Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B1309
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: CONCURSO DE CREDORES
FALÊNCIA
CRÉDITO LABORAL
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO IMOBILIÁRIO GERAL
HIPOTECA
Nº do Documento: SJ20070517013097
Data do Acordão: 05/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
1. Os privilégios creditórios imobiliários gerais não se consubstanciam em garantias reais de cumprimento de obrigações por não incidirem sobre imóveis certos e determinados, só funcionando como causa de preferência legal de pagamento.
2. O conflito entre a garantia especial de cumprimento obrigacional decorrente de privilégio creditório imobiliário geral e de hipoteca é legalmente resolvido por via da aplicação do disposto no nº 1 do artigo 749º e não do que se prescreve no artigo 751º, ambos do Código Civil
3. O direito de crédito garantido por hipoteca prevalece na graduação em relação ao produto do prédio apreendido para a massa falida sobre o direito de crédito dos trabalhadores garantido por privilégio imobiliário geral.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I
Declarada a falência de AA, de BB e de CC, em processo instaurado no dia 27 de Fevereiro de 2002, apreendido um imóvel para a massa falida, reclamados os créditos, apresentou o liquidatário judicial a respectiva relação, sem contestação.
Foram reclamados e reconhecidos sem impugnação os direitos de crédito da Caixa Geral de Depósitos SA no montante de € 30.935,12, provenientes de operações bancárias, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social no montante de € 303.063,94, provenientes de contribuições e de juros, do Estado no montante de € 424.438,05, provenientes de impostos, de coimas, de juros de mora e de custas - € 7.808,06, do Banco ... SA no montante de € 45.470,46, provenientes de operações bancárias, e de DD e de EE, no montante de € 7 291,20 cada, provenientes de indemnização por antiguidade e remunerações, os quais foram declarados judicialmente reconhecidos.
Na sentença proferida no tribunal da primeira instância no dia 3 de Maio de 2004 foram os referidos direitos de crédito graduados no sentido da precipuidade das custas da falência, das despesas da administração e das custas contadas, seguidas dos créditos dos trabalhadores, estes seguidos do crédito hipotecário do Banco Espírito SA e, finalmente, em rateio proporcional os restantes direitos de crédito reclmados.
Apelou o Banco ... SA sob o fundamento de o seu direito de crédito dever preceder o das trabalhadoras, requerendo que o mesmo fosse graduado antes dele, e a Relação, por acórdão proferido no dia 5 de Dezembro de 2006, por maioria, negou-lhe provimento ao recurso.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- o privilégio imobiliário geral dos trabalhadores previsto no artigo 12º da Lei dos Salários em Atraso não se enquadra no artigo 751º do Código Civil, sob pena de derrogação do disposto no nº 3 do artigo 735º daquele diploma;
- no concurso entre créditos hipotecários e créditos dos trabalhadores prevalecem os primeiros, nos termos do artigo 686º do Código Civil, sob pena de da frustração dos princípios da confiança e da segurança do comércio jurídico;
- o referido privilégio é ónus oculto por não estar sujeito a registo e, por isso, lesa direitos de terceiros;
- nos processos de falência, os direitos de crédito garantidos por hipotecas sobre imóveis prevalecem sobre os direitos de crédito da titularidade de trabalhadores garantidos por privilégios imobiliários gerais relativos àqueles bens;
- as hipotecas legais extinguem-se por via da declaração da falência por força do artigo 152º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência;
- o crédito hipotecário do recorrente deve ser graduado em primeiro lugar.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se o direito de crédito reconhecido ao recorrente deve ou não ser graduado antes do direito de crédito das recorridas DD e EE que reclamaram direitos de crédito decorrentes de contratos de trabalho.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação dos recorrentes e dos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- delimitação do objecto do recurso;
- lei falimentar e lei relativa aos privilégios imobiliários aplicável na espécie;
- estrutura e efeitos do direito de hipoteca voluntária;
- estrutura e efeitos dos privilégios creditórios imobiliários;
- graduação de créditos de trabalhadores no processo de falência;
- a ordem de graduação dos direitos de crédito do recorrente e das recorridas;
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela delimitação do objecto do recurso.
O recorrente alegou que as hipotecas legais se extinguem por via da declaração da falência por força do artigo 152º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, e que o seu crédito hipotecário deve ser graduado em primeiro lugar.
O tribunal da 1ª instância não conheceu da questão da extinção da hipoteca legal a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social porque o recorrente não a suscitou no processo do concurso de credores.
Acresce que o recorrente também a não suscitou no recurso de apelação, motivo pelo qual a Relação se não pronunciou sobre ela.
No âmbito deste recurso, configura-se, por isso, a mencionada questão como nova pelo que, dela não pode este Tribunal conhecer (artigo 676º, nº 1, do Código de Processo Civil).

2.
Atentemos agora na determinação da lei falimentar e n relativa aos privilégios imobiliários aplicável na espécie.
O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa ee Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, foi substituído pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de Março, que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2004.
Mas o actual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não é aplicável ao concurso de credores em análise (artigo 12º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de Março).
Por isso, é aplicável, no caso espécie, o que se prescreve no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa de Falência – CPEREF.
O Código do Trabalho, que contém o novo regime dos privilégios mobiliários que servem de garantia dos direitos de crédito da titularidade dos trabalhadores, entrou em vigor no dia 28 de Agosto de 2004, 30 dias depois da publicação da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, que regulamentou a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto (artigos 3º e 21º, nº 2, alínea e)).
O artigo 377º do referido Código, que se reporta aos mencionados privilégios, é aplicável a todos os direitos de crédito dos trabalhadores constituídos desde o dia 28 de Agosto de 2004, independentemente de derivarem de relações jurídicas laborais ou de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados, conforme os casos, antes ou depois daquela data.
Apenas se exceptuam do mencionado regime, com a consequência de dever aplicar-se o pertinente regime anterior, os direitos de crédito laborais que se tenham constituído antes de 28 de Agosto de 2004 no âmbito de contratos de trabalho que se tenham extinguido anteriormente.
Assim, não é aplicável aos direitos de crédito laborais constituídos antes de 28 de Agosto de 2004 por via de contratos de trabalho que anteriormente se tenham extinguido.
Como no caso vertente os direitos de crédito reclamados por DD e EE se constituíram antes de 28 de Agosto de 2004 por via de contratos de trabalho que se extinguiram por virtude da declaração da falência, antes da mencionada data, certo é que o regime legal aplicável nesta matéria é o de pretérito, ou seja, o previsto nos artigos 737º, nº 1, alínea d), do Código Civil, 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto (artigo 12º, nº 1, do Código Civil).
Resulta do contexto que os mencionados direitos de crédito laborais se venceram antes de 15 de Setembro de 2003, data em que começou a vigorar a alteração dos artigos 735º, nº 3, 749º e 751º do Código Civil implementada pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março (artigo 23º).
Todavia, essa circunstância não assume qualquer relevo no quadro da aplicação do artigo 749º do Código Civil no âmbito da sucessão de leis no tempo, porque o nº 1 mantém a redacção anterior do mesmo artigo, e o nº 2 não tem aplicação no caso vertente.
Ademais, a alteração do disposto no nº 3 do artigo 735º e do artigo 751º, ambos do Código Civil, dada a sua estrutura normativa, visou o esclarecimento de dúvidas que se suscitavam no âmbito da aplicação daqueles normativos.
Trata-se, por isso, de normas interpretativas, que, nos termos do nº 1 do artigo 13º do Código Civil se integram nos normativos que visaram esclarecer, sem que se verifique, ao invés do que afirmou o recorrido José Augusto, a restrição a que alude a segunda parte daquele normativo.
Em consequência, é eventualmente aplicável na espécie o disposto no nº 3 do artigo 735º, no nº 1 do artigo 749º e no artigo 751º, todos do Código Civil, sem que isso implique a aplicação do artigo 377º do Código do Trabalho.
Importa, no entanto, salientar que a aplicação na espécie das normas dos artigos 735º, nº 3, 749º e 751º, na redacção anterior à implementada pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, não conduzia a solução jurídica diversa do litígio em causa.

3.
Atentemos agora na estrutura e nos efeitos do direito de hipoteca voluntária em causa.
No caso vertente, estamos perante a apreensão de uma coisa imóvel, isto é, de um prédio urbano (artigo 204º, nº 1, alínea a), do Código Civil).
Entre as hipotecas contam-se as voluntárias, ou seja, as que resultam de contrato ou de declaração unilateral (artigo 712º do Código Civil).
AA e CC declararam que esta constituía a favor do recorrente hipoteca sobre o prédio, que depois foi apreendido para a massa falida, para garantia de direitos de crédito da titularidade do último derivados de contrato de mútuo (artigo 687º do Código Civil).
Tendo os referidos direitos de hipoteca sido objecto de registo, eles produzem efeitos em relação à massa falida e a terceiros, designadamente no confronto dos outros credores reclamantes que com o recorrente concorrem sobre o mencionado imóvel (artigo 687º do Código Civil).
A hipoteca consubstancia-se em garantia real de cumprimento de obrigações presentes ou futuras, condicionais ou incondicionais, conferindo ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artigo 686º do Código Civil).
É, pois, de salientar que, em geral, o direito de crédito do credor hipotecário relativamente a determinado imóvel só cede perante o direito de crédito dos credores que disponham de algum privilégio imobiliário especial ou de prioridade de registo.

3.
Vejamos agora a estrutura e os efeitos dos privilégios creditórios imobiliários.
Os privilégios creditórios em geral consubstanciam-se na faculdade que a lei, em atenção à causa do direito de crédito, concede a certos credores, independentemente de registo, de serem pagos com preferência a outros (artigo 733º do Código Civil).
Distinguem-se em mobiliários e imobiliários, consoante incidam sobre bens móveis ou imóveis.
Os primeiros são gerais se abrangerem todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente, e especiais se compreenderem o valor de determinados bens móveis (artigo 735º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
Por seu turno, os últimos, estabelecidos no Código Civil, são sempre especiais (artigo 735º, n.º 3, do Código Civil).
Depois da entrada em vigor do Código Civil, leis especiais instituíram vários privilégios imobiliários gerais, com o que afectado ficou o referido normativo enquanto expressa que os privilégios imobiliários são sempre especiais.
De entre os referidos privilégios, só os especiais, porque envolvidos de sequela, se traduzem em garantia real de cumprimento de obrigações, limitando-se os gerais a constituir mera preferência de pagamento.
O privilégio geral não vale contra terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas por ele abrangidas, sejam oponíveis ao exequente (artigo 749º, nº 1, do Código Civil).
Sobre a solução do conflito entre os privilégios imobiliários especiais e os direitos de terceiro rege o artigo 751º do Código Civil, segundo o qual, os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca e ao direito de retenção, ainda que estas últimas garantias sejam anteriores.

4.
Atentemos agora na ordem graduação de créditos de trabalhadores no processo de falência.
Relativamente aos direitos de crédito relativos a salários em atraso da titularidade de trabalhadores rege a Lei 17/86, de 14 de Junho, a qual estabelece gozarem de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário geral (artigo 12º, nº 1).
No que concerne aos direitos de crédito dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não previstos na Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, reclamáveis em processos de falência, rege a Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, segundo a qual gozam, em regra, de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário geral (artigo 4º. nº 1).
Os direitos de crédito da titularidade dos trabalhadores a que alude a Lei nº 17/86, de 14 de Junho, que gozem de privilégio imobiliário geral, são graduados antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e dos créditos relativos a contribuições devidas à segurança social (artigo 12º, nº 3, alínea b)).
Por seu turno, os direitos de crédito da titularidade dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não previstos na Lei 17/86, de 14 de Junho, reclamáveis nos processos de falência, que gozem de privilégio imobiliário geral, a que se reporta a Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, são também graduados antes dos créditos previstos no artigo 748º do Código Civil e dos créditos da titularidade da segurança social (artigo 4º, alínea b)).
Em consequência, no dia 25 de Agosto, data da entrada em vigor da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, também os direitos de crédito indemnizatório da titularidade dos trabalhadores passaram a ser garantidos por privilégio imobiliário geral, tal como os derivados de salários em atraso a que se reporta a Lei nº 17/86, de 14 de Junho.
Assim, a Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, alterou a preferência de pagamento dos direitos de crédito dos trabalhadores consubstanciada, além do mais, em privilégio creditório imobiliário, tal como o regime da respectiva graduação nos processos instaurados ao abrigo do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.
Ainda que anteriores ao início da vigência da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, são os referidos direitos de crédito envolvidos da preferência de pagamento a que alude o n.º 3 do artigo 12º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, embora com a salvaguarda de, em caso de concurso entre eles e aqueles a que for aplicável a última das referidas leis, os últimos assumirem preferência de pagamento em relação aos primeiros (artigo 4º, n.º 3, da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto).

5.
Vejamos agora a ordem de graduação dos direitos de crédito do recorrente e das recorridas DD e EE.
Na sentença deve o juiz proceder à verificação e graduação dos créditos, sendo que esta é geral para os bens da massa falida e especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia (artigo 200º, nºs 1 e 2, do CPEREF).
O privilégio imobiliário geral incide sobre imóveis e constitui-se aquando da constituição do direito de crédito a que se reporta, embora a sua eficácia dependa e ocorra com o respectivo acto de penhora ou de apreensão para a massa falida, consoante os casos.
As Leis nºs 17/86, de 14 de Junho e 96/2001, de 20 de Agosto, não contêm normas reguladoras do conflito entre o privilégio imobiliário geral garantia de direitos de crédito a que se reporta, da titularidade de trabalhadores, e os direitos de hipoteca garantia de direitos de crédito de outrem sobre os mesmos bens.
Importa, porém, ter em conta que os privilégios imobiliários gerais não incidem sobre bens certos e deter­minados, pelo que não funciona a sequela que é própria dos direitos reais de garantia, antes se configurando, conforme já se referiu, como meras preferências legais de pagamento.
A referida lacuna não pode ser suprida por via da aplicação, na espécie, do disposto no artigo 751º do Código Civil, porque este normativo se reporta a privilégios imobiliários especiais, cuja estrutura é essencialmente diversa da dos privilégios imobiliários gerais.
Atendendo ao elemento negativo ausência de sequela, a similitude que se impõe ao intérprete é entre privilégios imobiliários gerais e privilégios mobiliários gerais (artigo 10º, n.º 2, do Código Civil).
A referida lacuna deve, por isso, ser suprida por via de uma regra equivalente à do n.º 1 do artigo 749º do Código Civil, segundo a qual, os direitos de crédito da titularidade de trabalhadores garantidos por privilégios imobiliários gerais constantes das Leis nºs 17/86, de 14 de Junho e 96/2001, de 20 de Agosto, são preteridos pelos direitos de crédito de outrem garantidos por hipoteca.
A circunstância de os artigos 12º, nº 3, alínea b), da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e 4º, nº 1, alínea b), da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, estabelecerem que os direitos de crédito a que se reportam são graduados antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil não assume qualquer relevo para a resolução do conflito relativo à graduação de direitos de crédito garantidos por direitos de hipoteca e de privilégios imobiliários sobre os mesmos imóveis penhorados ou apreendidos.
Com efeito, o referencial de prevalência, no quadro da graduação de direitos de crédito a que se reportam os mencionados normativos, são créditos que já nem existem, que eram de entidades públicas, situação essencialmente diversa da que envolve os direitos de crédito em geral garantidos por direito de hipoteca.
Fica, por isso, prejudicado o conhecimento da questão de saber se a interpretação da alínea a) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e da alínea a) do artigo 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, em sentido contrário da aqui operada infringe ou não os princípios da confiança e da segurança jurídica ínsitos na ideia de Estado de direito constante do artigo 2º da Constituição (artigos 660º, nº 2, 713º, nº 2 e 726º do Código de Processo Civil).

6.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
Este Tribunal não pode pronunciar-se sobre a questão da extinção do direito de hipoteca legal da titularidade do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social por se tratar de uma questão não suscitada nas instâncias pelo recorrente.
É aplicável na espécie o Código de Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência de 1993.
No plano substantivo é aplicável ao caso vertente o disposto nos artigos 12º da Lei nº 14/86, de 14 de Junho, e 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, a par do que estabelecem os artigos 735º, nº 3, 749º, nº 1 e 751º do Código Civil, o primeiro e o último meramente interpretativos das normas anteriores.
Os privilégios imobiliários gerais não se consubstanciam em garantia real de cumprimento de obrigações, por não incidirem sobre imóveis certos e determinados, funcionando apenas como causas de preferência legal de pagamento.
O conflito entre a garantia especial de cumprimento obrigacional decorrente de privilégio imobiliário geral e de hipoteca é legalmente resolvido por via da aplicação do disposto no nº 1 do artigo 749º e não do que se prescreve no artigo 751º, ambos do Código Civil
Em consequência, o direito de crédito do recorrente garantido por hipoteca, prevalece na graduação em causa, em relação ao produto do prédio apreendido para a massa falida, sobre o direito de crédito das recorridas DD e EE garantido por privilégio imobiliário geral.

Procede, por isso, parcialmente, o recurso.
Vencidas, seriam o recorrente e as recorridas, na proporção do vencimento, responsáveis pelo pagamento das custas respectivas, com base no valor do direito de crédito que o recorrente pretendeu fazer valer (artigos 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 9º, nº 4, do Código das Custas Judiciais).
Todavia, para efeito de custas, o processo de falência, cujas custas são da responsabilidade da massa falida, abrange a fase de verificação do passivo, incluindo as relativas ao recurso em causa (artigos 248º, n.º 2, e 249º, n.º 2, do CPEREF).

IV
Pelo exposto, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido e gradua-se o direito de crédito do recorrente garantido por hipoteca imediatamente antes dos direitos de crédito das recorridas DD e de EE no confronto do prédio apreendido para a massa falida.

Lisboa, 17 de Maio de 2007.

Salvador da Costa (relator)

Ferreira de Sousa

Armindo Luis