Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2810/13.0TBVFX.L1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: FALTA DA VONTADE
VÍCIOS DA VONTADE
REPRESENTAÇÃO VOLUNTÁRIA
REPRESENTAÇÃO LEGAL
SOCIEDADE POR QUOTAS
SÓCIO GERENTE
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
DAÇÃO EM PAGAMENTO
SIMULAÇÃO
TERCEIRO
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / FALTA E VÍCIOS DE VONTADE / REPRESENTAÇÃO.
Doutrina:
-Durval Ferreira, Do Mandato Civil e Comercial,, p. 178;
-Menezes Cordeiro, Código das sociedades comerciais, p. 735;
-Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte I, Tomo I, p. 844;
-Pais de Vasconcelos, Teoria Geral de Direito Civil, 8.ª Edição, p. 293 e 294 ; Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Edição da Universidade Católica, p. 564.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 240.º E 259.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 27-06-2000, IN CJSTJ, TOMO II, P. 135;
- DE 09-10-2003, PROCESSO N.º 03B220;
- DE 29-05-2007, PROCESSO N.º 07/A1334, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-02-2008, PROCESSO N.º 08B180;
- DE 28-11-2013, PROCESSO N.º 873/05;
- DE 23-10-2014, PROCESSO N.º 5567/06, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Tanto nos casos de representação voluntária como de representação legal e mesmo de representação orgânica, em regra, é na pessoa do representante que se devem verificar os vícios correspondentes à falta ou vício da vontade, nos termos do art. 259º, nº 1, do CC.

II. A outorga por parte de um dos sócios-gerentes de uma sociedade por quotas, em representação desta, de um contrato-promessa de compra e venda, com eficácia real, relativo a um bem da sociedade e, posteriormente, a outorga de um contrato de dação em pagamento desse mesmo imóvel, sem que a tais negócios estivesse subjacente qualquer contrapartida, com o único objetivo de retirar do património da sociedade esse bem, implica a nulidade de tais contratos, por simulação absoluta (art. 240º do CC).

III. O facto de a sociedade intervir em tais contratos através de um dos sócios-gerentes (representação orgânica) não impede que se possa concluir, para efeitos de simulação, que as declarações negociais visaram enganar a sociedade que, assim, tem a qualidade de terceiro, para efeitos do art. 240º do CC.

IV. Não sendo a sociedade comercial alheia aos contratos em que formalmente interveio (atenta a representação orgânica), deve considerar-se alheia ao conluio que em cada um deles realmente se estabeleceu entre o sócio-gerente que a representou e o outro contratante, relevando o vício da vontade que ocorreu na pessoa do representante, nos termos e para efeitos do art. 259º, nº 1, do CC.

V. Uma vez que o contrato simulado de dação em pagamento, no qual a sociedade assumiu formalmente a posição de dadora, foi outorgado já depois de a mesma sociedade ter outorgado com a A. um contrato de compra e venda, sempre teria de concluir-se que o acordo simulatório visou enganar (e até prejudicar) a A. compradora que, assim, teria a qualidade de terceiro.

Decisão Texto Integral:

AA, SA, intentou contra BB, Lda, CC e DD ação declarativa com processo ordinário, através da qual formulou os seguintes pedidos:

- Declarar nulo, por simulado, o contrato-promessa de compra e venda com eficácia real celebrado entre a 1ª e 2ºs RR., por escritura pública do dia 19-6-12, sobre a fração autónoma identificada no art. 5º da petição;

- Declarar nulo, por simulado, o contrato designado por dação em cumprimento celebrado entre a 1ª e os 2ºs RR. no dia 30-10-12 sobre a mesma fração;

- Ordenar o cancelamento do registo quer do contrato-promessa de compra e venda ou alienação, quer da aquisição a favor dos 2ºs RR. e a consequente reposição no registo da aquisição a favor da A.;

- Condenar os 2ºs RR. a pagarem à A. o montante total das rendas que receberem do inquilino, após 1-4-13, com juros desde a data em que as receberam e até integral pagamento à A.;

- Se assim se não entender, declarar-se que a dação em cumprimento feita pela 1ª R. à 2ª R. é ineficaz perante a A., mantendo-se em relação a esta a prioridade do registo predial e ordenar-se o cancelamento do registo de aquisição a favor da 2ª R., por violação do princípio do trato sucessivo e a consequente reposição no registo da aquisição a favor da A. com a prioridade que antes lhe assistia e condenarem-se os 2ºs RR. a pagarem à A. o montante total das rendas que receberem do inquilino após 1-4-13, com juros desde a data em que as receberam e até integral pagamento à A.;

- Ou se ainda assim se não entender, ser a 1ª R. condenada a pagar à A. a quantia de € 175.000,00, acrescida de 20%, ou seja a quantia de € 210.000,00 com juros à taxa dos juros comerciais desde a data da citação e até integral pagamento;

- Ser também a 1ª R. condenada a reembolsar a A. das despesas judiciais, incluindo custas e honorários do seu patrono nesta ação, com juros desde a data da liquidação do que for devido e até efetivo pagamento.

Alegou para o efeito que celebrou com a 1ª R. um contrato-promessa de compra e venda, o qual sofreu um aditamento quando a A. constatou que sobre a fração em causa estava registado um contrato-promessa com eficácia real a favor de terceiro.

A 1ª R. informou a A. de que tal contrato-promessa era simulado, por ter sido celebrado pela outra sócia-gerente, tendo sido celebrada a escritura de compra e venda a favor da A. Porém, depois disso foi efetuada e levada ao registo predial uma dação em cumprimento outorgada em representação da 1ª R. que acabou por prevalecer sobre o registo da aquisição a favor da A.

Entretanto a A. procedera ao arrendamento da fração, mas foi posteriormente confrontada com uma comunicação do seu arrendatário de que teria de pagar a renda a quem se apresentou como proprietário da fração em consequência da referida dação em pagamento.

Os RR. não apresentaram contestação, tendo sido proferida sentença que:

a) Declarou nulo, por simulado, o contrato-promessa de compra e venda com eficácia real celebrado entre a 1ª e a 2ª R. por escritura pública do dia 19-6-12 referente à fração autónoma identificada no art. 5º da petição;

b) Declarou nulo, por simulado, o contrato designado por dação em cumprimento celebrado entre a 1ª e a 2ª R. no dia 31-10-12;

c) Ordenou o cancelamento do registo quer do contrato-promessa de compra e venda ou alienação, quer da aquisição a favor dos 2ºs RR. e a consequente reposição do registo da aquisição a favor da A.;

d) Condenou os 2ºs RR. a pagarem à A. o montante total das rendas que receberem do inquilino após 1-4-13, com juros legais desde a data da citação, até integral pagamento à A.

Os RR. CC e DD interpuseram recurso de apelação, o qual foi julgado improcedente, sendo confirmada a sentença.

Foi interposto pelos mesmos RR. recurso de revista que foi admitido a título excecional onde foram suscitadas as seguintes questões:

- Inexistência de simulação negocial, por não estar provado que a sócia-gerente da 1ª R. quisesse enganar a A. ou a sociedade que representava;

- Exigindo-se que a simulação seja para enganar ou prejudicar terceiro, a sociedade transmitente em representação da qual foram outorgados os contratos de promessa e de dação em pagamento não tem a condição de terceiro, pois foi representada pela sua sócia-gerente com poderes para a vincular, sendo inaplicável a norma do art. 259º do CC.


Houve contra-alegações.

Cumpre decidir


II - Factos provados:

1. A A. é uma sociedade comercial sob a forma anónima que tem por objeto a compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim, tendo a sua constituição sido registada em 4-9-12 (doc. de fls. 255 e ss.).

2. A 1ª R. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade imobiliária, constituída em 2006, e em Setembro de 2012 tinha como gerentes EE e FF, obrigando-se com a intervenção de um gerente (doc. nº 1 junto com a p.i.).

3. A 1ª R. era proprietária da fração autónoma sita na freguesia de …, designada pela letra “N”, inscrita na matriz sob o art. 2…6, descrita na 2ª CRP de Vila Franca de Xira sob o n.º 5…6-N, que se compõe de loja para comércio e indústria, na 1ª cave, arrecadação e garagem designada por box 30, localizada na 2ª cave do prédio urbano sito em …, Lote 16, freguesia de …, Vila Franca de Xira (doc. nº 3 junto com a p.i.).

4. Em 19-6-12 foi celebrado um “contrato-promessa com eficácia real” entre FF (1ª outorgante), como gerente e em representação da 1ª R., na qualidade de promitente-vendedora, e a 2ª R. (2ª outorgante) como promitente-compradora, tendo sido dito pela 1ª outorgante:

“Que em nome da sociedade sua representada e pelo preço de € 280.000,00, à segunda outorgante promete vender ou alienar a título oneroso a fração autónoma, designada pela letra “N”, correspondente à loja A, destinado a comércio e indústria, na 1ª cave, arrecadação – garagem designado por box 30, localizada na 2ª cave, do prédio urbano, localizado em …, Lote 16, freguesia de …, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o nº 5…6, daquela freguesia, afeto ao regime da propriedade horizontal, conforme inscrição, relativa à apresentação 103 de 9-7-1999, registada a favor da sociedade sua representada, conforme inscrição, relativa à apresentação nº 22, de 2-2-2007, inscrito na respetiva matriz sob o nº 2….6, com o valor patrimonial de € 175.929,95”.

Pelas outorgantes foi dito:

“Que, pela presente celebram o presente Contrato-Promessa de Compra e Venda ou Alienação A Título Oneroso, o qual se rege pelas cláusulas e condições seguintes:

Cláusula primeira (Objeto do Contrato)

1 - Pelo presente contrato, a PRIMEIRA CONTRAENTE promete vender ou alienar a título oneroso e a SEGUNDA CONTRAENTE promete comprar ou adquirir a título oneroso o imóvel supra descrito e identificado.

2 - O imóvel é vendido no estado físico e jurídico em que se encontra, o qual a SEGUNDA CONTRAENTE declara conhecer, não sendo oponível à PRIMEIRA CONTRAENTE, nem fundamento para a recusa na outorga da escritura pública de compra e venda ou alienação A Título Oneroso, eventuais divergências quanto à composição do imóvel constante dos documentos oficiais ou entre estes e a realidade.

3. Que a venda ou alienação a título oneroso poderá não ser feita à ora promitente-compradora, mas a quem esta indicar.

Cláusula Segunda (Preço e Condição)

1 - O preço da compra e venda ou alienação a título oneroso ora prometida é de duzentos e oitenta mil euros e será pago pela SEGUNDA CONTRAENTE à PRIMEIRA CONTRAENTE, nas condições seguintes:

a) A título de sinal e princípio de pagamento, a SEGUNDA CONTRAENTE pagará à PRIMEIRA CONTRAENTE a quantia de € 18.200,00 que esta declara já ter recebido, servindo o presente contrato de quitação;

b) O remanescente do preço, no valor de € 261.800,00, será pago no dia da outorga da escrita ora prometida;

2 - Sem prejuízo do regime de sinal acima estabelecido, as CONTRAENTES convencionam entre si que poderão fazer uso do mecanismo da execução específica, nos termos e para os efeitos do art. 830º do CC.

Cláusula Terceira

1 - Que pela presente escritura a promitente-vendedora dá à promitente compradora a posse do imóvel objeto deste contrato;

2 - Em virtude da tradição do imóvel nos termos do n.º anterior da presente cláusula, a promitente-compradora passa a ter direito a receber as rendas relativas ao contrato de arrendamento que atualmente está em vigor sobre o imóvel.

Cláusula Quarta

Um - A escritura definitiva de compra e venda ou Alienação A Título Oneroso será celebrada dentro do prazo de 5 anos, a contar da data da assinatura deste contrato-promessa, e será marcada pela promitente-compradora, devendo a data, hora e local ser comunicada com 8 dias de antecedência, por qualquer forma admitida na lei, obrigando-se a facultar reciprocamente a documentação necessária para a realização do ato ou atos notariais.

Dois - O prazo convencionado de 5 anos pode ser alterado ou prorrogado através de aditamento escrito ao presente contrato-promessa, assinado por ambas as partes.

Cláusula Quinta

Os impostos, taxas e demais contribuições, registos ou quaisquer despesas com a identificada fração autónoma, designada pela letra “N”, até à celebração da escritura pública de compra e venda, serão por conta da promitente-vendedora.

Cláusula Sexta

As despesas com o presente contrato, com o respetivo IMT, com a escritura de compra e venda, IMT, registos, bem assim impostos (inerentes à aquisição) e contribuições depois da celebração da dita escritura, serão da conta da promitente-vendedora.

Cláusula Sétima

Em caso de incumprimento deste contrato-promessa, qualquer das partes poderá recorrer à execução específica, nos termos do art. 830º do CC, ou optar pelo regime jurídico previsto no art. 442º do referido Código.

Cláusula Oitava

As contratantes declaram expressamente atribuir eficácia real ao presente contrato-promessa de compra e venda ou Alienação A Título Oneroso, nos termos e para os efeitos do art. 413º do CC.

Cláusula Nona

Em todo o omisso neste contrato regular-se-á pela legislação em vigor, estipulando as outorgantes o foro da Comarca de Vila Franca de Xira, para dirimir qualquer pleito emergente do presente contrato-promessa.

Cláusula Décima

Que em virtude do pagamento do valor do IMT ser da responsabilidade da ora promitente-vendedora e como o mesmo imposto foi pago pela promitente-compradora as partes consideram ser esse valor imputado no valor do sinal referido na al. a), do n.º 1, da cláusula Segunda, o qual foi assim recebido por compensação” (doc. n.º 4 junto com a p.i. a fls. 108 e ss.).

5. Pela ap. 2 de 20-6-12 foi registada pela respetiva CRP a promessa de alienação com eficácia real, pelo prazo de 5 anos, mediante a qual a 1ª R. prometeu vender a referida fração à 2ª R. (doc. nº 7 junto com a p.i. a fls. 128-129).

6. No âmbito da sua atividade comercial, a A. foi contactada em Setembro de 2012 por EE, na qualidade de gerente da 1ª R., que lhe propôs a venda de 3 frações autónomas de que a sociedade era proprietária.

7. A A. aceitou a proposta e no dia 6-9-12 foi celebrado entre a A. e a 1ª R. um contrato-promessa de compra e venda através do qual a 1.ª R. prometeu vender à A., entre outros, o imóvel supra mencionado, sendo o preço convencionado de € 175.000,00.

8. Em 12-9-12, quando procurou obter documentação para marcar a escritura de compra e venda dos imóveis que pretendia adquirir, a A. verificou que sobre a mencionada fração existia o registo de promessa de alienação acima referido, por 5 anos, a favor da 2ª R.

9. Confrontado com tal registo, o gerente da 1.ª R., EE, disse ao administrador da A. que o contrato-promessa registado tinha sido celebrado em nome da 1ª R., sem conhecimento dele, pela ex-mulher dele e pela irmã desta, mas que era simulado e não iria ser cumprido, pois a promitente-compradora não tinha pago qualquer quantia à 1ª R. e não tinha dinheiro nem forma de o obter, para pagar o preço convencionado.

10. O gerente da 1ª R. entregou à A. uma fotocópia do contrato-promessa celebrado pela gerente FF em nome da 1ª R. com a 2ª R. em 19-6-12.

11. As garantias dadas pelo gerente da 1ª R. de que não seria celebrado o negócio prometido convenceram a A. a manter o negócio, mas exigindo o aditamento de novas cláusulas ao contrato promessa o que foi feito no dia 17-9-12, nos seguintes termos:

“No dia 6-9-12 foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda entre: BB, Lda, NIPC 50…0 com sede na R. … n.º… A – Lisboa, aqui representada pelo seu sócio gerente EE (…) e AA, SA, NIPC 51…0 com sede na Rua …, n.º … – 3º, 2410 – Leiria, aqui representada pelo seu administrador GG (…)

CONSIDERANDO QUE:

1) No contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes no dia 6-9-12 foi convencionado que a 1ª outorgante venderia à 2ª outorgante livre de ónus ou encargos a fracção “N” do prédio Descrito na 2ª CRP de Vila Franca de Xira sob o n.º 5..6 da freguesia de ….

2) O preço da venda convencionado foi de € 175.000,00 de que a 2ª outorgante pagou já à primeira a título de sinal a quantia de € 94.512,20.

3) O contrato-promessa foi assinado pelo gerente da 1ª outorgante, Eng.º EE e que no dia da assinatura do contrato-promessa foi exibida à 2ª outorgante uma certidão do registo predial de onde constava que a fração estava inscrita no registo predial em nome da 1ª outorgante e sem qualquer registo de ónus ou encargos.

4) Na data de 14-9-12 a 2ª outorgante teve acesso a uma certidão do registo predial de onde consta que, no dia 20-6-12 foi registado sobre a mesma fração contrato-promessa de compra e venda com eficácia real a favor de CC.

5) Por acesso ao título que serviu de base ao registo do contrato-promessa referido no considerando anterior se trata de um contrato celebrado por escritura do dia 15-6-12 no Cartório Notarial de Lisboa, na R. … n.º …-5º, e se verificou que o contrato foi outorgado pela outra gerente da 1ª outorgante, Srª. D. FF.

6) Que ficou declarado no contrato que o preço da prometida venda é de € 280.000,00 e que a promitente compradora pagou à 1ª outorgante a título de sinal a quantia de € 18.200,00.

7) Que o gerente da 1ª outorgante garante à 2ª outorgante neste aditamento que o valor do sinal nunca deu entrada nas contas da 1ª outorgante e que, por isso, esta não está obrigada à devolução do sinal que não recebeu.

8) Que o valor que a promitente-compradora no contrato a que foi atribuída eficácia real sempre teria que pagar para outorgar a escritura de compra e venda a quantia de € 261.800,00 muito superior ao valor pela qual a 1ª outorgante prometeu vender a fração à 2ª outorgante, acordaram em celebrar este aditamento que se regerá pelas seguintes cláusulas.

Primeira

A 2ª outorgante aceitou celebrar a escritura de compra e venda prometida e pagar o remanescente do preço em falta.

Segunda

Se se vier a verificar que a promitente-compradora registada Srª D. CC pagou à 1ª outorgante o valor do sinal que consta no contrato como recebido ou se tiver pago qualquer outro valor que tenha direito a receber sobre o imóvel, a 1ª outorgante obriga-se a indemnizar a 2ª outorgante de todo e qualquer prejuízo que daí advenha para esta.

Terceira

Se, em virtude do contrato promessa registado, a 2ª outorgante tiver que abrir mão do imóvel hoje comprado, a 1ª outorgante obriga-se a devolver-lhe o preço pago de € 175.000,00 que recebeu, acrescido de 20% a título de indemnização pelos prejuízos que a resolução/invalidade/nulidade do contrato lhe causar.

Quarta

A 1ª outorgante pagará ainda quaisquer despesas judiciais, incluindo custas e honorários de advogados em que a 2ª outorgante vier a incorrer para defesa do que julgar serem os seus direitos ou interesses.

Quinta

O gerente da 1ª outorgante, EE, constitui-se fiador da sua representada pelo exato cumprimento deste aditamento.

Sexta

No caso de, em virtude do contrato-promessa acima referido a favor de CC, a 2ª outorgante ter que vir a abrir mão da fração ora comprada, não terá que devolver as rendas entretanto recebidas que fará coisa sua, sem ter que, por elas, dar à primeira outorgante qualquer compensação.

Feito em Leiria no dia 17 de Setembro de 2012 (doc. nº 5 junto com a p.i. a fls. 115 e ss.).

12. Em 17-9-12 foi celebrada escritura pública no Cart. Not. de Ourém mediante a qual a 1ª R. vendeu à A. a fração acima identificada que recebeu e deu quitação (doc. nº 6 junto com a p.i. a fls. 121 e ss.).

13. Nesta escritura, o gerente da 1ª R. declarou:

“Que relativamente à promessa de alienação acima referida sobre a indicada fração “N”, a mesma não vincula, pois o valor pretensamente pago a título de sinal não deu entrada na caixa social”.

14. Pela apresentação nº 1036 de 18-9-12 da CRP de Castelo de Paiva, a A. registou a aquisição pela compra e o registo foi feito como definitivo (doc. nº 7 junto com a p.i. a fls. 128-129).

15. A fração autónoma que a A. comprou está arrendada pela renda mensal de € 1.200,00 e a A. passou a receber as rendas a partir de Outubro de 2012.

16. Em 31-10-12 foi celebrada no Cartório Notarial de Lisboa a cargo do Dr. HH escritura designada de “dação em cumprimento”, em que foi 1ª outorgante FF como gerente e em representação da 1ª R. e 2ª outorgante CC, na qual declararam:

“Que, em virtude de serviços prestados pela ora 2ª outorgante à sociedade ora representada pela 1ª outorgante no montante de € 261.000,00, relativa a serviços efetuados pela ora 2ª ao longo dos anos e que não lhe foram pagas aquela sociedade.

Que em execução do contrato-promessa de alienação com eficácia real, lavrado neste Cartório em 19-6-2012, a folhas 89, do livro 109-A, registado, conforme inscrição, relativa à apresentação nº 2, de 20-6-2012 e para pagamento da referida dívida a 1ª outorgante, em nome da sua representada, dá à ora 2ª outorgante a fração autónoma, designada pela letra “N”, correspondente à loja A, destinado a comércio e industria, na 1ª cave, arrecadação-garagem designado por box 30, localizada na 2ª cave, do prédio urbano, localizado em …, Lote 16, freguesia de …, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na Segunda CRP de Vila Franca de Xira sob o nº 5…6 daquela freguesia, afeto ao regime da propriedade 11/76 horizontal, conforme inscrição, relativa à apresentação 103, de 9-7-1999, tendo estado registada a favor da sociedade, conforme inscrição, relativa à apresentação nº 22, de 2-2-2007, inscrito na respetiva matriz sob o nº 2.396, com o valor patrimonial de 175.929,95€, à qual atribui o valor de € 280.000,00.

Que sobre o mencionado imóvel incidem:

a) Um alvará de loteamento, conforme inscrição relativa à apresentação número trinta e nove, de vinte e oito de Setembro de mil novecentos e noventa e cinco, e respetivo averbamento;

b) Uma Alteração ao mencionado alvará de loteamento, conforme inscrição, relativa à apresentação número setenta e nove, de dezassete de Setembro de mil novecentos e noventa e nove

c) Um registo de aquisição, conforme inscrição, relativa à apresentação número mil e trinta e seis, de dezoito de Setembro de dois mil e doze, o qual não prevalece ao registo do contrato de promessa de alienação, que é anterior, e que ora se cumpre.

PELA SEGUNDA OUTORGANTE FOI DECLARADO:

Que aceita, a presente dação em cumprimento e, em consequência, declara que a referida dívida fica extinta e cumprido o identificado contrato-promessa de alienação, uma vez que a dívida é do referido montante de € 261.800,00 e a ora 2ª outorgante entregou no contrato-promessa à sociedade representada pela 1ª outorgante a quantia de € 18-200,00 a título de sinal e princípio de pagamento, perfazendo o valor total do valor atribuído ao imóvel de € 281.000,00” (doc. nº 8 junto com a p.i. a fls. 132 e ss.).

17. Mediante a apresentação nº 2507 de 31-10-12, foi efetuado registo predial da escritura mencionada no nº anterior, tendo sido qualificado como provisório por dúvidas (doc. nº 11 junto com a p.i. a fls. 145 e ss.).

18. Por averbamento oficioso à ap. 2507 de 31-10-12 e na sequência do recurso hierárquico interposto a 11-12-12, o registo de aquisição a favor da 2ª R. foi convertido em definitivo em 13-3-13 (doc. nº 11 junto com a p.i. a fls. 145 e segs.).

19. A inquilina enviou uma carta datada de 2-4-13 para a A., que a recebeu, do Dr. II, em representação da 2ª R., que comunicava à inquilina que a referida R. havia adquirido em 31-10-12 o imóvel arrendado e para passar a pagar todas as rendas à 2ª R. (doc. nº 8 junto a fls. 130 e ss.).

20. A partir de Abril de 2013, em virtude da comunicação supra, as rendas passaram a ser pagas pela inquilina do imóvel à 2ª R.

21. A 2ª R. não entregou o valor de € 18.200,00 à 1ª R., nem sequer à gerente desta, nem foi a 2ª R. que pagou os impostos e todas as despesas inerentes às escrituras e registos que fizeram.

22. Quem tudo pagou foi a gerente da 1ª R., FF.

23. A 2ª R. nunca prestou qualquer serviço à 1ª R. fosse de que tipo fosse, sendo esteticista por conta de outrem em C…, onde reside e onde o marido é agente da PSP.

24. A 2ª R. não está inscrita nas Finanças como prestadora de serviços de qualquer tipo e nunca declarou ao Fisco qualquer quantia proveniente de prestação de serviços.

25. A 1ª R. também não escriturou na sua contabilidade nem o valor que no contrato-promessa declarou ter recebido, nem a dação em cumprimento celebrados com a 2ª R.

26. A 1ª R. foi inscrita no Registo Comercial de Lisboa em 16-11-06 e nunca teve qualquer atividade em C… e a 2ª R. nunca viveu na zona de Lisboa depois de 16-11-06.

27. A gerente da 1ª R. e a 2ª R. sabiam que por detrás das escrituras que fizeram não existia qualquer negócio e que a 2ª R. nunca pagou qualquer quantia à 1ª R., nem lhe prestou qualquer serviço.


III – Decidindo:

1. Estamos perante uma ação que, no essencial, visa a declaração de nulidade, por simulação, de dois contratos que foram celebrados em representação da 1ª R. Sociedade, por um dos sócios-gerentes.

Nenhum dos RR. contestou a ação, daí resultando a prova de todos os factos que foram alegados pela A. e que revelaram a existência de um vício de simulação absoluta que afeta ambos os contratos.

De facto, por detrás da declaração de outorga de contrato-promessa com eficácia real outorgado em representação da Sociedade ora R., não existiu a intenção de constituir qualquer direito real de aquisição, assim como não foi efetivamente pretendida pelos intervenientes na dação em pagamento a realização da alienação da fração a favor da 2ª R. que, aliás, também não procedeu ao pagamento de qualquer preço, nem prestou qualquer serviço cujo preço fosse saldado através da referida dação.

Dizem os 2ºs RR., sem o menor rebate de consciência em face da sua intervenção numa operação que visou retirar do património de uma sociedade um bem imóvel, sem qualquer compensação, que, afinal, se tratou de “uma doação da sócia-gerente a si mesma, sem consentimento da sociedade”, como se, afinal, o objeto social de uma sociedade comercial legitimasse atos de doação como este ou como se a esfera jurídica da sociedade sustentada na atribuição de personalidade jurídica perdesse autonomia em face da esfera jurídica de um dos seus sócios-gerentes.

Os recorrentes usaram este argumento para concluírem que tais negócios poderiam ser impugnados, mas não através da invocação do vício de nulidade por simulação, antes por via da ineficácia, por abuso de representação, nos termos do art. 261º do CC.

Acrescentam ainda que a simulação é indissociável da demonstração da intenção de enganar terceiros, elemento que estaria ausente, uma vez que a sociedade contratante agiu sob representação de um dos seus sócios-gerentes, não podendo, assim, ser simultaneamente parte nos negócios e terceiro enganado nos negócios afetados por simulação.

Defrontando-se, contudo, com a norma do art. 259º, nº 1, do CC, que foi invocada pelas instâncias, defendem que tal preceito apenas é aplicável a casos de representação voluntária, mediante procurador, e não de representação orgânica correspondente á intervenção de um sócio-gerente.


2. Que dizer no confronto entre esta argumentação e a que foi empregue pelas instâncias que consideraram que se estava perante contratos simulados e, por isso, nulos, atribuindo à A. legitimidade para a arguição dessa nulidade que foi declarada?


2.1. Os pressupostos da simulação estão enunciados no art. 240º do CC e não suscitam dúvidas relevantes:

a) É evidente a divergência entre o que foi declarado tanto no contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, como no contrato de dação em pagamento:

- A constituição de um direito real de aquisição a favor da 2ª R. ou a satisfação de algum crédito que perante a mesma existisse a cargo da R. sociedade não constituía, na realidade, o desiderato final de qualquer dos intervenientes, mas apenas um mecanismo para retirar do património da 1ª R. sociedade um bem imóvel que integrava o seu património;

b) Tal objetivo tinha subjacente um acordo entre os sujeitos intervenientes (a representante da 1ª R. e a 2ª R.):

- É isso que decorre do facto de cada uma das intervenientes saber que não existia qualquer direito de crédito favorável à 2ª R., nem qualquer obrigação a cargo da 1ª R., sendo as declarações assumidas numa relação familiar que unia as duas intervenientes (sócia-gerente da sociedade e a 2ª R.);

c) Também é cristalina a intenção de enganar terceiros, no caso a sociedade R. que nos contratos surgiu sob representação da sócia-gerente:

- É disso que se trata quando nos confrontamos com negócios de caráter formalmente oneroso mas que não trouxeram para o património da sociedade qualquer retorno. Não foi pago qualquer sinal pelo contrato-promessa, nem a alienação em dação em pagamento correspondeu à satisfação de qualquer obrigação que existisse perante a 2ª R., tratando-se de uma atuação que teve simplesmente em vista retirar do património da sociedade, sem qualquer contrapartida, um bem imóvel de valor substancial;

- Mas também tem a qualidade de terceiro visada pela simulação a própria A., na medida em que os seus interesses vieram a ser afetados pelo conluio que se estabeleceu entre a sócia-gerente da sociedade e a 2ª R.; na realidade, a dação em pagamento, também inserida em tal acordo simulatório, foi efetuada em 31-10-12 (com registo provisório a 31-10-12), numa ocasião em que a ora A. já havia outorgado o contrato-promessa de compra e venda em 6-9-12, com o aditamento em 17-9-12 e com celebração da escritura de compra e venda nesta mesma data de 17-9-12 e registo de aquisição em 18-9-12.


2.2. Os recorrentes impugnam a verificação do requisito enunciado na al. c) (intenção de enganar terceiro), argumentando que a sociedade R. interveio em cada um deles, através da sua sócia-gerente, na qualidade de representante, não podendo ter simultaneamente a qualidade outorgante dos contratos e de terceiro enganado.

Assim seria se, a par da norma do art. 258º do CC, não existisse o art. 259º, nº 1, que não pode ser ultrapassado com a facilidade pretendida pelos recorrentes.

Segundo tal preceito, a não ser que se trate de elementos em que tenha sido decisiva a vontade do representado (in casu, da sociedade), é na pessoa do representante (in casu, a sócia-gerente da sociedade) que devem verificar-se a falta ou vício da vontade, entre os quais se situa precisamente o vício de simulação.

Era o que aconteceria se acaso se estivesse perante um erro sobre o objeto do negócio, mas igualmente, e com maior pertinência, quando se trata de relevar o vício mais grave de simulação que, como ocorreu no caso, tinha como objetivo enganar ou prejudicar a sociedade comercial representada nos negócios por um dos sócios-gerentes.

Contra o argumentado pelos recorrentes, não encontra sustentação para efeitos de aplicação daquele regime uma pretensa distinção entre declarações prestadas ao abrigo de uma procuração (representação voluntária) ou no âmbito de representação legal ou mesmo, como ocorreu no caso, de representação orgânica. Para todos esses casos, por razões de que o legislador bem se apercebeu, foi dado relevo ao vício que ocorra na esfera de atuação do representante e não do representado.


2.3. É verdade que, atenta a natureza jurídica das sociedades, estas atuam necessariamente através dos respetivos órgãos que, nesta medida, desempenham uma função correspondente à representação orgânica de entes coletivos. Como se refere no CSC anot., coord. de Menezes Cordeiro, p. 735, “a sociedade, pela sua natureza, necessita de um processo orgânico que explique como se forma e manifesta a sua vontade: a representação orgânica”.

Mas como também refere Pais de Vasconcelos, Teoria Geral de Direito Civil, 8ª ed., pp 293 e 294, “a representação orgânica … tem algo de negocial (voluntária) e algo de legal”, sendo que “a semelhança em relação à representação voluntária e à representação legal é muito forte e permite que se lhe aplique o respetivo regime jurídico analogicamente, isto é, mutatis mutandis, e com as necessárias adaptações”.

É isso que permite que, mediante invocação do regime que consta do art. 259º do CC, se conclua, com o mesmo autor, que, relativamente ao intuito de enganar terceiros que é característico da simulação, o acento tónico seja posto, em princípio, no contributo do representante (p. 296), de modo que, em tais situações, o próprio representado é terceiro (assim também no Comentário ao CC, Parte Geral, ed. Univ. Católica, p. 564). Ou, de outro modo, como refere Durval Ferreira, Do Mandato Civil e Comercial, p. 178, em tais situações “o negócio é do representante, se bem que se dirija a produzir efeitos no representado”.


2.4. Relativamente a uma situação de representação voluntária sustentada numa procuração, semelhante posição já foi assumida no Ac. do STJ, de 28-11-13, 873/05, relatado pelo ora relator, em cuja fundamentação se expôs que “não é o facto de o 1º R. ter agido na qualidade de procurador dos AA. que afasta a inserção destes no conceito de “terceiros” cujos interesses são acautelados pelo regime da simulação, sendo determinante que o vício da vontade se manifeste na pessoa do representante”. Acrescentou-se ainda que “no âmbito da definição de “terceiro” tutelado pelo regime da simulação contratual pode inscrever-se o próprio representado de algum dos outorgantes no negócio jurídico, dado que, nos termos do art. 259º do CC, o que releva é a ocorrência dos vícios da vontade na pessoa do representante”.

Neste sentido cfr. ainda os Ac. do STJ, de 27-6-00, CJSTJ, tomo II, p. 135 e de 29-5-07 (07/A1334), em www.dgsi.pt, onde explicitamente se afirma também que o representado é terceiro em relação ao negócio celebrado pelo seu representante, em conluio com a contraparte”. Nele e fixou que, para efeitos de simulação, terceiro afetado pelo conluio “não é, necessariamente, alguém que seja alheio ao negócio; apenas tem que ser alheio ao conluio” (tese também assumida nos Acs. do STJ de 14-2-08, 08B180, de 9-10-03, 03B2201 e de 23-10-14, 5567/06, em www.dgsi.pt. No mesmo sentido Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte I, t. I, p. 844, para quem terceiro é aquele que é alheio ao acordo simulatório e não necessariamente ao contrato simulado.

A mesma solução se impõe quando se trata de representação legal ou mesmo de um caso de representação orgânica, tanto mais que a norma do art. 259º do CC não está especificamente assocada à representação voluntária que apenas é tratada nos arts. 262º e ss., integrando aquela as disposições gerais da figura da “representação”.


2.5. Nestes termos, há que concluir que:

a) A divergência dolosa entre a vontade declarada e o que realmente se pretendeu com cada um daqueles dois contratos integra a figura da simulação contratual;

b) A sociedade, ora 1ª R. (que formalmente interveio nos contratos) é de considerar terceiro (enganada e, no caso, também prejudicada) para efeitos de caracterização desse vício, na medida em que tais contratos foram outorgados em seu prejuízo por um dos sócios-gerentes que foi quem participou efetivamente no conluio.

Para efeito de integração do vício da simulação, na parte referente ao acordo simulatório ou à intenção de enganar), na parte em que exista alguma forma de representação, incluindo a representação orgânica, o relevo não deve ser posto no elemento formal da participação no negócio, antes na participação no conluio que se mostre essencial para a integração do vício da vontade, na modalidade da simulação absoluta.

Se é verdade que a sociedade foi formalmente parte nos contratos, foi exclusivamente a pessoa de um dos sócios-gerentes que participou no conluio com uma sua irmã, com a ideia de retirar do património da sociedade um bem imóvel.

Foi a sócia-gerente da sociedade a única responsável pela divergência entre o que foi declarado em cada um dos contratos e o que efetivamente era pretendido pelas outorgantes, já que não se provou que a concretização de tais declarações resultasse de um processo formativo ocorrido no seio da própria sociedade, designadamente através de alguma deliberação social ou mediante o acordo de todos aqueles que tinham capacidade para comprometer a sociedade. Por isso nem sequer funciona a exceção prevista no nº 2 do art. 259º do CC que ressalva os casos em que o próprio representado tenha agido com má fé.  

Tal vício simulatório reconduz-se a uma nulidade contratual que é invocável por qualquer interessado, nos termos do art. 286º do CC, sendo essa a qualidade que é detida pela A., na medida em que outorgou com a mesma sociedade um outro contrato de compra e venda.

Por estes motivos improcede a revista.


2.6. Mas ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que porventura se pudesse concluir que a sociedade, na qualidade de outorgante que surgiu sob representação da respetiva sócia-gerente, não podia ter simultaneamente a qualidade de terceiro (enganado e/ou prejudicado) relativamente à simulação, sempre a ação procederia por outra via.

Com efeito, como acima se evidenciou, em tal eventualidade, a data em que foi outorgada a escritura pública de dação (31-10-12), mediante a qual se pretendeu proceder à transferência artificial do imóvel para a esfera da 2ª R., (depois de ter sido outorgado anteriormente um contrato promessa com eficácia real, mas que constitui um mero direito real de aquisição), foi posterior àquela em que a mesma sociedade já outorgara com a A. (6-9-12), um contrato-promessa de compra e venda (que sofreu um aditamento causado precisamente pelo conluio que existira) e bem assim á data em que fora outorgada pela mesma sociedade, com a A., a escritura de compra e venda (17-9-12).

A A. logrou o registo da sua aquisição em 18-9-12, mas ao mesmo veio a sobrepor-se depois o registo de aquisição fundado na dação em pagamento a favor da 2ª R. que, começando por ser provisório em 31-10-12, passou a definitivo em 11-12-12, na sequência de recurso hierárquico que fez prevalecer a posição assumida pela 2ª R. sobre a que a A. detinha.

Ora, nesta outra perspetiva, nenhuma dúvida pode ser suscitada acerca do preenchimento dos pressupostos da simulação em toda sua plenitude a partir de considerações em torno dos efeitos que decorrem da representação orgânica, em comparação com os que decorrem da representação voluntária, em face da norma do art. 259º do CC.

Nesta outra circunstância, verifica-se que, a par do acordo simulatório que presidiu tanto ao contrato-promessa como à dação em pagamento e da divergência entre o que ficou a constar da escritura de dação e o que realmente foi pretendido pelos outorgantes, houve o claro intuito de enganar (e mais do que isso, de prejudicar) a ora A. a favor da qual existia um título de aquisição (compra e venda) e o correspondente registo predial.

Também por esta via improcederia a revista.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo dos recorrentes.

Lisboa, 22-3-18


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo