Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4553/21.1T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
SENTENÇA DE CONDENAÇÃO GENÉRICA
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS
EQUIDADE
TRABALHO SUPLEMENTAR
DIUTURNIDADES
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
CADUCIDADE
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário :

I- Provou-se que a autora passou a cumprir um novo horário de 40 horas por semana a partir de 01.07.2004 e (em termos não inteiramente concordantes) que, após 22.02.2016, prestou a sua atividade das 09:00h até às 13:00h e das 14:00h até às 18:00h, em dias não concretamente apurados dos anos 2016 e ss., em vez do anterior horário, de 37 horas e 30 minutos por semana (distribuídas por 5 dias, com uma carga horária de 7 horas e 30 minutos por dia).


II- Para além da matéria assim fixada, a autora alegou circunstanciadamente – ano a ano, mês a mês, dia a dia –, o número exato de minutos em que teria trabalhado para além do período normal de trabalho, mas não logrou fazer prova de tais factos.


III- A exata quantificação do valor devido pelo trabalho suplementar que se encontra em falta (correspondente, basicamente, ao excesso de carga horária decorrente do novo horário de trabalho praticado), não pode ser relegada para incidente de liquidação, pois isso traduzir-se-ia numa “repetição da realização da instância probatória quanto a factos já produzidos e conhecidos à data da propositura da ação”, o que não legalmente permitido.


IV- Deve, antes, proceder-se à fixação da contrapartida devida com recurso à equidade, nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil, segundo o qual, “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.


V- Sendo o comportamento ilícito do empregador continuado (como é o caso da falta de pagamento total ou parcial da retribuição, prolongada por vários anos), o prazo de caducidade de 30 dias consagrado no art. 395º, nº 1, do Código do Trabalho, só se inicia quando for praticado o último ato de violação do contrato.


VI- A introdução da disposição especial do n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho é no sentido de estabelecer uma presunção iuris et de iure, uma vez que qualifica, em definitivo, como culposa a falta de pagamento da retribuição que se prolongue por período de 60 dias. Todavia, esta presunção não exclui a presunção iuris tantum prevista no n.º1 do art. 799º do Código Civil, consagrada como regra na responsabilidade contratual e cuja aplicação no âmbito laboral do n.º 4 do art. 394º, do Código do Trabalho.


VII- In casu, as prestações em dívida que especificamente relevam enquanto factos constitutivos do direito à resolução contratual culminam todo um longo período de incumprimento contratual, que se prolongou ao longo vários anos. Acresce que, apesar de notificada pela A. para proceder à regularização da situação, com a expressa cominação da resolução do contrato (ponto nº 17 dos factos provados), a R. não o fez. Neste contexto, há justa causa de resolução do contrato de trabalho pela trabalhadora.

Decisão Texto Integral:

Revista n.º 4553/21.1T8LSB.L1.S1


MBM/JES/DM


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1. AA intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra RANDSTAD II - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, LDA., pedindo:


A) O reconhecimento da licitude da resolução do contrato de trabalho declarada pela A.,


B) A condenação da R. a pagar-lhe:


1. Indemnização de antiguidade, no montante de 90.775,95 €;


2. Créditos laborais relativos ao trabalho suplementar prestado de 01 de julho de 2004 a 02 de março de 2020, no montante de 25.510,47 €;


3. Créditos laborais relativos a descanso compensatório não efetivado, com referência ao trabalho suplementar prestado, no montante de 2.208,88 €;


4. Diuturnidades vencidas e não pagas, desde janeiro de 1989 até março de 2020;


5. Juros de mora, à taxa legal, desde as datas dos vencimentos das quantias referidas, até integral pagamento.


2. Foi proferida sentença, que, não reconhecendo os créditos laborais reclamados pela A. (alegadamente decorrentes do não pagamento de diuturnidades, prestação de trabalho suplementar e não atribuição de descanso compensatório), nem, consequentemente, a existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho por iniciativa da trabalhadora, julgou a ação improcedente.


3. A autora interpôs recurso de apelação (de facto e de direito), julgado parcialmente procedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que decidiu:

a. Modificar parcialmente a matéria de facto;

b. Reconhecer como lícita a resolução do contrato;

c. Condenar a R. a pagar à A.:

1. Indemnização de antiguidade no montante de cinquenta e dois mil oitocentos e cinquenta e sete euros e quarenta e dois cêntimos (52.757,42 €)1;

2. A quantia que se apurar em incidente de liquidação relativa a trabalho suplementar (este, desde 22.02.2016)2 e diuturnidades (estas desde 2006);

3. Juros de mora, á taxa anual de 4% desde a citação (no concernente á indemnização) e desde a data de vencimento de cada uma das prestações (quanto ao mais).

d. Absolver a R. do mais que vem pedido.


4. A R. interpôs recurso de revista, suscitando, para além da matéria entretanto retificada pelo TRL, as seguintes questões:


– Créditos de trabalho suplementar;


– Direito a diuturnidades;


– Caducidade do direito à resolução do contrato com justa causa;


– Justa causa de resolução do contrato de trabalho;


– Fixação do valor da indemnização de antiguidade.


5. O Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido do improvimento do recurso, em parecer a que respondeu a recorrente, em linha com as posições antes assumidas nos autos.


6. As questões a decidir3 são as elencadas em supra nº 4.


E decidindo.


II.


7.1. Foi fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto:


1. A A. foi admitida ao serviço de P.......... ............... ...... . ..........., Lda., PC ... ... .66, com contrato de trabalho subordinado, em 2 de janeiro de 1974.


2. No recibo de vencimento referente ao mês de junho de 2003, a A. é identificada como tendo a categoria de Técnica Administrativa.


3. Em 01 de Novembro de 2009, foi celebrado entre V..... .........., Lda., P....... . ....... .. ..... .. ......... .........., Lda., PC ... ... .50, e a A., com a categoria profissional de técnica administrativa, um acordo de cessão da posição contratual, nos termos do qual a A. foi transferida para a segunda empresa, com salvaguarda da sua antiguidade e dos seus direitos adquiridos.


4. Em 28 de Dezembro de 2013 foi celebrado entre P......., Lda., RANDSTAD II - Prestação de Serviços, Lda., e a A., com a categoria profissional de Técnico de Estatística III e a função de Gestor de Seguros, um acordo de cessão da posição contratual, nos termos do qual a A. foi transferida para esta terceira empresa, ora R., com salvaguarda da sua antiguidade e dos seus direitos adquiridos.


5. Todas estas empresas pertenciam ao mesmo Grupo empresarial, denominado SELECT/VEDIOR, depois RANDSTAD.


6. Em 2 de março de 2020, a A. enviou à R. uma carta, que por esta foi rececionada a 3 de março de 2020, com o seguinte teor:


“(…)


Nos termos do artigo 394º, nºs 1 e2 , do Código do trabalho, venho cessar o meu contrato de trabalho (…), invocando justa causa para a sua resolução, com base nos seguintes factos.


1. Não pagamento de trabalho suplementar.


(…)


2. Não pagamento de diuturnidades.


(…)”


7. Desde o início da relação laboral, em janeiro de 1974, o período normal de trabalho da A. era de 37 horas e 30 minutos por semana, distribuídas por 5 dias, correspondendo a 7 horas e 30 minutos por dia.


8. A A. cumpria a sua jornada de trabalho diário, das 09:30 h às 13:00 h e das 14:00h às 18:00 h.


9. Em 07.06.2004, a Direção do grupo de empresas em que se integrava a empregadora - Grupo Select/Vedior - decidiu unilateralmente alterar o período normal de trabalho da ora A., uniformizando os horários de trabalho de todos os escritórios do grupo Select/Vedior "adotando-se o horário mais alargado, das 9h às 18h".


10. Mais determinou a Direção do grupo que o novo horário, das 09:00 h às 13:00 h e das 14:00 h às 18:00 h, entraria em vigor a partir de 1 de julho de 2004.


11. Esta alteração do horário, decidida unilateralmente pela Direção do grupo de empresas, foi transmitida à A. pelo seu superior hierárquico, BB, então Diretor Financeiro e de Recursos Humanos, através da entrega de uma cópia do e-mail contendo a referida determinação.


12. A A. de imediato transmitiu ao seu superior hierárquico que não tinha sido “ouvida” sobre a alteração imposta, a qual se traduzia, afinal, no aumento do período de trabalho contratado, de 37,5 horas para 40 horas semanais, expressando a sua oposição e que não dava o seu acordo a essa alteração.


12-A. A A. passou a cumprir o novo horário a partir de 01.07.2004.4


13. Entre março de 1984 e dezembro de 1987, a R. pagou à A. uma quantia mensal inscrevendo-a na rúbrica de “diuturnidades”:


- de março a setembro de 1984, no valor mensal de 693$00;


- de outubro a dezembro de 1984, no valor mensal de 801$00;


- de junho de 1986, no valor de 1.000$00;


- de dezembro de 1987, no valor de 1.150$00.


14. A partir de janeiro de 1988, deixou de ser paga à A. qualquer quantia a título de diuturnidades.


15. Destas situações reclamou a A. repetidamente ao longo dos anos, até à substituição de BB, enquanto responsável pelos RH da R., e, depois, com a carta remetida à R. em 06/09/2019.


16. No contrato de transferência, de 28 de dezembro de 2013, outorgado também pela A. foi inscrito que a A. tinha a categoria profissional de “Técnico de Estatística III”.


17. A A. endereçou à Gerência de RANDSTAD II - Prestação de Serviços, Lda., em 06 de setembro de 2019, carta epigrafada “Reclamação de créditos”, com o seguinte teor:


“(…)


Tendo reclamado, ao longo do tempo, de algumas situações gravosas de incumprimento das obrigações que para V.Exas. decorrem do contrato de trabalho (…), nunca estas foram corrigidas (…).


Venho, por isso, formalmente exigir de V.Exas. a regularização dessas situações e o correspondente pagamento dos créditos dela resultantes:


1. Não pagamento de trabalho suplementar.


(…)


2. Não pagamento de diuturnidades.


(…)


Penso que será mais do que suficiente o prazo de 20 dias (…) para que para V.Exas. possam verificar a justeza das minhas reclamações (…). Findo este prazo sem que me seja dada uma resposta (…) satisfatória, considerarei invocar justa causa para a resolução do contrato de trabalho (…).”


18. A A., em 28 de outubro de 2019, remeteu nova carta à Gerência da R., juntando cópia da carta recebida e esclarecendo que até 01.07.2004 - data em que foi determinado unilateralmente o aumento do período normal de trabalho da A. - todos os recibos de retribuição emitidos pela V..... .........., Lda, referiam expressamente um período de trabalho semanal de 37,5 horas […].


19. A esta segunda carta da A., respondeu em 12 de novembro de 2019 a Diretora de Recursos Humanos da R., na qual, em suma, não reconheceu as reclamações da A.


20. Enquanto Técnico de Estatística III, a A. passou a desempenhar as funções de gestão de seguros, dentro da Direção Administrativa e Financeira (DAF).


21. A A. aceitou a alteração da categoria profissional, nunca tendo suscitado quaisquer questões a este respeito.


22. Em 2016, a A. abordou a R. (na pessoa de CC) para negociar um acordo de revogação do contrato de trabalho por motivos pessoais.


23. A A. referiu que pretendia iniciar um negócio com a irmã e a sobrinha e invocou que necessitava de 140.000,00 €, para o efeito.


24. A R. mencionou não ter interesse na saída da A., no entanto, atendendo à insistência da mesma, consideração e respeito por ela, bem assim como disponibilidade financeira pontual para tal, efetuou uma proposta para esse efeito.


25. A A. considerou que o valor da proposta era baixo e recusou a proposta.


26. A partir dessa data, a A. encetou diversas tentativas de acordo com a R. para a celebração de um acordo de revogação do contrato de trabalho, contudo nunca aceitou as propostas que em cada momento foram sendo apresentadas pela R.


27. Em 2019, previamente à resolução do contrato de trabalho comunicada pela A., existiu novo processo negocial, o qual, contudo, não obteve o acordo entre as partes.


28. A A. tinha uma ordem de valores definida e a R. não tinha interesse na sua saída, uma vez que necessitava das tarefas que a mesma desempenhava.


29. A A. em junho de 2004 auferia a retribuição mensal de 1.200,00 €.


30. No início de 2005, a A. passou a auferir a quantia de 1.350,00 €.


31. A R. desenvolve a sua atividade no setor privado de emprego e de recurso humanos.


32. […]5


33. A A. auferia um salário base de 1.865,00 €.


34. O grupo RANDSTAD e a diretora de Recursos Humanos tinham perfeita consciência e conhecimento da situação referente à decisão unilateral, tomada em 2004, de aumentar o período normal de trabalho da A.6


35. Após 22.02.2016 a A. prestou a sua atividade das 09:00h até às 13:00h e das 14:00h até às 18:00h, em dias não concretamente apurados dos anos 2016 e ss.7


III.


a) - Créditos de trabalho suplementar.


8. Na sentença da 1ª instância foram julgados não provados, entre outros, os seguintes factos:


[…]


H. A A. efetivamente prestou a sua atividade das 09:00 h até às 13:00 h e das 14:00 h até às 18:00 h, nos dias abaixo indicado.


I. A A. prestou trabalho para além de 7,30 h/dia:


a) nos seguintes dias de 2004 (30 minutos em cada):


- em Julho - dias 1,2,5, 6,7, 8, 9,12, 13, 14,15,16,19,20,21,22,23,26,27,28, 29 e 30;


- em Agosto - 2,3,4,5,6,9,10,11,12,13,16, 17,18,19,20,23,24,25,26,27,30 e 31;


- em Setembro - 1,2,3,6,7,8,9,10,13,14,15,16,17,20,21,22, 23,24,27,28,29 e 30;


- em Outubro - 1,4,6,7,8,11,12,13,14, 15, 16, 19,20,21,22,23,26,27,28,29 e 30;


- em Novembro - 2,3,4,5,8,9,10,11,12,15, 16,17,18,19,22,23,24,25,26,29 e 30;


- em Dezembro - 2,3,6,7,9,10,13,14,15,16, 17,20,21,22,23,27, 28,29 e 30.


b) No ano de 2005, nos seguintes dias:


[…]


c) No ano de 2006, nos seguintes dias:


[…]


d) No ano de 2007, nos seguintes dias:


[…]


e) No ano de 2008, nos seguintes dias:


[…]


f) No ano de 2009, nos seguintes dias:


[…]


g) No ano de 2010, nos seguintes dias:


[…]


h) No ano de 2011, nos seguintes dias:


[…]


i) No ano de 2012, nos seguintes dias:


[…]


j) No ano de 2013, nos seguintes dias:


[…]


l) No ano de 2014, a A. prestou trabalho suplementar nos seguintes dias:


[…]


m) No ano de 2015, nos seguintes dias:


[…]


n) No ano de 2016, nos seguintes dias:


[…]


o) No ano de 2017, nos seguintes dias:


[…]


p) No ano de 2018, nos seguintes dias:


[…]


r) No ano de 2019, nos seguintes dias:


[…]


s) No ano de 2020, nos seguintes dias:


[…]”


9. Diferentemente, o acórdão recorrido, considerando embora que, em face da prova produzida nos autos, “fica inviabilizada a prova da matéria tal qual consta da alínea I, mas nada impede uma resposta restritiva”, julgou, “com referência às alíneas H) e I) do acervo não provado, que, após 22.02.2016 a A. prestou a sua atividade das 09:00h até às 13:00h e das 14:00h até às 18:00h, em dias não concretamente apurados dos anos 2016 e ss., mantendo-se a resposta de não provado relativamente á restante matéria ali contida”.8 Para além disso, o TRL considerou provado que a “a A. passou a cumprir o novo horário a partir de 01.07.2004” (aditado facto 12-A), ou seja, um novo horário de 40 horas por semana, em vez do anterior, de 37 horas e 30 minutos semanais, distribuídas por 5 dias, com uma carga horária de 7 horas e 30 minutos por dia (cfr. nº 7 dos factos provados).


Consequentemente, como já se referiu, o mesmo aresto condenou a R. a pagar à A. a quantia que se apurar em incidente de liquidação relativa ao trabalho suplementar (correspondente, basicamente, ao excesso de carga horária diária e semanal decorrente do novo horário de trabalho praticado), desde aquela data (22.02.2016).


10. Com razão, alega a recorrente que a fixação da indemnização só pode ter lugar no âmbito deste incidente na falta de elementos que permitam fixar a extensão da condenação e não perante a ausência de prova que poderia e deveria ter sido produzida na ação declarativa.


Na verdade, como refere José Joaquim Ferreira Marques9:


«Só nos casos em que, no momento da formulação do pedido ou da prolação da sentença, não haja elementos para fixar o objeto ou a quantidade do pedido, pode aplicar-se a norma do n.º 2 do art. 661º do CPC, ou seja, relegar-se para ulterior liquidação o apuramento do crédito. A remissão para ulterior liquidação não pode fazer-se em razão da falta de prova de factos, mas tão somente por inexistência de factos provados, por estes não serem conhecidos ou por estarem em evolução no momento em que foi instaurada a ação ou na data em que foi proferida a decisão que dirimiu a matéria de facto controvertida.


Repare-se que o referido preceito refere como fundamento para o non liquet quantitativo, apenas a “falta de elementos”, e não a falta de prova de elementos, pelo que só deve relegar-se o apuramento do crédito ou do quantitativo da condenação para liquidação de sentença, quando estivermos perante uma falta de elementos de facto a provar e não quando estivermos perante o fracasso da prova produzida sobre esses factos.


De modo algum se poderá considerar que a ratio legis do art. 661º, n.º 2 do CPC permite defender teleologicamente uma repetição da realização da instância probatória quanto a factos já produzidos e conhecidos à data da propositura da ação. O incidente de liquidação de sentença não admite a renovação da prova que não se logrou produzir naquela sede.


Não é legítimo, por isso, o recurso a tal figura quando o quantum se não determinou devido ao fracasso da prova (Cfr. Ac. da RP de 12/6/00, in www.dgsi.pt.).


Consentir-se o apuramento do crédito em incidente de liquidação de sentença, por fracasso da prova produzida na ação declarativa, quando todos os elementos de facto constitutivos do direito já se tinham verificado e eram conhecidos do autor, no momento da propositura da ação, seria o mesmo que conceder-lhe uma segunda oportunidade para alegar e provar os factos que não conseguiu provar na fase declarativa da ação, com total desrespeito pelos princípios gerais da repartição do ónus da prova, bem como das regras que estabelecem as diferentes fases processuais e os objetivos de cada uma dessas fases (Cfr. Acs. do STJ, de 17/1/95, BMJ 443º, 395; de 13/1/00, Sumários, 37º-34; de 24/2/00, Sumários, 38º-45).»


11. O ónus da prova da prestação de trabalho suplementar impende sobre o trabalhador, por se tratar de facto constitutivo do direito reclamado, conforme prescreve o artigo 342º, nº 1 do CC (neste sentido, v.g. Ac. desta Secção Social do STJ de 03.04.2013, Proc.º 241/08.2TTLSB).


In casu, repete-se, está provado que a autora passou a cumprir o novo horário a partir de 01.07.2004 (ponto 12-A dos factos provados) e (em termos não inteiramente concordantes) que após 22.02.2016 prestou a sua atividade das 09:00h até às 13:00h e das 14:00h até às 18:00h, em dias não concretamente apurados dos anos 2016 e ss. (ponto 35 dos factos provados).


Para além da matéria assim fixada, a autora alegou circunstanciadamente – ano a ano, mês a mês, dia a dia – o número exato de minutos em que teria trabalhado para além do período normal de trabalho, mas não logrou fazer prova de tais factos.


Nestas circunstâncias, pelas razões expostas em supra nº 10, é certo que a exata quantificação das vantagens de que a autora tem estado privada (ou, dito de outra forma, a quantificação da parcela da indemnização correspondente à contraprestação do trabalho suplementar que se encontra em falta10) não pode ser relegada para incidente de liquidação: isso traduzir-se-ia numa “repetição da realização da instância probatória quanto a factos já produzidos e conhecidos à data da propositura da ação”, o que não legalmente permitido.


Todavia, daqui não decorre, sem mais, que se decrete a absolvição da recorrente quanto a este ponto do peticionado pela autora.


Com efeito, em face dos descritos factos 12-A e 35, e sendo certo que nada na factualidade provada sugere que o novo horário não tenha sido efetivamente cumprido pela trabalhadora (aliás, nos termos do art. 204º, nº 1, do CT/2003, e do art. 231º, nº 1, do CT/2009, o empregador deve ter um registo de trabalho suplementar, pelo que eventuais desvios ao horário fixado deveriam estar certificados), impõe-se, antes, a fixação da contrapartida devida com recurso à equidade, nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil, segundo o qual, “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.


Dano entendido como supressão ou diminuição de uma situação favorável, reconhecida ou protegida pelo Direito, na formulação de Menezes Cordeiro,11 e “normalmente (…) aferido à lesão de interesses juridicamente tutelados pelo Direito ou, se se quiser, à perturbação de bens juridicamente protegidos”, o que se reconduz, no fundo, “à chamada ilicitude objetiva”, isto é, às soluções abstratamente preconizadas pelo Direito12.


Na verdade, “sabendo-se que há/houve dano, tem que ser concedida uma indemnização – e passa ou pela fixação da indemnização com recurso à equidade (…) ou pela prolação duma condenação genérica, tendo em vista a sua posterior liquidação (…)”, nas palavras do Ac. do STJ de 15.02.2023, Proc. nº 10376/18.8T8SNT.L1.S1, 6ª Secção.


12. O art. 679.º, do CPC, exclui do julgamento da revista a “regra da substituição do tribunal recorrido”, consagrada no art. 665.º, do mesmo diploma, relativamente ao julgamento da apelação, pelo que o processo terá de ser remetido ao TRL para fixação deste valor com recurso à equidade.


b) - Direito a diuturnidades.


13. A A. reclamou o pagamento de diuturnidades desde janeiro de 1989 até março de 2020.


Contrariamente à sentença da 1ª Instância, o TRL reconheceu que a A. tem direito às peticionadas diuturnidades, embora apenas a partir de 2006.


Em linha com o raciocínio da sentença daquela sentença, alega a recorrente que “A PCT dos Trabalhadores Administrativos não pode aplicar-se ao caso vertente nem da mesma pode resultar a condenação da R. no pagamento de diuturnidades à A., desde logo, porque não ficaram provadas as funções exercidas pela A.”, bem como, por outro lado, que não se encontram verificados os pressupostos para a aplicação da Portaria de Condições de Trabalho previstos no art. 517.º do CT.


Neste âmbito, ponderou o acórdão recorrido:


“(…)


Os autos revelam que a A. está ao serviço de empresas do grupo empresarial em que se insere a R. desde 2/01/1974 (ponto 5). A primeira referência à sua categoria profissional é-nos revelada pelo ponto 2 do acervo fático e reporta a Junho de 2003 – Técnica Administrativa. Categoria mantida em 2009 (ponto 3). Em 28/12/2013 já lhe fora atribuída a categoria de Técnica de Estatística III (função de gestor de seguros) (ponto 4). Enquanto Técnico de Estatística III, a A. passou a desempenhar as funções de gestão de seguros, dentro da Direção Administrativa e Financeira (DAF) (ponto 20). A A. aceitou a alteração da categoria profissional, nunca tendo suscitado quaisquer questões a este respeito (ponto 21).


Desconhecendo-se qual a categoria profissional com a qual foi admitida e, bem assim, aquela em que esteve classificada até Junho de 2003, parece-nos óbvio que só a partir desta data poderemos aquilatar do seu direito a diuturnidades.


Em Junho de 2003 estava classificada como Técnica Administrativa, passando, em 2013, a Técnica de Estatística III.


(…)


Em Junho de 2003 estava em vigor PRT publicada no Bol. Trab. Emp., 1ª série, nº 48, 29/12/2002, que, nos termos do Artº 1º/1 é aplicável, no território nacional, a entidades empregadoras que tenham ao seu serviço trabalhadores cujas funções correspondam a profissões constantes do anexo I, bem como a estes trabalhadores.


Entre as profissões do Anexo I conta-se a de Técnico Administrativo.


Em presença do normativo em referência, e contrariamente ao que foi decidido em 1ª instância, não se nos configura a necessidade de alegação do descritivo funcional. Tal normativo remete para profissões e nomeia como tal aquela que supra mencionámos. Tanto basta, pois.


Não despicienda é a afirmação de que não se discutiu nesta ação a classificação profissional da A., nem nunca a mesma foi questionada ao longo da relação laboral (ponto 21).


(…)


A consagração do direito a diuturnidades neste diploma não é, porém, suficiente para que, em 2003, se reconheça o direito a diuturnidades, visto se desconhecer desde quando a mesma estaria classificada como tal. Teremos, antes, que, em presença da subsequente regulamentação verificar se a A. adquire o direito às mesmas, considerando que até 2013 mantém tal categoria.


Ora, compulsados as subsequentes portarias de regulamentação do trabalho verificamos que é publicada no BTE nº 3, 22/01/2004 PRT contendo uma revisão sem incidência naquele normativo; em 24/11/2005 vem a ser publicada a Portaria nº 1182/2005, no DRE I-B série que dá nova redação a alguns artigos daquela, entre os quais não se encontra o Artº 12º.


Subsequentemente é publicada a Portaria nº 736/2006 publicada em DRE 1ª série de 26 de Julho de 2006, é aplicável no continente a empregadores que tenham ao seu serviço trabalhadores cujas funções correspondam a profissões constantes do anexo I, bem como a estes trabalhadores.


(…)


Em 2007 surge nova Portaria, a Portaria 1636/2007 de 31de Dezembro (DRE) da qual resulta mantido o Artº 12º.


Em 2009 é publicada nova PRT, agora no BTE nº2, de 15/01/2009, mantendo-se, porém, incólume o Artº 12º da PRT de 2006.


Segue-se a Portaria nº 191/2010 de 9 de Abril (DRE) que também não incide sobre este aspeto.


Ainda em 2010, nova Portaria - Portaria nº 1068/2010 de 19 de Outubro (DRE)- que também não altera nada neste conspecto.


Em 2012 surge a Portaria 210/2012 de 12 de Julho (DRE) que também mantém o estatuído nesta matéria.


Só em 2015 surge nova PRT. Mas nesta data já a A. fora reclassificada.


Vejamos, então, que consequências retirar de quanto se estatuiu a propósito de diuturnidades nas PRT de 2002 e 2006, com referência ao ano de 2003 e subsequentes (até 2013).


Desde 2003, ano em que a A. contava com a categoria de Técnica Administrativa que vem previsto o direito a diuturnidades - O trabalhador tem direito a uma diuturnidade por cada três anos de permanência na mesma profissão ou categoria profissional.


Temos assim, que:


- Em Junho de 2006, vence-se a 1ª diuturnidade;


- Em Junho de 2009, vence-se a 2ª diuturnidade;


- Em Junho de 2013, vence-se a 3ª diuturnidade.


Estas prestações são devidas até 27/12/2013, altura em que a categoria se modificou.


Vejamos agora o que decidir após esta data.


Em 2015 é publicada nova PRT – a Portaria 382/2015 de 26/10 que apenas procede a uma parcial modificação da PRT de 2006 sem incidência sobre a temática das diuturnidades.


E eis que surge nova PRT publicada no BTE nº 26 de 15/07/2018, que é aplicável no território do Continente às relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores ao seu serviço cujas funções correspondam a profissões e categorias profissionais constantes do anexo I, aqui se prevendo a profissão de Técnico de Estatística com níveis III, II e I.


(…)


Esta portaria sofre uma alteração através da PRT publicada no BTE nº2 de 15/01/2020, alteração essa que não incide sobre o tema em análise.


Considerando que a A. ascendeu à categoria profissional de Técnica de Estatística III em 28/12/2013, altura em que estava em vigor a Portaria de 2006, a qual consagrava o direito a diuturnidades por cada três anos de permanência na mesma profissão ou categoria profissional, direito que foi mantido em 2018, temos que:


- Em 28/12/2016, vence-se a 1ª diuturnidade;


- Em 28/12/2019, vence-se a 2ª diuturnidade.


Aqui chegados cumpriria liquidar os valores a que a A. tem direito.


Considerando que estão em causa diuturnidades vencidas desde Junho de 2006, envolvendo a aplicação de diversas estatuições, seja por força do valor de referência da diuturnidade (3% sobre a retribuição mínima de nível VI em Junho e de nível VII após Agosto) seja das sucessivas alterações do valor das retribuições mínimas, relega-se a liquidação para execução de sentença.


Ainda a sentença considerou que “a R. é associada da APCC. Mesmo que não fosse associada, a APCC é uma associação de empregadores do ramo do contac center. A R. presta serviço nesta área de atividade, pelo que há uma associação de empregadores na área, o que exclui a possibilidade de aplicação da PRT para os trabalhadores administrativos aos trabalhadores da R., por não verificação dos pressupostos cumulativos previstos no art. 517º, n.º 1, do CT.”


(…)


Como decorre da reapreciação efetuada da matéria de facto, a factualidade na qual assentou este raciocínio não se manteve na íntegra, designadamente na qualificação da APCC como associação de empregadores. De todo o modo em parte alguma do acervo fático consta a filiação da R. nalguma associação.


Todavia, tal matéria é irrelevante no enquadramento pressuposto no Artº 517º/1 do CT.


Dispõe-se aqui que quando circunstâncias sociais e económicas o justifiquem, não exista associação sindical ou de empregadores nem seja possível a portaria de extensão, pode ser emitida portaria de condições de trabalho.


Esta norma não contém qualquer pressuposto de aplicabilidade deste tipo de regulamentos, não podendo, a partir deste normativo concluir-se pela inaplicabilidade do regulamento.


Tal inaplicabilidade poderá decorrer da existência de distinto instrumento de regulamentação do trabalho, o que não vem provado, ou de o âmbito de aplicação da portaria não abranger a situação de base, o que também vimos não ser o caso.”


14. Aderimos a esta consistente argumentação, que não nos suscita dúvidas ou reservas, bem como ao correspondente sentido decisório.


Relativamente à problemática da (não) verificação dos pressupostos da aplicação da Portaria de Condições de Trabalho (art. 517.º, do CT), relembra-se ainda o que a tal propósito certeiramente argumentou o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu douto parecer:


“Se é certo que o tribunal não está sujeito à alegação das partes quanto ao direito aplicável ao caso a decidir (n.º 3 do art.º 5.º do CPC), é também exigível à ré recorrente que exponha as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão da autora - al. b) do art.º 572.º do CPC. Assim, entendendo a recorrente que a PCT não é aplicável à sua relação de trabalho com a autora cabia-lhe invocar que estava abrangida por outro IRCT, seja um IRCT negocial, por ser membro de uma associação de empregadores que esteja abrangida por um contrato coletivo ou por ser parte de um acordo coletivo ou um acordo de empresa ou, ainda, que lhe era aplicável uma convenção coletiva por força de uma portaria de extensão.


Sendo factos que são do seu conhecimento e que não têm de ser conhecidos pela autora, não faz sentido que se entenda ser exigível que a autora alegue os pressupostos de aplicação da PCT, como pretende a recorrente.


Se a recorrente está abrangida por um IRCT negocial, diretamente ou por via de PE, o que a acontecer a recorrente não desconhece, e se a mesma considera, por isso, que está afastada a aplicação da PCT, então cabe-lhe alegar os factos e o direito e invocar qual o IRCT pelo qual considera que está abrangida.


Ora, a recorrente não invocou que, em alternativa à PCT, deva ser aplicado outro IRCT, pelo que bem andou o TRL ao considerar aplicável à relação laboral entre a autora e a recorrente a referida PCT e ao decidir, com base na mesma, que a autora tem direito às diuturnidades.”


c) - Caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho.


15. Quanto a este ponto, alega a recorrente que, tendo a A. invocado a falta de pagamento de trabalho suplementar desde 01.07.2004 e a falta de pagamento de diuturnidades desde janeiro de 1988, o direito à resolução do contrato de trabalho caducou, por inobservância do prazo de 30 dias referido no art. 395.º, n.º 2, do CT.


Vejamos.


O acórdão recorrido considerou que o direito à resolução do contrato pela A. caducara relativamente às prestações vencidas até 30.11.2019, mas não quanto às demais, vencidas em 31.12.2019, 31.01.2020 e 28.02.2020.


Como é pacífico na jurisprudência e na doutrina, sendo o comportamento ilícito do empregador continuado (como é o caso da falta de pagamento total ou parcial da retribuição, prolongada por vários anos), o prazo de caducidade só se inicia quando for praticado o último ato de violação do contrato.


Por outro lado, baseando-se a resolução do contrato na falta (culposa) de pagamento da retribuição que se prolongue por período de 60 dias [cfr. art. 394.º, n.º 2, a), e n.º 5, do CT], o prazo (de caducidade) de 30 dias, consagrado para a comunicação da resolução do contrato ao empregador, conta-se a partir do termo daquele período (art. 395.º, n.º 2, do mesmo diploma).


Assim, e sendo certo que a retribuição se vence no último dia de cada mês (cfr. art. 269º, do CT de 2003, e art. 278º, nº 1, do CT de 2009), impõe-se constatar que, efetivamente, à data da comunicação de resolução do contrato, levada a cabo por carta rececionada a 03.03.2020, apenas tinha decorrido o prazo de caducidade de 30 dias relativamente às prestações vencidas anteriormente a dezembro de 2019, como bem julgou o acórdão recorrido.


Improcede, pois, a exceção de caducidade.


d) - Justa causa de resolução do contrato de trabalho.


16. Invocando o disposto no n.º 4 do art. 394.º, do CT, alega a recorrente que o incumprimento da empregadora relativamente ao pagamento da retribuição carece de gravidade suficiente para integrar o conceito de justa causa e, consequentemente, para justificar a resolução do contrato.


Como decidiu o acórdão de 12.02.2020 desta Secção Social (como todos os arestos citados sem menção em contrário), Proc. nº 7902/15.8T8PRT.P1.S1, “[a] introdução da disposição especial do n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho é no sentido de estabelecer uma presunção iuris et de iure, ou seja, não afastável por prova em contrário, uma vez que qualifica, em definitivo, como culposa a falta de pagamento da retribuição que se prolongue por período de 60 dias”; mas, “[a] referida presunção não exclui a presunção iuris tantum prevista no n.º1 do art. 799º do Código Civil, consagrada como regra na responsabilidade contratual e cuja aplicação neste âmbito decorre do n.º 4 do art. 394º do Código do Trabalho.”.


Por outro lado, “o incumprimento culposo pelo empregador do dever de pagar pontualmente a retribuição, atenta a importância da mesma no âmbito da relação de trabalho, releva como fundamento de justa causa para a resolução do contrato, por parte do trabalhador, desde que se possa considerar objetivamente grave” (acórdão de 06.05.2020, Proc. n.º 7388/16.0T8FNC.L1.S1, e, no mesmo sentido, v.g. o Ac. de 21.04.2022, Proc. n.º 340/19.5T8GRD-A.C1.S1).


Na apreciação da justa causa, deve atender-se a todas as circunstâncias que no caso sejam relevantes (art. 351º, nº 4, do CT de 2009, ex vi do art. 394º, nº 4, do mesmo diploma).


In casu, as prestações em dívida que especificamente relevam enquanto factos constitutivos do direito à resolução contratual (cfr. supra nº 15) culminam todo um longo período de incumprimento contratual, que se prolongou ao longo de vários anos. Acresce que, apesar de notificada pela A. para proceder à regularização da situação, com a expressa cominação da resolução do contrato (ponto nº 17 dos factos provados), a R. não o fez.


Neste contexto, como afirma, no seu parecer, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, “é manifesto que a autora não podia ter qualquer expetativa de que a situação de incumprimento contratual quanto ao pagamento da retribuição viesse a ser corrigida pela recorrente, não lhe restando outra alternativa que não fosse a resolução do contrato, por não lhe ser exigível a manutenção da relação de trabalho naquele circunstancialismo de falta de pagamento de retribuição”.


Improcede, pois, também esta questão.


e) - Fixação do valor da indemnização de antiguidade.


17. Considerando diminuto o seu grau de ilicitude, sustenta a R. que a base de cálculo da indemnização de antiguidade não deveria ter sido fixada em 18 dias, mas antes em 15 dias de retribuição base, correspondente ao limite mínimo constante do art. 396.º, n.º 1, atento o facto de os créditos da A. serem controvertidos (de tal forma, que são ainda objeto do presente recurso de revista), num quadro em que a A. não recebia diuturnidades há mais de 30 anos e tinha sido aumentada na sequência do aumento do seu PNT, estando a R. convicta de que nenhum crédito lhe seria devido a esse título.


Reconhecendo-se que o grau de ilicitude do comportamento da empregadora se situa abaixo do mediano, de forma alguma se pode acompanhar a sua qualificação como meramente diminuto.


Tendo ainda em conta que o valor da retribuição da trabalhadora é consideravelmente superior ao do salário mínimo nacional, não se vislumbram razões que imponham concluir que a base de cálculo da indemnização, fixada ligeiramente acima do mínimo legal de 15 dias de retribuição base, é excessiva.


IV.


18. Em face do exposto, acorda-se:


– Em determinar a devolução do processo à 2.ª Instância, para fixação com recurso à equidade da importância devida pela ré à autora a título de trabalho suplementar, nos termos enunciados em supra nºs 11 e 12;


– Quanto ao mais, em negar a revista.


Custas da revista a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção do seu decaimento, que se fixa em 1/20 e 19/20, respetivamente.


Lisboa, 24 de janeiro de 2024


Mário Belo Morgado (Relator)


José Eduardo Sapateiro


Domingos Morais





___________________________________________

1. O TRL condenou inicialmente a R. no pagamento à A. de uma indemnização de antiguidade no montante de oitenta e sete mil novecentos e vinte e nove euros (87.929,00 €). Todavia, posteriormente, por acórdão de 11.10.2023, antes da decisão de admissão do recurso, o TRL reconheceu e retificou o lapso que neste aspeto se verificava na decisão, ficando, assim sanada e prejudicada a apreciação desta matéria invocada pela recorrente.↩︎

2. O TRL reconheceu e retificou o lapso que neste aspeto se verificava na decisão, ficando, assim sanada e prejudicada a apreciação da nulidade (por contradição entre a fundamentação e a decisão) a tal propósito invocada pela recorrente.↩︎

3. O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.↩︎

4. Facto aditado pelo TRL.↩︎

5. Eliminado pelo TRL, sendo o seu teor o seguinte: “A APCC – Associação Portuguesa de Contact Centers é uma associação de empregadores do sector de atividade da R.”.↩︎

6. Facto aditado pelo TRL.↩︎

7. Facto aditado pelo TRL.↩︎

8. Todos os sublinhados e destaques são nossos.↩︎

9. Processo Laboral e o Julgamento da Matéria de Facto”, pp. 8-9, in

https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2007/09/coloquiodtotrabalho2007_ferreiramarques.pdf↩︎

10. Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, IX, Almedina, 2017, p. 939.↩︎

11. Tratado de Direito Civil, VIII, Almedina, 2014, p. 511.↩︎

12. Ibidem, p. 512.↩︎