Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1164/07.8TTPRT.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CASO JULGADO PENAL
DECISÃO CONDENATÓRIA
PRESCRIÇÃO
DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. A decisão penal condenatória, transitada em julgado, no respeitante ao autor e à ré, que intervieram na acção penal, na qualidade, respectivamente, de arguido e de assistente, tem eficácia absoluta no tocante aos factos constitutivos da infracção, que não poderão, assim, voltar a ser discutidos dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos definitivos quanto ao arguido.

2. A possibilidade de ilidir a presunção juris tantum estabelecida no artigo 674.º-A do Código de Processo Civil, conferida a terceiros, nunca é concedida ao arguido condenado, mas apenas aos sujeitos processuais não intervenientes no processo criminal, em homenagem ao princípio do contraditório.

3. Provando-se que a falsificação da escrita, a viciação e destruição de documentos, ainda estava em curso quando, em Abril de 1992, se iniciou a auditoria promovida pela empregadora, que antecedeu a instauração do processo disciplinar, em 25 de Maio de 1992, não se verifica a invocada prescrição das infracções disciplinares.

4. A factualidade apurada traduz uma violação continuada dos deveres de lealdade e de realização do trabalho com zelo e diligência, legitimando a conclusão de que tal conduta é idónea a quebrar de forma definitiva e irremediável a relação de confiança entre as partes, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 30 de Outubro de 1992, no Tribunal do Trabalho do Porto, AA instaurou acção declarativa, com processo comum ordinário, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, pedindo que fosse declarado ilícito o seu despedimento e se condenasse a ré a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento até à data da sentença, bem como a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e, ainda, a pagar-lhe a quantia de 356.400$00, acrescidas, esta e aquelas, dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento.

Em suma, alegou que foi admitido ao serviço da ré, em 20 de Novembro de 1948, para exercer as funções de paquete da secretaria, e após sucessivas promoções assumiu, em 1980, o cargo de administrador da ré, sendo que, em 21 de Abril de 1992, recebeu ordem de suspensão preventiva e, posteriormente, foi despedido sem justa causa, reputando de falsas todas as imputações constantes na nota de culpa.

A ré contestou, invocando que, por suspeita de irregularidades nas contas referentes ao exercício de 1989, decidiu mandar efectivar uma auditoria e, na sequência da mesma, despediu o autor com justa causa; mais aduziu que pagou, ao autor, a retribuição da totalidade das férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e 13.º mês relativos ao trabalho prestado até à data do despedimento.

Procedeu-se à elaboração de especificação e questionário, que foram objecto de reclamação, parcialmente atendida, sendo que, por despacho de 20 de Janeiro de 1998, foi suspensa a instância até ser proferida decisão no processo-crime instaurado contra o autor, por respeitar, essencialmente, aos mesmos factos da nota de culpa.

Em 20 de Junho de 2007, após ter sido documentado o trânsito em julgado do acórdão condenatório do autor, proferido no processo n.º 9762/92.6JAPRT, da 4.ª Vara Criminal do Porto, foi declarada a cessação daquela suspensão, ordenando-se a prossecução da tramitação processual atinente aos presentes autos.

Em sede de audiência de discussão e julgamento, o Ex.mo Juiz, ponderando o valor probatório da certidão do acórdão condenatório do autor, decidiu, sem oposição das partes, introduzir uma nova alínea à especificação, a alínea L), aí consignando os factos julgados assentes no citado processo penal, tendo simultaneamente ordenando a eliminação dos quesitos n.os 5 a 59, inclusive, do questionário.

Na mencionada decisão foram explicitadas as considerações seguintes:

«Conforme resulta da certidão de fls. 788 a 817, por decisão judicial transitada em julgado, proferida no Processo [n.º] 9762/92.6JAPRT da 4.ª Vara Criminal do Porto, em que era arguido o aqui autor (e outro) e assistente a aqui ré, o ora Autor foi condenado em pena de prisão pela prática dos factos aí enunciados, que aqui se dão por reproduzidos.
Por outro lado, não obstante a lei processual penal em vigor não regule concretamente o caso julgado, tal não significa que tal instituto não seja considerado e relevante em processo penal (v. Ac. STJ de 15/03/2006, in www.dgsi.pt).
Acresce que, apesar de se ter retirado à decisão penal condenatória a eficácia erga omnes que era consagrada no art. 153.º do Código Processo Penal de 1929, o art. 674.º-A do Código de Processo Civil, na reforma introduzida pelo D.L. 329-A/95, de 12/12, veio regular a eficácia probatória extraprocessual da sentença penal condenatória transitada em julgado.
Assim, face ao disposto em tal normativo, a condenação definitiva proferida em processo penal constitui relativamente a terceiros presunção ilidível no que concerne à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, as formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.
Consequentemente, relativamente àqueles que intervieram no processo penal, (designadamente arguido e assistente), a decisão tem eficácia absoluta quanto aos factos constitutivos da infracção e a culpa, que não poderão assim voltar a ser discutidos dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos e da culpa sempre definitivos quanto ao arguido (v., neste sentido, Ac. Relação de Coimbra de 28/11/2006, Ac. Relação de Évora de 29/04/2004, Ac. S.T.J. de 09/12/2004 e Ac. S.T.J. de 13/11/2003, todos in www.dgsi.pt).
Assim, os factos constitutivos da infracção e os relativos à culpa do arguido, aqui autor, não poderão ser objecto de novo julgamento, devendo ser atendidos como factos provados nos termos decididos na sentença penal, não podendo, por isso, constar do questionário (v., neste sentido, o Ac. do S.T.J., de 09/12/2004, citado).
Em conformidade com todo o exposto, e melhor agora analisada a questão relativa à relevância da sentença penal condenatória em concreto junta aos autos, importa introduzir uma nova alínea na especificação, contendo os factos considerados provados naquela decisão, e eliminar os quesitos do Questionário respeitantes à mesma questão já julgada.»

Ainda na mesma audiência de discussão e julgamento, as partes transigiram parcialmente quanto ao objecto da causa, concretamente no que dizia respeito ao pedido de pagamento da quantia de 365.400$00, transacção que foi julgada válida, determinando-se a extinção da instância no tocante àquele pedido.

Após o julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré dos restantes pedidos formulados pelo autor.

2. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto negado provimento ao recurso, sendo contra esta decisão que o autor se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as seguintes conclusões:

«1. Dispunha o art. 12.º, n.º 4, do DL 64-A/89, que “Na acção de impugnação judicial do despedimento, a entidade empregadora apenas pode invocar factos constantes da decisão (...)” proferida no processo disciplinar.
2. E dispunha o art. 10.º, n.º 9, do mesmo diploma, que na decisão disciplinar apenas poderiam ser considerados os factos constantes da nota de culpa.
3. O alcance daquelas determinações legais limita igualmente a decisão judicial, ou seja, que o Tribunal apenas pode atender na sentença aos factos que constem da nota de culpa e/ou da decisão disciplinar.
4. Ainda como corolário das regras supra mencionadas, mas não só, não poderia nem pode uma eventual condenação em processo-crime condicionar ou influenciar uma decisão em processo laboral, sendo ainda pacífica a inexistência entre ambas as acções de qualquer relação de prejudicialidade.
5. Relativamente a práticas imputadas ao recorrente, o Tribunal de primeira instância considerou provado apenas o seguinte: “Por sentença transitada em julgado proferida no Processo n.º 9762/92.6JAPRT da 4.ª Vara Criminal do Porto, conforme certidão de fls. 788 a 817, em que eram arguidos o aqui Autor e CC e assistente a aqui Ré, o aqui Autor foi condenado em pena de prisão, pela prática de um crime de abuso de confiança agravado previsto e punido pelo art. 300.º, n.os 1 e 2, do Código Penal de 1982, pelos seguintes factos que aí foram julgados provados (...)”, tendo em seguida transcrito os factos julgados provados no referido processo-crime.
6. Em primeira instância, a única prova produzida no processo laboral relativamente a essa matéria foi precisamente a junção aos autos da sentença proferida no processo-crime, o que, tendo em conta o facto de inexistir entre a acção penal e a acção laboral qualquer relação de prejudicialidade, foi manifestamente inadequado.
7. Ao considerar a prolação da sentença no processo-crime para efeitos de avaliação da ilicitude do despedimento no presente processo, alicerçara-se o Tribunal de primeira instância num facto que não constava da acusação e/ou da decisão disciplinares, em clara inobservância do disposto no art. 12.º, n.º 4, do DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
8. O Tribunal da Relação tentou emendar a falha atrás identificada aditando à decisão de facto da primeira instância, sob o n.º 12, um novo facto provado, o qual foi o seguinte: “A decisão de despedimento, referida sob o n.º 9, invocou, para tanto, os seguintes factos: (...)”, tendo em seguida transcrito os factos constantes da decisão no âmbito do processo disciplinar.
9. Ora, com todo o respeito, trata-se de matéria que é em primeiro lugar insusceptível de consubstanciar qualquer facto e que, em qualquer circunstância, enferma das mesmas insuficiências e irregularidades imputadas anteriormente ao expediente observado pelo tribunal de primeira instância.
10. Com efeito, o Tribunal da Relação veio redundar em erro idêntico ao anteriormente protagonizado pela primeira instância, considerando na sua decisão, para efeitos de avaliação da ilicitude do despedimento, mais um facto que não constava da acusação e da decisão disciplinares.
11. Pelo que incorreu em nova violação do disposto no art. 12.º, n.º 4, do DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
12. Ora, caso os “factos” dados como provados sob o n.º 9 e sob o n.º 12, não fossem, como se impõe, considerados, continuaria a não subsistir na decisão sobre a matéria de facto um único facto que sustentasse a justa causa de despedimento e, concomitantemente, a licitude do despedimento em concreto.
13. Pelo que, naturalmente, por tal motivo, deve ser julgado ilícito o despedimento, com todas as consequências legais.
14. No que concerne às irregularidades alegadamente praticadas pelo recorrente no plano administrativo, contabilístico e financeiro — questionadas nos quesitos 5 a 50 e constantes das conclusões 1 a 46 da decisão disciplinar —, verifica-se que, a terem ocorrido, terão sido praticadas nos anos de 1988 e 1989 e ainda uma nos finais de 1990.
15. Tal como foi dado como provado, a nota de culpa foi enviada ao recorrente no dia 27 de Junho de 1992, resultando igualmente dos autos que o processo disciplinar foi deliberado instaurar em 25 de Maio de 1992.
16. Nos termos previstos no art. 27.º, n.º 3, [da LCT] “A infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar (...)”.
17. Pelo que, também todos os factos dados como provados relativamente a essa matéria não podem ter quaisquer efeitos na apreciação da licitude do despedimento.
18. Basta analisar toda a fundamentação da sentença e do acórdão para se constatar que a decisão de julgar improcedente a acção se alicerçou exclusivamente na alegada prática pelo recorrente, em 1988 e 1989, daqueles supostos factos.
19. Relativamente às questões relacionadas com os internamentos de uma prima e de uma tia do recorrente, constava apenas da nota de culpa o que aí fora vertido para os itens 47.º a 54.º
20. Basta analisar essa peça para se concluir sem quaisquer dúvidas que, relativamente a questões relacionadas com a prima, apenas foi imputada ao recorrente uma situação ocorrida em Abril de 1991 — nada tendo sido imputado relativamente a factos alegadamente ocorridos em Setembro —, e que quanto a questões relacionadas com a tia, apenas foi imputada a pretensa situação de Outubro de 1991 e jamais qualquer situação de Janeiro de 1992.
21. Relativamente ao internamento da prima em Setembro de 1991 e ao internamento da tia em Janeiro de 1992, nenhum dos factos constantes da decisão disciplinar ou da sentença proferida no processo crime poderiam ter sido considerados pelas instâncias para efeitos de apreciação da licitude do despedimento, sendo que, ao considerá-los, violou este o disposto nos artigos 10.º, n.º 9, e 12.º, n.º 4, do DL n.º 64-A/89.
22. Tendo o processo disciplinar sido instaurado apenas em 25 de Maio de 1992, nessa data, estava também prescrita a suposta infracção relacionada com o internamento da prima em Abril.
23. De todos os factos — todos —, que vieram a constar sucessivamente na decisão disciplinar, na sentença do processo-crime e na sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância e no acórdão do Tribunal da Relação, o único que não se encontra prejudicado para efeitos de apreciação da ilicitude do despedimento foi e é o relacionado com o internamento da tia do recorrente em Outubro de 1991.
24. Aquilo de que o recorrente foi acusado a esse propósito foi apenas que, em Maio de 1992, comunicou por sua iniciativa à responsável administrativa da recorrida de que tinha em seu poder uma conta de 300 contos relativamente a um internamento de uma tia e que se responsabilizava a pagá-la.
25. Embora seja certo que a acusação é um pouco confusa a esse respeito, tal asserção resulta clara pela leitura do ponto 11 do relatório final do processo disciplinar, do qual consta expressamente o seguinte: “Na sua resposta, o Arguido omitiu qualquer defesa sobre outras infracções, igualmente de extrema gravidade, que lhe foram imputadas na NOTA DE CULPA, designadamente a matéria constante dos artigos 47.º a 54.º, relativos à falta de pagamento das contas hospitalares das suas prima e tia e à sonegação de toda a documentação respeitante ao internamento da prima”.
26. Manifestamente, esse suposto não pagamento de uma conta não seria nem é susceptível de comprometer a relação de confiança necessária à manutenção do vínculo laboral, particularmente quando não só é certo que a conta não era da responsabilidade do recorrente como é igualmente verdade que foi o próprio recorrente quem transmitiu esse facto à responsável administrativa da recorrida.
27. A decisão recorrida violou assim o disposto nas disposições legais supra citadas, nomeadamente o art. 27.º, n.º 3, da LCT, e os artigos 10.º, n.º 9, e 12.º, n.º 4, da LCCT.»

Termina concluindo que «deve ser dado provimento ao recurso, revogando--se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue a acção totalmente procedente no que se refere ao pedido de ilicitude do despedimento».
A recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta sustentou a improcedência da revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

– Se ocorreu erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante (conclusões 1.ª a 13.ª da alegação do recurso de revista);
– Prescrição das infracções disciplinares imputadas (conclusões 14.ª a 18.ª, 22.ª e 27.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista);
Inexistência de justa causa de despedimento (conclusões 19.ª a 21.ª, 23.ª a 26.ª e 27.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista).

Estando em causa a cessação de um contrato de trabalho por despedimento ocorrido em 30 de Setembro de 1992, por conseguinte anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e atento o preceituado nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se, no caso, o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, doravante LCT, e o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, doravante LCCT.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II

1. O tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:
1) O autor foi admitido ao serviço da ré, em 20 de Novembro de 1948, para exercer as funções de Paquete de Secretaria, naquele que seria o seu primeiro, e também único, emprego até à presente data;
2) Em cerca de 20 anos, o autor ascendeu à categoria de Chefe de Serviços da ré;
3) E, em 1980, o autor foi promovido à categoria de Administrador da ré;
4) Em 21 de Abril de 1992, no regresso de um período de férias, a partir da quarta-feira que antecede a Páscoa, à entrada para o serviço por volta das 9,45 horas, o autor recebeu ordem de suspensão, verbalmente emanada do Provedor da ré;
5) De seguida, o Provedor solicitou ao autor a entrega de todas as chaves que se encontravam em seu poder, a saber: gabinete, cofre, museu e arquivo;
6) Após o que pretendeu que o autor se retirasse do gabinete, o que o autor recusou por estar à espera de um telefonema do médico que iria operar a sua filha;
7) Em 29/04/92, o autor recebeu da ré uma carta assinada pelo Provedor, na qual lhe era comunicado que a mesa administrativa da ré deliberara, em sessão de 27/04/92, «mandar proceder a uma auditoria às contas da instituição...» e «suspender preventivamente e sem perda de remuneração o Sr. AA»;
8) Além do vencimento mensal base de, pelo menos, PTE 290.000$00, o autor auferia a importância diária de Esc. 450$00 de subsídio de refeição;
9) Por carta datada de 27 de Junho de 1992, a ré enviou ao autor a respectiva nota de culpa comunicando-lhe a intenção de proceder ao respectivo despedimento e, por carta datada de 30 de Setembro de 1992, a Ré aplicou ao demandante a sanção de despedimento;
10) A ré instaurou contra o autor, em 25/05/1992, autuado em 29/05/1992, o processo disciplinar junto aos autos por linha;
11) Por sentença transitada em julgado, proferida no Processo n.º 9762/92.6JAPRT da 4.ª Vara Criminal do Porto, conforme certidão de fls. 788 a 817, em que eram arguidos o aqui autor e CC e assistente a aqui ré, o aqui autor foi condenado em pena de prisão, pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 300.º, n.os 1 e 2, do Código Penal de 1982, pelos seguintes factos que aí foram julgados provados:
a) A «BB» é uma instituição ligada à Igreja Católica, com sede na cidade do Porto, na Rua da Trindade, cujos fins principais são: proporcionar directamente aos «irmãos» a assistência, a beneficência e a instrução, dar integral cumprimento às disposições testamentárias dos seus benfeitores e praticar no templo privativo todos os actos de culto divino;
b) E, para satisfação dos fins a que se destina, a «Ordem» mantém em funcionamento departamentos e serviços, designadamente um hospital, vulgarmente conhecido por «Hospital da Ordem da Trindade»;
c) O arguido AA, que já trabalhava naquela instituição, assumiu funções de administrador da mesma em 1980, competindo-lhe, nessa qualidade, organizar, supervisionar e controlar todos os serviços administrativos, contabilísticos e financeiros da Instituição, tesouraria, secretaria e todos os serviços administrativos, incluindo o arquivo, responsabilizando-se pelos mesmos e prestando contas da sua actividade perante a Mesa daquela «Ordem», designadamente através da elaboração de uma conta anual de gerência, em conformidade com os valores registados no Diário Geral de Receitas e Despesas e nas «fichas de conta-corrente com orçamento» de receitas e despesas;
d) Pelo seu lado, o arguido CC trabalhou naquela Instituição durante dez anos, aí exercendo, até Maio de 1990, funções de Caixa, competindo-lhe, designadamente, elaborar diariamente a folha de caixa, bem como o mapa de demonstração do saldo de caixa, elementos esses que apresentava à Chefe de Serviços Administrativos, DD, a fim de a mesma os conferir;
e) A DD conferia habitualmente, todos os dias, apenas as parcelas da folha de caixa, ainda que com os documentos juntos à mesma, na qual eram mencionados, para além do mais, os depósitos de garantia em número total ali dito, sem especificar a identidade dos doentes a que respeitavam, limitando-se ela a conferir o valor mencionado na folha de caixa com a soma dos valores dos talões juntos, mas sem conferir o dinheiro;
f) No essencial, competia ao arguido CC: a) conferir e guardar os valores pecuniários e cheques pagos à Instituição; b) conferir e visar os três exemplares de cada «depósito de garantia» pago e a sua dedução no pagamento da factura do respectivo internamento hospitalar; c) executar diariamente a escrituração da folha de caixa, registando num só lançamento e sem menção dos nomes dos doentes a que respeitavam, o total dos «depósitos de garantia» recebidos em cada dia; d) guardar os livros dos «depósitos de garantia» com os quadruplicados não destacáveis («coto»), apresentando-os directa e exclusivamente ao arguido AA, de quem recebia as instruções de serviço, com quem conferia valores existentes em caixa e a quem prestava contas; e) e era ainda da sua exclusiva responsabilidade a saída dos valores pecuniários e cheques para depósito nas instituições bancárias e para pagamentos;
g) E embora o arguido CC dependesse directamente, em termos hierárquicos e funcionais, da DD, apenas recebia instruções e prestava contas ao arguido AA, uma vez que este praticamente esvaziava as competências daquela, avocando tudo e assim controlando a «Ordem»;
h) Pelo seu lado, a falecida ex-arguida EE trabalhava também naquela Instituição, exercendo funções na secção de contabilidade. As suas tarefas eram essencialmente elaborar mandados de despesas com base em facturas, conferir extractos bancários, preencher cheques para pagamento a fornecedores, escriturar o livro Diário Auxiliar e lançar mandados de despesa nas fichas de conta-corrente com o orçamento;
i) O arguido AA, e, bem assim, o arguido CC e a EE, actuando conjunta e concertadamente, através da viciação de suportes documentais e de livros de escrituração, apropriaram-se gradualmente de avultadas quantias pertencentes à «Ordem»;
j) Face aos indícios de irregularidades detectados nas contas da administração, foi efectuada, em 1992, uma auditoria às respectivas contas relativa ao ano de 1989, confirmando-se a existência de graves irregularidades traduzidas em milhares de contos de prejuízos para a «Ordem da Trindade»;
k) Nesta, foi detectada a viciação dos documentos de despesa (conta- -corrente com o orçamento) que a seguir se indicam, bem como dos lançamentos a que esses documentos deram origem, viciação essa traduzida, no essencial, na alteração do número original e da respectiva data, com o objectivo de duplicar as correspondentes despesas nos livros, fichas e demais documentos de escrituração, e que foram integradas falsamente como despesas do exercício de 1989, quando a verdade é que já tinham sido devidamente contabilizadas no exercício de 1988, a que efectivamente respeitavam: a) doc. de despesa n.º 1448, datado falsamente de 30.12.89, no valor de Esc. 412.431$00, e que já havia sido lançado em 08.11.88 como n.º 1158 (cf. fls. 44, 46 e 51 e segs.); b) doc. n.º 1449, datado falsamente de 30.12.89, no valor de Esc.1.737.374$O0, e que já havia sido lançado em 17.10.88 com o n.º 1045 (cf. fls. 45, 46 e 55 e segs.); c) doc. n.º 1457, com data de 30.12.89, no valor de Esc. 855.361$00, e que já tinha sido lançado em 13.05.89 com o n.º 468 (cf. fls. 47, 48 e 57 e segs.); d) doc. n.º 1460, com data de 30.12.89, no valor de Esc. 243.408$00, e que já havia sido lançado em 27.10.88 com o n.º 1062 (cf. fls. 49, 50 e 60 e segs.); e) doc. de despesa no valor de Esc. 171.660$00, datado falsamente de 30.12.89, que já havia sido lançado em 17.05.88 no Diário Geral de Receitas e Despesas com o n.º 473 (cf. fls. 64-68); valores esses que atingem o montante de Esc. 3.420.234$00 (três milhões, quatrocentos e vinte mil, duzentos e trinta e quatro escudos);
l) Mas situação idêntica já se havia verificado anteriormente, pois que foram integradas falsamente como despesas no exercício de 1987, despesas que respeitavam a 1986 e que então tinham sido devidamente contabilizadas. Mais precisamente, os mandados de despesa com os n.os 1629, 1643 e 1644, nos montantes, respectivamente, de Esc. 1.303.352$00, Esc. 2.854.549$50 e Esc. 4.162.876$00, todos datados de 31.12.86 e respeitantes ao exercício desse ano, vieram a ser alterados nos respectivos números, que passaram a ser 1556-A, 1559-A e 1560-A, respectivamente, e data que passou a ser 31.12.87, vindo assim tais mandados a servir de suporte a despesas relativas ao ano de 1987, quando já haviam sido tidos na devida consideração em termos contabilísticos no que respeita ao exercício de 1986, totalizando aqueles valores o montante de Esc. 8.320.777$50 (oito milhões, trezentos e vinte mil, setecentos e setenta e sete escudos e cinquenta centavos);
m) Para além dos factos já referidos, vieram a apurar-se diferenças sistemáticas no movimento e escrituração das verbas pagas pelos doentes a título de «depósitos de garantia», verbas essas que se traduziam em provisões adiantadas antes dos internamentos e deduzidas no pagamento das respectivas contas hospitalares, provisões cujo montante variava entre o mínimo de Esc. 5.000$00 e o máximo de Esc. 2.555.000$00, tendo um valor médio de cerca de Esc. 100.000$00;
n) Tais diferenças representavam precisamente montantes de que se apropriaram os arguidos, designadamente o AA e o CC, sendo certo que a actuação deste era indispensável para o efeito, dadas as suas atribuições funcionais de caixa da Instituição, já referidas;
o) Assim, no que respeita aos anos de 1988 e de 1989, da análise aos registos dos depósitos de garantia no livro de receitas diárias, foram encontradas as diferenças não registadas, equivalentes aos montantes de que os arguidos se apropriaram, constantes do quadro reproduzido na folha seguinte:

Apuramento das diferenças não registadas no Livro de Receitas Diárias

[...]

[...]

p) Daí que, relativamente ao ano de 1988, o montante global de que os arguidos se apropriaram, descontado o excesso registado no mês de Agosto, tenha atingido o valor de Esc. 31.914.000$00 (trinta e um milhões, novecentos e catorze mil escudos);
q) E se relativamente ao ano de 1988, os arguidos se apropriaram daquele montante global, relativamente ao ano de 1989, pela confrontação de valores respeitantes aos depósitos de garantia recebidos e os registados no livro de receitas diárias, verifica-se que os valores recebidos pela «Ordem da Trindade», a título de depósito de garantia, não foram na sua totalidade registados nos livros do caixa diário, tendo sido apurada uma diferença de Esc. 40.570.500$00 (quarenta milhões, quinhentos e setenta mil e quinhentos escudos), correspondente à quantia de que os arguidos se apropriaram;
r) O arguido AA combinado com o arguido CC, e, bem assim, com a falecida EE, para fundamentar os valores apresentados na conta de gerência de 1989, bem como, aliás, nas anteriores, concebeu e vinha executando um plano assente na viciação fraudulenta dos suportes documentais e livros de escrituração;
s) Com efeito, e para além do já atrás referido, foram encontrados no interior de uma pasta pertencente ao arguido AA, não só a conta de gerência de 1989, parcialmente manuscrita, como diversas cópias e orçamentos anuais e vários mandados de despesa de 1988 e seus anexos, documentos esses que, embora com data de 30 Dezembro desse ano e numeração também de 1989 respeitavam a despesas de 1988 e, como tal, escrituradas nas fichas e Diários de 1988;
t) Era com base nesses documentos viciados, registos e lançamentos, que o arguido AA visava obter, a final, o encerramento, pelo menos do Diário Auxiliar, em sintonia com os totais de receitas e despesas constantes da conta de gerência do ano anterior;
u) Assim, o Diário Auxiliar de 1989 apresentava, até 30 de Dezembro, registos que totalizavam, nas receitas Esc. 973.997.455$00 e, nas despesas, Esc. 847.373.090$00, do que resultaria um saldo de gerência de Esc. 126.624.365$00, quantia essa muito superior ao saldo da conta de gerência de 1989 que o arguido AA levou à aprovação da Mesa Administrativa da «Ordem da Trindade» sendo que, então, consignou o total de receitas arrecadadas durante a gerência de 1989 como de Esc. 919.931.952$30, quantia esta que, acrescida do saldo de gerência de 1988, no montante de Esc. 54.065.502$70, totaliza precisamente Esc. 973.997.455$00, importando num total de despesas em 1989 de Esc. 921.282.088$00, quantia essa que excede em Esc. 73.908.998$00 o total de despesas anterior e tempestivamente escrituradas no Diário Auxiliar;
v) Aliás, mesmo o saldo de Esc. 126.624.365$00 não corresponde à realidade pois, que o arguido AA, na vertente das receitas, eliminou diversos lançamentos datados de 30 de Dezembro, no montante de Esc. 5.828.707$00 e, no capítulo das despesas, acrescentou várias despesas fictícias, também datadas de 30/12, que totalizavam Esc. 36.000.874$00;
w) O arguido AA, contrariamente ao que era habitual, e de acordo com o plano estabelecido, procedeu ele próprio à escrituração do Diário Auxiliar quer no que respeita às despesas quer às receitas, apondo em todos os lançamentos que efectuou a data de 30 de Dezembro de 1989, sendo que, para tornar mais consistente a viciação da escrituração do Diário Auxiliar, lançou as despesas fictícias nas fichas de orçamento de 1989 e eliminou das mesmas as receitas que lhe interessava ocultar. E, assim, fez coincidir nas «fichas de conta-corrente com o Orçamento» os mandados de despesa que ele próprio lançara no Diário Auxiliar, a partir do documento n.º 1427 até ao n.º 1441, inclusive, no montante global de Esc. 36.000.874$00, fichas essas que, aliás, eram normalmente escrituradas pelos mesmos funcionários administrativos que escrituravam o Diário Auxiliar;
x) De acordo com o já referido plano, tais lançamentos eram suportados documentalmente através de mandados de despesa falsificados, falsificação essa operada a partir de documentos de despesa similares, em termos de departamento, rubrica e montante, do ano de 1988, retirados do arquivo;
y) Assim, a falecida EE, segundo indicação do arguido AA, que lhe entregava fichas com lançamentos a lápis feitas pelo seu punho e com um sinal «+», pesquisava e recolhia documentos de mandados de despesa do ano anterior com características de quantia, departamento e classificação idênticas às pretendidas, mandados esses que aquela viciava, alterando por rasura, designadamente os respectivos números e datas, de forma a poderem ser utilizados do modo já descrito — nomeadamente no que respeita a mandados de despesa de 1988, cuja data foi alterada para 30 de Dezembro de 1989 — tendo em vista a apropriação ilegítima de montantes consideravelmente elevados, sendo que, quase mensalmente, também segundo instruções do arguido AA, a EE, alterava valores das operações de tesouraria nos mapas que iam às sessões mensais da Mesa, de modo a que as receitas e despesas atingissem os valores que mais lhe interessavam;
z) Assim, a EE alterou as datas e numerações de, pelo menos, 23 documentos de despesa de 1988, de modo ao arguido AA os poder incluir com data de 30.12.89 e com nova numeração, desde o n.º 1442 até ao n.º 1467, à excepção dos números 1458, 1459 e 1461, totalizando todos esses documentos a importância de Esc. 45.550.558$00;
aa) Todos os documentos desde o n.º 1427 até ao [n.º] 1467, bem como os mandados de despesa n.os 1458, 1459 e 1461, estes totalizando a quantia de Esc. 12.810.436$50, foram registados nas fichas de conta-corrente pelo próprio punho daquele arguido;
bb) Esses documentos já haviam sido correctamente escriturados em todas as fichas e livros de 1988, ano a que efectivamente respeitavam, destinando-se as falsificações perpetradas a encobrir o desvio fraudulento de fundos da «Ordem da Trindade», praticados até ao fecho do ano económico de 1989, com o correspondente prejuízo patrimonial para aquela Instituição;
cc) A partir do exercício de 1990, aquela Instituição, por força do Dec.-Lei n.º 78/88, de 03/03, passou a modelar o seu sistema contabilístico e financeiro de acordo com o plano oficial de contabilidade, concebendo e implementando uma profunda reestruturação dos serviços, com recurso a meios informáticos, sem prejuízo, contudo, dos poderes que o arguido AA detinha nas áreas administrativa e contabilística;
dd) A verdade é que, não obstante as dificuldades decorrentes da implementação do novo sistema contabilístico, o arguido AA não fez acompanhar, como lhe competia, a conta de gerência de 1989, submetida à aprovação da Mesa administrativa no final do 1.º trimestre de 1990, do Diário Geral das receitas de despesas de 1989, nem sequer promoveu o respectivo encerramento, encontrando-se o mesmo apenas escriturado até 31/10;
ee) Também o Diário Auxiliar de Receitas e Despesas de 1989 não foi encerrado, estando os últimos lançamentos datados de 30/12/1989;
ff) O arguido AA, conluiado com o arguido CC e com a falecida EE, para fundamentar os valores por ele apresentados na conta de gerência de 1989, vinha viciando fraudulentamente todos os suportes documentais e livros de escrituração, sendo certo que aquela conta, como, aliás, as dos anos económicos antecedentes, devia patentear os totais das receitas e despesas constantes do Diário Geral e do Diário Auxiliar e os subtotais das receitas e despesas constantes das «fichas de conta-corrente com o orçamento», de forma que o somatório dos lançamentos feitos nessas fichas devia coincidir com os totais anuais de receitas e despesas evidenciadas pelos Diário Geral e Auxiliar;
gg) O mesmo arguido, para que a sua actividade fraudulenta não fosse detectada e ficasse impune, em finais de 1990, fez ele próprio uma limpeza geral ao arquivo, seleccionando e ordenando a destruição de grandes quantidades de documentos, fichas e livros, em violação do período legal de conservação em arquivo de documentos e livros de escrituração, que foram removidos para um farrapeiro, designadamente, os livros de depósito de garantia com os quadruplicados, não destacáveis, sendo certo que bem sabia que a conferência dessas escritas era mais fácil pela consulta daqueles livros;
hh) Entre 27 de Abril e 4 de Maio de 1992, altura em que o arguido AA já havia sido suspenso temporariamente das suas funções pela Mesa Administrativa da «Ordem da Trindade», foram subtraídos e destruídos documentos que se encontravam guardados nas instalações daquela Instituição, e que indiciavam fortemente terem sido objecto de falsificação, tal como outros já referidos, designadamente mandados de despesa, subtracção essa seguramente levada a cabo pelo arguido AA ou por alguém a seu mando, com o intuito de impedir que se viesse a descobrir toda a sua actuação e, obviamente, com a intenção de causar prejuízo à «Ordem da Trindade»;
ii) O poder e a autoridade que o arguido AA detinha e a confiança que nele depositava a Mesa Administrativa eram tais, que aquele, relativamente aos internamentos de uma sua prima, ocorridos em Abril e Setembro de 1991, fez desaparecer toda a documentação a eles concernentes, incluindo todos os exemplares das facturas/recibos, n.os 2070 de 30.04.91 e 4581 de 30.09.91, nos montantes de Esc. 1.112.499$99 e Esc. 550.625$00, respectivamente, bem como a própria tabela da doente, contas essas que só após inúmeras diligências vieram a ser pagas em 3 de Dezembro de 1992;
jj) E o mesmo se diga relativamente a duas contas de uma sua tia, respeitantes a internamentos ocorridos em Novembro de 1991 e Janeiro de 1992, a que correspondiam as facturas n.os 5744, de 03.12.91, e 417, de 29.01.92, nos montantes, respectivamente, de Esc. 108.663$00 e Esc. 278.415$00, encontrando-se ainda em dívida o montante de Esc. 193.538$00;
kk) Os dois arguidos, como se deixou referido, actuaram concertadamente e segundo um plano inicial, fixado pelo arguido AA, o qual exercia uma autoridade e um poder quase ilimitado na orgânica administrativa-financeira da «Ordem», assim confiando que a execução do plano que elaborara dificilmente seria descoberta;
II) Daí que, designadamente no que respeita aos depósitos de garantia e às contas a pagar pelos doentes e demais utentes dos serviços da Instituição, aquele preferisse que os cheques fossem emitidos ao portador, argumentando que facilitava o respectivo depósito, o que lhe permitia ir retirando da caixa, com a conivente execução do arguido CC, não só os aludidos cheques, cujo pagamento facilmente obtinha, como avultadas verbas em dinheiro, assim integrando no seu património esses montantes e entregando ao outro arguido diferentes quantias conforme o acordado, e que os mesmos igualmente integraram no seu património;
mm) O arguido CC, por seu lado, para além das suas funções de caixa e, obviamente, da conivência que, dadas essas funções, tinha com o arguido AA para o êxito do plano fixado tendo em vista a apropriação ilegítima dos montantes que aquele diariamente tinha à sua guarda e, portanto, sob a sua directa responsabilidade, estava igualmente «por dentro» e de acordo com aquele e com a falecida EE, relativamente às falsificações operadas nos aludidos documentos, designadamente no que respeita aos mandados de despesa e com cujo fabrico visaram não só encobrir os montantes de que se apropriaram, como utilizar documentos assim falsificados para astuciosa e fraudulentamente, justificarem a saída do dinheiro de que se apropriavam;
nn) Os arguidos, actuando conjunta e concertadamente e da forma descrita — excepto durante as férias do arguido CC em Agosto de 1988, quando os saldos de caixa feitos pela DD deram saldo positivo de 175 contos — conseguiram apropriar-se de inúmeras e incontáveis parcelas, em montantes e datas não concretamente apuráveis, no montante global de Esc. 72.484.500$00, fazendo-o directa e ilegitimamente de quantias entregues na «caixa» pelos doentes e demais utentes da «Ordem da Trindade», por título não translativo de propriedade, não tendo até ao momento restituído qualquer quantia, nem reparado, sequer parcialmente, os prejuízos causados à «Ordem da Trindade»;
oo) Os arguidos agiram com a intenção de obterem um enriquecimento ilegítimo, mediante a viciação de documentos, de forma a que os membros da Mesa Administrativa da «Ordem da Trindade», que aprovavam as contas de gerência, se convencessem de que todos os elementos contabilísticos fornecidos pelo arguido AA, em quem confiavam plenamente, haviam sido correctamente processados;
pp) Ao subtrair e destruir os aludidos documentos, de acordo, aliás, com uma decisão inicial tendo em vista não deixar a descoberto qualquer pista que pudesse conduzir à descoberta da sua conduta, o arguido AA agiu com intenção de causar prejuízo à «Ordem da Trindade» e, bem assim, ao Estado, sendo certo que sabia perfeitamente não só que não podia dispor de tais documentos, como ainda que, quer aquela Instituição, quer o próprio Estado podiam legalmente exigir a sua entrega ou apresentação, designadamente para efeito de análise e inspecção à contabilidade da referida «Ordem»;
qq) Os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
rr) O arguido AA teve o seguinte percurso na Ordem da Trindade: admitido ao serviço da Ordem, como paquete da secretaria, em 20.11.48; promovido a praticante, em 22.10.52; promovido a aspirante, em 25.07.55; promovido a 3.º oficial, em 17.03.63; promovido a 2.º oficial, em 01.01.65 (com vencimento de 1.º oficial); promovido a 1.º oficial, em 31.12.65; promovido a chefe de secção, em 01.07.74; promovido a Chefe dos serviços administrativos, em 09.03.78 (lugar criado para o próprio, com vencimento igual ao do administrador); nomeado administrador, em Julho de 1980;
ss) A providência cautelar de suspensão do despedimento, decretada ao arguido AA em 28 de Maio de 1993, no Proc. 1417/92 da 2.ª Secção do 8.º Juízo do Tribunal de Trabalho do Porto, esteve anos pendente de recurso, com efeito suspensivo;
tt) E a acção de impugnação do despedimento, instaurada em 30 de Outubro de 1992, e que corre termos — actualmente — sob o n.º 1450/95, no 5.º Juízo do Tribunal de Trabalho do Porto, ainda não foi julgada;
uu) O arguido AA foi condenado por acórdão de 22/02/1996 (processo n.º 54/95 da 2.ª Vara Criminal do Porto) na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por 2 anos, pela prática em Julho de 1987, dos crimes de burla agravada (pena parcelar de 1 ano e 10 meses de prisão) e de falsificação de documento (pena parcelar de 16 meses de prisão); e no processo n.º 108/97 da 1.ª Vara Criminal do Porto, por acórdão de 02/07/1997, na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por 2 anos e já declarada extinta, pela prática em Dezembro de 1987, dos crimes de burla agravada e de falsificação de documento; está reformado; é casado, a sua mulher é doméstica e tem uma filha; possui a instrução básica (4.ª classe); trabalhou na Ordem da Trindade como administrador, entre os anos de 1980 e 1992; é de média condição social e beneficia de um estatuto económico superior à média; é estimado no meio onde se insere socialmente;
vv) Sobretudo, durante os anos de 1987 a 1990, este arguido revelava uma vida económica desafogada;
ww) O arguido CC não tem antecedentes criminais; é proprietário de uma pequena fábrica de sacos, com 5 empregados; é casado e pai de 2 filhos; a sua mulher é auxiliar de acção educativa num infantário; tem o antigo 5.º ano do liceu; é de média condição económico-social; tem bom comportamento anterior e posterior aos factos e é reputado socialmente no meio onde vive;
xx) Os relatórios e contas relativos aos exercícios de 1989 e 1990 foram aprovados pelos órgãos da assistente e, atenta a opção informatização da contabilidade, que fez a «Ordem» partir do «zero» em termos contabilísticos, não foram objecto de qualquer correcção ou rectificação em exercícios posteriores;
yy) Na decorrência da pendência da perseguição por infracção laboral e criminal aos arguidos, a demandante não fez inscrever qualquer crédito sobre os demandados, por força da apropriação, nem inscreveu nos seus relatórios de contas e demonstração de resultados verbas sobre tal matéria, assim como nunca contabilizou verbas para amortização das quantias de que foi desapossada;
12) A decisão de despedimento, referida sob o n.º 9, invocou, para tanto, os seguintes factos [item aditado pelo Tribunal da Relação]:
1.º Desde, pelo menos, 1980, o Arguido, reportando directa e exclusivamente a Mesa Administrativa da Instituição, organizava, supervisionava e controlava todos os serviços administrativos, contabilísticos e financeiros da Instituição, pelos mesmos se responsabilizando e prestando contas das respectivas actividades [à]quela Mesa, designadamente através da elaboração de uma Conta Anual de Gerência, em conformidade com os valores registados no Diário Geral de Receitas e Despesas, no Diário Auxiliar de Receitas e Despesas e «nas fichas de conta-corrente com o orçamento» de receitas e despesas;
2.º Até ao ano económico de 1989, inclusive, a gestão financeira e o sistema contabilístico vigentes na Instituição baseavam-se no modelo das Finanças Públicas, no quadro de um orçamento anual subdividido pelos 14 departamentos da Instituição e sendo as rubricas classificadas pelas categorias funcionais e económicas próprias daquele modelo;
3.º A partir do exercício de 1990, a Instituição, por força do Decreto-Lei n.º 78/88, de 3 de Março, passou a modelar o seu sistema contabilístico e financeiro de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade, para o que concebeu e implementou, no início desse ano, uma profunda reestruturação orgânica dos serviços administrativos e a reformulação completa dos procedimentos administrativos com recurso a meios informáticos;
4.º Para o arranque do novo sistema, a Instituição procedeu a um exaustivo e rigoroso apuramento de todos os valores do Activo e do Passivo e, em consequência, também dos valores depositados e em caixa;
5.º Para a transição do antigo para o novo sistema, a Instituição conferiu os valores resultantes do referido apuramento com os apresentados na Conta de Gerência de 1989, garantindo a total conformidade dos valores das rubricas comuns, designadamente o total das disponibilidades em depósitos e em caixa;
6.º Tal como lhe incumbia, o Arguido elaborou, com a colaboração dos seus subordinados, encerrou e submeteu [à] aprovação da Mesa Administrativa a Conta de Gerência, no final do 1.º trimestre de 1990, na qual fez constar um saldo positivo de 52.715.366$60, resultante do total anual de receitas de 973.997.455$00 e do total anual de despesas de 921.282.088$40;
7.º Todavia e contrariando os procedimentos instituídos nesse sentido, o Arguido não fez acompanhar a referida Conta de Gerência do Diário Geral de Receitas e Despesas de 1989;
8.º O Arguido foi protelando sucessivamente a apresentação desse Diário Geral, pesem embora a acumulação do serviço resultante da implementação do novo sistema contabilístico e a ausência da funcionária incumbida da escrituração desse Diário, que gozou a licença de maternidade e uma licença sem vencimento de Fevereiro a Novembro de 1990;
9.º Desta forma e em clara e ostensiva violação dos seus deveres de zelo e diligência, o Arguido nunca promoveu o encerramento desse Diário Geral, o qual se encontra apenas escriturado até 31 de Outubro de 1989, sendo certo que qualquer outro dos três colegas da funcionária ausente estava habilitado e disponível para o escriturar, se o arguido tivesse dado ordens nesse sentido;
10.º Por seu turno, o Diário Auxiliar de Receitas e Despesas de 1989, não obstante a simplicidade de que se revestia a sua escrituração, encontra-se também por encerrar, estando os últimos lançamentos datados de 30 de Dezembro de 1989. Este Diário já existia há mais de 20 anos na Instituição, sendo a sua escrituração indispensável ao registo cronológico e numérico de todas as receitas e de todas as despesas, cujas guias e mandados eram numerados com o n.º de ordem desse registo e, bem assim, ao cálculo e conferências dos totais mensais e anuais das receitas e despesas;
11.º A escrituração deste Diário Auxiliar competia, sob a supervisão do Arguido, a dois funcionários, através dos competentes suportes documentais: as guias de receitas e os documentos «mandados» de despesa, previamente numerados e conferidos pelos dois funcionários, visados pelo Arguido e sancionados pela Mesa Administrativa;
12.º Após a escrituração do Diário Auxiliar, as guias de receitas e os documentos de despesa, já numerados, conferidos, visados e sancionados, eram lançados nas respectivas «fichas de conta-corrente com o orçamento», de acordo com o departamento a que respeitavam e a classificação funcional e económica da rubrica da receita ou da despesa;
13.º Assim, a Conta de Gerência de 1989, bem como as dos anos económicos antecedentes, devia patentear os totais das receitas e despesas constantes dos Diário Geral e do Diário Auxiliar e os subtotais das receitas e despesas constantes das referidas «fichas de conta-corrente com o orçamento» dos 14 departamentos e, dentro de cada um deles, das diferentes rubricas da classificação funcional e económica;
14.º De tal forma que o somatório dos lançamentos feitos nessas fichas devia coincidir com os totais anuais de receitas e de despesas evidenciados pelos Diário Geral e Auxiliar;
15.º Ora, o Arguido, para fundamentar os valores apresentados por ele na Conta de Gerência de 1989, concebeu e vinha executando um processo faseado, que visava globalmente viciar, de forma fraudulenta, todos os suportes documentais e livros de escrituração;
16.º Aquando da sua suspensão preventiva, este processo encontrava-se ainda em curso. Na verdade,
17.º O Arguido, entre 21 e 27 de Abril p.p. [1992], através da sua filha, solicitou [à] sua colaboradora directa que lhe entregasse uma pasta, que se encontrava numa gaveta da sua secretária;
18.º Nessa altura, a Instituição detectou que, no interior dessa pasta, se encontrava a Conta de Gerência de 1989, parcialmente manuscrita pelo Arguido, diversas cópias de orçamentos anuais e vários documentos «mandados» de despesa de 1989 e seus anexos, que, embora com data de 30 de Dezembro desse ano e numeração também de 1989, respeitavam a despesas do ano de 1988 e, como tal, escriturados nas fichas e Diários de 1988;
19.º O Arguido foi assim surpreendido, em flagrante, na sua tentativa de prosseguir o processo encetado já em finais de 1990, visando, de forma articulada e faseada e através de viciação de documentos, registos e lançamentos de 1989, obter, a final, o encerramento do Diário Geral e do Diário Auxiliar em sintonia com os totais de receitas e despesas constantes da Conta de Gerência de 1989;
20.º Na verdade, o Diário Auxiliar de 1989 apresentava, até 30 de Dezembro, registos que totalizavam, nas receitas, 973.997.455$00 e, nas despesas, 847.373.090$40, de que resultaria um saldo da gerência de 126.624.364$60;
21.º Ora, esta quantia é muitíssimo superior ao saldo de 57.715.366$60 exibido pela Conta de Gerência de 1989 que o Arguido levou à aprovação da Mesa Administrativa. Nela, o arguido consignou o total de receitas arrecadadas durante a gerência de 1989 de 919.931.952$30, quantia que acrescida do saldo de gerência de 1988 de 54.065.502$70, vai totalizar precisamente 973.997.455$00, e imputou um total de despesas em 1989 de 921.282.088$00, quantia que excede em 73.908.998$00 o total de despesas escrituradas no Diário Auxiliar;
22.º Acresce que mesmo o saldo de 126.624.364$60 se encontra já artificial e fraudulentamente diminuído por actuação pessoal do próprio Arguido, sem que tivesse solicitado ou obtido quaisquer informações ou elementos dos seus colaboradores, designadamente dos funcionários da Secção de Contabilidade;
23.º Na verdade, na vertente das receitas, o Arguido eliminou, traçando-os, diversos lançamentos datados de 30 de Dezembro, no importe global de 5.828.707$00 e, no capítulo das despesas, acrescentou, pelo seu punho, várias despesas fictícias, também datadas de 30 de Dezembro, que totalizaram 36.000.874$20, sendo certo que o dia seguinte, 31 de Dezembro, por recair num Domingo, não constituía data utilizável para a emissão de guias e mandados e para os respectivos registos contabilísticos;
24.º Nunca o livro fora escriturado pelo Arguido, competindo esta função a dois oficiais administrativos da contabilidade, estando sempre o livro na posse de um deles, os quais escrituraram todas as despesas regularmente documentadas até ao final do ano de 1989, tarefa que concluíram em Fevereiro ou Março de 1990, para possibilitarem a elaboração da Conta de Gerência de 1989 pelo arguido;
25.º Ora, o Arguido apossou-se desse livro em data indeterminada e, a partir de então, foi ele próprio procedendo [à] sua escrituração, quer nas despesas quer nas receitas, tendo aposto em todos estes seus lançamentos a data de 30 de Dezembro de 1989, sem, repete-se, ter solicitado ou obtido de quem quer que fosse quaisquer informações ou elementos e muito menos suportes documentais válidos;
26.º Para tornar mais consistente a falsificação da escrituração do Diário Auxiliar, o Arguido lançava ele próprio as despesas fictícias nas fichas de orçamento, de 1989, e eliminava, nas mesmas, as receitas que lhe interessava ocultar;
27.º Assim, todos os 15 mandados de despesas lançados pelo seu punho no Diário Auxiliar a partir do documento n.º 1427 e até ao n.º 1441, inclusive, no montante global de 36.000.874$20, encontram-se escriturados, também pelo Arguido, nas «fichas de conta-corrente com o orçamento»;
28.º Ora, também estas fichas nunca foram escrituradas pelo Arguido, função que competia aos mesmos funcionários administrativos que escrituravam o Diário Auxiliar;
29.º Para tanto, o Arguido reapossou-se das fichas que, em Outubro de 1990, foram transferidas para o Arquivo Geral, dependência a que só ele podia ter acesso permanente por se encontrar sempre encerrada e por o arguido deter no chaveiro do seu gabinete a respectiva chave, fichas essas que, em Fevereiro ou Março de 1990 lhe tinham sido entregues no seu gabinete, como todos os anos acontecia, após nelas terem sido escrituradas integralmente, pelos funcionários, todas as receitas e despesas de 1989;
30.º E, a partir de então e paulatinamente, foi lançando nessas fichas as despesas e eliminando as receitas, de acordo com um plano previamente delineado;
31.º Plano esse que, para tornar a falsificação mais verosímil, tinha por coordenadas os subtotais apresentados na Conta de Gerência de 1989 para cada departamento e, dentro de cada departamento, para cada rubrica funcional e económica; e tinha por suportes documentais os documentos de despesa dos departamentos, das rubricas e dos montantes que interessavam ao Arguido;
32.º Ora, tais documentos de despesa foram obtidos pelo Arguido através de falsificação, retirando do Arquivo documentos de despesa similares, em termos de departamento, rubrica e montante, do ano de 1989;
33.º Assim, o Arguido alterou ou mandou alterar as datas e as numerações de, pelo menos, 23 documentos de 1988, de forma a poder incluí-los, com data de 30 de Dezembro de 1989 e com nova numeração, desde o n.º 1442 até ao n.º 1467, à excepção dos n.os 1458, 1459 e 1461, totalizando todos estes documentos a importância de 45.550.558$00;
34.º Conforme se referiu no artigo 27.º, 15 documentos, desde o n.º 1427 até ao n.º 1441, no importe total de 36.000.874$20, foram também lançados pelo Arguido no Diário Auxiliar, preparando-se o Arguido para prosseguir os lançamentos, como a última folha deste livro patenteia, com os números antecipadamente já escritos pelo Arguido;
35.º Todos estes 38 documentos de despesas, bem como os mandados de despesas n.os 1458, 1459 e 1461, nos importes de 4.279.345400, 393.819400 e 8.137.272$00, totalizando 12.810.436$50, foram entretanto também registados nas fichas de conta-corrente pelo punho do arguido, os quais ainda incluem numerosos lançamentos da sua autoria com diversas e significativas importâncias, mas ainda sem menção dos números e datas dos documentos;
36.º Foram já detectados oito destes lançamentos totalizando, pelo menos, a quantia de 27.670.789$50, os quais quase sempre estão precedidos de um sinal «+»;
37.º Estes lançamentos evidenciavam as características dos documentos de despesa de 1988 que o Arguido se dispunha a pesquisar no Arquivo e a, posteriormente, adulterá-los com datas e números falsos para serem lançados no Diário Auxiliar de 1989 e para completar os lançamentos nas correspondentes fichas;
38.º A ficha do Departamento III (Farmácia), rubrica 31.1 (Não Especificados: drogas, medicamentos, etc.), é bem elucidativa do desenvolvimento gradativo do plano fraudulento do Arguido: a última despesa lançada correctamente com o n.º 1225 e data de 30 de Novembro de 1989 determinou o acumulado de despesa de 127.524.945$50; dado o amplo cabimento orçamental de que dispunha para os 188.000.000$00 aprovados, o Arguido forjou os documentos de despesa n.os 1432, 1433 e 1461, elevando o acumulado para 139.634.901$50; dispondo ainda de verba e embora ainda não tivesse obtido o suporte documental viciado, o Arguido acrescentou-lhe um último lançamento de 5.005.958$00 precedido do sinal «+», assim aumentando ficticiamente a despesa para 162.505.691$00, mas não chegando a atingir a verba que o arguido havia dolosamente mencionado na Conta de Gerência: 172.505.691$00;
39.º Além dos documentos de despesa mencionados no antecedente artigo 33.º, nos quais a falsificação integrou a data e o número, o Arguido viciou a primitiva data de 1988, apondo-lhes a data de 30 de Dezembro de 1989, e apagou a numeração do documento, sem ter chegado a apor-lhe a numeração falsa, em, pelo menos, mais 14 documentos de despesas, no importe global de 10.500.667$00;
40.º Quer estes, quer os documentos mencionados no artigo 33.º tinham já sido e, correctamente, escriturados em todas as fichas e livros de 1988, ano a que efectivamente respeitam;
41.º Nunca o Arguido deu conhecimento à Mesa Administrativa das viciações e falsificações descritas nos antecedentes artigos, a qual nunca delas se apercebeu até à instauração do presente processo disciplinar;
42.º Estas falsificações perpetradas pelo Arguido destinavam-se a encobrir desvios de fundos da Instituição, praticados até ao fecho do ano económico de 1989, com o correspondente prejuízo da Instituição;
43.º Acresce que o Arguido, para tornar impune a sua actividade delituosa, em finais de 1990, fez ele próprio uma limpeza geral ao arquivo, inutilizando grande quantidade de documentos, fichas e livros, com desrespeito e violação do período legal de conservação em arquivo de documentos e livros de escrituração;
44.º Ordenou então que fossem destruídos, tendo sido removidos para um farrapeiro, todos esses livros, fichas e documentos, designadamente os livros de depósitos de garantia com os quadruplicados não destacáveis, sabendo que qualquer conferência destas receitas era mais viável e esclarecedora pela consulta destes livros;
45.º Acresce que o Arguido instruía sistematicamente todos os funcionários da Instituição no sentido de persuadir os doentes e restantes utentes a pagar as suas contas mediante cheque ao portador;
46.º Desta forma, era-lhe possível ir retirando da Caixa verbas avultadíssimas em cheque e em dinheiro, pela autoridade máxima que assumia e pela confiança que nele depositava a Mesa Administrativa;
47.º De tal forma que, relativamente aos internamentos de uma sua prima, ocorridos em Abril e Setembro de 1991, fez desaparecer toda a documentação a eles concernentes, incluindo todos os exemplares das facturas/recibos, n.os 2070, de 30.04.91, e 4581, de 30.09.91, nos montantes de Esc. 1.112.499$99 e Esc. 550.625$00, respectivamente, bem como a própria tabela da doente;
48.º Tais contas, apesar do desconto de 130.000$00 concedido pela nota de crédito n.º 279, de 8.8.91, nunca foram pagas à Instituição, pelo que no decurso do mês de Maio p.p. [1992], a responsável administrativa da Instituição contactou a tia do Arguido pondo-a ao corrente da situação;
49.º Nesse mesmo dia, o Arguido telefonou àquela responsável, dizendo-lhe que só tinha em seu poder o original da conta, bem como o original da conta de uma tia, esta no importe de 300 contos, respeitante aos internamentos ocorridos em Novembro de 1991 e Janeiro de 1992, a que correspondem as facturas n.os 5744, de 03.12.91, e 417, de 29.01.92, nos montantes, respectivamente, de 108.663$00 e 278.415$00. Também neste caso havia sido concedido um desconto de 193.540$00 através da nota de crédito n.º 63, de 5.3.92;
50.º Nesse telefonema, o Arguido responsabilizou-se pelo pagamento das contas da prima e da tia, autorizando que a sua interlocutora lhe descontasse a quantia mensal de 30 contos no processamento dos seus vencimentos;
51.º Como a responsável administrativa lhe tivesse pedido a confirmação por escrito, o Arguido remeteu-lhe as fotocópias dos duplicados — e não dos originais — das facturas-recibos, nas quais o Arguido declarou responsabilizar-se pelo seu pagamento;
52.º Nunca o Arguido pediu autorização ou deu sequer conhecimento [à] Mesa Administrativa do não pagamento e, agora, do pedido de dilação do pagamento destas contas hospitalares;
53.º Tampouco [o] Arguido informou quem quer que fosse do desaparecimento da documentação da Instituição, sendo certo que o Arguido se apropriou, pelo menos, do original e duplicado das contas hospitalares relativa aos internamentos da prima e do original das contas hospitalares dos internamentos da tia;
54.º O Arguido ocultou estes seus actos quer da Mesa Administrativa, quer dos responsáveis administrativos que se incumbem dos registos das contas hospitalares, de tal forma que a Instituição correu sérios riscos de não detectar a falta de pagamento destas contas e de, em consequência, ficar lesada com um prejuízo de, aproximadamente, 1.700 contos;
55.º Em consequência, continuando por pagar as referidas contas, a Instituição permanece lesada com um prejuízo de, aproximadamente, 1.700 contos.

O recorrente defende, contudo, que os pontos da matéria de facto constantes sob os n.os 11 e 12 não devem subsistir, invocando que, como corolário das regras contidas nos artigos 10.º, n.º 9, e 12.º, n.º 4, da LCCT, «não poderia nem pode uma eventual condenação em processo-crime condicionar ou influenciar uma decisão em processo laboral, sendo ainda pacífica a inexistência entre ambas as acções de qualquer relação de prejudicialidade», e que, relativamente às infracções imputadas ao recorrente, o tribunal de primeira instância considerou provados os factos julgados provados «[p]or sentença transitada em julgado, proferida no Processo n.º 9762/92.6JAPRT da 4.ª Vara Criminal do Porto, conforme certidão de fls. 788 a 817, em que eram arguidos o aqui Autor e CC e assistente a aqui Ré», sendo que «a única prova produzida no processo laboral relativamente a essa matéria foi precisamente a junção aos autos da sentença proferida no processo-crime, o que, tendo em conta o facto de inexistir entre a acção penal e a acção laboral qualquer relação de prejudicialidade, foi manifestamente inadequado».

Por outro lado, «[a]o considerar a prolação da sentença no processo-crime para efeitos de avaliação da ilicitude do despedimento no presente processo, alicerçara-se o Tribunal de primeira instância num facto que não constava da acusação e/ou da decisão disciplinares, em clara inobservância do disposto no art. 12.º, n.º 4, do DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro», tendo o Tribunal da Relação do Porto incorrido no mesmo erro ao tentar «emendar a falha atrás identificada aditando à decisão de facto da primeira instância, sob o n.º 12, um novo facto provado», que é «insusceptível de consubstanciar qualquer facto e que, em qualquer circunstância, enferma das mesmas insuficiências e irregularidades imputadas anteriormente ao expediente observado pelo tribunal de primeira instância».

Tais questões prendem-se com a fixação dos factos materiais da causa.

Como é sabido, a Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, e poderá também anular a decisão sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a sua ampliação (artigo 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil) ou ainda ordenar a fundamentação da decisão proferida pela primeira instância relativamente a algum ponto de facto que não estiver devidamente fundamentado (artigo 712.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).

Todavia, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal.

Especificamente, o n.º 2 do artigo 722.º citado estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova». Por outro lado, o n.º 2 do artigo 729.º referido determina que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º».

Assim, no respeitante à modificabilidade da decisão de facto, a intervenção do Supremo reconduz-se à verificação da conformidade da decisão de facto com o direito probatório material, nos estritos termos dos normativos citados.

No caso, o autor questiona a eficácia probatória extraprocessual da sentença penal condenatória transitada em julgado e alega que o acórdão recorrido, ao dar como provados os factos 11) e 12), viola o disposto no n.º 4 do artigo 12.º da LCCT.

A primeira questão posta é a de saber se o acórdão recorrido deveria ou não acatar a referida sentença penal condenatória proferida contra o autor, com a eficácia que lhe é atribuída pelo artigo 674.º-A do Código de Processo Civil, aditado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, o qual estipula que «[a] condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como os que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção».

Como se lê no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, «no que se refere à disciplina dos efeitos da sentença, assume-se a regulamentação dos efeitos do caso julgado penal, quer condenatório, quer absolutório, por acções civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando originariamente do Código de Processo Penal de 1929, não figura no actualmente em vigor», mas adequando-se «o âmbito da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em mera presunção, ilidível por terceiros, da existência do facto e da respectiva autoria».

Sendo este o regime aplicável no caso, por força do disposto nos artigos 16.º e 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, complexo normativo que se projecta, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho de 1981, a decisão penal condenatória em causa, no respeitante ao autor e à ré, que intervieram na acção penal, tem eficácia absoluta quanto «à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como os que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção» — cf. os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 21 de Janeiro de 1992, com sumário disponível em www.dgsi.pt, n.º de documento SJ199201210818111, de 15 de Março de 1994, com sumário disponível em www.dgsi.pt, n.º de documento SJ199403150848441, relativos a situações anteriores à reforma de 1995-1996, bem como os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 6 de Janeiro de 2000, com sumário disponível em www.dgsi.pt, n.º de documento SJ20000106010652, de 14 de Fevereiro de 2002, proferido no Processo n.º 3849/01, da 2.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt, Jurisprudência, Sumários de Acórdãos, 2002, Secções Cíveis, de 13 de Novembro de 2003, disponível em www.dgsi.pt, n.º de documento SJ200311130029987, de 25 de Março de 2004, disponível em www.dgsi.pt, n.º de documento SJ200403250041937, e, ainda, de 9 de Dezembro de 2004, disponível em www.dgsi.pt, n.º de documento SJ200412090017642, estes relativos a situações posteriores à reforma de 1995-1996.

Ora, o recorrente e a recorrida intervieram no processo-crime em causa, na qualidade, respectivamente, de arguido e assistente, pelo que a dita condenação do recorrente nesse processo criminal, uma vez transitada em julgado, e onde, na parte relativa àquele, se discutiam, como se extrai dos factos 11) e 12), no essencial, os mesmos factos imputados na decisão disciplinar e constantes da base instrutória, tem eficácia absoluta no tocante aos factos constitutivos da infracção, que não poderão, assim, voltar a ser discutidos dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos e da culpa sempre definitivos quanto ao arguido.

É que, tal como se decidiu no citado acórdão de 14 de Fevereiro de 2002, «[a] possibilidade de ilidir a presunção nunca é concedida ao arguido condenado mas, apenas, em homenagem ao princípio do contraditório, aos sujeitos processuais não intervenientes no processo penal, para lhes dar a oportunidade de demonstrar que, afinal, o arguido, não obstante ter sido condenado definitivamente não actuou com culpa e, portanto, não praticou os factos integradores da infracção por que foi condenado».

Assim não merece censura o acórdão recorrido, na parte em que atendeu ao valor probatório da sobredita sentença penal condenatória transitada em julgado.

O recorrente alega, igualmente, que o acórdão recorrido, ao considerar como provados os factos 11) e 12), violou o disposto no n.º 4 do artigo 12.º da LCCT.

Segundo esta norma, «[n]a acção de impugnação judicial do despedimento, a entidade empregadora apenas pode invocar factos constantes da decisão referida nos n.os 8 a 10 do artigo 10.º [decisão de despedimento], competindo-lhe a prova dos mesmos».
Ora, não se invocando, neste preciso segmento do recurso, que a Relação tenha ofendido qualquer disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova, é de todo evidente que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal pronunciar-se sobre o invocado erro na fixação dos factos materiais da causa (artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Não há, pois, fundamento para que este Supremo Tribunal exerça censura sobre a matéria de facto fixada pelas instâncias, pelo que improcedem as conclusões 1.ª a 13.ª da alegação do recurso de revista.

Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que hão-de ser resolvidas as restantes questões suscitadas no presente recurso.

2. Quanto às infracções praticadas no plano administrativo, contabilístico e financeiro, discriminadas nos n.os 1 a 46 da decisão disciplinar, o recorrente aduz que terão sido praticadas nos anos de 1988 e 1989 e ainda uma nos finais de 1990, pelo que, atento o disposto no n.º 3 do artigo 27.º da LCT, «todos os factos dados como provados relativamente a essa matéria não podem ter quaisquer efeitos na apreciação da licitude do despedimento», e que, «[t]endo o processo disciplinar sido instaurado apenas em 25 de Maio de 1992, nessa data, estava também prescrita a suposta infracção relacionada com o internamento da prima em Abril».

Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

«Justamente, dispõe o art. 27.º, n.º 3, da LCT que “a infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar...”
Tal prazo, como é pacífico, aplica-se a qualquer infracção disciplinar e independente do momento do seu conhecimento pela entidade patronal, de modo a evitar que se prolongue indefinidamente no tempo a possibilidade de o empregador sancionar um trabalhador.
Este prazo conta-se a partir da prática da infracção, se esta tiver carácter instantâneo, ou após findar o último acto que a integra, nos casos de infracções continuadas, havendo, nesta matéria, que recorrer, por analogia, às normas do direito penal relativas ao crime continuado — art. 30.º, n.º 2, do Código Penal.
Sobre esta questão da infracção continuada, se pronunciou o STJ, no seu acórdão de 30.04.2008, in www.dgsi.pt [n.º de documento SJ2008043002414], dele se extraindo a seguinte fundamentação:
“[…] o que caracteriza o crime continuado não é, ao contrário do que diz o recorrente, a unidade de resolução de vontade. Pelo contrário, o crime continuado pressupõe uma pluralidade de resoluções, uma vez que se traduz na realização de várias condutas criminosas. O que justifica que as diversas condutas criminosas sejam aglutinadas numa só infracção é a considerável diminuição da culpa do agente, devido a um conjunto de circunstâncias exteriores que, de forma significativa, facilitaram a repetição da actividade criminosa, com a consequente diminuição do grau de culpa do agente.
Como dizia Eduardo Correia (Direito Criminal, reimpressão, 1971, páginas 208-209), a acentuada diminuição da culpa do agente que justifica que se tomem, unitariamente, como um só crime o conjunto de actividades criminosas do agente e o fundamento dessa diminuição da culpa encontra-se ‘no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto’, pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, ‘a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito’.
E, no que toca às situações exteriores típicas susceptíveis de prepararem as coisas para a repetição da actividade criminosa, diminuindo assim consideravelmente o grau de culpa do agente, aquele autor indica as seguintes (ob. cit., p. 210):
a) [A] circunstância de se ter criado, através da primeira actividade criminosa, uma certa relação, um acordo entre os seus sujeitos;
b) [A] circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime, que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa
c) [A] circunstância da perduração do meio apto para realizar um delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa;
d) [A] circunstância de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa. (…).
No caso em apreço, e como bem se diz na sentença da 1.ª instância, a conduta do autor traduziu-se na violação sistemática das regras estabelecidas pelo réu para a concessão de crédito, nomeadamente através da utilização de descobertos ou ultrapassagem de plafonds e limites de concentração de crédito. Trata-se de uma actuação que se desenrolou de forma essencialmente homogénea e dúvidas não há que a mesma só ocorreu devido ao facto de o autor exercer as funções de gerente. Foi este facto exterior que o levou a repetir a violação das referidas regras. Cometida a primeira infracção, a oportunidade que favoreceu a sua prática (o exercício das funções de gerente) manteve--se e facilitou a prática de novas infracções.
Estamos, por isso, claramente, perante uma infracção de natureza continuada que, como resulta da matéria de facto provada, perdurou até 20.12.2002 [...].
E, como é sabido, nas infracções continuadas o prazo da prescrição só começa a decorrer a partir do último acto que a integra, interrompendo-se com a notificação da nota de culpa ou com o início do processo prévio de inquérito, se a sua realização se mostrar necessária para fundamentar a nota de culpa e decorrer com a diligência devida [...]”.
Voltando ao caso dos autos.
Pela sua plena actualidade, vale a pena atentar nos fundamentos invocados no acórdão desta Relação, que julgou procedente o recurso interposto pela ora recorrida na providência cautelar de suspensão do despedimento n.º 126/92, então intentada pelo ora recorrente (cf. fls. 220-222 do processo apenso aos presentes autos):
Acontece, porém, que, como a recorrente refere nas suas alegações, algumas das infracções imputadas ao recorrido (ora Recorrente) tinham natureza continuada e a sua prática mantinha-se ainda em Abril de 1992, data em que o recorrido foi suspenso, e relativamente a outras ainda não teria decorrido o prazo de um ano. E tem razão a recorrente.
Na verdade, como acima já se referiu, a recorrente não se limita a imputar ao recorrido a prática da infracção consubstanciada no desvio ilícito de valores monetários.
Acusa-o ainda de, por falta de zelo e diligência, não ter encerrado os livros de Diário Geral e de Diário Auxiliar, relativos ao ano de 1989; de se ter apossado desses livros, cuja escrituração não estava a seu cargo, a fim de neles proceder a uma escrituração viciada, por força a encobrir os desvios de valores praticados; de, para o efeito, vir executando várias falsificações nos suportes documentais.... Ora, quer a não escrituração dos livros quer a viciação dos documentos traduzem-se em infracções de natureza continuada. Não há dúvidas de que, quando o processo foi instaurado, o encerramento dos livros ainda estava por fazer (vide ponto 3.2 do relatório da auditoria a fls. 6 do processo disciplinar apenso).
Também se mostra provada a falsificação de alguns documentos (vide ponto 3.4 do dito relatório) e, pelo menos, algumas dessas falsificações foram levadas a cabo pelo recorrido...
Também parece claro que, em Abril de 1992 (mês em que o recorrido foi verbalmente suspenso), o tal expediente ainda se encontrava em marcha, o que aliás se compreende, pois os livros estavam por encerrar e havia que encerrá-los de modo a tapar os buracos, que não eram pequenos.
[...]
Mas, para além daquela infracção, outras há cujo procedimento disciplinar não se pode dar como prescrito, quer por haver prova de que o respectivo prazo não havia decorrido ainda, quer porque, havendo embora dúvidas sobre se tal prazo teria já decorrido ou não, tal dúvida aproveita à recorrente, constituindo a prescrição um facto extintivo do poder disciplinar da entidade empregadora, o ónus da prova compete ao trabalhador.
Naquela situação, temos as infracções consubstanciadas na destruição de diversos livros e documentos do arquivo, ordenada pelo recorrido (ora Recorrente)... e na ocultação das facturas relativas ao internamento de uma prima e de uma tia, ocorridos respectivamente em Abril e Outubro de 1991, e que, em Maio de 1992, o recorrido ainda detinha na sua posse, evitando assim as suas cobranças (depoimentos de fls. 134 e 139 v)».
Se relativamente à apropriação de verbas, esta se consumou entre 1988 e 1990, daí a sua prescrição, já toda a conduta fraudulenta idealizada pelo recorrente, com vista a ocultar esses desvios, incluindo a falsificação da escrita, viciação e destruição de centenas de documentos, ocorreu nos anos seguintes e ainda estava em curso quan[d]o, em Abril de 1992, se iniciou a auditoria promovida pela ora recorrida e que antecedeu a instauração do processo disciplinar — factos 6.º a 46.º do relatório final que integra a decisão disciplinar e alíneas c) a pp) do acórdão condenatório.
O mesmo se aplica, no tocante aos internamentos da prima do Apelante, ocorridos em Abril de 1991, e de uma sua tia, ocorrido em Outubro de 1991 — cf. n.os 47 a 57 do relatório que integra a decisão disciplinar e alíneas ii) e jj) do acórdão condenatório.
Está, aqui, também em causa [a] ocultação continuada de documentação, relativa às contas de internamentos, praticada pelo próprio Administrador da Instituição, sendo que tal conduta só podia ter início em datas bem posteriores aos mesmos internamentos, já que, em 8.8.91, no caso da prima, e, em 5.3.92, no caso da tia, ainda estavam a ser processados descontos praticados pela Instituição, devido aos laços de parentesco com o recorrente — factos 48.º e 49.º do relatório final que integra a decisão disciplinar.
Ou seja:
Dos factos elencados resulta que a actuação do A./recorrente foi sempre praticada nas mesmas circunstâncias de modo e local e por causa das funções e competências de que estava incumbido no âmbito da relação laboral que mantinha com a Ré.
Trata-se, como se refere no acórdão do STJ acima citado, de uma actuação que se desenrolou de forma essencialmente homogénea, determinada por um quadro de circunstâncias exógenas idênticas, facilitadoras e perdurando no tempo (as funções de administrador que, no âmbito da relação laboral, o A. desempenhava e a especial relação de confiança que, por causa de tais funções, a Instituição nele depositava).
Cometido o primeiro dos factos integradores das infracções imputadas, a oportunidade que favoreceu a sua prática manteve-se e facilitou a prática de novas infracções.
Estamos, por isso, claramente, perante infracções de natureza continuada que, como resulta da matéria de facto provada, perduravam em 27.04.1992, quando a Ré decidiu proceder à auditoria que antecedeu o procedimento disciplinar, e que se revelou necessária para fundamentar a nota de culpa, como se depreende da complexidade dos factos em apreço.
E, como é sabido, nas infracções continuadas, o prazo da prescrição só começa a decorrer a partir do último acto que a integra, interrompendo-se com a notificação da nota de culpa ou com o início do processo prévio de inquérito, se a sua realização se mostrar necessária para fundamentar a nota de culpa e decorrer com a diligência devida.
Conclui-se, pois, pela improcedência do recurso, nesta parte.»

Tudo ponderado, subscreve-se o juízo decisório enunciado.

Por conseguinte, improcedem as conclusões 14.ª a 18.ª, 22.ª e 27.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

3. Importa, agora, ajuizar se a conduta imputada ao autor, de acordo com a matéria de facto dada como provada, integra ou não justa causa de despedimento.

A sentença do tribunal de primeira instância decidiu que, não obstante a antiguidade do autor, atenta a natureza dos comportamentos adoptados e respectiva gravidade, e a posição que o mesmo ocupava na Instituição, não era exigível à ré a manutenção da relação contratual, pelo que ocorreu justa causa para o despedimento.
Este entendimento foi inteiramente sufragado pelo acórdão recorrido.

3.1. O autor sustenta, porém, que, «[r]elativamente às questões relacionadas com os internamentos de uma prima e de uma tia do recorrente, constava apenas da nota de culpa o que aí fora vertido para os itens 47.º a 54.º», bastando «analisar essa peça para se concluir sem quaisquer dúvidas que, relativamente a questões relacionadas com a prima, apenas foi imputada ao recorrente uma situação ocorrida em Abril de 1991 — nada tendo sido imputado relativamente a factos alegadamente ocorridos em Setembro —, e que quanto a questões relacionadas com a tia, apenas foi imputada a pretensa situação de Outubro de 1991 e jamais qualquer situação de Janeiro de 1992», sendo que, «[r]elativamente ao internamento da prima em Setembro de 1991 e ao internamento da tia em Janeiro de 1992, nenhum dos factos constantes da decisão disciplinar ou da sentença proferida no processo crime poderiam ter sido considerados pelas instâncias para efeitos de apreciação da licitude do despedimento, sendo que, ao considerá-los, violou este o disposto nos artigos 10.º, n.º 9, e 12.º, n.º 4, do DL n.º 64-A/89».

Mais acrescenta que «[d]e todos os factos — todos —, que vieram a constar sucessivamente na decisão disciplinar, na sentença do processo-crime e na sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância e no acórdão do Tribunal da Relação, o único que não se encontra prejudicado para efeitos de apreciação da ilicitude do despedimento foi e é o relacionado com o internamento da tia do recorrente em Outubro de 1991», sendo que «esse suposto não pagamento de uma conta não seria nem é susceptível de comprometer a relação de confiança necessária à manutenção do vínculo laboral, particularmente quando não só é certo que a conta não era da responsabilidade do recorrente como é igualmente verdade que foi o próprio recorrente quem transmitiu esse facto à responsável administrativa da recorrida».

3.2. A proibição dos despedimentos sem justa causa recebeu expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º da Lei Fundamental, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»).

Por sua vez, a disciplina legal do despedimento promovido pela entidade empregadora está contida nos artigos 9.º a 15.º da LCCT, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem.

De harmonia com o preceituado no artigo 9.º, constitui justa causa de despedimento «[o] comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho» (n.º 1).

O conceito de justa causa formulado neste normativo compreende, segundo o entendimento generalizado tanto na doutrina, como na jurisprudência, três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.

Os comportamentos do trabalhador susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento acham-se enumerados, a título exemplificativo, nas alíneas do n.º 2 do artigo 9.º, relevando para o caso, a «[d]esobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores» [alínea a)] e o «[d]esinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja confiado» [alínea d)].

Para apreciação da justa causa, deve atender-se, conforme estabelece o n.º 5 do artigo 12.º, no quadro da gestão da empresa, «ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».

Nesta conformidade, a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes — intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, carácter das relações entre as partes —, se conclua pela premência da desvinculação.

Por conseguinte, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível.

Cabe ainda salientar que, na acção de impugnação de despedimento, o ónus probatório incumbe ao trabalhador, quanto à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, recaindo sobre a entidade patronal, nos termos do n.º 4 do artigo 12.º, quanto à verificação da justa causa de despedimento.

3.3. Neste conspecto, o acórdão recorrido decidiu o seguinte:

«Quanto à alínea hh) dos factos provados, lendo atentamente a decisão disciplinar constata--se que nela não é imputado ao recorrente que, por si ou por interposta pessoa, tivesse subtraído e destruído documentos, guardados nas instalações da recorrida, entre 27 de Abril e 4 de Maio de 1992: os únicos factos desse teor constam dos arts. 43.º e 44.º da decisão e datam de finais de 1990.
Tais factos não podem, assim, ser considerados para apreciação da justa causa de despedimento.
Quanto às alíneas ii) e jj) dos factos provados, correspondem, no essencial, aos factos constantes dos arts. 47.º a 54.º da decisão disciplinar, pelo que não podem deixar de relevar para a apreciação da justa causa.
No tocante às demais questões suscitadas, remete-se para o que supra ficou dito, em sede da questão da prescrição, pelo que os factos respectivos relevam para efeitos de justa causa.
Dito isto:
A factualidade descrita na decisão disciplinar, considerada provada no acórdão condenatório, ou seja, a descrita nas alíneas a), b), c), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v), w), x), y), z), aa), bb), cc), dd), ee), gg), ii), jj) e kk), traduz uma violação continuada dos deveres de lealdade e de realizar o seu trabalho com zelo e diligência, previstos no art. 20.º, n.º 1, alíneas b) e d), da LCT, geradora de sérios prejuízos patrimoniais para a recorrida, legitimando a conclusão de que tal conduta é idónea a quebrar de forma definitiva e irremediável a relação de confiança.
Na verdade, a ocultação, acompanhada por viciação, de qualquer escrita comercial, e respectiva documentação, é, só por si, um acto ilicitamente grave, por se tratar de elementos essenciais à vida das instituições.
A gravidade torna-se maior se com ela o trabalhador, no caso, um seu administrador, mais não pretende do que encobrir a prática de desvios significativos de valores pecuniários pertencentes à entidade patronal ou, no caso dos internamentos, pôr em crise a cobrança dos valores devidos por tais actos.
A violação, por parte do trabalhador, dos seus deveres de lealdade e de honestidade, para com a entidade patronal — mesmo envolvendo apenas prejuízos patrimoniais diminutos — quebra inevitavelmente a relação de confiança em que assenta a relação laboral, justificando o despedimento.
Com efeito, os deveres de lealdade, honestidade e fidelidade são deveres absolutos: sendo ou tendo sido infringidos pelo trabalhador, torna-se inexigível à entidade patronal a manutenção na empresa de alguém que tão gravemente desrespeitou valores essenciais à continuidade da relação laboral, em que é absolutamente indispensável a existência de um clima de total confiança entre os sujeitos desse vínculo.
A idêntica conclusão se chega, em sede do grau de responsabilidade e níveis de exigência associados ao trabalhador em causa: a antiguidade do recorrente ao serviço da recorrida, mais de 43 anos, bem como a sua situação profissional, de administrador, sobre ele faziam recair ainda mais responsabilidades.
Concluindo:
Decorre do exposto que se mostram preenchidos os requisitos legais, acima enunciados, da justa causa do despedimento, pelo que se confirma a sentença recorrida.»

Tudo ponderado, subscrevem-se, no essencial, as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.
Não há, pois, motivo para alterar o julgado.
Improcedem, em conformidade, as conclusões 19.ª a 21.ª, 23.ª a 26.ª e 27.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2010

Pinto Hespanhol (Relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra