Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1545/12.5TBCTX-D.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: INSOLVÊNCIA
EFEITOS DA SENTENÇA
CASO JULGADO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A AREVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – DISPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS / DECLARAÇÃO DA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / LEGITIMIDADE PARA APRESENTAR O PEDIDO E DESISTÊNCIA / REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL / SENTENÇA DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA E SUA IMPUGNAÇÃO / CONTEÚDO, NOTIFICAÇÃO E PUBLICIDADE DA SENTENÇA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., 2018, p. 49 a 52;
- Jorge Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 14.ª ed., 2018, p. 442.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESA (CIRE): - ARTIGOS 14.º, 20.º, 25.º E 36.º, N.º 1, ALÍNEA J).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 580.º, N.ºS 1 E 2, 581.º, N.ºS 1, 2, 3 E 4, 619.º, N.º 1 E 629.º, N.º 2, ALÍNEA A).
Sumário :

I- À sentença (proferida nos autos principais) que declarou a insolvência não pode ser atribuído o valor de caso julgado, quando confrontada com as decisões proferidas no presente apenso de verificação e graduação de créditos. A primeira decisão não desempenha, assim, nem uma função negativa (enquanto exceção do caso julgado), nem uma função positiva (enquanto autoridade do caso julgado) relativamente à segunda, essencialmente porque os pedidos formulados e o âmbito decisório das ações em confronto são distintos.

Decisão Texto Integral:

I. RELATÓRIO        

1. Nos autos do processo principal, “AA” requereu a declaração de insolvência da “BB, SA”.

A BB foi declarada insolvente por sentença que transitou em julgado em 17.10.2017. Nessa sentença foi fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.

2. Nos presentes autos, em 11.05.2018, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos que homologou os créditos constantes da lista que o Administrador da Insolvência juntou aos autos, entre os quais o crédito de €4.679,68 do Condomínio.

3. Inconformada, apelou a Massa Insolvente da BB, SA, para o Tribunal da Relação de Évora, contra a decisão que homologou (além de outros créditos sem relevo para o presente recurso) o crédito do Condomínio. Alegou existir erro manifesto no reconhecimento de um crédito no montante de €4.679,68, porquanto documentos juntos aos autos demonstravam que o montante em dívida era inferior.

4. A segunda instância decidiu, no que respeita ao crédito do Condomínio: “anular parcialmente a sentença impugnada, anulação circunscrita ao montante do crédito reconhecido ao reclamante Condomínio, devendo a Mm.ª juíza proceder às necessárias indagações tendo em conta o supra exposto e a documentação junta aos autos pela apelante.”

A decisão foi justificada nos termos que se transcrevem:

 “(…) quanto ao crédito do Condomínio, requerente da insolvência, foi o mesmo reconhecido pelo Sr. Administrador pelo montante de €4.679,68, valor reclamado no processo executivo que pelo credor foi instaurado contra a insolvente - correspondendo €3.636,82 à dívida de capital e €1.042,86 a título de juros - e que foi objecto de indeferimento liminar com fundamento na falta de título executivo.

Impondo-se esclarecer previamente a apelante de que, ao invés do que parece pressupor, o reconhecimento de um crédito (qualquer crédito) em processo insolvencial não está dependente da existência de título executivo, faz-se todavia notar que o montante reclamado no processo executivo e reconhecido pelo Sr. Administrador não é rigorosamente igual ao mencionado pelo credor na missiva endereçada à insolvente em 10 de Outubro de 2012, numa tentativa de cobrança extra judicial, e que totaliza €3.686,46 (cf. fls. 189), aí se discriminando as quotas em atraso.

Este último é o valor indicado pelo apelado Condomínio no seu requerimento inicial (estando em causa apenas a fracção …, correspondente ao ....º), mas como se vê dos documentos que a agora apelante juntou aos autos principais em 8/2/2018, encontrando-se, portanto, ao dispor da Mm.ª juíza, aquando da prolação da sentença ora impugnada, encontram-se a fls. 131 e 133 declarações da Loja do Condomínio atestando o pagamento das quotas relativas ao ano de 2008 e 1.º trimestre de 2009, as quais se constam como estando em dívida na relação apresentada pelo credor e que o Sr. Administrador terá acolhido.

Desconhece este tribunal se tais documentos, apresentados no processo pela apelante, foram ou não impugnados e se o Sr. Administrador a eles teve acesso aquando da análise da documentação que lhe foi presente, aspectos que naturalmente importa esclarecer, sob pena de a sentença ter acolhido erro cometido pelo Sr. Administrador no apuramento do crédito do requerente da insolvência.

Atento o exposto, e não estando este Tribunal de recurso, pelos motivos indicados, em condições de fixar o valor do crédito impugnado, outra solução não resta senão proceder à anulação parcial da decisão, para que a Mm.ª juíza, em face da documentação junta pela apelante e a que se fez referência, proceda às indagações necessárias, designadamente e se tal se mostrar necessário junto do Sr. Administrador, em ordem a apurar o crédito do apelado Condomínio (art.º 662.º, n.º 2, al. c) e n.º 3, al. c) do CPC).»

A base jurídica da decisão foi sumariada nos seguintes termos:

«1. O conceito de erro manifesto a que alude o n. 3 do art. 130.º do CIRE deverá ser interpretado em termos latos, abrangendo a indevida inclusão/exclusão do crédito na lista apresentada, a incorreção do montante relacionado e/ou a sua indevida qualificação.

2. Ainda que não seja alvo de impugnação, mantém-se o poder/dever do juiz de assegurar o rigor da lista, quer quanto à existência e montante do crédito, quer quanto à sua qualificação, procedendo para tal às indagações que tenha por necessárias»

5. Inconformado com aquela decisão, o Condomínio interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações apresentou as conclusões que se transcrevem:

«1. O presente recurso circunscreve-se à questão da ofensa de caso julgado por parte do acórdão sob recurso relativamente à sentença de declaração de insolvência, transitada em julgado, prolatada pela lª instância nos autos principais (de declaração de insolvência), processo n.1545/12.5TBCTX.

2. Neste caso o recurso é sempre admissível independentemente do respetivo valor.

3. O processo de insolvência encerra, na sua complexidade, fases e estruturas declarativas, como é o caso da fase declaratória da insolvência do devedor, os embargos opostos à sentença declaratória da insolvência, os incidentes de qualificação e a verificação e graduação de créditos, onde os credores procedem à reclamação de créditos.

4. A fase inicial do processo de insolvência, de declaração de insolvência, quer, uma vez decretada a insolvência, a fase subsequente de verificação e graduação de créditos, deverão estar em perfeita conexão e harmonia, é a sentença declaratória de insolvência que marca o início desta fase, de acordo com o disposto no art. 36º, al. j) do CIRE.

5. Acontece que o acórdão recorrido entra em rota de colisão com o que foi decidido na sentença de declaração de insolvência, transitada em julgado, da firma devedora, BB, sendo o requerente da insolvência o condomínio/ora, recorrente.

6. Na realidade, a sentença de declaração de insolvência decretou a insolvência da BB, tendo como suporte fático a omissão do pagamento, por parte desta firma, de contribuições ao condomínio, relativamente: à 1ª e 2ª quotização extraordinária de 2007, no valor de € 605,02; as quotizações ordinárias referentes aos quatro trimestres de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012, respetivamente nos valores de € 606,72, € 606,72, € 608, € 608, e € 608, estes factos foram provados sob 7 a 12 da sentença em alusão e estão transcritos sob 8 dos factos elencados no presente recurso.

7. A mesma sentença deu como provado, sob 13 da motivação fática, que o condomínio apresentou em juízo um processo de execução contra a BB, no valor de € 4.679,68, nada tendo recebido desta firma, transcrito em 8 dos factos alinhados neste recurso.

8. Foi este valor que o recorrente/condomínio reclamou na, ulterior, fase do processo de insolvência de verificação e graduação de créditos, tendo o senhor administrador da insolvência, atenta a qualidade de requerente de insolvência do condomínio e em perfeita sintonia com o antedito valor provado, reconhecido este crédito, posteriormente verificado e graduado por sentença da 1ª instância e sobre a qual incidiu o acórdão sob revista.

9. Ora, o acórdão recorrido ao anular da sentença da lª instância, ainda que circunscrita ao montante do crédito reconhecido ao reclamante condomínio, está em colisão com os valores, designadamente com o identificado em 7 destas conclusões, que serviram de alicerce fático à sentença de declaração de insolvência prolatada numa fase anterior deste mesmo processo de insolvência.

10. Sendo certo que o condomínio/recorrente poderia reclamar, na fase ulterior de verificação e graduação de créditos, o valor ou valores que constam do seu requerimento inicial de insolvência, nos termos do art. 25º do CIRE, ou mesmo não apresentar qualquer requerimento para o efeito, pois o crédito do requerente da insolvência é um dos que o administrador de insolvência conhece e reconhece, de harmonia com o artº 129.°, n.1, in fine, do mesmo diploma.

11. Também, o acórdão sob revista ao ordenar que a 1ª instância proceda às necessárias indagações tendo em conta o seu teor e a documentação junta aos autos pela apelante, vem, salvo melhor opinião, reabrir a discussão da matéria, embora circunscrita ao valor dos créditos do condomínio, a montante da sentença de declaração de insolvência, com trânsito em julgado, que, inter alia, sobre eles se debruçou, colocando em crise os factos e valores provados que alicerçaram a sentença que decretou a insolvência da BB.

12. Estamos em crer que a discussão desta matéria ficou definitivamente fechada pelo trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência e ao ordenar determinadas diligências instrutórias não está a observar o preceituado no artigo 619.°, n.1  CPC.

13. Na realidade, transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência da BB, que decidiu de meritis sobre a relação material controvertida, fica a mesma a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele.

14. Tal sentença, uma vez transitada, ganha autoridade de caso julgado.

15. A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação ulterior, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

16. Os factos e valores aludidos em 6 e 7 destas conclusões, que determinaram a sentença de insolvência deverão ser observados nas fases posteriores do (mesmo) processo de insolvência, onde se inclui a nova sentença de verificação e graduação de créditos.

17. Assim, parte decisória da sentença de declaração de insolvência não se dissocia dos seus fundamentos.

18. Ao arrepio da autoridade de caso julgado, os fundamentos de facto que estiveram na base da decisão proferida nos autos principais (de insolvência), relativamente aos créditos do requerente da insolvência apurados, a manter-se o acórdão recorrido, ficam automaticamente abalados e, feitas as diligências instrutórias que ele ordena, poderão apurar-se créditos diferentes dos que foram provados naquela fase inicial do processo.

19. O acórdão sob revista violou todas as disposições legais enunciadas nestas conclusões.

20. Pelo que, deve ser revogado o acórdão recorrido no sentido de conceder autoridade de caso julgado à sentença de declaração de insolvência, transitada em julgado em 17/10/2017.

Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve a revista ser concedida, revogando-se o acórdão recorrido e repristinar-se o decidido na sentença da 1ª instância que julgou verificado o crédito do condomínio no valor € 4.679.68 e o graduou nos lugares próprios.»

6. A Massa Insolvente da BB – … contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso, por entender não se encontrarem preenchidos os requisitos do art.14º do CIRE.

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS

1. A questão prévia da admissibilidade do recurso:

Os presentes autos respeitam ao apenso de verificação e graduação de créditos (e não ao processo principal de insolvência), pelo que não se aplicam, em matéria de recurso de revista, as regras especiais previstas no art.14º do CIRE, mas sim as regras gerais (ex vi do art.17º do CIRE).

Embora o valor do crédito a que respeita o recurso seja de 4.679,68 Euros, o Recorrente invoca ofensa do caso julgado, o que, nos termos do art.629º, n.2, alínea a) do CPC, permite sempre o recurso de revista. O recurso é, assim, admissível, limitando-se o seu âmbito à apreciação da questão da ofensa do caso julgado anteriormente formado.

 Como afirma Abrantes Geraldes (em anotação ao art.629º do CPC): “Tendo por fundamento a ofensa do caso julgado, a revista será de admitir fora do condicionalismo geral, ainda que porventura se verifique uma situação de dupla conforme (art.671º, n.3) ou mesmo que se trate de acórdão que não reúna as condições previstas no n.º 1 [do art. 671º].” [1]-[2]

2. O objeto do recurso:

O objeto do presente recurso restringe-se à questão de saber se o acórdão recorrido ofendeu o caso julgado.

3. A factualidade:

Na decisão recorrida afirma-se:

«Com relevo para a decisão, atentos os documentos juntos aos autos, encontra-se assente a seguinte factualidade:

1. O reclamante CC e a BB, SA outorgaram Escritura de Hipoteca mediante a qual esta constituiu hipoteca voluntária genérica a favor do Banco sobre a fracção … do prédio urbano da freguesia do ..., descrito na CRP de Lisboa sob o n.º 720 e inscrito na matriz sob o artigo ... (verba n.º 1 do Auto de Apreensão).

2. A aludida hipoteca voluntária genérica sobre o imóvel identificado em 1., com todas as suas construções ou benfeitorias, edificadas ou a edificar, destinou-se à garantia do pagamento pontual das responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade perante o CC até ao limite de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros) em capital, em euros ou em divisas, provenientes de um financiamento sob a forma de empréstimo.

3. A mesma hipoteca voluntária genérica ficou ainda a garantir o pagamento e liquidação dos respectivos juros à taxa de 8,125% ao ano, sendo acrescida de 2% na mora, conforme resulta do teor da escritura pública de hipoteca cuja cópia consta de fls. 49 a 51 e cujo teor se dá, quanto ao mais, por reproduzido.

4. A aludida hipoteca voluntária encontra-se registada a favor do banco pela inscrição com a AP. 117 de 2004/04/01, garantindo o capital de €175.000,00, despesas no montante de €3.500,00, tudo no máximo assegurado de €231.656,25 (doc. cuja cópia consta de fls. 52 a 54).

5. Entre a BB, SA e o CC foi outorgada em 30 de Novembro de 2005 escritura denominada de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, mediante a qual aquela, na qualidade de compradora, ora Recorrente constituiu hipoteca voluntária genérica, a favor do Banco Recorrido, sobre a fracção designada pela letra B do prédio urbano sito em ..., descrito na CRP de Lisboa sob o nº ... e inscrita na matriz sob o artigo ..., cujo 1/10 consiste na verba nº 2 do Auto de Apreensão (doc. cuja cópia consta de fls. 55 a 58 dos autos).

6. A hipoteca voluntária genérica sobre o imóvel identificado no ponto anterior, com todas as suas construções ou benfeitorias, edificadas ou a edificar, destinou-se à garantia do pagamento pontual das responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade, ora Recorrente, perante o Banco, ora credor Recorrida, até ao limite de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros) em capital, em euros ou em divisas, provenientes de um financiamento de igual montante, feito no referido dia.

7. A mesma hipoteca voluntária genérica ficou ainda a garantir o pagamento e liquidação dos respectivos juros à taxa de 6,75% ao ano, sendo acrescida de 2% na mora, conforme resulta do teor da escritura pública de hipoteca cuja cópia consta de fls. 55 a 58, aqui se dando por reproduzido quanto ao mais o seu teor.

8. A hipoteca voluntária a que aludem os pontos anteriores encontra-se registada a favor do CC pela inscrição com a AP. 95 de 2005/11/08, convertida em definitiva pela Ap. 32 de 2005/12/13, garantindo o capital de €175.000,00, despesas no montante de €7.000,00, tudo no máximo assegurado de €238.437,50 (doc. cuja cópia consta de fls. 59 a 61).

9. Encontram-se em poder do credor reclamante CC 3 (três) livranças:

a) No valor de €201.562,79, emitida em 30/11/2005 e vencida em 16/06/2008, subscrita pela BB (doc. de fls. 62);

b) No valor de €163.345,03, emitida em 12/04/2004 e vencida em 16/06/2008, subscrita pela BB, SA (doc. de fls. 63)

c) No valor de €91.445,05, emitida em 02/08/2005 e vencida em 16/06/2008, subscrita pela BB, SA (doc. de fs. 64).

10. A BB, SA é titular da conta de depósitos à ordem n º ..., a qual, á data da declaração de insolvência, apresentava um saldo devedor no montante de €18.626,00 (dezoito mil, seiscentos e vinte e seis euros), conforme consta do extracto cuja cópia se encontra a fls. 65, aqui se dando pro reproduzido o seu teor.

11. O CC SA instaurou contra a BB processo de execução que correu termos na comarca de Lisboa sob o n.º 573/09.2YYLSB, dando à execução os títulos identificados no ponto 9.

12. A execução veio a ser julgada extinta ao abrigo do preceituado no 794.º, n.º 4, o que determinou a extinção por impossibilidade superveniente da lide dos embargos que pela executada haviam sido deduzidos, o que foi decretado por despacho proferido em 20 de Março de 2007 (doc. de fls. 25 a 40).»

Da factualidade dada como assente não constam, assim, elementos de prova respeitantes ao crédito do “Condomínio” recorrente.

4. O direito aplicável:

4.1. Como supra referido, a única questão a apreciar é a de saber se o acórdão recorrido ofendeu o caso julgado relativamente à sentença, proferida nos autos principais, que decretou a insolvência da BB.

4.2. Na tese da recorrente existiria ofensa do caso julgado porque o acórdão recorrido ao anular da sentença da 1ª instância, quanto ao crédito reconhecido ao reclamante Condomínio, estaria em colisão com os valores que serviram de alicerce fático à sentença de declaração de insolvência. A sentença de declaração de insolvência da BB teve como base a omissão do pagamento, por parte desta firma, de contribuições ao Condomínio. Essa mesma sentença deu como provado que o condomínio apresentou em juízo um processo de execução contra a BB, no valor de € 4.679,68, nada tendo recebido desta firma. E foi este valor que o recorrente Condomínio reclamou na fase do processo de insolvência de verificação e graduação de créditos, tendo administrador reconhecido este crédito, o qual foi posteriormente verificado e graduado por sentença da 1ª instância, sobre a qual incidiu o acórdão em revista.

Na tese da recorrente, a discussão sobre o montante do crédito teria, assim, ficado definitivamente fechada com o trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência, pelo que ao anular parcialmente essa decisão e ordenar diligências instrutórias, o acórdão recorrido estaria a violar o artigo 619º n.1 do CPC. Haveria violação da autoridade do caso julgado porque os fundamentos de facto que basearam a sentença de insolvência, relativamente aos créditos do requerente da insolvência, poderiam ser alterados por via das diligências ordenadas pelo acórdão recorrido, já que se poderia apurar um crédito diferente.

4.3. Vejamos em que consiste a figura do caso julgado, para se concluir se ela foi ou não ofendida no caso concreto.

 Como o próprio legislador expressou de modo literal, o caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art.580º, n.2 do CPC).

Esta figura jurídica pressupõe a repetição de uma causa e pressupõe que tal repetição se verifique depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (art.580º, n.1 do CPC).

Tal repetição (ou duplicação processual) existirá quando a segunda ação é idêntica à primeira no que respeita aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art.581º, n.1 do CPC). No art.581º, números 2, 3 e 4, revelam-se os critérios de reconhecimento da similitude destes elementos:

Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica;

Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico;

Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, o qual, nas ações constitutivas, é o facto concreto que se invoca para obter o efeito pretendido.

4.4. Sem necessidade de maiores delongas teóricas, facilmente se conclui que o pedido formulado pelo recorrente nos presentes autos de verificação e graduação de créditos não coincide com o pedido formulado na ação destinada à declaração da insolvência. 

As alegações do recorrente apresentam algumas confusões entre o âmbito da sentença que declara a insolvência e o âmbito da sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos. Não existem duas decisões sobre a mesma questão, porque na primeira nenhum reconhecimento de créditos existe.

O pedido que o recorrente formulou nos presentes autos foi o do reconhecimento de um crédito de €4.679, 86. O pedido que formulou na ação principal foi o da declaração de insolvência da BB, com base na existência de dívidas ao Condomínio (que nessa petição apontou como tendo o valor de €3.686,46).

4.5. A sentença de declaração da insolvência não é, pela sua própria natureza, destinada ao reconhecimento de créditos. Como estabelece o art.36º, n.1 do CIRE, esta sentença: “j) Designa prazo, até 30 dias, para a reclamação de créditos”.

Como estabelece o art.25º do CIRE: “o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito, ou a sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, consoante o caso, e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao ativo e passivo do devedor.”

Tal ónus destina-se a demonstrar a legitimidade do credor para requerer a declaração de insolvência, bem como a presença dos pressupostos legais necessários a essa declaração, como decorre do art.20º do CIRE.

O facto de o crédito anteriormente invocado pelo agora recorrente na sua qualidade de requerente da insolvência ter servido de base à declaração de insolvência não significa que esse valor seja absolutamente imutável e insuscetível de correção (para mais ou para menos) no apenso de verificação e graduação de créditos [art.36º, n.1, al j) do CIRE].

Acresce que, no caso concreto, o crédito que serviu de base à declaração de insolvência (constante da petição inicial) era de €3.686,46; e o crédito reconhecido pelo administrador de insolvência e, consequentemente, homologado pela decisão da primeira instância, nos presentes autos, é de €4.679,86. O que o acórdão recorrido pretende indagar, ao anular parcialmente a decisão da primeira instância, com base no art.130º, n.3 (por hipótese de haver erro manifesto) é precisamente esta discrepância, o que torna ainda mais insustentável a tese da existência de caso julgado entre a decisão proferida nos autos principais e o decidido no presente apenso.

 Deste modo, conclui-se que à sentença (proferida nos autos principais) que declarou a insolvência da BB não pode ser atribuído o valor de caso julgado, quando confrontada com as decisões proferidas no presente apenso de verificação e graduação de créditos. A primeira decisão não desempenha, assim, nem uma função negativa (enquanto exceção do caso julgado), nem uma função positiva (enquanto autoridade do caso julgado) relativamente à segunda, essencialmente porque os pedidos formulados e o âmbito decisório das ações em confronto são distintos.

Conclui-se, portanto, que nenhuma razão assiste ao recorrente, dado que o acórdão recorrido não incorreu em ofensa do caso julgado.

III.DECISÃO: Pelo exposto, decide-se negar a revista e manter a decisão recorrida.

Custas: pelo recorrente.

Lisboa, 11 de julho de 2019

Maria Olinda Garcia (Relatora)

Raimundo Queirós

Ricardo Costa

 

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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed. (2018), págs. 51-52.
Afirma ainda o Autor: “Conquanto o texto legal aponte unicamente para uma extensão da recorribilidade em situações em que o impedimento ao recurso é sustentado no valor do processo ou no valor da sucumbência, a mesma solução é de aplicar a outros impedimentos ao segundo ou ao terceiro grau de jurisdição, de modo semelhante ao que ocorre quando esteja em causa a competência do tribunal em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia. Por isso, também em ações em que, por via de disposição legal, não é admissível, em absoluto ou por regra, recursos para o Supremo (…), este será viável se e na medida em que estiver em causa uma decisão a que seja imputada a violação de caso julgado formal ou material” (nota 63, págs. 49-50).
[2] Estão aqui excluídas as situações em que na decisão recorrida se afirme a exceção de caso julgado ou se assuma a autoridade de caso julgado para fundamentar judicialmente a prevalência de outra decisão já transitada em julgado, pois nesse caso já se teriam que verificar as regras gerais sobre a recorribilidade das decisões judiciais e sobre a oportunidade da impugnação. Neste sentido distintivo e aplicativo: Abrantes Geraldes, Recursos cit., págs. 50-51, Jorge Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 14ª ed. (2018), pág. 442.