Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A267
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA RAMOS
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
OFENSAS À HONRA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: SJ200205140002671
Data do Acordão: 05/14/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4212/01
Data: 05/24/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR PERS / DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 484 ARTIGO 483 ARTIGO 496 N1 ARTIGO 497.
LIMP75 ARTIGO 26 ARTIGO 24 N1 N2 ARTIGO 20 N3 ARTIGO 22 B C.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC119/99 DE 1999/02/24.
ACÓRDÃO STJ PROC1112/99 DE 1999/05/27.
ACÓRDÃO STJ PROC372/00 DE 2000/10/17.
ACÓRDÃO STJ DE 1976/05/14 IN BMJ N257 PAG131.
ACÓRDÃO RL DE 1984/07/25 IN CJ ANOIX T4 PAG138.
ACÓRDÃO TC DE 1987/07/10 IN BMJ N369 PAG250.
Sumário : I - A ofensa do crédito ou do bom nome mais não é que um caso especial de facto antijurídico e deve estar subordinada ao princípio geral consignado no art. 483 CC.
II - Não importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro - apenas interessa que, dadas as circunstâncias concretas do caso, seja susceptível de afectar o crédito ou a reputação da pessoa visada.
III - O art. 26 da Limp75 rege apenas para a responsabilidade criminal.
IV - É ao Director do periódico ou a quem legalmente o esteja a substituir que cabe determinar o conteúdo deste, o que lhe impõe o dever de antecipadamente conhecer as matérias a publicar, podendo impedir a divulgação das que possam gerar responsabilidade civil ou penal.
V - O editor, embora sujeito ao poder do Director, conhece essas matérias a publicar e apenas se exonera se provar que, tendo-se oposto à sua publicação, a ela procedeu agindo em cumprimento de uma ordem do Superior Hierárquico.
VI - Na ofensa à honra a reparação do dano não patrimonial deve atender à natureza, gravidade e reflexo social da ofensa em função do grau de difusão, do sofrimento do ofendido e da sua situação social e política.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. "A" 10.3.97, no Tribunal da Comarca de Lisboa, "A" propôs acção declarativa com processo ordinário contra B, director de publicação periódica, C, editor de publicação periódica, e D, pedindo que os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar à autora:
- "o valor reparador dos danos patrimoniais, já verificados e os futuros e previsíveis, incluindo os lucros cessantes, mas cujo montante é, de momento, impossível de exacta determinação pelo que se relega a sua liquidação para fase ulterior do processo, ou para liquidação de sentença, atribuindo-se, por ora, o valor de 2.000.001$00;
- uma compensação em dinheiro não inferior a 10.000.000$00, por danos não patrimoniais já verificados e os futuros e previsíveis, sem prejuízo da posterior alteração ampliadora do pedido;
- juros à taxa legal, desde a citação, sobre as quantias efectivas em que vierem a ser condenados, ou na actualização do seu valor à data em que forem liquidadas, acrescidas de juros, à taxa legal, a partir dessa mesma data e até integral pagamento;
- a fazer publicar, no periódico D, com chamadas na capa e, bem assim, a divulgar, como publicidade paga, na SIC, e tudo a expensas dos réus, a sentença que houver de os condenar".

Para tanto, e em síntese, alegou:
- que em várias edições de Maio, Julho e Agosto do ano de 1996, do Jornal .... (2º Caderno), foram publicados textos e fotografias relativos à autora, divulgando factos pertinentes à vida privada com intuito de que o público leitor formasse uma imagem negativa da autora ou pusesse em causa a imagem positiva que dela tinha;
- o que representa ofensa à personalidade moral da autora, a quem causou sofrimento moral bem como preocupação intensa e duradoura, constituindo também causa adequada de seu desprestígio nos planos moral, intelectual, profissional e do bom conceito desta no meio social em que vive e exerce a sua actividade, e no público em geral.

Os réus defenderam-se por impugnação, e os 1º e 2º também por excepção, invocando a sua ilegitimidade.
Na réplica, a autora, afirmando não ser possível a identificação dos autores dos textos, concluiu que tanto o director, o editor, como a empresa proprietária do jornal são solidariamente responsáveis. E, tendo requerido a intervenção principal provocada de E, chefe da redacção do jornal, na qualidade de substituto legal do 1º réu, durante as ausências deste, veio o incidente a ser admitido, tendo o interveniente aderido ao articulado dos réus.
Prosseguiu o processo sua tramitação, sendo os 1º e 2º réus considerados partes legítimas no despacho saneador.
2. Realizado julgamento sem que as respostas aos quesitos tivessem sofrido reclamação (cfr. fls. 417), a 31.07.2000, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou:

- os réus B, C, D, e o interveniente E a pagarem à autora a quantia de 4.000.000$00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com juros desde a data da citação, à taxa legal de 10%, sendo de 7% desde 17.4.99, até integral pagamento;
- a ré D, a fazer publicar no jornal ... o teor da sentença por extracto, devendo dele constar os factos provados, a identidade dos ofendidos e dos condenados, as sanções aplicadas e as indemnizações fixadas.
3. Inconformados, apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa os 1º e 2º réus e o interveniente E - a autora interpôs recurso subordinado "a cada um deles".
Tribunal que por acórdão de 24.05.2001:

- negou provimento aos recursos de apelação interpostos pelos 1º e 2º réus e pelo interveniente;
- concedeu provimento ao recurso subordinado, condenando réus e interveniente a pagarem, solidariamente, à autora, a quantia de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), a título de indemnização por danos não patrimoniais, mantendo-se o mais decidido na sentença recorrida (fls. 606).
4. Irresignados, interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal o réu C e o interveniente.
4.1. O primeiro, extraiu das respectivas alegações as conclusões seguintes:
"1ª O tribunal recorrido não poderia aplicar ao caso em apreço o disposto no artigo 26° da Lei da Imprensa pois o mesmo regula a responsabilidade criminal de actos praticados pelas pessoas que revestem a qualidade prevista no referido diploma legal, uma vez que os valores e fins da lei penal em nada coincidem com os da lei civil;
2ª O recorrente é editor de um jornal e tem como seu superior hierárquico o director do mesmo estando sujeito ao seu poder de direcção;
3ª É ao director do jornal que incumbe decidir sobre os escritos e imagens que deverão ser publicados em cada edição do periódico que é o Semanário;
4ª O artigo 24º da Lei da Imprensa - regulador da responsabilidade civil dos actos previstos nas normas inseridas naquele diploma -, não prevê a responsabilização do editor quanto a escritos assinados e, por analogia com o disposto no artigo 26° da mesma Lei, não se verifica também tal responsabilidade em relação aos escritos não assinados;
5ª O ónus da prova quanto à verificação dos factos integradores dos pressupostos da responsabilidade civil recaía sobre a recorrida que não logrou fazê-lo, em relação ao recorrente, no que toca à ilicitude de qualquer por este praticado;
6ª Pelo que a falta de prova demonstrativa dos elementos descritos nos artigos 483°, 484° e 487° do Código Civil, geradores da obrigação de indemnizar, deveria ter conduzido à prolação de um acórdão que substituísse a sentença recorrida no sentido de absolver o recorrente do pedido formulado pela recorrida;
7ª Por outro lado, o acórdão recorrido consagrou como provados os factos qualificados como tal pela sentença proferida em primeira instância, nem mais nem menos, pelo que não poderia o mesmo ter condenado solidariamente o recorrente em pagar à recorrida valor superior ao quantum indemnizatório fixado por aquela, na medida em que nem as partes invocaram a apreciação de quaisquer outros danos nem o Tribunal da Relação tomou conhecimento ou apreciou os mesmos;
8ª Pelo que o acórdão proferido violou os artigos 24° e 26° da Lei da Imprensa e os artigos 483°, 484° e 487° todos do Código Civil".
4.2. Por seu turno, o interveniente E alegando, concluiu:
"1ª Porque a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal são duas realidades distintas, o Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro, contém uma norma - o artigo 24º - dedicado expressa e exclusivamente à responsabilidade civil e normas específicas para a responsabilidade criminal - os artigos 25º e 26º;
2ª Assim, na interpretação da lei devem ser tidos em atenção, prima facie, os elementos literal e lógico pelo que, no caso em revista, foi notória a intenção do legislador em separar a responsabilidade civil da criminal, estabelecendo regimes próprios, com normas específicas e concludentes quanto ao seu preenchimento;
3ª Para se determinar a responsabilidade civil emergente de factos cometidos através da imprensa, o artigo 24º informa-nos que devem ser observados os princípios gerais que, em concreto, se encontram inclusos no Código Civil, nos artigos 483º e seguintes, não se vislumbrando qualquer lacuna que nos leve ao exercício de integração, recorrendo, como foi o caso, à aplicação indevida de normas de carácter penal, vide o artigo 26º da Lei da Imprensa com a redacção dada pela Lei 15/95 de 25 de Maio;
4ª Desta forma, são elementos constitutivos deste tipo de responsabilidade civil: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que se devem verificar cumulativamente para que se constitua o dever de indemnizar;
5ª Ora, nos termos do artigo 487 do Código Civil, "é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão", o que a autora não logrou fazer, pelo que, não havendo lugar a responsabilidade objectiva neste campo, mas subjectiva ao invés, não foi imputado o facto ao recorrente, não se preenchendo um dos pressupostos da responsabilidade civil;
6ª Contudo, optou o tribunal pela aplicação do artigo 26º da referida Lei de imprensa, dirigida à responsabilidade criminal, por entender que esta constitui um maius em relação à responsabilidade civil, olvidando por completo o regime legal específico estabelecido no artigo 24º, por ser a única forma de se punir, tendo a douta Relação de Lisboa acrescentado que "a ratio dessa norma se prende com a necessidade de se evitar a fácil impunidade em matéria tão delicada como esta, ratio essa que, de igual modo, é relevante no âmbito do apuramento da responsabilidade civil";
7ª Mas, salvo o devido respeito, não é esse o entendimento correcto porque, ab initio o artigo 26º da supra citada lei encerrava em si uma inconstitucionalidade gritante, dado que se tratava de uma norma de carácter penal, contendo uma presunção legal de culpa que trazia a si adstrita um ónus da prova recaindo sobre o arguido/lesante, pelo que, à luz da Constituição da República Portuguesa, eram violados os princípios da culpa, da presunção de inocência e do in dubio pro reo, dado que em matéria penal não se presume a culpa do autor sob pena de se inverter toda a lógica do Estado de Direito democrático em que vivemos;

8ª Por ser aberrante o regime da anterior lei da imprensa, a nova Lei da Imprensa, estabelecida pela Lei nº 2/99 de 13 de Janeiro, em primeiro lugar manteve a separação e a concreta definição dos regimes da responsabilidade civil e criminal, vide artigos 29º para aquela e 30º e seguintes para a última, respectivamente; e, em segundo lugar, porque o legislador estava atento, eliminou a presunção de culpa e o correspondente ónus, pelo que o regime do artigo 31º e 39º não é só mais favorável ao recorrente, como restabeleceu a legalidade no âmbito deste regime específico da responsabilidade criminal;
9ª No caso concreto houve, pois, a violação dos artigos 24º, 25 e 26 do Decreto-Lei n. 85-C/75 de 26 de Fevereiro, bem como dos artigos 483º, 484º e 487º do Código Civil;
10ª É evidente que as necessidades de punição não são sinónimo de punição a todo o custo, nem de aplicação de normas incorrectas, quer por integração de lacunas inexistentes, quer por interpretações ab-rogantes de regimes específicos em vigor, e muito menos por aplicação à responsabilidade civil de normas penais inconstitucionais, que já foram felizmente revogadas, o que também nos vem informar que as necessidades de punição eram tão prementes na vigência da anterior Lei da Imprensa como o são na nova, mas que não podem conduzir a contradições de princípios do nosso ordenamento jurídico, pelo que, apontando para a unidade do mesmo, deveria aplicar-se o regime mais favorável. Isto é, se se segue in casu a tese do maius do regime penal sobre o civil, mais sentido fará a aplicação também dos princípios do direito penal, e não a chamada isolada de uma norma apenas com um intuito de condenação forçada. Por isso o princípio da aplicação da lei mais favorável e a sua invocação são uma consequência lógica do entendimento que vem sido seguido e ora recorrido, devendo por esse prisma ser aplicado o regime da nova Lei de Imprensa;

11ª O contrário implicaria a subversão do sistema jurídico, o afastamento total da ideia de um sistema cuja unidade deve ser procurada e atingida tanto quanto possível, dentro de um quadro de valores e princípios lógicos constitucionalmente consagrados, a fim de ser mantida a legalidade dos processos e a confiança dos cidadãos, quer no legislador quer no julgador;
12ª Para além da violação da lei substantiva, foi também violada a lei do processo, dado que se verificou uma contradição entre a matéria de facto provada, que cimentou a fundamentação, e a decisão, pois foi feita prova positiva no entender do tribunal de 1ª instância, que deu como provado que o interveniente não conhecia os escritos publicados quesito 47° versus 1° - o que afasta a presunção legal de culpa e conduz inexoravelmente à absolvição do interveniente E do pedido;
13ª Pelo exposto deveria a douta Relação de Lisboa ter alterado a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 712º, nº 1, al. a), do Código do Processo Civil, ou oficiosamente anulando a decisão da 1ª instância, com base no nº 4 do mesmo artigo, por evidente contradição quanto à matéria de facto em causa;
14ª Para além disso, também em matéria de quantum indemnizatório o acórdão recorrido merece reparo, já que aumentou o seu valor. Efectivamente, conforme facilmente se extrai da resposta aos quesitos, a lesada não logrou provar a totalidade dos factos em que baseou o seu pedido de indemnização por danos não patrimoniais. Logo, ao elevar a indemnização para aquele valor, o Tribunal da Relação de Lisboa mais não fez que violar o artigo 661º, nº 1, do Código do Processo Civil, que impede a condenação em quantidade superior ao que se pediu;
15ª E outro reparo se pode fazer em relação ao recorrente que foi condenado na igual medida dos outros réus. O que não deveria ter sido decidido já que, se foi aplicada uma norma penal, (embora ferida ab initio na sua legalidade intrínseca, onde é exactamente violado o princípio da culpa), então fazendo o necessário paralelismo (civil - penal) com a tese seguida pelos tribunais recorridos, estar-se-ia perante uma comparticipação e, nestes casos, "cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes", conforme obrigam o artigo 40º, nº 2, do Código Penal e do próprio artigo 29º do mesmo diploma legal que foram por isso violados".
A recorrida pugnou pela confirmação do julgado (cfr. fls. 657-663 e 665-669).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II
Factos provados:

"1. Nas edições de: 4 de Maio de 1996; 25 de Maio de 1996; 13 de Julho de 1996; 20 de Julho de 1996; 27 de Julho de 1996; 3 de Agosto de 1996; 17 de Agosto de 1996; e 14 de Setembro de 1996, no jornal "..." (2º Caderno), foram publicados textos e fotografias visando a autora;
2 Na edição de 4.5.96 afirma: "Baby-boom" O F ouviu dizer que A está de esperanças;
3. Na edição de 25.5.95 escreve-se: Vips Só não dei por A que, afinal, não está grávida;
4. E, ainda na mesma página dessa edição: Bébé "out" A não está grávida. Uma notícia feliz para G, que assim já não terá a preocupação de pensar numa substituta para "co-pivot" do programa "Crossfire";
5. Na edição de 13.7.96, nova referência:
Romances de Verão
Romances confirmados: G com A (in love no "Capote", Domingo à noite)...;
6. Na edição de 20.7.96, as referências continuam:
No banco
São assim as grandes paixões, não olham a horas nem lugares. A e G a viverem uma relação escaldante, optaram pelos ares frescos da Ericeira. Primeiro, num banco de jardim público, trocaram beijos e juras de amor. Depois seguiram para o melhor restaurante de peixe onde, entre olhares e petiscos, reconfirmaram as juras de um amor que até pode ser eterno.

7. Na edição de 27.7.96 desdobram-se as referências
Lua-de-Mel no Brasil
...Nos bastidores sabe-se que G e A partiram recentemente para o Brasil e diz quem viu que a viagem de avião decorreu em ambiente romântico;
8. E, ainda na mesma edição:
Apaixonados e nem de propósito. Que bem que estavam G e A, no avião da TAP, a caminho do Recife para umas "merecidas" férias brasileiras. Ela, apaixonada, dormia no ombro de G. Ele, feliz, a tentar esquecer os problemas da casa...;
9. E, mais abaixo:
H e I já trocaram umas impressões sobre a separação deste e de A. G que se cuide;
10. Na edição de 3.8.96, sob o título:
"I" já substitui A.
"I" já encontrou um substituto para A, que abandonou a sua casa civil, trocando-a pelo gabinete de G, o director da .... Segundo apurou a "...", I terá optado por uma personalidade da cultura a mesma que G chegou a ter assegurado para chefiar a sua própria casa civil e que, segundo fontes próximas, lhe poderá ser mais leal. O caso, que está a ganhar uma notoriedade crescente na chamada imprensa do coração, está já a agitar os meios políticos e a concentrar as atenções de Belém;
11. Na edição de 17.8.96, sob o título:
H despede "I".
Foi um simples anúncio no boletim "meios" da Associação de Imprensa Não Diária que faz parte do Universo H, que fez quebrar a relação entre os dois até agora íntimos colaboradores, que era de tal modo forte que até conseguiu sobreviver à transferência de A da chefia da Casa Civil de I para funções homólogas na Casa Civil de G, o braço direito de H para os audiovisuais e capataz da ....
O anúncio em causa é das Selecções do Reader's Digest e intitula-se «Momentos de Prazer».
...Mas O terá considerado, como confidenciaram fontes próximas do processo à «Gazeta», que o desenho dos pés em várias posições, especialmente a da cozinha (ver gravura), que sugere um relacionamento sexual a três;

12. Na edição de 31.8.96, sob o título:
Casinha
Antes de irem para o Arquiparque em Miraflores, à procura de casa para comprar, G e A tentaram outras alternativas.
Contactaram, por exemplo, a J para compra de apartamento em Nova Campolide, em Lisboa. Mas L garantiu-me que logo desistiram. É que o atraso na construção do empreendimento do grupo não acompanhava de forma alguma o ritmo de amor crescente e cada vez mais escaldante;
13. Na edição de 14.9.96, sob o título
EXPLOSIVO
G e A
Ninho de Amor em Nápoles
A e G foram vistos na segunda-feira, à hora de almoço, em Nápoles, alimentando rumores da imprensa cor-de-rosa sobre a existência de um ninho de amor secreto do casal, algures em Itália. Em Nápoles, .... não conseguiu localizar o ninho da paixão, mas confirmou a vontade firme do casal se manter longe dos mexericos dos colunistas do jet e das teleobjectivas dos «paparazzi». No início da semana, o par mais mediático da "rentrée" passou descontraído nos corredores do aeroporto de Nápoles, num sossego que nem os próprios esperavam, mesmo fora do país. A e G têm, de facto, optado por refugiar-se no exterior, fugindo assim da acidez de alguns comentários da imprensa cor-de-rosa sobre o evoluir do seu enlace. Desde que o romance entre ambos desabrochou, A e G já foram referenciados no Brasil e na Ericeira, entre outras paragens paradisíacas propícias ao alimentar de uma paixão sem fronteiras. Ainda assim, o simpático par, já eleito Casal do Ano entre os principais cronistas sociais, não tem logrado o sossego a que tanto ambiciona. Uma "troupe" de atentos "paparazzi" acompanha todos os movimentos do casal não lhe dando um minuto de descanso. E na incursão italiana de segunda-feira, o casal português só terá passado despercebido pelo facto do divórcio da princesa Stephanie, do Mónaco, ter obrigado à deslocação de alguns dos mais importantes «paparazzis», de Nápoles para o Principado.
Segundo apurou M, pelo menos seis caçadores de imagens furtivas aguardavam, na madrugada de Domingo para Segunda, a chegada a Nápoles de A e G. Em Itália, o casal parece ter finalmente conquistado paz propícia ao frutificar da sua forte ligação, que apesar de recentemente nascida não deixa de emocionar todo o público português. G e A vivem o sonho sonhado por muitos. Ele talentoso jornalista, brilhante condutor de tropas de informação, príncipe mais que perfeito da comunicação. A, a diva do debate político, uma mulher cheia de força, um potentado de análise. Amigos do casal revelaram à ... a hipótese de A e G terem filhos da sua relação está, para já, posta de parte. Um e outro querem manter-se em regime de atenção absoluta e rigorosamente absoluta, guardando para mais tarde a transformação do ninho de amor num lar mais alargado. A relação está solidificada depois dos problemas iniciais. Recorde-se que a relação entre o director e a jornalista da ... se iniciou numa altura em que G estava comprometido com outra pessoa e em que A mantinha ainda legalmente vivo o seu casamento com o administrador do «...» I;
14. E nessa mesma página
A, sozinha
antes de gozar os prazeres da Itália, já G e a sua eterna A tinham tomado uma importante decisão: A passará a apresentar sózinha o programa de debate político que a SIC vai ter na grelha, às terças-feiras. N ficou de fora. É o poder do amor;
15. O 1º e 2º réus insinuaram que a autora se servia do relacionamento amoroso com o Dr. G para ganhar maior estatuto como jornalista da televisão SIC, inclusive excluindo colegas de profissão, como é o caso do Dr. N;
16. Nenhuma dessas afirmações reproduzidas nas citadas edições do jornal propriedade da 3ª ré está assinada por alguém que se identifique como seu(s) autor(es);
17. A ficha técnica dessa edição revela que o Editor Principal e responsável pelo 2º caderno é o 2º réu;
18. A secção do jornal intitulado F vem inserida no 2º caderno;
19. E foi nela que os réus inseriram e divulgaram os citados textos em que a autora é visada;
20. O "F" surge num contexto de proliferação de colunas sociais e de programas televisivos cujos protagonistas são pessoas que exercem actividades de grande exposição pública;
21. O jornal "..." é uma publicação periódica registada na D.G.C.S.;
22. A 3ª ré, D, é a proprietária dessa publicação;
23. O Dr. I foi marido da autora, e no tempo dos citados artigos, encontravam-se separados de facto;
24. O Dr. I era e é administrador do ..., empresa que faz parte do grupo em que a SIC se insere;
25. O 1º e 2º réus e o interveniente são, respectivamente, o Director, Editor e o Chefe de Redacção e eram-no ao tempo das edições mencionadas na matéria de facto provada;
26. Cada um dos 1º e 2º réus e o interveniente não auferem menos de 500 contos/mês;
27. O 2º réu, na qualidade referida em 25., não só não se opôs à publicação dos textos e imagens mencionados em 2. a 14., como esteve de acordo com os mesmos e conheceu-os previamente. O 1º réu, na qualidade referida em 25., não só não se opôs à publicação dos textos e imagens mencionados apenas em 2., 3., 4., 5., 6., 13. e 14., como esteve de acordo com os mesmos e conheceu-os previamente;
28. O 1º réu, no período entre 27.7.96 e a primeira semana de Setembro de 1996, esteve no estrangeiro a cobrir os Jogos Olímpicos, entrando de seguida em férias;
29. Com todas estas afirmações, os réus quiseram visar e visaram a autora;
30. Foram impressos cerca de 40.000 exemplares de cada edição;
31. Com cada uma dessas edições e com todas no seu conjunto, os réus afirmaram e divulgaram factos pertinentes à intimidade da vida privada da autora;
32. Fizeram-no com o propósito de que o público leitor pusesse em causa a imagem positiva que tinha da autora;
33. O 1º e 2º réus, ao actuarem da forma descrita em 27., também tiveram o intuito de aumentar as vendas do jornal;
34. Pela sua sucessão no tempo, reiteração das referências, enquadramento com outros textos publicados nessas edições, os réus dirigiram uma autêntica campanha de imprensa visando a autora;
35. A autora jamais tornou pública a sua vida íntima;
36. A autora já se deixou fotografar com os filhos;
37. A divulgação da existência de uma relação amorosa entre a autora e o Dr. G - salpicada de referências a uma hipotética gravidez, a relações escaldantes que não olham a horas nem lugares, a trocarem beijos e juras de amor, a viagens em ambiente romântico, a dormir apaixonadamente no ombro de G, a ritmo de amor crescente e cada vez mais escaldante - causou sofrimento à autora;
38. O processo de divórcio por mútuo consentimento da autora foi instaurado em 27 de Setembro de 1996;
39. A autora é mãe de três filhos menores;
40. De entre eles, o filho mais velho, O, apercebeu-se de comentários que terceiros faziam sobre os textos e imagens mencionados de 2. a 14.;
41. O que determinou no filho O instabilidade emocional;
42. E agravou o sofrimento moral e a preocupação da autora;
43. A autora é reconhecida como profissional séria, empenhada e rigorosa;

44. O referido em 43. constitui para a autora um pressuposto indispensável para a manutenção da posição, social e profissional, que conquistou;
45. Os textos e imagens descritos de 2. a 14. causaram desprestígio profissional da autora e afectaram o bom conceito que dela tinha o público em geral;
46. Causando-lhe também sofrimento moral, angústia e preocupação;
47. E que a autora tenha pedido e continue a pedir a si própria um esforço agregador de energias para recobrar a sua intimidade e reafirmar o seu sentimento de honra perante si mesmo e os outros;
48. Toda a campanha feita contra a autora foi objecto de generalizada crítica por parte de outros órgãos de comunicação social;
49. E que foi objecto de repulsa feita por alguns dos mais prestigiados jornalistas portugueses".
III
1. A personalidade moral de uma pessoa, o seu bom nome e consideração social, são valores legalmente tutelados (artigos 70º e 484º do Código Civil), até mesmo com consagração constitucional nos artigos 25º e 26º do Diploma Fundamental (acórdãos do STJ de 24.2.99 e 27.5.99, Processos nºs 119/99 e 1112/98).
O direito ao bom nome e reputação "consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação" (Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª ed., pp. 180-181).
"A honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância... Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político" (Rabindranah Capelo de Sousa, "O Direito Geral da Personalidade", 1995, pp. 303-304).

Maria Paula G. Andrade, "Da ofensa do crédito e do bom nome", 1996, p. 97, diz ser a honra "bem da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso".

2. Estabelece o artigo 484º do Código Civil:
"Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados".
E responde, sublinhe-se, desde que se verifiquem os pressupostos definidos no artigo 483º.
Na verdade, a ofensa prevista no artigo 484º mais não é que um caso especial de facto antijurídico definido no artigo precedente que, por isso, se deve ter por subordinada ao princípio geral consignado nesse artigo 483º, não só quanto aos requisitos fundamentais da ilicitude, mas também relativamente à culpabilidade (cfr. acórdãos do STJ de 14.5.76, BMJ, nº 257-131, e de 17.10.2000, Proc. nº 372/00).
Ou seja, para além das duas disposições básicas de responsabilidade civil constantes do artigo 483º, o nosso legislador recebeu uma série de previsões particulares que concretizam ou complementam aquelas, entre elas, e desde logo, a do artigo 484º.
Assim, Mário Júlio de Almeida Costa, "Direito das Obrigações", 5ª ed., p. 453, após considerar que um dos casos especiais de ilicitude previstos no Código Civil é o da ofensa do crédito ou do bom nome, conclui que "parece indiferente ... que o facto afirmado ou difundido seja verdadeiro ou não. Apenas interessa que, dadas as circunstâncias concretas, se mostre susceptível de afectar o crédito ou a reputação da pessoa visada".
Também Menezes Cordeiro, "Direito das Obrigações", vol. II, p. 349, entende que a ofensa do crédito ou do bom nome está sujeita às regras gerais dos delitos, concluindo pela responsabilidade de quem, com dolo ou mera culpa, viola o direito ao bom nome e reputação de outrem, após o que afirma que "é indubitável que a divulgação de um facto verdadeiro pode, em certo contexto, atentar contra o bom nome e a reputação de uma pessoa. Por outro lado, a divulgação de um facto falso atentatório pode não constituir um delito - por carência, por exemplo, de elemento voluntário. Por isso, a solução deve resultar do funcionamento global das regras da imputação delitual".
Segundo Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª ed., p. 567, além das duas grandes directrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º, o Código trata de modo especial alguns casos de factos antijurídicos, o primeiro dos quais é o da afirmação ou divulgação de factos capazes de prejudicarem o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa (artigo 484º).
Autor que prossegue (ob. cit., pp. 567-568), dizendo que "pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro - contanto que seja susceptível, ponderadas circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade" (1).
3. Dispõe o artigo 483º do Código Civil:
"Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Como pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, costumam ser apontados o facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente, o qual, podendo ser uma omissão, consiste, em regra, num facto positivo que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto, bastando, para fundamentar a responsabilidade civil, a possibilidade de controlar o acto (ou omissão), não sendo necessária uma conduta predeterminada, orientada para certo fim (Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª ed., 1996, pp. 545-548).
O segundo pressuposto é a ilicitude, cujo conceito o Código vigente procurou fixar em termos precisos, descrevendo concretamente as duas variantes fundamentais, através das quais se pode revelar o carácter antijurídico ou ilícito: a violação de um direito de outrem (em que se compreendem os chamados direitos de personalidade) e a violação da lei que protege interesses alheios.

O facto ilícito é o comportamento de uma pessoa, por acção ou omissão, controlável pela vontade, consubstanciado na violação de um direito de outrem, designadamente qualquer direito absoluto, em que se incluem os direitos de personalidade (Pires de Lima e Antunes Varela, "CC Anotado", vol. I, 1987, pp. 471-472).
Em terceiro lugar, exige-se um nexo de imputação do facto ao lesante - a culpa, que "pode ser definida como um comportamento reprovado por lei. A lei reprova o comportamento contrário ao cumprimento da obrigação, quando ele é devido à falta de diligência ou a dolo do devedor. Quer dizer, não se atende apenas ao comportamento externo do devedor, mas também à sua conduta interna. Saber quando procedeu o devedor diligentemente, é saber quando tomou o devedor as medidas que devia tomar. Ora, este problema não pode receber uma solução uniforme para as várias obrigações possíveis, pois, conforme os casos, pode o devedor estar obrigado a maior ou menor diligência, a praticar mais ou menos actos, a abster-se mais ou menos da prática deles" (Vaz Serra, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", vol. II, 4ª ed., 1997, p. 53).
Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do devedor ser pessoalmente censurável ou reprovável - e o juízo de censura ou de reprovação da conduta do devedor só se pode apoiar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo (Antunes Varela, ob. cit., vol. II, 7ª ed., 1997, p. 97).
A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, podendo revestir duas formas distintas: o dolo e a negligência ou mera culpa, configurando-se aquele como a modalidade mais grave da culpa.
No dolo cabem, em primeira linha, os casos em que o agente quis directamente realizar o facto ilícito - são os casos de dolo directo em que o agente representa ou prefigura no seu espírito determinado efeito da sua conduta e quer esse efeito como fim da sua acção, apesar de conhecer a ilicitude dele.
Ao lado destes casos, outros devem ser ainda incluídos no conceito de dolo, por suscitarem igual juízo de reprovação no plano do direito. São aqueles em que, não querendo directamente o facto ilícito, o agente todavia o previu como consequência necessária, segura, da sua conduta - o efeito ilícito e o resultado querido estavam indissoluvelmente ligados, o agente conhecia esse nexo de causalidade, e nem por isso deixou de agir.
Além do dolo directo e dolo necessário, há ainda aqueles casos em que o agente previu a produção do facto ilícito, não como uma consequência necessária da sua conduta, mas como um efeito apenas possível ou eventual: haverá dolo, eventual, sempre que o agente, ao actuar, não confiou em que o tal efeito possível se não verificaria, e haverá mera negligência (consciente) quando o agente tenha actuado só porque (infundadamente, embora) confiou em que o resultado não se produziria (Antunes Varela, ob. cit., vol. I, 9ª ed., 1996, p. 592, Autor que temos vindo a acompanhar).
Um outro pressuposto é o dano, patrimonial ou não patrimonial, sem o qual não há obrigação de indemnizar, não existe responsabilidade civil.
"Para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a outrem" (Antunes Varela, ob. cit., vol. I, p. 619) - ele é não só pressuposto indispensável do nascimento da obrigação de ressarcir o credor, mas também o parâmetro da indemnização (Mota Pinto, "Direito Civil", 1980, p. 159).
Por último, exige-se ainda o necessário nexo de causalidade (adequada) entre o facto e o dano - nem todos os danos sobrevindos ao fato ilícito são incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os resultantes do facto, os causados por ele.
Para que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o facto tenha actuado como condição do dano, não bastando, porém, a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano, sendo ainda preciso que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada desse dano (artigo 563º do CC, e Antunes Varela, ob. cit., vol. I, pp. 929-930).
IV
O excurso teórico que antecede terá trazido, assim esperamos, alguma luz à temática geral que o presente recurso convoca, permitindo-nos proceder, de seguida, a uma análise mais sucinta e circunscrita das questões especificamente suscitadas por cada um dos recorrentes.
O que se passa a fazer.

Do recurso do réu C
Recorde-se que o acórdão recorrido arrancou e fez repousar a responsabilidade do ora recorrente na sua qualidade de editor principal e responsável pelo 2º caderno, que incluía a secção do Jornal intitulado "F", na qual foram inseridos e divulgados os textos em causa - qualidade que detinha ao tempo das edições mencionadas na matéria de facto provada.
Face às conclusões do recurso de apelação (cfr. fls. 494-495), o acórdão recorrido entendeu que nelas era posta como única questão decidenda a de saber se estavam, ou não, preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil - questão a que foi dada resposta afirmativa, concluindo-se que o recorrente teve uma conduta voluntária, ilícita, dolosa, e causadora de danos.
E, bem vistas as coisas, não custa reconhecer que, afinal, tudo se reconduz e resume à questão assim equacionada (salvo, no que concerne à aplicação do disposto no artigo 26º da Lei de Imprensa - DL nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro (2) - e à questão do montante indemnizatório).

Vejamos então.
1. Embora a propósito do recurso do interveniente Adriano, que não do recorrente C, o acórdão recorrido ponderou:
"Não obstante o citado artigo 26º se refira expressamente á responsabilidade criminal, é de aplicar em sede de responsabilidade civil, sendo que aquela é um maius em relação a esta - como se diz na douta sentença recorrida. Acresce que a ratio dessa norma se prende com a necessidade de se evitar a fácil impunidade em matéria tão delicada como esta, ratio essa que, de igual modo, é relevante no âmbito do apuramento da responsabilidade civil" (fls. 602-603).
Entende o recorrente que o tribunal não podia aplicar ao caso em apreço o disposto no referido artigo 26º da Lei de Imprensa, norma que regula a responsabilidade criminal.
Vejamos.
O Capítulo III da Lei de Imprensa, compreendendo os artigos 24º a 35º, regula as "formas de responsabilidade", começando precisamente pela responsabilidade civil (artigo 24º), dedicando o artigo 26º (após o artigo 25º definir o que são "crimes de abuso de liberdade de imprensa) à "responsabilidade criminal".
Como assim, propendemos a pensar (ao menos numa primeira abordagem da temática, sendo que uma indagação mais aprofundada se nos afigura dispensável, face ao que de seguida irá dizer-se) que, na verdade, a norma ora em causa rege, especificamente, apenas para a responsabilidade criminal, definindo quem são os responsáveis para efeitos desse tipo de responsabilidade.
Não obstante, entendemos que o recorrente não pode deixar de ser considerado civilmente responsável.

2. Dispõe o nº 1 do artigo 24º da Lei de Imprensa:
"Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observar-se-ão os princípios gerais".
Por força desta remissão há, pois, que observar os princípios gerais.
Por isso que se compreenda, agora, melhor a razão do excurso que antes efectuamos acerca dos pressupostos da responsabilidade civil, com a consequente legitimidade do recurso aos subsídios adrede desenvolvidos.
2.1. Pressupostos que, no caso, temos como verificados, face ao quadro factual dado como assente, de que ora importa recortar os que seguem:
- nenhuma das afirmações reproduzidas nas edições do jornal está assinada por alguém que se identifique como seu(s) autor(es) (nº 16);
- o 1º e 2º réus e o interveniente são, respectivamente, o director, editor e o chefe de redacção e eram-no ao tempo das edições mencionadas na matéria de facto provada (nº 25);
- o 2º réu, na qualidade referida em 25., não só não se opôs à publicação dos textos e imagens mencionados em 2. a 14., como esteve de acordo com os mesmos e conheceu-os previamente (nº 27);
- com todas estas afirmações, os réus quiseram visar e visaram a autora (nº 29);
- com cada uma dessas edições e com todas no seu conjunto, os réus afirmaram e divulgaram factos pertinentes à intimidade da vida privada da autora (nº 31);
- fizeram-no com o propósito de que o público leitor pusesse em causa a imagem positiva que tinha da autora (nº 32).

2.2. Perante quadro tão impressivo, não colhe dizer-se que a autora não cumpriu o ónus a prova que sobre ela impende - embora, como é sabido, caiba ao credor a prova do facto ilícito, bem assim do dano e respectivo nexo causal, como factos constitutivos do direito à indemnização - artigo 342º, nº 1, do CC (acórdão do Supremo de 24.9.96, Proc. nº 312/96).
Como também não vale argumentar dizendo que o editor está sujeito ao poder de direcção do director, pois que uma tal exoneração de responsabilidade só poderia ocorrer se ele tivesse alegado e provado que agiu em cumprimento de uma ordem desse superior hierárquico.
Acresce que, diz a recorrida, "o director é coadjuvado, no exercício das suas funções, pelo editor, a quem incumbe na orgânica interna dum jornal, juntamente com o director, determinar a orientação, superintendência e o conteúdo do periódico".
E também se não diga que não se verifica a responsabilização do editor, porque não prevista no referido artigo 24º, em relação aos escritos não assinados.
É certo que o seu nº 2 apenas se refere a escritos assinados.
Atente-se, porém, que nem o nº 1 nem o nº 2 contêm referência alguma à responsabilidade do editor - seja pelos escritos assinados, seja pelos não assinados.
Donde, não poder concluir-se que daquele nº 2 resulta a exclusão da responsabilidade do editor pelos escritos não assinados.

Há, sim, que chamar a terreiro o seu nº 1, que opera uma remissão global para os princípios gerais.
Ora, como vimos, provado ficou que o editor, nesta qualidade e como responsável pelo 2º caderno, não só não se opôs à publicação dos textos e imagens, como esteve de acordo com os mesmos e conheceu-os previamente, querendo visar a autora, afirmando e divulgando factos pertinentes à intimidade da sua vida privada, com o propósito de que o público leitor pusesse em causa a imagem positiva que dela tinha.
Face ao exposto, entendemos que o recorrente actuou de forma ilícita e dolosa (dolo directo, em nossa opinião), improcedendo, em consequência, as respectivas conclusões.
3. Diz o recorrente que, tendo o acórdão recorrido consagrado como provados os factos qualificados como tal pela sentença, nem mais nem menos, não poderia ele ter condenado em valor superior ao quantum indemnizatório fixado por aquela (conclusão 7ª).
Como assim? Pretende-se que a Relação, ainda que perante o mesmo quadro factual, não pode arbitrar uma indemnização superior à fixada em 1ª instância?
Interrogação que também vale no que concerne ao Supremo Tribunal de Justiça, com a "agravante" de que essa impossibilidade seria, então, a situação normal, dado que, em princípio, o Supremo tem que acatar a decisão da matéria de facto fixada pelas instâncias.
Não faz, assim, qualquer sentido a aludida pretensão (sem prejuízo do que a seu tempo se decidirá acerca do montante a arbitrar a título de danos não patrimoniais).
Improcede a conclusão 7ª.
V
Do recurso do interveniente E
São quatro as questões suscitadas:
- aplicação do artigo 26º da Lei de Imprensa;
- alteração ou anulação da decisão sobre a matéria de facto (artigo 712º, nº 1, alínea a), e nº 4), dada a contradição entre a matéria de facto provada e a decisão;
- quantum indemnizatório;
- medida da condenação do recorrente.
Apreciemo-las por esta ordem - de forma sucinta.
1ª questão
Embora numa primeira aproximação nos pareça estarmos perante uma disposição - a do artigo 26º - vocacionada, apenas, para definição da responsabilidade criminal (3) , uma tomada de posição sobre a questão revela-se, em rigor, dispensável.
Pela razão de que, em nosso entender, ao caso em apreço são aplicáveis as disposições gerais do Código Civil, das quais resulta, a nosso ver com segurança, que ao ora recorrente não pode deixar de ser assacada responsabilidade civil, verificados que estão todos os pressupostos que a lei postula e exige.

Senão vejamos.
1. Ao director compete "a orientação, superintendência e determinação do conteúdo do periódico", "a presidência do conselho de redacção" e "a designação do chefe de redacção" (artigo 19º, alíneas a), b) e c)).
Estas competências que a lei comete ao director, em especial a que se reporta à determinação do conteúdo do periódico, significam, também e do mesmo passo, que lhe impõem um dever de conhecimento antecipado das matérias a publicar e que hão-de constituir o conteúdo do periódico, em ordem a poder impedir a divulgação daquelas susceptíveis de gerar responsabilidade, civil ou criminal (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional nº 270/87, de 10.7.87, BMJ, nº 369-250, da RL de 25.7.84, CJ, ano IX, tomo 4-138; José Manuel Valentim Peixe e Paulo Silva Fernandes, "A Lei de Imprensa", 1997, p. 201).
Portanto, um dever especial de obstar à publicação de escritos ou imagens que possam integrar um tipo legal de crime ou constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil.
Ora, em caso de impedimento o director "será substituído pelo director-adjunto, subdirector ou chefe de redacção" (nº 3 do artigo 20º).
E ao Conselho de Redacção compete "cooperar com o director e director-adjunto ou subdirector, se os houver, na definição das linhas de orientação do periódico", "pronunciar-se, com voto deliberativo, sobre todos os sectores da vida e da orgânica do jornal que digam respeito ou de qualquer forma se relacionem com o exercício da actividade profissional dos jornalistas..." (alíneas b) e c) do artigo 22º).
2. Aqui chegados, importa recordar que o ora recorrente era chefe de redacção ao tempo das edições mencionadas na matéria de facto provada (nº 25.).
E nas edições de 27.7.96, 3.8.96, 17.8.96 e 31.8.96 - em que foram publicados os escritos de 7. a 12. - provado ficou que era ele o substituto legal do director, face ao impedimento deste, por ausência (no período referido no nº 28. da matéria de facto).

Ora, se naquela (mera) qualidade de chefe redacção sempre (e também) haveria que atender às competências do Conselho de Redacção (cfr. artigo 22º), daí extraindo as devidas consequências, já no que concerne ao período de impedimento do director a situação era diversa - ele era, por imposição legal, o seu substituto.
Donde, a conclusão de sobre ele, recorrente, impenderem, então, aqueles especiais deveres de conhecimento das matérias a publicar e de impedimento de divulgação daquelas susceptíveis de determinar e acarretar responsabilidade.
Deveres que não cumpriu.
A sua conduta revela-se, assim, ilícita e culposa, geradora de responsabilidade civil (sem necessidade, portanto, de fazer apelo à presunção estabelecida no nº 3 do artigo 26º (4) , como fizeram as instâncias).
E, como se sabe, a lei (artigo 483º) basta-se com a (mera culpa) (5).
- tratar-se de dolo ou mera culpa apenas releva para a graduação da indemnização.
Sendo que, no caso em apreço, não custa aceitar a existência de dolo, na modalidade de dolo necessário - reconhecendo, para tanto, que o recorrente não podia deixar de ter previsto o facto ilícito como consequência necessária da sua conduta, de tal modo o resultado se apresentava intrínseca e indissoluvelmente ligado ao resultado.
Ou, pelo menos, dolo eventual: conhecendo o recorrente, como era seu especial dever, tais escritos e imagens, tinha também o dever de ter impedido a sua divulgação - ao não o fazer, apesar de ter previsto a produção do facto ilícito como efeito possível ou eventual dessa sua conduta, conformou-se com ele, aceitando-o.

2ª questão
Diz o recorrente que se verificou uma contradição entre a matéria de facto provada e a decisão, pois a 1ª instância "deu como provado que o interveniente não conhecia os escritos publicados - quesito 47º versus 1º" (conclusão 12ª).
Perante essa contradição, acrescenta, a Relação deveria ter alterado a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC, ou anulado a decisão com base no nº 4 do mesmo artigo (conclusão 13ª).
De todo lhe falece razão.
Desde logo, estranha-se que só agora o recorrente se dê conta da pretendida contradição, que não suscitou perante a Relação (cfr. fls. 484-486).
O que também legitimaria se questionasse se estaríamos, ou não, perante questão nova, cujo conhecimento seria vedado a este Supremo Tribunal.
Depois, tal pretensão significa que se está a ignorar a competência do Supremo Tribunal de Justiça em sede de fixação de matéria de facto.
Na verdade, entende-se que o conhecimento da deficiência, obscuridade ou contradição das respostas aos quesitos representa uma questão que está fora dos seus poderes de cognição, não podendo o Supremo censurar a decisão da Relação que não anulou as respostas aos quesitos com algum daqueles fundamentos (cfr., entre muitos outros, os acórdãos de 4.2.97, Proc. nº 712/96, de 23.9.99, Proc. nº 397/99, e de 21.03.2000, Proc. nº 65/2000).
Finalmente, e como quer que seja, porque não se verifica a apontada contradição.
O recorrente convoca, a propósito, os quesitos 1º - "provado", nos termos que foram vertidos no nº 27. da matéria de facto - e 47º, que teve a resposta de não provado, resposta negativa que deriva "designadamente da prova positiva feita em sentido oposto" (47º versus 1º - cfr. fls. 412 e 416).
Mas não tem razão.
De contradição só pode falar-se em relação a factos provados.
Ou seja, não pode haver uma contradição relevante entre uma resposta de provado e outra de não provado, pois desta nenhum facto resulta - tal resposta significa que nada se sabe sobre esse ponto, e não que esteja provado o contrário (cfr. acórdãos do STJ de 02.02.2000, Proc. nº 1016/99, de 24.01.02, Proc. nº 3552/01, e de 08.03.2001, Proc. nº 3935/00 (6).
Ademais, sempre haveria que ter presente que as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente, implicando necessidade de derrogar, no todo ou em parte, alguma delas ou ambas.
O que também não seria o caso.
Improcedem as conclusões 12ª e 13ª.

3ª questão
No entender do recorrente, porque "a lesada não logrou provar a totalidade dos factos em que baseou o seu pedido de indemnização por danos não patrimoniais", estava vedado ao acórdão elevar o valor fixado na 1ª instância, sob pena de violar o disposto no artigo 661º, nº 1, do CPC. (conclusão 14ª).
1. Face à situação que se nos depara, confessa-se que se não compreende, nomeadamente, a invocação do citado preceito, que proíbe se condene em quantidade superior do que se pedir.
É que a autora pediu que os réus fossem condenados a pagar-lhe, para além de uma indemnização a título de danos patrimoniais, "uma compensação em dinheiro não inferior a 10.000.000$00, por danos não patrimoniais já verificados e os futuros e previsíveis, sem prejuízo da posterior alteração ampliadora do pedido".
Como assim, uma eventual ofensa do citado nº 1 do artigo 661º não pode, sequer, ser equacionada - quanto mais, afirmada.

2. A sentença de 1ª instância quantificou os danos não patrimoniais em 4.000.000$00.
O acórdão recorrido entendeu elevar esse montante para 10.000.000$00.
Vejamos com detalhe quanto baste.
2.1. O artigo 496º, nº 1, do Código Civil limita a reparabilidade dos danos não patrimoniais àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo o montante da indemnização ser fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494º: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
O montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª ed., p. 627, nota (4); cfr. acórdãos do STJ de 25.11.93, CJ, ano I, tomo 3-143, de 5.11.98 e de 12.12.2000, Processos nº 975/98 e nº 3164/2000, respectivamente).
"Nos crimes contra a honra, para a reparação do dano não patrimonial, haverá que considerar a natureza, a gravidade e o reflexo social da ofensa em função do grau de difusão do escrito, do sofrimento do ofendido e da sua situação social e política" (Nuno de Sousa, "A Liberdade de Imprensa", Coimbra, 1984, pp. 269-270).
No caso vertente interessa ainda ponderar que a divulgação teve lugar através da imprensa, que tem como destinatário um universo mais ou menos indeterminado de pessoas, meio de difusão com uma particular aptidão potenciadora do dano - "seja pelo elevado número de pessoas que tiveram acesso à notícia, seja pela activação da engrenagem social que em consequência da notícia se produz (retransmitindo-a, ampliando-a, deformando-a), seja pelo grau de credibilidade que o acontecimento impresso tem no público" (João Luís de Moraes Rocha, "Lei de Imprensa", 1996, p. 100).
2.2. Posto o que, interessa recortar alguns dos pontos mais significativos:
- dolo, directo, do recorrente C, e necessário (ou eventual) do recorrente E;
- recorrentes que não auferem menos de 500 contos/mês;
- foram impressos cerca de 40.000 exemplares de cada edição;
- pela sua sucessão no tempo, reiteração das referências, enquadramento com outros textos publicados nessas edições, os réus dirigiram uma autêntica campanha de imprensa visando a autora, a quem causaram sofrimento;
- a autora é mãe de três filhos menores, o mais velho dos quais se apercebeu de comentários que terceiros faziam sobre os textos e imagens mencionados de 2. a 14., o que lhe determinou instabilidade emocional, agravando o sofrimento moral e a preocupação da autora;
- a autora é reconhecida como profissional séria, empenhada e rigorosa e os textos e imagens descritos de 2. a 14. causaram-lhe desprestígio profissional e afectaram o bom conceito que dela tinha o público em geral;
- causaram-lhe, também, sofrimento moral, angústia e preocupação;
- as edições em que foram publicados os textos e fotografias tiveram lugar entre 4 de Maio de 1996 e 14 de Setembro de 1996;
- o processo de divórcio por mútuo consentimento da autora foi instaurado em 27 de Setembro de 1996.

2.3. Na busca da solução mais ajustada às circunstâncias, importa agora concluir sobre o valor pecuniário que se considera justo para, no caso concreto, compensar a lesada pelos danos não patrimoniais que sofreu - tendo sempre presente e atentando, com bom senso e prudência, nas especificidades do circunstancialismo que concorre na situação sub judice e que fazem dela uma situação única e diferente.
Ora, conjugando o descrito quadro factual com os elementos doutrinais e jurisprudenciais antes recenseados, tudo sopesando e valorando com o equilíbrio e ponderação que se exige, entendemos como mais justa, criteriosa e adequada às circunstâncias do caso a quantia de 7.000.000$00, ou seja, 34.915,85 Euros (sobre a qual incidem, recorde-se, juros de mora desde a citação, conforme decidiu a 1ª instância e o acórdão confirmou) para ressarcir os danos não patrimoniais sofridos pela autora.

4ª questão
Insurge-se o recorrente contra a sua condenação em "igual medida dos outros réus", "o que não deveria ter sido decidido, já que, se foi aplicada uma norma penal, ..., estar-se-ia perante uma comparticipação e, nestes casos, cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes" (conclusão 15ª).
Tendo nós entendido que, no caso, não é aplicável a "norma penal" (artigo 26º da Lei de Imprensa), prejudicada fica, em rigor, a apreciação desta questão - que, de algum modo, não deixa de traduzir uma contradição na tese do recorrente, que defendeu a não aplicação da norma ... penal!
Seja como for, decisivo é que o artigo 497º do Código Civil estabelece a responsabilidade solidária se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos.
É o que se verifica, por exemplo, no caso de participação de vários no facto ilícito (Mário de Brito, "CC Anotado", vol. II, 1969, p. 193; cfr., também, os acórdãos do STJ de 5.3.96, CJ, ano 1996, tomo I-122, e de 23.9.99, Proc. nº 631/99).
Como aqui sucede.
Improcede a conclusão 15ª.

Termos em que, pelos fundamentos expostos, e na parcial procedência das revistas, se fixa em 7.000.000$00 (sete milhões de escudos), a que correspondem 34.915,85 Euros (trinta e quatro mil novecentos e quinze Euros e oitenta e cinco cêntimos), a quantia a atribuir à autora a título de danos não patrimoniais, mantendo-se o mais decidido no acórdão recorrido.
Custas na proporção.
Lisboa, 14 de Maio de 2002
Ferreira Ramos,
Lemos Triunfante,
Pinto Monteiro.
------------------------------------
(1) No mesmo sentido, Mário de Brito, "CC Anotado", 1969, vol. II, p. 165.
(2) Diploma alterado pelos DL nº 181/76, de 9 de Março, e nº 377/88, de 24 de Outubro, e pela Lei nº 15/85, de 25 de Maio.
(3) Como dissemos no nº 4 do antecedente ponto IV.
(4) Presunção de "autoria" dos escritos, que não de culpa - assim nos parece, ao invés do que decorre das alegações do recorrente.
(5) Refira-se que, face à dificuldade de se conseguir a responsabilização em juízo das empresas de comunicação social, há quem reflicta, de jure constituendo, sobre uma eventual responsabilidade objectiva neste domínio (veja-se José Miguel Júdice, "Por uma Responsabilidade Objectiva", Seminário sobre os "Direitos da Pessoa e a Comunicação Social", Fundação Calouste Gulbenkian, Janeiro/1995).
(6) Por isso que não possa dizer-se, como faz o recorrente na conclusão 12ª, que a 1ª instância "deu como provado que o interveniente não conhecia os escritos publicados".