Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
769/17.3PBAMD-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: EDUARDO LOUREIRO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 11/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - O recurso de revisão penal é um meio extraordinário de impugnação de uma sentença transitada em julgado que visa a obtenção de uma nova decisão mediante a repetição do julgamento.
II - Sendo, um expediente excepcional, que prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, só circunstâncias substantivas e imperiosas o podem legitimar.
III - E, na sua concreta actuação, não se pode transformar numa uma apelação disfarçada num recurso ordinário encapotado, degradando o valor do caso julgado e permitindo a eternização da discussão de uma causa penal.
IV - O fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do mesmo preceito).
V - Deve interpretar-se a expressão factos ou meios de prova novos no sentido de o serem tanto os que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam ali ser apresentados e produzidos, como os que eram do conhecimento do requerente, mas não do tribunal, desde ele que justifique as razões por que não pôde, ou por que entendeu, não os apresentar.
VI - Não aduzindo o requerente nem factos nem meios de prova novos e propondo-se, unicamente, rediscutir a convicção probatória do tribunal à luz dos mesmos factos e das mesmas provas manuseadas na condenação, o pedido de autorização da revisão é manifestamente infundado.
Decisão Texto Integral:


Autos de Recurso Extraordinário de Revisão

Processo n.º 769/17.3PBAMD-B.S1

5ª Secção


*

I. relatório.
1. Por acórdão do Tribunal Colectivo do Juiz ... do Juízo Central Criminal ...... proferido nos autos de processo comum colectivo de que estes são dependência, foi o arguido AA condenado pela prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de violação, p. e p. pelo art.º 164º n.º 1 al.ª a) do Código Penal (CP), na pena de 5 anos de prisão, de um crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161º n.º 1 al.ª b) do CP, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão e de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º n.º 1 do CP, na pena de 2 a e 6 meses prisão.
Em cúmulo jurídico foi-lhe imposta a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.
E foi, ainda, condenado no pagamento da quantia de € 10 000,00 para reparação dos prejuízos causados à ofendida, nos termos dos art.os 82º-A n.º 1, 67º-A n.os 1 al.as a) i) e b) e 3, do CPP, e 16º n.º 2 do Estatuto da Vítima.

Inconformado, recorreu, de facto e de direito, para o Tribunal da Relação …... (TR....), mas, em acórdão de 11.12.2019 – doravante, Acórdão Recorrido –, apenas foi atendido na questão da medida concreta da pena única, que viu reduzida para 5 anos e 6 meses de prisão.

2. Transitada em julgado a condenação, vem o Requerente interpor o presente recurso extraordinário de revisão no «exercício do direito previsto nos artigos 449º, nº 1 al. d), 450°, n° 1, al. c) e 451 °, todos do CPP».
Remata o petitório com as seguintes conclusões e pedido:
─ «I - O ora recorrente foi condenado Pela prática de um crime de violação, p. e p. pelo artº 164°, n° 1 al. a) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
Pela prática de um crime de rapto, p. e p. pelo artº 161°, n° 1 al. b) do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
Pela prática de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210°, n° 1 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
E a título de reparação pelos prejuízos sofridos á ofendida BB, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
II - O arguido recorreu para o Tribunal da Relação ....., que por Acórdão concedeu parcialmente provimento ao recurso, pelo que, mantendo as penas parcelares fixadas na 1ª Instância, ao arguido na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
III - O que o tribunal dá como provado e não provado são os mesmos factos, e são contraditórios, pois se por um lado o tribunal considera que os crimes foram cometidos com o recurso a um objecto pontiagudo, por outro dá como não provado que seria uma navalha ou faca, não especificando sequer o que era.
IV - Ora, os meios de prova, per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
V - Do conhecimento dos autos, não é referido que a ofendida nas declarações para memória futura ocultou o facto de quando começou a falar com o arguido, lhe mentiu quanto á sua idade, dizendo-lhe que tinha 16 anos e que o arguido acreditou, devido á sua compleição física!
VI - Pois a ofendida, apesar da sua idade, é muito desenvolvida fisicamente, conforme declarações da própria mãe da ofendida, e pode verificar-se no seu perfil da rede social "Instragram", provas que não foram consideradas pelo Tribunal de 1ª Instância.
VII - Pois, se o arguido soubesse a sua verdadeira idade, não teria sequer dado conversa!
Aliás tudo o que aconteceu entre a ofendida e o arguido foi consentido, nada foi forçado, no entanto, a versão do arguido não foi colhida.
VIII - A versão da ofendida não foi corroborada com qualquer outra prova, nem com testemunhas, nem pelas gravações do local onde supostamente aconteceram os crimes!
IX - A paz jurídica do arguido e da comunidade foi posta em causa, com a ocultação de factos por parte da ofendida, e pretende-se ver assim reconhecida com este tipo de recurso.
X - Na verdade, a questão não está em averiguar se se trata de novos factos ou de versão nova dos factos, nem de outros meios de prova, mas sim em saber se esses factos suscitam ou não graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
XI - Em suma, tudo está em averiguar se se verifica o nexo de causalidade entre o erro que se pretende corrigir e a injustiça da decisão condenatória, sendo isto que verdadeiramente, justifica a revisão e evita o erro judiciário transforme um inocente em criminoso. Aliás, o tribunal da 1 ª instância formou a sua convicção única e exclusivamente pela versão da ofendida, tendo sido parcial!
XII - Assim, face á nova versão descrita e por razões de justiça material devem ser tomadas as diligências necessárias e oportunas para um efetivo apuramento da verdade.
XIII - Pelo que se considera ter o presente recurso extraordinário de revisão fundamento e motivação suficiente e adequada.

Pelo exposto, deverão estes factos ser apreciados em sede de recurso extraordinário de revisão.
Termos em que deve ser revisto o Acórdão condenatório.».




3. Admitido o requerimento de revisão no Juiz ... Juízo Central Criminal ....... e complementada a sua instrução documental, respondeu-lhe o Ministério Público – art.º 454º n.º 1, primeira parte, do CPP [1] –, em peça do seguinte teor:
─ «[…].
No presente recurso vem o arguido censurar o douto acórdão em que foi condenado pela prática de um crime de violação, p. e p., pelo artº 164º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de cinco anos de prisão, de um crime de rapto, p. e p., pelo artº 161º, nº 1, alínea b), do Código Penal, na pena de dois anos e três meses de prisão, um crime de roubo, p. e p., pelo artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena de seis anos e seis meses de prisão, pena essa que, por acórdão do Tribunal da Relação ....., foi reduzida para cinco anos e seis meses de prisão.


Para o efeito, coloca em causa a versão da ofendida por não ser corroborada com qualquer outra prova, defendendo que «a questão não está em averiguar se se trata de novos factos ou de versão nova dos factos, nem de outros meios de prova, mas sim em saber se estes factos suscitam ou não graves dúvidas sobre a justiça da condenação».

Com o devido respeito afigura-se que o presente recurso não deve ser admitido, fazendo o recorrente uma leitura peregrina e não conforme com o nosso ordenamento jurídico.
Pelo que invoca e defende, não se vislumbra em qual das alíneas do nº 1, do artº 449º, do Código de Processo Penal, possa caber o que recorrente traz com o presente recurso.

É o próprio que refere que, não se trata, sequer, de dar ao conhecimento factos novos.

E, por outro, lado não indica outros fundamentos que permitissem a admissibilidade do recurso e previstos numa das alíneas do acima referido preceito legal.

Aliás, é tão óbvio ser assim, que o próprio recorrente não indica qual o suporte legal, qual a disposição legal em que se sustenta para apresentar o presente recurso.

O que o recorrente coloca em causa com o recurso, afinal é a própria paz pública do arguido e da comunidade que refere defender, tanto mais que, repete argumentos já pelo mesmo invocados e já sindicados pelo Tribunal da Relação ......

Não fazendo qualquer sentido que esgotadas as sindicâncias previstas no nosso ordenamento jurídico, persista, agora de forma abusiva, se servir do recurso extraordinário.

CONCLUINDO

- Deve ser rejeitado o presente recurso por falta de fundamento e não verificado, em qualquer das suas alíneas, o disposto no artº 449º, nº 1, do Código de Processo Penal;
- Sendo o próprio recorrente que não indica qual a sustentação legal para o que peticiona com o presente recurso.

Pelo exposto, deve o recurso de revisão ser rejeitado.
[…].»
  
4. De seu lado, a Senhora Juíza lançou informação nos termos dos art.º 454º, consignando, entre o mais, o seguinte:
─ «AA requereu a interposição de recurso de revisão, ao abrigo do disposto no art. 449, n.º 1, al d), 450º, n.º 1, al. c) e 451º do CPP, requerendo a revisão do acórdão condenatório proferido nos autos.
Alegou em síntese que:
[…].
Apreciando:
Dispõe o art. 449º do C.P.P. que a revisão da sentença transitada em julgado é admissível nos casos expressamente elencados nas alíneas ali referidas.
Em primeiro lugar, o requerente não indica expressamente o fundamento legal, por referência a uma das alíneas existentes no art. 449º, que preside ao pedido de revisão.
Supondo-se que, pelas alegações vertidas no requerimento, que tal fundamento é o constante na al. d), as razões apontadas não se integram objetivamente naquele fundamento.
Nessa situação é admissível requerer a revisão quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Como se salienta no Ac. do STJ de 06.11.2019, proc. 739/09.5 TBTVR-C.S1, in www.dgsi,pt, “É necessário ainda que tais elementos novos suscitem graves dúvidas, e não apenas quaisquer dúvidas, sobre a justiça da condenação. Ou seja, as dúvidas têm que ser suficientemente fortes e consistentes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado. Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão implica.”
Os argumentos apresentados (constituição física da vítima e perfil do Instagram) não constituem novos factos nem meios de prova que permitam de per si ou combinados com elementos dos autos permitam objetivamente concluir pela injustiça da condenação.
O que a requerente pretende é, novamente, sobrepor a sua convicção pessoal decorrente da apreciação que faz de factos que já estavam disponíveis na discussão do processo, para obter alteração da decisão, o que é próprio dos mecanismos de recurso ordinário.
Do mesmo modo, a conclusão de que o tribunal dá como provado e não provado os mesmos factos, deriva somente da interpretação pessoal e interessada do requerente.
Dar-se como provado que “o arguido, à data com 17 anos de idade, munido de um objeto pontiagudo, aproximou-se da ofendida, encetou conversa com a mesma e, a dado momento e com tal objeto encostado ao corpo da ofendida ordenou-lhe que se deslocasse.” não colide objetivamente, mesmo segundo as regras da lógica comum, com o dar-se como não provadoQue o arguido praticou os factos descritos nos factos provados aos pontos 1 a 15 munido de uma navalha, do qual fez uso na pessoa da ofendida durante todos os factos que praticou na pessoa daquela.”. A única coisa que se pode concluir neste caso é que, tirando o facto de ser pontiagudo, não se apurou qual o objeto concreto utilizado pelo arguido.
Em suma, salvaguardando melhor entendimento, não se vislumbra qualquer viabilidade na pretensão de revisão deduzida pelo arguido.
[…].»


5. Já neste Supremo Tribunal de Justiça, no momento previsto no art.º 455º, o Senhor Procurador-Geral Adjunto produziu douto parecer no sentido improcedência do recurso.
Com seguinte teor:
─ «O arguido AA veio interpor recurso de revisão, invocando o disposto no art.º 449º do Código de Processo Penal.
2. A tal recurso respondeu o Exmo. Sr. Procurador da República em 1ª instância, pugnando pela respectiva improcedência.
3. O Exmo. Sr. Juiz de Direito prestou a informação prevista pelo art.º 454º do CPP, pronunciando-se, igualmente, pelo indeferimento da requerida revisão.
4. A exaustividade e pertinência de ambas as peças processuais dispensam-nos de maiores comentários.
Cremos, com efeito, que, in casu, se não verifica qualquer dos pressupostos dos quais depende a admissão de um recurso extraordinário desta natureza. Note-se, aliás, que o arguido nem sequer teve o cuidado de especificar qual dos fundamentos previstos no referido art.º 449º entenderia ser aplicável ao processo em que foi julgado e condenado.
4. Na verdade, o arguido não veio aos autos indicar novos elementos de prova – e presumimos que apenas esse poderia, eventualmente, ser o fundamento do seu pedido de revisão (art.º 449º, nº 1, al. c) – que, de per si ou conjugados com outros já apreciados em sede de julgamento, fossem susceptíveis de gerar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.
O que fez, ao invés, foi adiantar a sua versão dos factos e a sua convicção pessoal sobre os acontecimentos, de acordo com a interpretação que deles tem; algo que já havia tentado aquando da interposição de recurso ordinário, esse, sim, o meio adequado para impugnar a decisão condenatória. 
5. Em suma, a fundamentação do arguido não parece ser bastante para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação; pelo que, em conformidade, nos parece dever ser denegada a requerida revisão.».

6. O recurso vem instruído da 1ª instância com certidões do acórdão do Tribunal Colectivo e do Tribunal da Relação ….... referidos em 1..
Neste tribunal e sob promoção do Senhor Procurador-Geral Adjunto, averiguou-se o trânsito do acórdão do Tribunal da Relação, ocorrido a 15.6.2020.

7. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.   

II. Fundamentação.

A. Recurso de revisão: considerações gerais.
8. O recurso de revisão é um meio extraordinário de reacção contra sentenças e, ou, despachos a elas equiparados, transitados em julgado, nos casos em que «o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas, susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa eliminar o escândalo dessa injustiça» [2].
O caso julgado concede estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito que é um dos fins do processo penal.
Mas fim do processo é, também e antes do mais, a realização da justiça. Por isso se não confere valor absoluto ao caso julgado, que deve ceder em situações de gravíssima e comprovada injustiça, garantindo o art.º 29º n.º 6 da Constituição da República Portuguesa a  revisão da sentença «nas condições que a lei prescrever».


Espaço de realização, assim, do compromisso adequado entre os valores da segurança e da justiça, o recurso de revisão da sentença penal está regulado nos art.os 449º a 466º, enunciando, logo, o primeiro deles os – todos os – fundamentos respectivos, a saber, o de «Uma outra sentença transitada em julgado ter considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão» – n.º 1 al.ª a); o de «Uma outra sentença transitada em julgado ter dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo» – n.º 1 al.ª b); o de «Os factos que serviram de fundamento à condenação […] serem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – n.º 1 al.ª c); o de se «Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – n.º 1 al.ª d) ; o de «Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º» – n.º 1 al.ª e); o de «Ser declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação» – n.º 1 al.ª f); e o de «Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, […] ser inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça» – n.º 1 al.ª g).

9. Sendo, um expediente excepcional, que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito» só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"» [3], podem legitimar o recurso de revisão.
E, na sua concreta actuação, não se pode transformar em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise[4], num recurso penal encapotado, degradando o valor do caso julgado e permitindo a eternização da discussão de uma causa: «o recurso de revisão é estruturado na lei processual penal em termos que não fazem dele uma nova instância, surgindo no prolongamento da ou das anteriores», sendo que «no novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias» [5].

10. Um dos fundamentos, taxativos, do recurso de revisão é, como referido, a descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação de que fala o art.º 449º n.º 1 al.ª d).

Pressuposto primeiro dele é, desse modo, a existência de factos ou meios de prova que possam considerar-se novos.
Na sua acepção mais comum – e, por assim dizer, mais tradicional – «[a] expressão "factos ou meios de prova novos", constante do fundamento de revisão da alínea d) do n° 1 do artigo 449º do CPP, deve interpretar-se no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão» [6].
Concede, todavia, alguma jurisprudência mais recente – aliás, hoje, predominante e com que se concorda – que ainda sejam novos os factos ou meios de prova já conhecidos ao tempo do julgamento pelo requerente, desde que este justifique «porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal» [7].

11. Condição necessária da revisão fundada na al.ª d) referida, a descoberta de novos factos ou meios de prova não é, todavia, suficiente, havendo uns e, ou, outros de lançarem «graves dúvidas sobre a justiça da condenação».
E dúvidas efectivamente graves ou sérias, que «a dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de subir o patamar da mera existência, para atingir a vertente da "gravidade" que baste», não sendo «uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada» [8].
E havendo, ainda, esse facto e, ou, meio de prova de «fazer sentido no contexto e de ser portador de verosimilhança que o credite para evidenciar a alta probabilidade de um erro judiciário e desse modo potenciar a alteração do que antes ficou provado» [9].


12. Isto dito, passe-se, então à apreciação do mérito do recurso, começando por, a benefício de mais fácil enquadramento da discussão, transcrever os segmentos da decisão de facto e da motivação da convicção probatória do Acórdão Recorrido que mais proximamente interessam à decisão:

B. O Acórdão Recorrido.
13. Confirmando, integralmente, o que vinha da 1ª instância, o Tribunal da Relação assentou, entre outros, nos seguintes factos:
─ Factos provados:
─ «1. No dia 24 de Novembro de 2017, ao final da tarde, a ofendida BB, à data com 13 anos de idade, encontrava-se sentada num banco no jardim ......, no ..., ..., nas proximidades do Agrupamento Escolar ......, que frequenta.
2. O arguido, à data com 17 anos de idade, munido de um objecto pontiagudo, aproximou-se da ofendida, encetou conversa com a mesma e, a dado momento e com tal objecto encostado ao corpo da ofendida ordenou-lhe que se deslocasse.
3. O arguido sempre com o objecto pontiagudo encostado ao corpo da ofendida, encaminhou-a até um local mais reservado no parque, junto de uma edificação e de umas árvores.
4. Aí chegados o arguido puxou as calças da ofendida para baixo ao que esta as puxou para cima.
5. De imediato o arguido apalpou os seios da ofendida e como esta o empurrava e o arguido continuava, com tais movimentos o arguido rasgou a camisola que aquela trazia vestida.
6. De seguida e mantendo-se de pé, retirou o pénis para fora das calças.
7. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido forçou a ofendida a ajoelhar-se perante si e colocou o pénis no interior da boca da ofendida e obrigou-a a fazer-lhe sexo oral, agarrando-lhe na cabeça para a obrigar a manter-se a praticar tal acto sexual.
8. O arguido fez com que a ofendida persistisse naquela prática até ter ejaculado para a boca e peito da mesma.
9.  Acto contínuo, quando saiam do local o arguido ordenou à ofendida que lhe entregasse o telemóvel, dizendo-lhe que se não o fizesse ou se gritasse a empurrava das escadas e lhe dava uma navalhada, ao que a ofendida lhe entregou o telemóvel que tinha na sua posse, da marca e modelo “…. …", permitindo-lhe o arguido, que retirasse o cartão SIM.
10. Em seguida, na posse do referido aparelho, que fez seu e que fazia não lhe pertencer e do qual se apropriou através da ameaça exercida contra a integridade física da ofendida, o arguido abandonou o local, ali deixando a ofendida.
11. O arguido levou a ofendida, à força, para o local mencionado, aí a mantendo através do uso de violência e contra a sua vontade, o que quis e conseguiu.
12. O arguido agiu determinado por excitação e para satisfação do seu instinto sexual, querendo e conseguindo manter com a ofendida práticas sexuais, contra a vontade desta.
13. Nessas circunstâncias, não se coibiu de a sujeitar a actos que sabia serem ofensivos e prejudiciais para o livre e normal desenvolvimento da personalidade da ofendida na esfera sexual.
14. O arguido praticou os factos descritos não se coibindo para o efeito de ameaçar e usar de violência contra a integridade física da ofendida, intimidando-a com uma um objecto pontiagudo, ciente que era susceptível de causar-lhe sério receio pela sua integridade física e pela própria vida, de modo a impossibilitar qualquer capacidade de reacção, o que sucedeu.
15. Em tudo agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei e todas contrárias à vontade da ofendida.
[…].».
─ Factos não provados:
─ «1. Que o arguido praticou os factos descritos nos factos provados aos pontos 1 a 15 munido de uma navalha, do qual fez uso na pessoa da ofendida durante todos os factos que praticou na pessoa daquela.
2. Que no decurso dos factos provados ao ponto 5 o arguido apalpou o rabo da ofendida, colocando as suas mãos no interior do vestuário daquela.
3. Que durante os factos provados e descritos aos pontos 6 a 8 o arguido manteve sempre a navalha apontada à ofendida.
4. Que após o descrito ao ponto 5 dos factos provados o arguido passou com o pénis no meio dos seios da ofendida.
5. Que nas circunstâncias descritas em 8 dos factos provados o arguido também ejaculou para a face da ofendida.
6. Que a ofendida aparenta a idade que tem pelo que o arguido não ignorava que mantinha tais práticas com uma criança.

E motivou a convicção probatória nos seguintes termos:
─ «(…)
Assim, quanto aos factos que se consideraram provados e constantes da acusação e às circunstâncias em que os mesmos ocorreram, foram considerados, em concreto e de forma concatenada no que se reporta à idade da ofendida e aos factos provados e constantes aos pontos 1 a 10, a certidão de nascimento da ofendida BB de fls. 157 a 158, de onde resulta que a mesma nasceu na data de ........2004, o auto de notícia de fls. 4 a 5 e o aditamento de fls. 23, os elementos clínicos da ofendida de fls. 115 a 116 (sendo que a ofendida só foi levada ao Hospital após ter falado com o psicólogo na escola, alguns dias após os factos, o que inviabilizou a recolha de quaisquer vestígios biológicos) e bem assim as fotos ao local onde ocorreram os factos de fls. 11 e 69 a 73, concatenados com as declarações da própria ofendida BB e com os depoimentos das testemunhas CC (mãe da ofendida) e DD (inspector da Polícia Judiciária responsável pela investigação) depoimentos também considerados quanto aos factos provados aos pontos 10 a 15, tendo ainda sendo valorado o depoimento da testemunha CC, no que se reporta aos factos provados aos pontos 16 a 18, no que respeita às alterações no comportamento da ofendida após e por causa dos factos e ao sofrimento da mesma.
A ofendida BB, pese embora as limitações decorrentes da sua idade e de alguma fragilidade emocional e cognitiva, que foi apreendida pelo Tribunal aquando da sua audição presencial em audiência de julgamento, a qual é notória no seu discurso e modo como explicita os acontecimentos que viveu, confirmou no essencial os factos do modo como os mesmos resultaram provados. A debilidade emocional da ofendida é revelada desde logo, nalguns dos pormenores que relatou e que descreveu como tendo vivido, aqui, na circunstância de ter tido necessidade de revelar que o arguido colocou folhas do caderno (que o próprio trazia) no chão quando a mandou ajoelhar-se para que não sujasse as calças e que como estava vento e as folhas voavam, ele colocou o seu próprio casaco no chão, em cima do qual se ajoelhou; na circunstância de ter deitado para o lixo a camisola que vestia na data dos factos porque o arguido lha rasgara e por não poder ser aproveitada (revelando uma ingenuidade e incúria próprias da sua idade e da vergonha e fragilidade que sentiu) e ainda, na causa que, após perceber que EE era namorada do arguido (tendo sido inicialmente impulsionada para a seguir no Instagram porque a mesma era amiga do arguido que reconheceu pelo nome que o mesmo lhe revelou na data dos factos e quis saber se era ele para o identificar) se mantivesse a segui-la para ver as suas fotos e até a colocar os vulgares "likes/gostos" em fotos pela mesma publicadas com o arguido e que em tal fórum virtual se traduzem num símbolo de coração.
Saliente-se que a ofendida, quer quando prestou declarações para memória futura (as quais foram ouvidas no decurso do julgamento), quer quando prestou depoimento presencialmente em audiência de julgamento, explicou de forma lógica, uniforme, pormenorizada e consistente os factos praticados pelo arguido na sua pessoa e demonstrou a vergonha e o mau estar psicológico que os mesmos lhe causaram, tendo relatado que na data dos factos apenas conseguiu falar dos factos relativos ao telemóvel e que só conseguiu relatar os factos de natureza sexual ao psicólogo que a acompanha na escola, porque ele percebeu que algo se passava e insistiu para que contasse, o que se mostra compreensível, face à sua idade e estado emocional e cognitivo, aliados à vergonha, angústia e medo em que se encontrava.
Realce-se no entanto que, tais arduidades nas declarações da ofendida, o que se vislumbra não apenas do modo por vezes lacónico com que lhe foi possível falar dos factos, relatando-os de forma a "minorar" o que vivenciou, em nada minimizou ou descredibilizou os factos que descreveu ao Tribunal, muito pelo contrário, e permitiu ainda ao Tribunal perceber a debilidade de que padece e as fragilidades emocionais que tem e o seu estado de dor e sofrimento e a forma como interiormente conseguiu lidar com os factos perpetrados na sua pessoa (aqui saliente-se o declarado pela própria quando referiu que a partir daquele dia começaram cada vez mais problemas, teve de ir ao hospital, à polícia, ao tribunal e deixou de ir ao parque e o declarado pela testemunha CC, sua mãe, que identificou com precisão uma alteração de comportamento e de personalidade sofridos pela ofendida, após estes factos).
Por outro lado, as suas declarações, mostram-se consonantes com o depoimento da testemunha CC sua mãe, quanto a só ter tido conhecimento dos factos, que não o roubo do telemóvel, através da assistente da escola e que confirmou as alterações no seu comportamento, tendo adoptado uma postura de isolamento e agressividade após os factos que viveu e que a mesma nunca falou consigo sobre os mesmos.
A par, considerou ainda o Tribunal o depoimento da testemunha DD, Inspectora da Polícia Judiciária, que acompanhou a investigação, fez a busca em casa do arguido onde lhe foi apreendido o casaco descrito e reconhecido pela ofendida como o que o arguido colocou no chão para se ajoelhar e que acompanhou a ofendida BB no reconhecimento que esta fez do arguido, constante a fls. 131 a 132 dos autos e que a ofendida confirmou em audiência de julgamento.
No que respeita ao depoimento da testemunha FF, o Tribunal apenas valorou o seu depoimento nos exactos termos em que o mesmo se encontrava com um amigo no parque e viu o arguido e a ofendida sentados juntos, ao que pensa a conversarem por breves minutos e após se ausentaram, não tendo visto qualquer contacto entre aqueles e/ou que o arguido com a ofendida tivessem andado a apanhar beatas, pelo que o mesmo nada viu ou ouviu sobre os factos, dos mesmos não tendo qualquer conhecimento directo.
Os depoimentos e declarações supra referidos foram considerados e valorados positivamente pelo Tribunal nos termos acima explanados porque prestados de forma segura, concertada e lógica, quer entre si, quer com as regras da experiência comum, tendo cada uma das testemunhas relatado os factos que presenciou e/ou ouviu, razão porque mereceram, nessa medida, a credibilidade do Tribunal, sendo que as eventuais indefinições (em concreto as indefinições de comportamentos e/ou atitudes) se deveram, tão só, relativamente à ofendida BB à situação traumática vivenciada aliada à sua debilidade psíquica e ao tempo que mediou entre a ocorrência dos factos e a data das declarações e a um notório sentimento de poder ter feito algo que ficou por fazer (sem explicação racional cabal).
No que respeita às declarações do arguido, verifica-se que o mesmo em audiência de julgamento assumiu parte dos factos, declarando ser verdade que a ofendida lhe fez sexo oral, mas por lhe ter pedido e ela ter aceite, sendo que esta lhe disse ter 16 anos de idade e aceitou ainda os factos atinentes à subtracção do telemóvel e ao modo como tal ocorreu, com excepção de ter na sua posse qualquer faca/navalha e, bem assim, negou que alguma lhe tivesse apontado qualquer faca/navalha e/ou que, alguma vez tenha obrigado a ofendida a deslocar-se consigo para o local onde ocorreu a prática do sexo oral e que a tenha forçado/obrigado a tal. Aquando da sua audição em sede de primeiro interrogatório judicial o arguido relatou que se aproximou da ofendida no parque para a beijar, que fumaram juntos uma "ganzá" e que ela colocou a mão dela no seu pénis, ao que lhe colocou a mão na perna e nesse momento lhe disse para irem para um local menos público, o que ela aceitou. Que se deslocaram para o local identificado nos factos provados e que aí ela primeiro queria dar-lhe beijos na boca e "transar", mas a isso respondeu que não (comportamento também incompreensível, pois que começou por dizer que se aproximou dela para a beijar e depois já não queria beijá-la e sequer manter relações sexuais com a mesma) e disse-lhe que se ela quisesse podia fazer-lhe sexo oral, o que ela fez, perguntando-lhe a dado momento se podia começar e acrescentando que a mesma fez uma cara "prazeirosa" quando ejaculou no rosto/cara dela, aceitando ter colocado as mãos no peito dela, quando a mesma lhe fazia sexo oral, tendo confirmado a prática dos factos atinentes à subtracção do telemóvel, mas de modo diferente e em local diverso do declarado em audiência de julgamento. O arguido declarou ainda julgar que a ofendida fez isto para o "ferrar" por lhe ter roubado o telemóvel.
Ora, as declarações do arguido não foram valoradas positivamente pelo Tribunal, pois que, em primeiro, as mesmas sequer se mostram consonantes entre si nos dois momentos em que o mesmo prestou declarações em sede de primeiro interrogatório judicial e em audiência de julgamento, são divergentes com o depoimento da testemunha FF e diametralmente opostas e dissonantes com o depoimento da ofendida BB, sendo que igualmente se revelam contrárias às regras da experiência comum e a todos os demais elementos de prova produzidos nos autos. Senão vejamos. Em primeiro, na data dos factos a ofendida imediatamente fez queixa do roubo do telemóvel pelo arguido pelo que não precisava de "inventar" quaisquer outros factos para se vingar de tal comportamento do arguido o que o mesmo quis fazer transparecer, pois que na data dos factos apresentou de imediato queixa (tendo a mesma explicado as razões porque nessa data nada mais contou e que só conseguiu falar sobre os factos perpetrados pelo arguido na sua pessoa ao seu psicólogo). Por outro lado, a ser verdade que a ofendida tivesse voluntariamente feito sexo oral ao arguido, a mesma quereria era esconder tal facto de todos os demais, pois que o arguido e a ofendida não mantiveram qualquer outra relação e/ou contacto pessoal. Ademais, ninguém e muito menos uma jovem com 13 anos de idade "inventa ou efabula" factos da natureza como os considerados provados face ao vexame e humilhação pessoal e social que os mesmos representam. Aliás, o contrário é que se mostra condizente com as regras da experiência comum e em parte foi o que aconteceu nos autos, pois que a ofendida não falou imediatamente dos factos, deitou fora a camisola que o arguido lhe rasgou e só depois de o seu psicólogo ter percebido que algo se passava com ela conseguiu contar o que lhe sucedeu. Nos termos expostos e supra expendidos, o Tribunal apenas valorou as declarações do arguido no que respeita à subtracção do telemóvel e tão só, na parte em que as mesmas se mostraram coincidentes (quanto à forma quanto tal ocorreu) com o relatado pela ofendida, nos termos acima expressos.
[…].
Relativamente ao dolo e consciência da ilicitude o Tribunal conjugou os meios de prova valorados positivamente nos termos supra expostos, conjugado com os depoimentos supra referidos e com as regras da experiência comum.
Na verdade, sendo o dolo um elemento de índole subjectiva que pertence ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento (com exclusão de uma situação em que o agente admite a intenção directa) ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida, cabendo ao julgador – socorrendo-se, nomeadamente, de indícios objectivos, das regras de experiência comum e daquilo que constitui o princípio da normalidade – retirar desse contexto a intenção por ele revelada.
Quanto aos factos considerados como não provados, tal juízo probatório estribou-se na circunstância de, em audiência de julgamento, não ter sido efectuada qualquer prova sobre os mesmos, nos termos supra expostos e, designadamente em face das declarações da ofendida e desde logo sobre o conhecimento do arguido sobre a sua idade, porque esta negou ter dito a sua idade ao arguido e porque a testemunha CC, mãe da ofendida relatou que ela sempre aparentou ter mais idade e sempre gostou aparentar tal e arranjar-se para isso.
Foi em consequência do exposto que foram dados como não provados os factos supra expostos.».

C. O caso sob recurso: o fundamento e a viabilidade da autorização da revisão.
14. Diz, então, o Requerente que foi injustamente condenado pela prática dos crimes e nas penas e reparação pecuniária referidas em 1. supra, é dizer, e recordando, em 5 anos de prisão por crime de violação p. e p. pelo art.º 164ª n.º 1 al.ª a) do CP; em 2 anos e 3 meses de prisão por crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161º n.º 1 al.ª b) do CP; em 2 anos e 6 meses de prisão por crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º n.º 1 do CP; em 5 anos e 6 meses de prisão, como pena única; e em € 10 000,00 a título de reparação à ofendida.
Funda a acusação em diversas razões, concretamente, a de terem sido dados como provados factos contraditórios entre si; a de não ter sido valorizada a afirmação da própria ofendida que, em declarações para memória futura, reconheceu ter-lhe mentido acerca da sua idade, dizendo ter 16 anos; a de não ter sido considerada a circunstância de o desenvolvimento físico da ofendida, comprovável através do seu perfil na rede social "Instragam", aparentar aquela idade e não a de 13 que efectivamente tinha; e a de, numa manifestação de parcialidade do tribunal, ter sido dada como integralmente provada a versão dos factos da ofendida sem que ela tenha sido corroborada «com qualquer outra prova, nem com testemunhas, nem pelas gravações do local onde supostamente aconteceram os crimes».
Sustenta que este recurso é o meio e o lugar adequado para se reconhecer que a sua «paz jurídica e da comunidade foi posta em causa, com a ocultação de factos por parte da ofendida».
E entende que, «face à nova versão» que descreve e «por razões de justiça material devem ser tomadas as diligências necessárias e oportunas para um efetivo apuramento da verdade», devendo «ser revisto o Acórdão condenatório».
 
15. Sucede, todavia que – diz-se já –, o recurso está inapelavelmente votado ao insucesso, não podendo, de modo algum, ser autorizada a revisão.
E assim pois que – também desde já se esclarece – não tem por si, em contrário do que lhe cumpria, nenhum dos fundamentos arrolados no art.º 449º n.º 1 e porque, no fim de contas, não constitui mais do que uma tentativa de nos termos próprios de (mais) um recurso ordinário, intentar um (novo) reexame da decisão de facto e de, por via dele, alcançar uma absolvição pelo menos quanto aos crimes de violação e de rapto [10].
Na verdade:

16. Recurso de natureza extraordinária – e extraordinária porque dirigido contra, e contendendo com uma decisão transitada em julgado e com os valores, constitucionais, que lhe subjazem da certeza e da segurança jurídicas inerentes à ideia do Estado-de-Direito do art.º 2º da CRP –, tem, como se disse, o recurso de revisão de sentença penal de se apoiar em algum dos fundamentos taxativamente enumerados no art.º 449º n.º 1 do CPP.    
Ora percorrida a peça de recurso é muito evidente – como, aliás, todos os Senhores Magistrados, da 1ª instância e deste Supremo Tribunal, lúcida e oportunamente anotam – que o Requerente não chega sequer a identificar inequivocamente o fundamento em que apoia o pedido de revisão, sendo que o momento em que mais se aproxima disso é quando, no requerimento de interposição, referencia, entre os preceitos de onde emana o direito que quer exercitar, o do art.º 449º n.º 1 al.ª d) do CPP que, como já referido, prevê como fundamento de revisão de sentença a descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.   

Acontece, contudo, que se esse é o seu fundamento – e crê-se que será, que não se descortinam na motivação afinidades, remotas que sejam, com questões como as da falsidade de meios de prova [11], da comissão de crimes no exercício de funções pelos julgadores [12], da inconciliabilidade com factos fixados noutras sentenças [13], da utilização de provas proibidas [14], da declaração de inconstitucionalidade [15], ou da condenação do Estado Português em instância internacional [16] –, em momento algum o Recorrente traz para discussão facto ou meio de prova que não tivesse sido anteriormente considerado pelo tribunal – ou que não o pudesse ter sido se por isso tivesse providenciado, como podia e devia –, limitando-se, isso sim, a reiterar a versão dos factos que anteriormente sustentou em julgamento, mas que não convenceu os julgadores, persistindo em, com base nas mesmas provas e no mesmo enquadramento factual, fazer prevalecer o seu juízo probatório e lograr a sua absolvição.
Insiste-se: embora falando em nova versão, o Recorrente em nada inova no recurso relativamente ao que já sustentou nos momentos da audiência de julgamento – e fosse, como explicitado em 10. supra, introduzindo factos ou provas àquele tempo simultaneamente desconhecidas por ele e pelo tribunal, ou introduzindo factos e provas que já então (só ele) conhecia, mas que, por motivo atendível, não pôde, ou não quis, trazer a juízo –, antes se limita a (re)afirmar o que sempre afirmou e a valer-se das mesmas provas de que sempre se valeu, como, tudo facilmente se conclui num simples cotejo da peça recursória com a decisão de facto e a motivação probatória do Acórdão Recorrido que acima se transcreveu.

E, salvo o devido respeito, não diga o Recorrente, como diz, que, em recurso de revisão de sentença, «a questão não está em averiguar se se trata de novos factos ou de versão nova dos factos, nem de outros meios de prova, mas sim em saber se esses factos suscitam ou não graves dúvidas sobre a justiça da condenação» e que «tudo está em averiguar se se verifica o nexo de causalidade entre o erro que se pretende corrigir e a injustiça da decisão condenatória, sendo isto que verdadeiramente, justifica a revisão e evita o erro judiciário transforme um inocente em criminoso.».
E não o diga assim, porquanto, neste recurso extraordinário, a questão está, precisamente, onde não quer que esteja, está em que os factos e meios de prova, tenham simultânea e cumulativamente – e não em alternativa, como pretende! – a qualidade de serem novos e a virtualidade de interpelarem seriamente a justiça da condenação, de outro modo não se preenchendo os requisitos do art.º 449º n.º 1 al.ª d) do CPP e de outro modo não podendo proceder o pedido de (autorização) de revisão.
Entendido pela forma que o Recorrente pretende, o recurso de revisão não seria mais do que um novo momento de reexame do decidido nos termos próprios de um recurso ordinário, que aquele nem é nem os valores constitucionais da certeza e da segurança jurídica lhe permitem que seja!  

17. Razões por que, sem necessidade das mais desenvolvidas considerações, vai o pedido de autorização da revisão indeferido, improcedendo o recurso.
E sendo, como é, tal pedido manifestamente infundado que não se enquadra, sequer, no cânone próprio do procedimento recursório, vai o Requerente condenado na soma pecuniária de 7 UC's, nos termos do art.º 456º.

III. decisão.
18. Termos em que acordam os juízes desta 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar a autorização da revisão e, considerando a pretensão manifestamente infundada,  em condenar o Requerente no pagamento da soma pecuniária de 7 UC's, nos termos do art.º 456º do CPP.

Custas pelo Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC's

*

Digitado e revisto pelo signatário (art.º 92º n.º 4 do CPP).

*

Supremo Tribunal de Justiça, em 11.11.2021.



Eduardo Almeida Loureiro (Relator)

António Gama

António Clemente Lima



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[1] Diploma a que pertencerão os preceitos que ao diante se citarem sem menção de origem.
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1981, p. 158.
[3] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4ª ed., p, 1206
[4] Paulo Pinto de Albuquerque, ibidem, p. 1206
[5] AcTConst n.º 376/2000, in DR, II, de 13.12.
[6] AcSTJ de 27.2.2014 - Proc. n.º 5423/99.3JDLSB-B.S1 citado, aliás, referenciando-se a Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 2ª ed., anotação 12 ao art.º 449º.
[7] AcSTJ de 17.12.2009 - Proc. n.º 330/04.2JAPTM-B.S1, in www.dgasi.pt.
[8] AcSTJ de 29.4.2009 - Proc. n.º 15189/02.6.DLSB.S1, in www.dgsi.pt.
[9] AcSTJ de 5.9.2018 - Proc. n.º 3624/15.8JAPRT-F.S1, 3ª Secção, sumariado em www.dgsi.pt.
[10] O Recorrente não o chega a dizer expressamente, mas, da economia da peça de recurso e, mais do que isso, da atitude que assumiu em sede de produção de prova, admitindo a subtracção do telemóvel, não resulta que esteja em causa a condenação pelo crime de roubo.
[11] Art.º 449º n.º 1 al.ª a) do CPP.
[12] Al.ª b).
[13] Al.ª c).
[14] Al.ª e).
[15] Al.ª f).
[16] Al.ª g).