Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
240/07. 1 YYLSB – A. G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: LIVRANÇA
AVAL
PROVA
Data do Acordão: 11/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. A fixação dos factos baseados em meios de prova livremente apreciados pelo julgador está fora do âmbito do recurso de revista, já que, só em casos excepcionais (artigos 26.º da Lei n.º 3/99, e 722.º, n.º2, 729.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil) o Supremo Tribunal de Justiça conhece matéria de facto.
2. Deve ter-se por não escrito, desconsiderando-se a respectiva resposta, o artigo da base instrutória que ignora o disposto nos artigos 394, nº1 e 376º CC.
3. A doutrina do Acórdão Uniformizador n.º 4/2001, de 23 de Janeiro de 2001 é aplicável apenas à fiança, que não ao aval de um título cambiário.
4. Se o avalista de uma livrança em branco se compromete, por escrito, a garantir o seu pagamento até determinado montante e a mesma é preenchida com quantia inferior, não há nulidade por indeterminabilidade do objecto.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

AA e sua mulher BB deduziram oposição à execução, para pagamento de quantia certa, que lhes fora instaurada, e a outros, pelo “Banco ..., SA”.

Alegaram, em síntese, ser titulo executivo uma livrança no montante de 46.751,66 euros, que assinaram em branco como avalistas da subscritora “... – Sociedade de Desenvolvimento Têxtil, Limitada”, de que a executada-mulher era sócia e gerente, sendo o executado-marido também gerente; que esse título foi entregue ao exequente para garantir quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair, pela sociedade subscritora; que, em fins de Outubro de 2001, os executados deixaram a sociedade, deixando a gerência e a executada-mulher cedeu a sua quota a um terceiro; que a sociedade transformou-se em unipessoal, passou a ter a designação de “... – Sociedade de Desenvolvimento Têxtil, Unipessoal”, mudou a sede social e objecto, tendo sido declarada insolvente em 30 de Março de 2006; que, após o afastamento dos executados, o exequente celebrou três contratos de desconto sobre o estrangeiro, e preencheu a livrança por aqueles valores em 10 de Julho de 2006.

Alegam, finalmente, que o aval é nulo por indetermináveis as garantias; que a livrança não é título executivo contra os executados por a sociedade ter deixado de existir em 5 de Julho de 2002; que o exequente agiu com abuso de direito.

No Juízo de Execução da Comarca de Guimarães a oposição foi julgada procedente e a execução extinta contra os oponentes com as respectivas consequências quanto às penhoras.

O exequente apelou para a Relação de Guimarães, tendo os executados pedido (a título subsidiário, e nos termos do n.º 2 do artigo 684-A do Código de Processo Civil) a ampliação do âmbito do recurso.

A final, a apelação foi julgada procedente, revogada a sentença recorrida e determinado o prosseguimento da execução contra os apelados.

Pedem estes, agora, revista.

E assim concluem a sua alegação:


- De acordo com o que o acórdão decidiu quanto à modificação da matéria de facto (respostas aos quesitos 8.º e 10.º) e quanto à matéria de facto utilizada para revogar a sentença deve ser acrescentado o seguinte:
- PONTO 14.: ‘A .... – Sociedade de Desenvolvimento Têxtil, Lda. passou a ter a sua sede no Parque Industrial, ..., da freguesia de ..., a partir de 15.9.99’.
- PONTO 15.: ‘Foi com a subscritora da livrança, ‘.... — Sociedade de Desenvolvimento Têxtil, Lda.’, que em 15.7.02 alterou a sua denominação para ‘.... - Sociedade de Desenvolvimento Têxtil, Unipessoal, Lda.’, quando desta os executados opoentes já não eram sócios e / ou gerentes que a exequente celebrou três contratos de desconto bancário sobre o estrangeiro pelos valores em capital, respectivamente, de E 7.420,00, E 24.750,00 e E 8.250,00 e que a exequente deu por vencidos em 9 de Novembro de 2004: Contrato n°PRD ...; Contrato n°PRD ... e Contrato n°PRD ...”.
- PONTO NOVO [a acrescentar]: ‘Á comunicação ao exequente através da carta junta a fls. 209 e 210, remetida e assinada pelo opoente marido ao exequente em 15/05/2006 da vontade de alteração de avalistas, da devolução da livrança avalizada e de refutação das responsabilidades avalizadas pelos opoentes.’
- O uso, que a motivação de fls. 295 e 296 da decisão de facto de fls. 289 fez para, na resposta dada ao quesito 1° da base instrutória, dar como provados os pactos ‘de quaisquer responsabilidades’ e ‘ou a contrair’ e que o acórdão recorrido manteve, violou o disposto nos n°s 1 e 2 do art° 393° e no n° 1 do art° 394°, ambos do C Civil, por o pacto de preenchimento da livrança ter sido celebrado, em 30 de Julho de 1999, pelo escrito de fls. 40 e este fazer prova plena do respectivo pacto ‘para garantia e segurança do cumprimento das obrigações assumidas’ e aqueles factos [‘de quaisquer responsabilidades’ e ‘ou a contrair’] estarem contra e para além desse facto, que consta do conteúdo do pacto de preenchimento, pelo que, por força do disposto no n° 2 do art° 722° e no n° 2 do art° 729°, ambos do CPC, da resposta dada pela decisão de pacto de fls. 289 ao quesito 1.º da base instrutória devem ser suprimidos os factos ‘de quaisquer responsabilidades’ e ‘ou a contrair’ e nela, antes, deve passar a constar o facto: ‘das obrigações assumidas’.
- Existe contradição da decisão de facto [n° 4° do art° 653° do Código de Processo Civil] de fls. 289, 290 e 291 entre as respostas, que deu aos factos dos quesitos 12°, 13°, 19° e 25° da base instrutória e a resposta, que deu ao respectivo quesito 1°, porque naquelas deu como provado, que a livrança foi entregue por preencher ‘para garantia e segurança do cumprimento das obrigações assumidas’ e na dada a este quesito 1° deu como provado, que a livrança foi entregue por preencher ‘como caução de quaisquer responsabilidades, contraídas ou a contrair’, pelo que na improcedência da segunda conclusão esta contradição não pode ser mantida, por ser essencial à decisão jurídica da causa saber se a livrança foi entregue para garantia e segurança do cumprimento das obrigações assumidas [à data de 30 de Julho de 1999] ou se foi entregue para garantia e segurança do cumprimento de quaisquer obrigações assumidas ou a assumir [passadas e futuras] e, consequentemente, ao abrigo do disposto no n° 3 do art° 729° do CPC, deve ser ordenada a baixa do processo para ser eliminada essa contradição.
- O teor integral dos documentos de fls. 41 a 52 foi dado como provado na resposta, que a decisão de facto a fls. 290 deu ao quesito 20° da base instrutória e esses documentos provam, que os contratos n°s PRD ... e PRD ... foram celebrados no dia 8 de Julho de 2004 e que o contrato n° PRD ... foi celebrado no dia 14 de Julho de 2004, pelo que o acórdão recorrido violou o disposto nos n°s 1 e 2 do art° 376° do C. Civil e, ainda, o disposto no n°3 do art° 659° do CPC, pelo que, por força do prescrito nos n°s 2 dos arts. 722° e 729° e no n° 3 do art° 659°, todos do CPC, à fundamentação de facto deve ser acrescentado: ‘Os contratos n°s PRD ... e PRD ...foram celebrados no dia 8 de Julho de 2004 e o contrato n° PRD ... foi celebrado no dia 14 de Julho de 2004’.
- É essencial para a decisão jurídica da causa saber em que datas foram celebrados os contratos, referidos na precedente conclusão, pela que na sua improcedência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art° 729° do CPC, deve ser ordenada a baixa do processo para ser ampliada a respectiva matéria de facto, destinada a apurar as datas em que aqueles contratos foram celebrados.
- O acórdão recorrido, tendo invocado o princípio da boa fé contratual para tirar validade e eficácia á denúncia, comunicada pela carta de fls. 209 e 210 ao recorrido, violou o disposto nos n°s 1 dos arts. 217° e 224° do C. Civil, pelo que deve ser revogado por acórdão, que confirme a sentença proferida pela primeira instância.
- Ficou provado, que na livrança, dada à execução, no dia 10 de Julho de 2006, em que o recorrido a preencheu, a preencheu pelo valor de € 46.751,66, que respeita a responsabilidades contraídas pela sociedade unipessoal por quotas .... – Sociedade de Desenvolvimento Têxtil Unipessoal, Lda., de três contratos de desconto bancário sobre o estrangeiro nos PRD ..., PRD ..., celebrados no dia 8 de Julho de 2004 e n° PRD ..., celebrado no dia 14 de Julho de 2004, para garantia e segurança de cujos cumprimentos os recorrentes, em 30 de Julho de 1999, não prestaram aval na livrança, dada à execução, pelo que o recorrido violou o pacto de preenchimento de fls. 40 e, por isso, o acórdão recorrido errou ao não aplicar o disposto no n°2 do art° 342° do C. Civil e na parte final do n°2 do art° 487° do CPC, pelo que deve ser revogado por acórdão, que confirme a sentença proferida pela primeira instância.

Contra alegou o Banco recorrido, em defesa do julgado.

A Relação deu por assente a seguinte matéria de facto:

1. A exequente vem dar à execução a livrança junta a fls. 12 dos autos da acção executiva, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, constando: a) aposto na face dessa livrança no ‘local e data de emissão’ ‘GUIMARÃES 99.07.30’ (Ano-Mês-Dia), ‘IMPORTÂNCIA 46.751,66’, ‘VALOR’ ‘Caução’, ‘DATA DE VENCIMENTO (ano-mês-dia) 19-07-2006’, ‘NO SEU VENCIMENTO PAGAREI/EMOS POR ESTA ÚNICA VIA DE LIVRANÇA AO BANCO ..., S.A. OU À SUA ORDEM A QUANTIA DE Quarenta e seis mil, setecentos e cinquenta e um euros e sessenta e seis cêntimos’, constando a seguir a ‘ASSINATURA(S) DO(S) SUBSCRITOR(ES) um carimbo com os dizeres ‘...-SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TÊXTIL, LDA A GERÊNCIA’ seguindo-se uma assinatura manuscrita ilegível e uma assinatura manuscrita legível com os dizeres ‘BB’; b) no verso dessa livrança constam apostos os avales subscritos por CC, BB e por AA. LA)
2. Na data de vencimento da livrança referida em A), nem a empresa subscritora, nem os avalistas efectuaram o pagamento da mesma, apesar das constantes e repetidas insistências do Banco exequente.
3. A fls. 58 dos autos executivos principais foi declarada extinta a instância quanto à executada ...-SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TÊXTIL, LDA por esta sociedade ter sido declarada insolvente, por sentença transitada em julgado em 30-03-2006.
4. Os opoentes assinaram o documento junto a fls. 40, denominado ‘autorização’, do seguinte teor: ‘Para garantia e segurança do cumprimento das obrigações assumidas pela ...-Sociedade Desenvolvimento Têxtil, Lda., perante o Banco ..., S.A., decorrentes da operação denominada ‘Remessas de Exportação e Letras em Carteira’, até ao montante de 10.000.000$00 (DEZ MILHÕES DE ESCUDOS), à data do seu vencimento, ou das suas eventuais prorrogações, compreendendo o saldo que for devido, comissões e juros contratuais e de mora, junto remetemos uma livrança, subscrita por ...-Sociedade de Desenvolvimento Têxtil, Lda. e avalizada por CC, BB e AA, livrança esta cujo montante e data de vencimento se encontra em branco, para que esse Banco os fixe, preenchendo a livrança na data que julgar conveniente, assim como proceda ao seu desconto. Todos os restantes intervenientes dão o seu assentimento à remessa desta livrança, nos termos e condições em que ela é feita, pelo que connosco assinam a presente autorização. Guimarães, 30 de Julho de 1999’.
5. O exequente, por intermédio de seu funcionário, preencheu pelo seu punho a livrança referida em A), que se encontrava em branco, na qual manuscreveu todos os dizeres que nela se mostram manuscritos quanto ao local e data de emissão (‘Guimarães, 99/07/30’), à data de vencimento (‘19/07/2006’), à importância em algarismos e por extenso (‘46.751,66’ e ‘quarenta e seis mil, setecentos e cinquenta e um euros e sessenta e seis cêntimos’), ao valor (‘caução’) ao nome e morada da subscritora (‘...-Sociedade Desenvolvimento Têxtil, Lda’), ao local de pagamento/domiciliação (‘B..., R. ..., ...-LX’) e deu um risco sobre o cifrão ‘$’ que nessa livrança estava impresso.
6. A livrança referida em A) foi preenchida num momento em que o Euro era já a única moeda com curso legal em Portugal (2006).
7. Nos termos referidos em D), a livrança referida em A) foi entregue, na agência de Guimarães da Exequente, totalmente por preencher, à excepção de se encontrar apenas subscrita pela sociedade ...-Sociedade de Desenvolvimento Têxtil, S.A. e avalizada pelos demais executados, como caução de quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair perante o exequente por essa sociedade por quotas.
8. Por a esta os executados estarem ligados, pois dela a executada opoente era sócia e gerente e o executado opoente dela também foi gerente.
9. Esta ligação dos executados opoentes a essa sociedade terminou no fim do mês de Outubro de 2001, data a partir da qual aqueles se apartaram definitivamente daquela.
10. O executado opoente renunciou à respectiva gerência nela e a executada opoente, que tinha sido destituída em 31 de Maio de 2001 de gerente dela, cedeu a quota de que era titular no capital dessa sociedade, a AA.
11. Em 5 de Julho de 2002, o então sócio e gerente dela e também executado, CC tornou-se titular da totalidade do capital social de € 25.000,00 dessa sociedade.
12. E transformou-a numa sociedade unipessoal por quotas, dela ficando a ser o seu único sócio e gerente.
13. Essa sociedade passou a ter a firma ‘....-Sociedade de Desenvolvimento Têxtil, Lda’, registada na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães com a matrícula n° 5.093, onde ficaram registados os actos referidos nos itens 4.º, 5.º, 6.º e neste item.
14. Desde 06.10.1998 que consta das fichas de abertura de conta junto do Exequente, como morada da sociedade ... SOCIEDADE DESENVOLVIMENTO TEXTIL, LDA o Parque Industrial, ...., da freguesia de ..., deste Concelho’.
15. Foi com a subscritora da livrança, a sociedade por quotas ....-Sociedade de Desenvolvimento Têxtil, Lda, quando desta os executados opoentes já não eram sócios e/ou gerentes que a exequente celebrou três contratos de desconto bancário sobre o estrangeiro pelos valores em capital, respectivamente, de € 7.420,00, € 24.750,00 e € 8.250,00 e que a exequente deu por vencidos em 9 de Novembro de 2004:
-Contrato n° PRD ...;
-Contrato n° PRD ...; e
-Contrato n° PRD ...
16. O exequente adicionou àquele valor de € 40.420,00 de capital, juros calculados à taxa anual de 9,250% desde o mencionado dia 09.11.2004 até ao dia 19.07.2006, no valor total de € 6.331,66, perfazendo a importância de € 46.751,66 que, em 10 de Julho de 2006, a exequente utilizou para preencher a livrança referida em A).
17. Os avales foram prestados pelos executados opoentes na livrança referida em A), que foi entregue ao exequente por preencher, “para garantia e segurança do cumprimento das obrigações assumidas por ...-SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TÊXTIL, LDA, perante o Banco ..., SA, decorrentes da operação denominada REMESSAS DE EXPORTAÇÃO E LETRAS EM CARTEIRA, até ao montante de 10.000.000$00 (DEZ MILHÕES DE ESCUDOS), à data do seu vencimento, ou das suas eventuais prorrogações, compreendendo o saldo que for devido, comissões e juros contratuais e de mora’, ‘livrança esta cujo montante e data de vencimento se encontra em branco’, conforme consta da autorização junta a fls. 40 deste apenso.
18. Pela Ap. 52/20020715 foi registada na matrícula n° 5093/060215 da Conservatória do Registo Comercial de Guimarães a alteração da denominação da sociedade ‘....-SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TÊXTIL, LIMITADA’ para ‘.... – SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TEXTIL, UNIPESSOAL, LIMITADA’.
19. A quantia de € 46.751,66, que o exequente inscreveu na livrança referida em A), respeita a responsabilidades contraídas pela sociedade unipessoal por quotas ‘....-Sociedade de Desenvolvimento Têxtil, Unipessoal, Lda’, que o exequente deu por vencidas em 9 de Novembro de 2004.
20. Quando do preenchimento em Julho de 2006 por parte do exequente da livrança referida em A), com vencimento dessa livrança para o dia 19 de Julho de 2006, o exequente sabia que os executados já não eram sócios e/ou gerentes da sociedade por quotas ‘....-Sociedade de Desenvolvimento Têxtil, Lda’ desde o fim de Outubro de 2001.
21. O exequente sabia que pela Ap. 52/20020715 foi registada na matrícula n° 5093/060215 da Conservatória do Registo Comercial de Guimarães a alteração da denominação da sociedade ‘....-SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TÊXTIL, LIMITADA’ para ‘.... – SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TEXTIL, UNIPESSOAL, LIMITADA.’
22. A sociedade por quotas ‘....-Sociedade de Desenvolvimento Têxtil, Unipessoal, Lda’ foi declarada insolvente por sentença proferida em 6 de Janeiro de 2006, transitada em julgado em 30 de Março de 2006.
23. Os opoentes avalizaram, de livre vontade, a livrança referida em A), ‘para garantia e segurança do cumprimento das obrigações assumidas por ...-SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TÊXTIL, LDA, perante o Banco ..., SA, decorrentes da operação denominada REMESSAS DE EXPORTAÇÃO E LETRAS EM CARTEIRA, até ao montante de 10.000.000$00 (DEZ MILHÕES DE ESCUDOS), à data do seu vencimento, ou das suas eventuais prorrogações, compreendendo o saldo que for devido, comissões e juros contratuais e de mora’, ‘livrança esta cujo montante e data de vencimento se encontra em branco, para que esse Banco os fixe, preenchendo a livrança na data que julgar conveniente, assim como proceda ao seu desconto’, conforme consta da autorização junta a fls. 40 deste apenso.
24. A empresa ...-SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TÊXTIL, LDA não cumpriu as obrigações inerentes às operações de exportação, no montante global de € 40.420,00 a seguir discriminadas:
-PRD ... – no valor de € 7.420,00, com vencimento em 09.11.2004;
-PRD ...-no valor de €24.750,00, com vencimento em 09.11.2004;
-PRD ... – no valor de € 8.250,00, com vencimento em 15.12.2004, conforme consta dos documentos juntos a fls. 41 a 52, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, com o esclarecimento de que aquando do referido neste item a sociedade ‘....-SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TÊXTIL, LIMITADA’ já tinha alterado a sua denominação para ‘.... – SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TEXTIL, UNIPESSOAL, LIMITADA’.
25. Os Executados não regularizaram a responsabilidade decorrente das referidas remessas de exportação na sua data de vencimento, nem posteriormente, pelo que o Banco Exequente informou todos os intervenientes, por cartas datadas de 04 de Abril de 2005, que, naquela data, a responsabilidade tinha sido transferida para o Serviço de Recuperação de Crédito, com vista ao seu reembolso, conforme consta dos documentos juntos a fls. 53 a 56, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
26. E apesar de todos os contactos que o Exequente logrou estabelecer com os Executados, entre eles os ora opoentes, nenhum deles procedeu ao pagamento da quantia em dívida, conforme consta dos documentos juntos a fls. 57 a 59, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
27. Não se chegou a efectivar qualquer acordo, nem a proceder a qualquer alteração das garantias para caução das operações de exportação supra referidas, nomeadamente da livrança caução referida em A).
28. Pelo que o Banco Exequente comunicou a todos os intervenientes, nomeadamente aos ora opoentes, que a livrança havia sido preenchida de acordo com o capital e os juros vencidos até essa data, conforme consta dos documentos juntos a fis. 60 a 67, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
29. Os opoentes subscreveram a seguir à expressão ‘Os avalistas’ a autorização junta a fls. 40 deste apenso onde consta que junto remeteram ‘uma livrança subscrita por ...-SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TÊXTIL, LDA e avalizada por CC, BB e AA’ ‘para garantia e segurança do cumprimento das obrigações assumidas por ...-SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TÊXTIL, LDA, perante o Banco ..., SA, decorrentes da operação denominada REMESSAS DE EXPORTAÇÃO E LETRAS EM CARTEIRA, até ao montante de 10.000.000$00 (DEZ MILHÕES DE ESCUDOS), à data do seu vencimento, ou das suas eventuais prorrogações, compreendendo o saldo que for devido, comissões e juros contratuais e de mora’, ‘livrança esta cujo montante e data de vencimento se encontra em branco, para que esse Banco os fixe, preenchendo a livrança na data que julgar conveniente, assim como proceda ao seu desconto’.
30. Os juros foram calculados sobre o capital em dívida, desde 09.11.2004 até 19.07.2006, à taxa de 9,250%.
31. A livrança referida em A encontra-se preenchida com fundamento e tendo por base o documento referido em d), junto a fls. 40, denominado ‘autorização’ (n.º 4).

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,
1. Poderes do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Aval. Objecto.
3. Conclusões.


1. Poderes do Supremo Tribunal de Justiça

Sintetizando as conclusões da alegação para, depois, delimitar o objecto do recurso, “ex vi” do n.º 3 do artigo 684.º do Código de Processo Civil, verifica-se que os recorrentes começam por se insurgir contra a matéria de facto dada por assente por a considerarem insuficiente, contraditória em alguns aspectos, e com desvalorização dos documentos juntos.

Comecemos, então, sobre este ponto.
1.1. Trata-se de recurso de revista.

A sede própria para questionar o acervo de factos provados é, por regra quase absoluta, a Relação.

O Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, por força do disposto no artigo 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).

A fixação dos factos materiais da causa baseada na prova – de livre apreciação do julgador – não cabe no âmbito deste recurso.

O Tribunal de revista limita-se a aplicar o regime jurídico adequado aos factos fixados pelo juízo “a quo” (n.º 1 do artigo 729.º do Código de Processo Civil).

As situações de excepção consistem no erro de apreciação das provas e na afirmação dos factos pela Relação mas apenas se tiver havido violação expressa de norma que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou preceito que estabeleça a força probatória de certo meio de prova, tal como resulta dos artigos 722.º, n.º2 e 729.º, n.º 2 da lei adjectiva.

Daí que este Supremo Tribunal só possa conhecer do juízo de facto da Relação quando tenha sido dado por assente um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violados os preceitos reguladores da força probatória do meio utilizado.

1.2-Vejamos se ocorre alguma destas excepções.

1.2.1- Como consequencia da alteração a que a Relação procedeu quanto à matéria de facto, os recorrentes pretendem que sejam feitos aditamentos aos pontos 14 e 15 e acrescentado um ponto novo.

Mas sem razão, já que, por um lado, tais aditamentos não têm qualquer pertinencia, por não relevarem para a decisão final; mas se este Supremo Tribunal assim não entendesse , seria caso de reenvio, ao abrigo do disposto no artigo 729º, nº3 CPC, já que mais não se trataria do que ampliar a matéria de facto e tal só é possivel se a já assente se revela insuficiente para a decisão de direito , ou se ocorrem contradições que tornem inviável a “decisão juridica do pleito”.

Mas nenhuma destas situações ocorre.

1.2.2- Na perspectiva dos recorrentes, a resposta ao quesito 1º- ora ponto 7- tem dois segmentos ( “ de quaisquer responsabilidades” e “ ou a contrair”) que vão contra o documento que contém o pacto de preenchimento –alinea D) da especificação ,agora o ponto 4- nunca podendo ser testemunhalmente motivada,como foi.

Neste documento, assinado pelos recorrentes, diz-se que o aval foi concedido “ para garantir a segurança do cumprimento das obrigações assumidas pela …Lda” perante o exequente, “ decorrentes da operação denominada Remessa de Exportação e Letras em Carteira até ao montante de 10000000$00 à data do seu vencimento…” “livrança esta cujo montante e data de vencimento nse encontra em branco, para que esse Banco as fixe,preenchendo a livrança na data que julgar conveniente…”.

E a resposta ao quesito 1º -ponto 7- foi, como antes se transcreveu, a seguinte: “Nos termos referidos em D), a livrança, “…. foi entregue “ ao exequente “ totalmente por preencher, à excepção de se encontrar apenas subscrita pela sociedade” … “e avalizada pelos demais executados, como caução de quaisquer responsabilidades contraidas ou a contrair perante o exequente por essa sociedade por quotas”.

Numa primeira analise os recorrentes têm razão.

O nº 1 do artigo 394º do Código Civil impede a prova testemunhal para demonstrar quaisquer convenções contrárias, ou adicionais, ao contéudo de documento autêntico ou dos documentos particulares a que se referem os artigos 373º a 379º, independentemente do momento de tais convenções.

Tratar-se-iam, então, de actos acessórios verbais e o preceito tem por escopo a defesa do contéudo do que antes se escreveu, não o comprometendo pela via, tantas vezes falível e perigosa, da prova testemunhal.(cfr,e v.g. Prof. Vaz Serra – “Provas”-BMJ 112-292).

Regra que, não sendo absoluta ( como , por exemplo, não abrange os vícios de vontade, o erro na declaração ou a reserva mental) não é aplicável a terceiros –nº 3 da norma- situação que aqui não se põe por a cartular estar no ambito das relações imediatas.

No caso em apreço, e embora com algum esforço exegético pudesse defender-se que, caso a expressão “nos termos referidos em D)” surgisse no fim da frase (“…quaiquer responsabilidades… por essa sociedade por quotas,nos termos referidos em D)”), fosse possível a interpretação de pretender-se restingir o antes afirmado, agora com referência ao documento, só valendo o mais para as circunstâncias de tempo e modo de preenchimento do título (que o documento deixara ao critério do exequente).Mas o certo é que este último ponto não foi questionado.

Assim, o quesito afigura-se inútil devendo a sua resposta ser desconsiderada por surgir ao arrepio dos citados artigos 394, nº1 e 376º do Código Civil, normas de direito probatório violadas, violação que autoriza este STJ a alterar a matéria de facto,nos termos da parte final do nº2 do artigo 722 CPC,na redacção anterior ao DL 303/2007 de 24 de Agosto, por ser a aqui aplicável.

Com tal eliminação, deixa de poder considerar-se a existência de eventual contradição com outras respostas, como insistem os recorrentes no tocante aos quesitos 12º, 13º,19º e 25º.

1.3- Do exposto, e quanto à factualidade, só resulta a patologia, referida ao facto elencado sob o nº 7 ,que é de ter por não escrito, pelo que a restante matéria de facto que a Relação fixou irá quedar-se intocada.

Isto porque, no mais, foi escrupulosa na ponderação dos factos que, aliás, as recorrentes só questionaram perante a Relação quando, a título subsidiário, pediram a ampliação do âmbito do recurso, e, ao invés de porem em causa as respostas seguindo o “iter” do artigo 690-A da lei processual (aqui aplicável atendendo à data da propositura da acção), limitaram-se a afirmar a sua discordância do respondido à base instrutória e a sugerirem nova redacção.

E não cabe agora nos poderes deste Supremo Tribunal censurar o uso pela Relação da faculdade de alterar ou modificar aquelas respostas, como acima se deixou claro salvo se tivesse havido modificação pela 2.ª Instância, ao arrepio de um preceito legal, “maxime” do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil.

Finalmente, e como já se disse, não há que lançar mão da faculdade de reenvio prevista no n.º 3 do artigo 729.º daquele diploma, pois não se vê que a decisão de facto necessite de ser ampliada para poder ser base suficiente para a decisão de direito ou que, e também ao contrário do que pretendem os recorrentes, ocorram contradições nos factos provados em termos de a solução jurídica ficar inviabilizada.

Improcedem, assim, os primeiros segmentos das alegações.

2- Aval. Objecto.

Baseados na matéria de facto que pretendem ver alterada, e, no limite, na que foi fixada, os recorrentes pedem a revogação do Acórdão recorrido.

Mais uma vez sem razão.

A deliberação em crise foi exaustiva e bem estruturada.

Poderíamos, numa opção menos longa, limitar-mo-nos a lançar mão do n.º 5 do artigo 713.º (actual n.º 6), aplicável à revista pelo artigo 726.º, também do Código de Processo Civil.

Isto, mau grado a alteração da matéria de facto, cujo contéudo não teve relevancia na argumentação do aresto recorrido, que procedeu á mesma interpretação (do pacto de preenchimento) deste Acordão.

A eliminação da resposta ao quesito 1º e a interpretação normativa do pacto de preenchimento não autoriza a conclusão dos recorrentes que mais não pretendem do que contrariar a sua alegação inicial.

De facto a expressão “obrigações assumidas”…”à data do vencimento, ou das suas eventuais prorrogações, compreendendo o saldo que for devido, comissões, juros contratuais e de mora” e a autorização dada ao exequente para prencher a livrança “ na data que julgar conveniente “ e proceder ao seu desconto conjugado com o ponto 5, segundo o qual a data aposta foi de 19 de Julho de 2006, permite interpretar o pacto como reportando-se ás obrigações assumidas até aquela data que os avalistas deixaram ao critério do exequente

No entanto parecem-nos curiais algumas, ainda que breves, considerações adjuvantes.

Não se verifica qualquer preenchimento abusivo do título pelo exequente como os recorrentes parecem insinuar.

E como a livrança se encontra no domínio das relações imediatas – por não ser detida por alguém estranho à relação extracartular – os executados podiam ter alegado e provado essa excepção de direito material, já que assinaram o acordo referente ao limite da sua responsabilidade.

De facto, como avalistas, subscreveram o acordo de preenchimento vertido no ponto 4 (denominando-o de “autorização”) aceitando um limite de garantia de 10.000.000$00 que, notóriamente, não foi excedido.

A prestação do aval foi, como o é normalmente, condicionada ao conhecimento e aceitação pelo avalista do montante a avalizar e data do vencimento (cf., com maior desenvolvimento, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2006 – 06 A2589 – com este Relator e o ora 1.º Adjunto).

De outra banda não há indeterminabilidade do objecto do aval, como ficou decidido desde a sentença da 1º Instância, já que não surge de forma difusa nem a vincular o devedor de modo ilimitado.

Daí o não ser nulo de acordo com o que dispõe o artigo 280.º do Código Civil.

Outrossim, não lhe seria aplicável a doutrina do Acórdão Uniformizador n.º 4/2001, de 23 de Janeiro de 2001 (Diário da República, I-A, de 8 de Março de 2001) que só se reporta à fiança, que não ao aval, e os executados não vêm demandados como fiadores do negócio mas sim como avalistas da subscritora (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2007 – 07 A205 – sendo Adjuntos os, ora Relator e 1.º Adjunto; e, quanto à fiança, a doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2006 – 06 A4127 – desta Conferência).

Ademais, e como ensina o Prof. Oliveira Ascensão (in “Direito Comercial III”, “Títulos de Crédito”, 1992, 173, o aval não é uma fiança mas uma obrigação autónoma.

Ainda, e para concluir, não pode deixar de recordar-se a doutrina dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 2003 – 03 A3529 – e de 11 de Setembro de 2007 – 07 A2145 – a julgarem que o facto do avalista sócio da sociedade avalizada ter renunciado à gerência ou cedido a sua quota, não o exonera da sua responsabilidade cambiária, atenta a natureza pessoal da garantia prestada (artigos 30.º e 31.º da LULL), salvo se o contrário tiver sido pactuado.

Quanto a este ponto, é o que basta para afastar a argumentação recursória.

Passando, então á questão da eficácia e validade da denuncia do aval, designadamente quanto à invocação da boa fé contratual, subscreve-se, nessa parte, por inteiro ao fundamentação e conclusão do Acórdão recorrido, para o que se remete.

No mais, que eventualmente possa considerar-se omisso, dá-se por reproduzida, como acima se disse, o aresto recorrido.

3- Conclusões

Pode concluir-se que:
a) A fixação dos factos baseados em meios de prova livremente apreciados pelo julgador está fora do âmbito do recurso de revista, já que, só em casos excepcionais (artigos 26.º da Lei n.º 3/99, e 722.º, n.º2, 729.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil) o Supremo Tribunal de Justiça conhece matéria de facto.
b) Deve ter-se por não escrito,desconsiderando a respectiva resposta, o artigo da base instrutória que ignora disposto nos artigos 394,nº1 e 376 do Codigo Civil.
c) A doutrina do Acórdão Uniformizador n.º 4/2001, de 23 de Janeiro de 2001 é aplicável apenas à fiança, que não ao aval de um título cambiário.
d) Se o avalista de uma livrança em branco se compromete, por escrito, a garantir o seu pagamento até determinado montante e a mesma é preenchida com quantia inferior, não há nulidade por indeterminabilidade do objecto.

Nos termos expostos, acordam negar a revista.

Custas pelos recorrentes.

Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Novembro de 2010

Sebastião Póvoas (Relator)

Moreira Alves

Alves Velho