Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
394-C/1999.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: CASO JULGADO
TRANSACÇÃO JUDICIAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
1. A declaração de nulidade da ão, já que só sua revisão – a proceder – a atingirá. Impondo-se o caso julgadotransacção, transitada em julgado, não belisca a sentença fundada em tal transacç dessa sentença a todos os tribunais.
2. Os limites dentre os quais opera a força da autoridade do caso julgado são traçados pelos elementos identificativos da acção em que foi proferida a sentença: as partes (só tendo força de caso julgado inter partes), o pedido e a causa de pedir.
3. O objecto da acção – e com ele o objecto da decisão e a extensão objectiva da autoridade de caso julgado que lhe corresponde – identifica-se através do pedido e da causa de pedir.
4. O pedido não se confunde com o objecto material da acção (corpus), podendo haver sobre o mesmo prédio, por exemplo, diversas acções consoante o direito invocado e a providência jurisdicional requerida.
5. A causa petendi, nas acções reais, é o título invocado como aquisitivo da propriedade que o autor pretende ver reconhecida ou tutelada; e não essa mesma propriedade.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:




SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕESAA, LDA (1) veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB e mulher CC, pedindo que:
a) se declare que a autora adquiriu, por virtude de acessão industrial imobiliária, a propriedade do prédio sito no lugar de Marecos, freguesia de Cristelos, concelho de Lousada, inscrito na respectiva matriz sob o art. 494 urbano e não descrito na CRP, que foi objecto de contrato-promessa de compra e venda que celebrou com os réus em 30/9/88, cujo preço integralmente lhes pagou, e no qual a A. construiu à sua custa, e com autorização dos RR, um edifício de cave, rés-do-chão e dois andares, anexos e logradouro, de valor muito superior ao que o prédio tinha antes e que a A. lhes pagou, inscrito na respectiva matriz sob o art. 603, actualmente no regime da propriedade horizontal e composto por 16 fracções autónomas, designadas de “A” a “Q”.
E se assim se não entender,
b) seja proferida sentença que declare transferida para a A., em execução específica do referido contrato-promessa de compra e venda, a propriedade do mencionado prédio.
De qualquer modo,
c) sejam os réus condenados a entregar à A. o mencionado prédio e a pagar-lhe a indemnização que se liquidar em execução de sentença.
d) seja ordenado o cancelamento de todos os actos de registo de loteamento e desanexações efectuados pelos réus na CRP de Lousada do prédio ali descrito sob o nº 00142/060192, bem como todos os registos e respectivos averbamentos e inscrições dos prédios nascidos daquelas desanexações, designadamente os nºs 00228, 00229, 00230, 00231, 00232, 00233, 00234/210596.
e) seja declarado que a autora não ficou vinculada pelo denominado “Contrato-promessa de venda e permuta”, celebrado em 7/10/92, entre os réus e um sócio-gerente da autora que não tinha poderes para a representar apenas com a sua intervenção e assinatura;
f) seja declarado que a autora construiu em terreno pertencente aos RR e que faz parte do prédio rústico inscrito sob o art. 434, da freguesia de Cristelos e que se encontrava descrito na CRP sob o nº 00142/060192, dois edifícios em regime de propriedade horizontal, ainda omissos na matriz, sendo um de cave, rés-do-chão, dois andares, anexos e logradouro, constituído por 29 fracções autónomas, designadas de “A” a “AE”, e um outro edifício de cave, rés-do-chão, dois andares e logradouro, constituído por 4 fracções, designadas de “A” a”D”, tendo tais edifícios o valor de 80 000 contos e o terreno dos réus o valor de 20 000 contos.
g) seja declarado que a A. tem o direito de adquirir a propriedade do aludido prédio dos RR com os edifícios que nele construiu, por força dos princípios da acessão industrial imobiliária, pagando aos RR a referida quantia de 20 000 contos.
E, se assim se não entender,
h) sejam os RR condenados a pagar à A. a quantia de 80 000 contos, valor dos dois edifícios por ela construídos.
i) seja declarado que a A. goza do direito de retenção sobre o aludido prédio dos RR até ser paga do mencionado valor.

Citados os réus, vieram os mesmos contestar, defendendo-se, alem do mais, por excepção de caso julgado ou de transacção homologada por decisão judicial.

Findos os articulados, proferiu o senhor Juiz, a fls 459, despacho nos seguintes termos:
“Compulsados os autos, constata-se que a apreciação da questão da excepção do caso julgado ou da transacção homologada por decisão judicial, alegada pelos RR na sua contestação, relaciona-se com a eventual nulidade da transacção celebrada em 14/3/96, no processo nº 204/95 e homologada por sentença de 19/3/96 e, consequentemente, com o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos de embargos de executado nº 588-C/99 e o trânsito em julgado da decisão proferida no recurso de revisão nº 588-B/99.
Assim, deverá a secção informar sobre o estado do processo de recurso extraordinário de revisão nº 588-B/99 e do processo de embargos de executado nº 588-C/99.”

E a fls 502 determinou que os autos aguardassem a decisão a proferir no processo nº 588/1999.

Após várias informações da secretaria sobre o estado dos aludidos processos, juntas que foram cópias certificadas e respectivas notas de trânsito das decisões que neles vieram a ser propaladas, proferiu o senhor Juiz, a fls 577 e seg., o seguinte despacho:

"Na presente acção ordinária de condenação que "SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕESAA, LIMITADA move a BB e mulher CC, por despacho de fls. 497 determinou-se que a presente acção aguardasse o desfecho da acção nº 588-C/1999 e a fls. 502 determinou-se que os autos aguardassem o desfecho da acção n° 588-1999.
Tal suspensão foi determinada nos termos do art. 279°, nº l, do Código de Processo Civil que dispõe "o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado".
Da análise dos preceitos legais supra citados, resulta que para haver prejudicialidade não basta que o resultado de uma acção seja susceptível de conduzir à impossibilidade ou inutilidade de outra causa, tornando-se necessário que exista uma procedência lógica entre o fim de uma acção e o de outra, o que deverá ser pesquisado no ângulo de conexão das respectivas relações materiais controvertidas (cfr. Alberto dos Reis, in "Comentário ao Código de Processo Civil", vol. III, pag. 206).
Como refere ainda o referido Prof. Alberto dos Reis "uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda" e escreveu-se no Acórdão da Relação de Lisboa "a decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja sentença possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito. A verdadeira prejudicialidade e dependência só existe quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da outra causa" (in J.R. 16°, pag. 256 e ainda neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 19/5/1987, in Col. De Jurisprudência, 1987, tomo 3, pag.24).
Concluídos os processos que constituem causa prejudicial para os presentes autos, dos autos nº 588/1999 resulta que a sentença de fls. 76 e 77 que homologou a transacção de fls.773, a 75, foi declarada válida e eficaz.
Por seu turno no âmbito do processo nº 588-C/1999 foram os embargos de executado julgados procedentes.
Assim sendo, a sentença proferida no proc. 588/1999 bem como nos embargos de executado n° 588-C/1999 implica que os presentes autos não poderão prosseguir por impossibilidade superveniente legal, pois as decisões proferidas nos referidos processos destruíram os fundamentos e a razão de ser dos presentes autos.
Pelo exposto, julgo extinta a instância por impossibilidade superveniente legal. Custas pela massa falida.
Registe e notifique."

Deste despacho veio a autor interpor recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto, onde, por acórdão de 4 de Junho de 2009, e no provimento do mesmo, foi o despacho recorrido revogado para ser substituído por outro que faça prosseguir a instância.

Agora irresignados vieram os réus, ao abrigo do disposto no art. 754.º, nºs 1 e 2 do CPC, na redacção emergente do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, aqui em vigor, interpor recurso de agravo para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

1ª - Do despacho de suspensão de fls 459 não foi interposto recurso, Recorrentes e Recorrida conformaram-se com ele e por isso transitou em julgado, pelo que depois de estar definitivamente assente nos autos (com decisão transitada em julgado) que se viesse a verificar o caso julgado da sentença homologatória de transacção no processo 588/99 tal decisão seria prejudicial relativamente à presente acção destruindo os seus fundamentos e a sua razão de ser, não se pode vir dizer como diz o Acórdão de que se recorre, (depois de por acórdão do STJ de 6/3/08 já transitado, proferido nos autos do processo 588/99, se ter decidido que a sentença que homologou a transacção se mantém incólume), que afinal aquele caso julgado não destruiu os fundamento e razão de ser da presente acção e que não contende com a causa de pedir e com o pedido formulado na presente acção.
2ª - Por força do acórdão do STJ de 6/3/08 proferido nos autos do processo 588/99, continua incólume a sentença homologatória de transacção proferida nesse processo, e assim os Recorrentes dispõem de uma sentença/ título executivo que vincula reciprocamente Recorrentes e Recorrida.
3ª - A decisão decorrente do trânsito em julgado da sentença homologatória da transacção proferida no Processo 588/99 é causa prejudicial relativamente aos pedidos formulados na presente acção não por excepção de caso julgado mas sim pela autoridade do caso julgado.
4ª - Com efeito, autoridade de caso julgado de sentença que transitou e excepção de caso julgado são efeitos distintos da mesma realidade jurídica. A excepção de caso julgado tem por fim evitar a repetição de causas e os seus requisitos são os fixados no art.º 498.º do CPC: identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. A autoridade de caso julgado, diversamente, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que se aludiu, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
5ª - Analisando as relações materiais controvertidas em questão nos autos do Proc. nº 588/99 e a dos presentes autos, resulta evidente a conexão entre ambas e que em ambas se discute o mesmo" thema dicidendum ", não podendo afirmar-se, como faz o tribunal recorrido, que a decisão proferida naquele processo não contende com a causa de pedir e com o pedido formulado na presente acção.
6ª -Nessa conformidade, não se podem decidir nesta acção questões, como a acessão industrial imobiliária, execução específica de um contrato entretanto absorvido e integrado noutro, entrega de prédio, vinculação no contrato promessa de venda e permuta e demais pedidos desta acção, pois os direitos e obrigações que emanam da sentença homologatória de transacção destroem os fundamentos e a razão de ser do objecto desta acção.

A agravada contra-alegou, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

São os seguintes os factos que a Relação teve com interesse para a decisão da questão suscitada:

a) - BB e mulher, CC, intentaram, em 06/10/1995, no então Tribunal de Círculo de Paredes, acção declarativa de condenação, ordinária, aí registada sob o nº 204/05, da 5ª Secção (processo este que passou a ter o nº 588-C/99, com a extinção do Tribunal de Círculo), contra Sociedade de ConstruçõesAA, Lda, alegando, em síntese, que sendo donos de um prédio rústico inscrito na matriz sob o nº 434, entretanto transformado em vários lotes de construção urbana com os respectivos alvarás, por contrato-promessa de venda e permuta celebrado em 7 de Outubro de 1992 com a Ré, prometeram ceder-lhe determinados lotes, tendo-se a Ré comprometido, em troca, a construir e a entregar aos Autores, em determinado prazo, todas as fracções construídas no lote nº 5, à excepção do r/c desse edifício, que seria constituído por cave, r/c e 1º andar e da satisfação de outras condições previstas no contrato. Alegando, ainda, que a Ré não cumpriu o contratado, pelas razões que explanaram no respectivo articulado, pediram se condenasse a Ré a ver resolvido o contrato promessa de 7 de Outubro de 1992, com a consequente perda a favor dos Autores de todas as benfeitorias realizadas nos lotes, a reconhecer o direito de propriedade dos Autores do terreno identificados em 4 da petição inicial, bem como todas as benfeitorias identificadas em 58 do mesmo articulado, e a pagar-lhes (aos AA.) a quantia de Esc. 1.500.000$00, acrescida de juros à taxa legal anual de 15% desde a citação até integral pagamento, com custas e condigna procuradoria - cfr. certidão de fls.115.

b) - Nessa acção (actualmente com o referido nº 588-C/99), que a Ré contestou pedindo a sua improcedência, em 14 de Março de 1996, intervindo pelos Autores o Exmo mandatário judicial, e, pela Ré, o sócio-gerente BB na qualidade de representante legal da Ré, acompanhado da sua Exma mandatária judicial, as Partes declararam, nos termos melhor expressos (e aqui dados por reproduzidos) a fls.141-143, que transigiam e punham fim à acção, mediante a recíproca aceitação das cláusulas que aí consignaram, nomeadamente que a R. "AA" se obrigava, a título de compensação e indemnização decorrente do deficiente cumprimento, por parte da Ré, do contrato promessa celebrado em 07 de Outubro de 1992, a reconhecer que os lotes primeiro e segundo "não serão objecto de permuta ficando e continuando propriedade dos AA." Acordaram ainda (cláusula 13ª) que - "se a R. não cumprir no prazo previsto todas as obrigações que nesta transacção assumida, pagará aos AA. uma indemnização de Esc. 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos) e perderá todos os direitos resultantes do contrato promessa bem como as obras, edifícios e benfeitorias realizadas em todos os lotes, ficando expressamente excluída a acessão" - cfr a citada certidão de fls 115.

c) - O Mm° Juiz de Círculo homologou essa transacção, "nos precisos termos", por sentença de 19 de Março de 1996 - certidão de fls. 144-145.

d) - Tendo aquela sentença homologatória transitado em julgado, a R. "Lousadense", interpôs, por apenso àquela acção ordinária, recurso extraordinário de revisão de sentença (apenso nº 204/B/95), nos termos do art. 771°, al. e), e visando os efeitos previstos no art. 776°, aI. c) (ambos do Cod. Proc. Civil, na redacção então vigente, anterior à reforma de 1995/96), intentando a sua revogação, sob a alegação de que na realização da transacção interveio em sua representação um único sócio-gerente sem poderes para vincular nesse acto a sociedade, pois que no respectivo pacto social se exigia a assinatura de dois sócios, sendo, por isso, nula a transacção, vindo, após resposta dos aí recorridos, a proferir-se sentença, que julgou improcedente o recurso de revisão, fundamentalmente por haver sido interposto extemporaneamente (pois havia transcorrido o prazo de interposição, então de 30 dias) e se verificar a excepção de caducidade - certidão de fls. 437 a 451.

e) - Essa decisão, após recurso para a Relação, veio a prevalecer e a transitar em julgado (2) - cf. certidão de fls. 492 a 496.

f) - Por apenso à execução instaurada pelos referidos Autores contra a R "Lousadense" com base na aludida transacção homologada (como título executivo), a "Massa Falida de AA, Ld" deduziu contra aqueles embargos de executada (proc. nº 588-C/1999), vindo aí a obter sentença, em 15 de Julho de 1998, a qual, julgou nula a citada transacção (celebrada na Ac. Ordinária nº 204/95) e procedentes os embargos, por falta de poderes de representação do único sócio que nela interveio em representação da "AA", sentença essa que, após recursos para a Relação e Supremo Tribunal de Justiça, transitou em julgado (3).. - cfr. certidão de fls.527 a 578.

g) - Na presente acção n° 394-C/1999.P1, proposta em 04/06/1998 por Sociedade de Construções AA, Lda (ora Agravante) contra os já referidos BB e mulher, CC (ora Agravados), aquela, alegando a celebração por escrito em 30/09/88, com os Réus, de um contrato promessa, mediante o qual estes lhe prometeram vender um prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o art. 494, pelo preço de Esc. 5.000.000$00, que entretanto a Autora lhes pagou totalmente e passou a ocupar (efectuando aí construção), sem no entanto ter sido feita a respectiva escritura de compra e venda, sucederam factos que descreve, relacionados com o contrato-promessa de 07/10/1992, que, no seu entender, justificam o pedido que formula, devendo ser:
"a) - declarado (além do mais) que a Autora adquiriu, por virtude de acessão industrial imobiliária, a propriedade do prédio sito no lugar de Marecos, freguesia de Cristelos, concelho de Lousada, inscrito na respectiva matriz no artº 494 urbano e não descrito na Conservatória do Registo Predial, que foi objecto do contrato promessa de compra e venda que celebrou com os Réus em 30/09/88, cujo preço integralmente lhes pagou, e no qual a Autora construiu, à sua custa e com autorização dos Réus, um edifício de cave, rés-do-chão, dois andares, anexos e logradouros, de valor muito superior ao que o prédio tinha antes e que a Autora pagou aos Réus, inscrito na respectiva matriz urbana de Cristelos no art. 603.º, actualmente no regime de propriedade horizontal e composto por 16 fracções autónomas, designadas de "A" a "Q",
Se assim se não entender,
b) - proferida sentença que declare transmitida para a Autora, em execução específica do referido contro-promessa de compra e venda, a propriedade do mencionado prédio,
de qualquer modo,
c) condenados os Réus a entregarem o mencionado prédio e a pagar-lhe a indemnização que se liquidar em execução de sentença,
d) ordenado o cancelamento de todos os registos (. . .) " .

Como é bem sabido, são as conclusões da alegação das recorrentes que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.
Sendo, pois, as questões atrás enunciadas, que pelos recorrentes nos são colocadas, que cumpre apreciar e decidir.

Desde já se dizendo ter, no essencial e no que aqui importa, razão a Relação pelas precisas razões do acórdão ora sob recurso e que aqui se reproduzem:

“No despacho que julgou extinta a instância "por impossibilidade superveniente legal" (fls.577-578), agora em causa, o Mmo Juiz não chega a explicitar as razões jurídicas para assim concluir.
(…)
Parece-nos, todavia, que, pelo que de forma indirecta se pode depreender da alusão que nesse despacho faz às decisões transitadas proferidas na acção ordinária nº 588/1999 e embargos de executado nº 588­-C/1999, o Sr. Juiz terá visto nessas decisões transitadas a resolução com força de caso julgado das questões abrangidas pelo pedido formulado na presente acção (nº 394-C/1999.P1). Sem razão, todavia, e com o devido respeito. Nem aquelas decisões são incompatíveis entre si (contraditórias no que decidiram), nem qualquer uma dessas decisões contende, em termos de caso julgado e do que definiram quanto à tutela jurídica pretendida pelos sujeitos processuais na presente acção.
(…)
Já se vê, pois, que nenhuma das aludidas decisões contende com a causa de pedir e com o pedido formulado na presente acção (a nº 394-C/1999). Nesta, com efeito, não só se invoca a existência de um outro contrato promessa, celebrado em 30/09/88, sobre um prédio rústico com diferente inscrição matricial e com um c1ausulado diverso, embora relacionado com o outro contrato promessa (o celebrado em 7/10/1992) como se formula um pedido também bem diferente (…).
Nada obsta, por conseguinte, a que a presente acção prossiga a sua normal tramitação.
E se a instância somente se extingue com o julgamento, o compromisso arbitral, a deserção, a desistência, confissão ou transacção, e nenhuma outra decisão (das que foram proferidas nos apontados processos) teve o mérito de fazer desaparecer a "contenda" que divide as partes processuais nesta acção (art. 287°, do CPC) - cfr. Prof. Alberto dos Reis, in "Comentário ao Código de Processo Civil, VoI. 3°, 1946, pag.360-371 - ­nenhuns motivos fundados havia para julgar - como se julgou -- extinta a instância, sendo, antes, de fazer prosseguir a sua ulterior tramitação, com a prolação do despacho saneador e, se necessário, a organização do elenco da matéria assente (especificação) e base instrutória (questionário), com vista ao seu julgamento e consequente sentença”.

E nem se diga, como começam por sustentar os recorrentes que, tendo transitado em julgado o despacho que suspendeu a instância, proferido a fls 459, não se pode mais sustentar que o trânsito em julgado da sentença homologatória da transacção efectuada no processo nº 588/99, prejudicial em relação a esta acção, não destruiu os fundamentos e a razão de ser da mesma e que não contende com a causa de pedir e com o pedido nela formulado.

Ora, de facto, não foi interposto recurso do despacho de fls 459 que atrás se transcreveu.

Pelo que se pode dizer que o mesmo se passou em julgado, ficando a ter força obrigatória dentro do processo – art. 672.º do CPC.

Nos precisos limites e termos em que decidiu – art. 673.º seguinte.

Pouco tendo decidido, salvo o devido respeito.

Pois, a verdade é que o mesmo nada decidiu com relevo para as partes e apenas mandou que a secção informasse sobre o estado de determinados processos, cujas decisões se relacionavam com as excepções pelos réus arguidas no processo.

Não tendo sequer suspendido a instância, por apelo expresso ao art. 279.º do CPC (4).

Apenas dizendo que a “questão da excepção de caso julgado ou da transacção homologada por decisão judicial” se relaciona com a eventual nulidade da transacção celebrada em 14/3/96 no processo 204/95(5) e homologada por sentença de 19/3/96 e, consequentemente, com o trânsito em julgado das decisões proferidas no processo de embargos de executado nº 588-C/99 e no recurso de revisão nº 588-B/99.

O que quererá dizer que apenas se pronunciaria sobre as aludidas excepções e suas consequências após tais decisões pendentes terem sido proferidas e transitadas em julgado.

Não impedindo a decisão em apreço, a de fls 459, que a proferida após o recebimento das decisões dadas nos processos aludidos se pronunciasse de forma diversa sobre tais excepções, se caso disso fosse.

Ou seja, o trânsito em julgado da decisão proferida a fls 459 não pode impedir a autora de discordar sobre a decisão que impugnou por via do agravo.

Sempre se dizendo, ainda, e considerando a sentença homologatória proferida no processo 588/99, que, apesar da nulidade da respectiva transacção decretada nos embargos não ter sido por esta beliscada (6), o seu caso julgado material se impõe a todos os tribunais (7)

Sendo, porém certo que, consistindo o caso julgado, a autoridade do caso julgado, em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades), quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação), todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão, os limites dentre os quais opera tal força são traçados pelos elementos identificativos da acção em que foi proferida a sentença: as partes (só tendo força de caso julgado inter partes), o pedido e a causa de pedir (arts 497.º e 498.º) (8).

Havendo que concluir que o objecto da acção – e com ele o objecto da decisão e a extensão objectiva da autoridade de caso julgado que lhe corresponde – se identifica através do pedido e da causa de pedir.

Querendo a lei significar é que uma sentença pode servir como fundamento de caso julgado quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença.

E, o pedido (art. 498.º, nº 2 citado) não se confunde com o objecto material da acção (corpus), podendo haver sobre o mesmo prédio, por exemplo, diversas acções consoante o direito invocado e a providência jurisdicional requerida.

Sendo a causa petendi nas acções reais o título invocado como aquisitivo da propriedade que o autor pretende ver reconhecida ou tutelada. E não essa mesma propriedade (9).

Ora, como bem se diz no acórdão recorrido, as aludidas decisões transitadas em julgado não contendem, pelo menos no essencial, quer com a causa de pedir, quer com o pedido formulado nesta acção.

Pelo que, sem necessidade de mais, improcedem as razões apresentadas pelos ora agravantes.
Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se negar provimento ao agravo.
Custas pelos agravantes.

Lisboa, 07 de Janeiro de 2010

Serra Baptista (Relator)
Álvaro Rodrigues
Santos Bernardino

_________________________

(1) Actualmente, Massa Falida da Sociedade de ConstruçõesAA, Lda.
(2) Transitou em julgado em 6 de Dezembro de 2001 (fls 471)
(3) Transitou em julgado em 31/10/2002 (fls 527).
(4) Apenas se tendo explicitado tal suspensão no despacho proferido cerca de 9 anos depois, a fls 577.
(5) Que, com a extinção do Tribunal de Círculo, passou a ter o nº 588-C/99.
(6) Tal como sustentam os agravantes e decidiu o Ac. deste STJ de 6/3/08 (certidão de fls 519 e ss).
(7) E aqui, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, já que a decretada nulidade da transacção não implica, pelas razões melhor explanadas no dito acórdão do STJ de 6/3/08, a nulidade da respectiva sentença homologatória.
(8) Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 304 e ss.
(9)M. Andrade, ob. cit., p. 319 e ss, que continuámos a seguir de perto.