necessariamente, a uma menor produtividade.Ora, nas condições de mercado que são de todos conhecidas - desemprego e feroz competividade — é óbvio que apenas obtêm emprego aqueles profissionais que apresentem condições de saúde perfeitas, ficando necessariamente excluídos aqueles que tenham limitações que não lhe permitam dar o rendimento exigido pelas entidades patronais. É por isso que, na prática, o Autor embora em termos estritamente médicos, ou em termos abstractos, possa estar apto a exercer uma actividade, na realidade, precisamente devido aos "esforços suplementares" que lhe exige o desenvolvimento dessa actividade, fica excluído do mercado de trabalho. E é por isso que, interpretando a referida afirmação médica, em conjugação com os demais factos provados, impõe, necessariamente, que se conclua que "por causa das lesões que o A. sofreu e das sequelas daí resultantes o mesmo viu-se impedido de retomar a sua actividade profissional".
Senão, vejamos:
O Autor sofreu o acidente em 2 de Agosto de 2004. Esteve exclusivamente deitado, cerca de dois meses. Após o que se passou a locomover esporadicamente em cadeira de rodas. Posteriormente, passou a usar muletas axiais e depois muletas de mão. Conforme consta do relatório pericial o Autor "teve alta clínica da companhia de seguros 1 ano e 4 meses depois do acidente (em Dezembro de 2005). Apenas deixou de usar auxílio na marcha totalmente, cerca de 3 anos depois do acidente (meados de 2007)" . Nesta data, o Autor tinha 59 anos de idade. Antes do acidente o Autor trabalhava para a empresa identificada no ponto 72 dos factos provados. Não está provado, mas podemos concluir pelo conhecimento das regras de experiência comum e da realidade social e laborai que, certamente, a referida empresa, ou qualquer empresa não fica à espera de um empregado, durante três anos. Pergunta-se: aos 59 anos seria viável, expectável, para o Autor, em Portugal, ou no estrangeiro, obter um emprego, no seu ramo de actividade ou em qualquer outro? Parece-nos óbvio que qualquer pessoa de bom senso, com um conhecimento médio das realidades da vida, dará uma resposta negativa.
Deve pois ser dado como provado o ponto 2 da matéria de facto dada como "não provada" pela 1.a instância.
Dir-se-á: Esse facto entrará em contradição com o ponto 82 dos factos provados. Não é assim.
Pelo contrário, como flui do que supra fica exposto, é precisamente da afirmação médica que está reproduzida no ponto 82.° dos factos provados, maxime a referência aos "esforços suplementares" que é imperativo concluir que:
"por causa das lesões que o A. sofreu e das sequelas daí resultantes o mesmo viu-se impedido de retomar a sua actividade profissional".
E este raciocínio tem fundamento no disposto no art.° 349.° do Código Civil. Presunções judiciais são meios lógicos ou mentais ou operações firmadas em regras de experiência', ou seja, "o juiz valendo-se de certo facto e de regras de experiência conclui que aquele denuncia a existência doutro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é consequência típica de outro.
Procedem, pois, as conclusões do Apelante, nesta parte e, por consequência, altera-se a decisão da matéria de facto dando como provado que:
"por causa das lesões que o A. sofreu e das sequelas daí resultantes o mesmo viu-se impedido de retomar a sua actividade profissional."
Sobre o ponto, diz o recorrido:
“O Tribunal da Relação defende que não estão vinculados às conclusões das perícias médico-legais efectuadas aos danos corporais dos lesados.
Contudo, antes reconhece que: “…para a prova do facto em discussão, consideramos que a prova pericial é a mais idónea para fundamentar um juízo seguro por parte do Tribunal. E foi a esse meio probatório que, correctamente, o Tribunal a quo deu relevo para fundar a sua convicção.”Para depois acrescentar: “Essencial, porém, é que o relatório pericial seja devidamente analisado e interpretado.”
Com a sua alegação pretende o recorrido que este Supremo Tribunal dê uma valoração diferente à prova produzida, nomeadamente ao Relatório Pericial.
Contudo, o STJ é um tribunal vocacionado para a aplicação do Direito aos factos provados. A lei limita a intervenção do tribunal em matéria de facto, indicando que se pode sancionar a prova produzida apenas nas situações em que ocorra violação de lei – art.º 682.º e 674.º, n.º 3 do CPC. Entende-se que há violação de lei quando se exije certa espécie de prova para a existência do facto ou se fixe o valor probatório de certo meio de prova – prova tabelada.
No caso dos autos, os meios de prova utilizados pelo tribunal recorrido na alteração da matéria de facto foram a prova pericial e a por presunção judicial. Trata-se de meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal – i.e., sem valor tabelado; também os factos a provar não estão sujeitos a meio de prova vinculado.
Tanto a prova pericial (art.º 389º do CC) como a prova por presunção (art.º 349º do CC) são apreciadas livremente pelo tribunal, o que implica que este possa fazer prevalecer uma sobre a outra. Este poder cabe tanto ao tribunal da 1ª instância como à Relação, à qual se aplica o regime do art.º 607.º, n.º 5, do CPC, por remissão do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo Código.
Por tais razões, não pode este Tribunal modificar a decisão recorrida, que assim de mantém, improcedendo o fundamento de recurso da R.
8.2. O Tribunal da Relação apreciou as questões suscitadas pelo R., no recurso subordinado, relativa à duplicação da indemnização por acidente de trabalho e de viação, nos seguintes termos:
“O Autor peticionou o pagamento da quantia de € 231.880,63, sendo € 171.880,63 a título de danos de natureza patrimonial e € 60.000,00 a título de danos não patrimoniais.
a) Do dano futuro por perda da capacidade de ganho.
Atenta a alteração da matéria de facto referida há que concluir em sentido diferente daquele em que concluiu a sentença recorrida.
Ou seja, verificando-se que o Autor, em consequência do acidente, ficou a padecer de uma efectiva perda da capacidade de ganho, importa fixar uma indemnização a título de dano futuro que neste momento já é indemnização... por dano passado.
No que respeita ao dano futuro por perda de capacidade de ganho, está assente que o Autor trabalhava à data do acidente, por conta, sob as ordens, direcção e fiscalização de "..., Lda.", com a categoria de tipógrafo impressor, sendo a sua remuneração mensal de € 998,00 x 14 meses, acrescida de € 89.79, a título de subsídio de turno x 12 meses e 77,00 euros a título de prémio de produtividade x 12meses, e 5.09 diários vezes onze meses, a título de subsídio de alimentação, o que perfaz uma remuneração anual de € 17.205,26.
No caso em apreço, a Ré invocou o facto de o acidente ter simultaneamente natureza civil e laboral, razão pela qual estando a seguradora laboral a liquidar todas as despesas decorrentes de danos patrimoniais, nomeadamente perdas salariais, IPP, despesas de tratamento, apenas poderá o Autor ter direito à atribuição de indemnização a título de danos não patrimoniais.
Perante a excepção invocada a sentença recorrida discorreu assim:
"(...) Importa analisar se na fixação da, eventual, indemnização pelo referido dano, deverá ser tida em conta a circunstância de ter resultado provado que o acidente e em causa nestes autos tem natureza laboral, em cujo âmbito o Autor recebeu a quantia de C 2.774,64, a título de capital de remissão, referente a uma IPP de 22,6%.
Vejamos o enquadramento legal.
Nos termos do disposto no artigo 31°, n° 1, da Lei n° 100/97, de 13 de Setembro, aplicável ao caso em apreço atenta a data do acidente, "Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral."
Por sua vez, o mesmo preceito, no n.° 2, prevê que "Se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, esta considera-se desonerada da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido"(sublinhado nosso).
"Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante"
"A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no n° 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano, a contar da data do acidente"
"A entidade empregadora e a seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo" (artigo 31°, n°s 3, 4 e 5, da citada Lei). Das normas legais acima citadas resulta à evidência que não são cumuláveis as indemnizações por acidente de trabalho e a indemnização por facto ilícito, desde que haja identidade de danos ressarcíveis. No nosso entendimento, não pode deixar de se considerar que existe alguma relação de identidade, sendo contudo o dano ressarcido em sede civil mais amplo do que aquele que foi ressarcido em sede laboral.
No entanto, tal não significa que tais montantes pagos em sede laboral possam ser deduzidos em sede da presente acção, porquanto, o obstáculo à pretendida dedução reside no regime legal aplicável a estes autos (artigo 31°, n° 2, da Lei n° 100/97), pois de acordo com tal previsão legal não tem o responsável civil direito a abater à indemnização que lhe compete pagar o montante que já haja sido pago pelo responsável laboral, competindo antes a este último o direito ao reembolso pelo sinistrado daquilo que houver pago a este e na medida em que se verificar identidade de danos ressarcidos.
Assim, por força do disposto no n° 2, do artigo 31° da Lei n° 100/97, não deve ser abatido ao valor da indemnização devida ao Autor, a título de dano futuro por perda de capacidade de ganho, a suportar pela seguradora responsável pelo acidente de viação, o capital recebido pelo sinistrado em tal acidente, a título de capital de remição de pensão por incapacidade parcial permanente laboral".
Tem sido entendimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal que:
“1. As indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.
2. A responsabilidade primacial e definitiva pelo ressarcimento dos danos decorrentes de acidente de viação que igualmente se perspectiva como acidente de trabalho é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respectiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objectivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado – pelo que esta fisionomia essencial do concurso ou concorrência de responsabilidades ( que não envolve um concurso ou acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos) preenche, no essencial, a figura da solidariedade imprópria ou imperfeita.
3. O interesse protegido através da consagração da regra da proibição de duplicação ou acumulação material de indemnizações é, não o do lesante, responsável primacial pelos danos causados, mas o da entidade patronal (ou respectiva seguradora) que, em termos de responsabilidade meramente objectiva, garantem ao sinistrado o recebimento das prestações que lhe são reconhecidas pela legislação laboral – pelo que não assiste ao lesante o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o mero argumento de que um outro responsável já assegurou, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado – sendo antes indispensável a iniciativa do verdadeiro titular do interesse protegido ( traduzida, ou na dedução de oportuna intervenção principal na causa , ou no exercício do direito ao reembolso contra o próprio lesado que obteve indemnização pela totalidade do dano ou na propositura de acção de regresso em substituição do lesado que, no prazo de 1 ano, não mostrou interesse no exercício do seu direito à indemnização global a que teria direito).
4. Aliás, o reconhecimento ao lesante da faculdade de opor ao lesado a excepção peremptória de recebimento da indemnização laboral - alegando na contestação e provando cabalmente que os danos peticionados abrangiam prestações decorrentes da legislação laboral, já integralmente satisfeitas pela entidade patronal ou respectiva seguradora - sempre teria de depender de uma condição fundamental: ser permitido ao titular do direito de regresso ou reembolso efectivá-lo no confronto do lesante ou respectiva seguradora; é que, a não se entender assim, o regime legal conduziria a um resultado anómalo e materialmente inadmissível, traduzido em o abate da indemnização laboral no quantitativo global peticionado pelo lesado acabar por reverter em benefício do próprio lesante, autor do facto ilícito.
5. São factos impeditivos da procedência total da pretensão do lesado., profundamente diferentes no seu significado jurídico, a mera invocação do recebimento pelo lesado de indemnização laboral que se pretende abater ao valor global da indemnização civil peticionada e a invocação do efectivo reembolso ao responsável pelo acidente de trabalho das quantias que este pagou adiantadamente ao sinistrado, já que, nesta situação, está obviamente excluída a possibilidade de a entidade patronal vir ulteriormente pedir qualquer reembolso ao lesado, nos termos do art. 31º do Lei n.º 100/97, pelo que a desconsideração deste facto – extintivo do direito ao reembolso concedido à entidade patronal – conduziria inelutavelmente a efeito manifestamente incompatível com o princípio fundamental, vigente nesta sede, da não duplicação ou acumulação material de indemnizações.
6. São de considerar como danos diferentes o que decorre da perda de rendimentos salariais, associado ao grau de incapacidade laboral fixado no processo de acidente de trabalho e compensado pela atribuição de certo capital de remição, e o dano biológico decorrente das sequelas incapacitantes do lesado que – embora não determinem perda de rendimento laboral - envolvem restrições acentuadas à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as actividades da vida pessoal e corrente. – Ac. STJ, de 11/12/2012, no proc. 40/08.1TBMMV.C1.S1 (LOPES DO REGO).
A doutrina nacional também acolhe esta orientação – que aliás já assim era entendida no domínio da lei anterior à Lei n.° 100/97 – neste sentido, ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Vol. I, 8ª ed. Almedina, p. 711 e ss.
Pelas razões acima apontadas, não merece censura o entendimento do tribunal recorrido no sentido de que “por força do disposto no n.° 2, do artigo 31.° da Lei n.° 100/97, não deve ser abatido ao valor da indemnização devida ao Autor, a título de dano futuro por perda de capacidade de ganho, a suportar pela seguradora responsável pelo acidente de viação, o capital recebido pelo sinistrado em tal acidente, a título de capital de remição de pensão por incapacidade parcial permanente laboral”.
Mas isto não significa que a R. tenha de pagar duas vezes a indemnização pelos mesmos danos, uma vez que, segundo indica, é devedora no acidente de trabalho e no acidente de viação. Ao pagar a indemnização arbitrada no acidente de trabalho pode invocar a necessidade de evitar a duplicação e enriquecimento do A. para deduzir à indemnização pelo acidente de trabalho o valor já liquidado - já que não são cumuláveis as indemnizações por acidente de trabalho e a indemnização por facto ilícito decorrente do acidente de viação, desde que reportadas ao mesmo dano.
Atentemos assim nas especificidades do caso.
Os danos patrimoniais reclamados nos autos reportam-se à perda de capacidade de ganho do A., que é dano patrimonial futuro (tendo em conta a data do acidente).
No processo por acidente de trabalho a que a R. se reporta, tendo sido provado que:
a) A responsabilidade civil por danos emergentes de acidente relativa ao veículo com a matrícula ...-TB encontrava-se transferida para a R. por contrato de seguro titulado pela apólice AU22101819. (Alínea F)
b) O acidente referido em 4. foi considerado como sendo acidente de trabalho quanto ao A. por sentença transitada em julgado proferida no âmbito do processo n° 3642/04.1TTLSB do 3° Juízo, 2' Seção do Tribunal do Trabalho de Lisboa. (Alínea O)
c) No âmbito da fase conciliatória do processo referido na alínea anterior foi efectuado exame médico que considerou o A. afectado de uma IPP de 0,4415 desde 21.12.2005, a qual não foi aceite, tendo após, no respectivo apenso de fixação de incapacidade, sido determinado que o A. se encontra afectado de uma IPP de 22,6% desde essa data. (Alínea P)
d) A sentença referida em 15. condenou a seguradora CC , S.A., e o F.A.T. a pagarem ao A. o capital de remição de uma pensão de € 2.774,64, desde 22.12.2005, na proporção de E 2.526,86 e C 247,78 respectivamente. (Alínea Q)
os danos avaliados pelo tribunal e que conduziram à fixação do direito a capital de remição de uma pensão de € 2.774,64, desde 22.12.2005, na proporção de E 2.526,86 e E 247,78 respectivamente, para a CC Mundial, S.A., e o F.A.T., fazem ressalvar dois aspectos:
i) o devedor não é apenas a CC ;
ii) No Acidente de trabalho a IPP do A. foi fixada em 22,6%. Nos presentes autos vem demonstrado que “incapacidade de que o Autor ficou a sofrer, que é, em termos profissionais, de 100%”.
Contudo, tal como alega o recorrido, “há documentação junto aos autos que provam que foi pago ao Autor no âmbito do acidente de trabalho a título de danos patrimoniais o valor total de €50.150,77.”, o que permite concluir que já se encontra parcialmente saldada a responsabilidade da R. para com o A.
Se a R. já tiver pago a indemnização pelo acidente de trabalho, estar-se-á perante uma situação peculiar, em que não pode deixar de se atribuir relevância substantiva ao facto impeditivo da integral procedência da pretensão indemnizatória que se consubstancia em a seguradora do responsável civil demandado alegar - e provar cabalmente - que já procedeu ao reembolso do responsável pelo sinistro laboral da quantia por este paga ao sinistrado e que representa duplicação de indemnização pelo mesmo dano concreto, por esta via extinguindo o direito ao reembolso contra o sinistrado que está contemplado no nº2 do art.º 31º da Lei 100/97.
Ora se a Ré já liquidou no âmbito do acidente laboral a título de danos patrimoniais (dano futuro por perda de capacidade de ganho) o valor de €50.150,77 e nos presente autos vem condenada por dano de perda de capacidade de ganho, tratando-se do mesmo dano, que não pode ser objecto de dupla indemnização, sendo a devedora a mesma – a Ré – não pode deixar de se considerar que no valor da condenação indicada nos presentes autos há que deduzir o valor indemnizatório de €50.150,77, já recebido pelo A. por dano patrimonial futuro.
Nestes termos assiste razão à recorrente, devendo ao valor indemnizatório por danos patrimoniais reportados à perda de capacidade de ganho ser descontado o valor pago pela seguradora no âmbito dos mesmos danos por acidente de trabalho.
8.3. Em relação ao pedido recursório de verificação se os valores fixados no Acórdão da Relação de Lisboa, tanto a título de dano patrimonial futuro, como a título de danos não patrimoniais, são exagerados – desconto de ¼ ou de 1/3 para despesas com o próprio; desvalorização permanente do Autor – 19 pontos ou 100%, há que distinguir.
O pedido de avaliação do desconto de ¼ ou de 1/3 relativo a despesas com o próprio – tratando-se de recurso subordinado, a sua análise apenas deve ser realizada na medida em que faça sentido, face à solução dada ao recurso principal.
Como se indicou supra, tendo-se considerado que o Tribunal da Relação efectuou o desconto de ¼ para despesas com o próprio, que deve ser exclusiva das situações de morte do lesado, perde razão de ser a análise do pedido no recurso subordinado, que assim fica prejudicado neste ponto.
Em relação à desvalorização permanente do Autor e à questão de saber se a indemnização deve atender aos 19 pontos ou a 100% da sua incapacidade para o trabalho, repete-se aqui o já exposto sobre a matéria de facto. Trata-se de questão resolvida pelo Tribunal da Relação no âmbito dos poderes que lhe são próprios, com a ponderação dos meios de prova produzidos nos autos. O valor probatório desses meios não é de “força tabelada” – vigorando o princípio da livre apreciação pelo tribunal. Nada mais se oferece dizer sobre o ponto, que não esteja já afirmado na apreciação do 1º pedido recursório subordinado.
III. DECISÃO
1. É julgado parcialmente procedente o recurso do autor, fixando-se o valor de €120.450,00 para a indemnização por dano patrimonial futuro, que é valor actualizado;
2. é julgado parcialmente procedente o recurso subordinado do R., sendo devido o desconto de €50.150,77 ao valor de €120.450,00, por dano patrimonial relativo à perda de capacidade de ganho, já pago ao A.;
3. mantém-se no demais a decisão recorrida.
Custas pelos recorridos na proporção de 2/3 para o A. e 1/3 para o R.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2018
Maria de Fátima Gomes (Relatora)
Garcia Calejo
Helder Roque