Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S377
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
FASES DO PROCESSO DE ACIDENTE DE TRABALHO
EXAME POR JUNTA MÉDICA
Nº do Documento: SJ200604270003774
Data do Acordão: 04/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Tendo o sinistrado discordado do grau de incapacidade para o trabalho que lhe foi atribuído por exame médico na fase de conciliação do processo por acidente de trabalho, e requerida a abertura da fase contenciosa do mesmo processo para realização de exame por junta médica, nada impede que, no termo dessa fase processual, e em resultado dessa perícia colegial, o tribunal venha a proferir decisão judicial que fixe um grau de incapacidade para o trabalho inferior ao resultado do exame médico singular realizado na fase conciliatória.
2. Com efeito, a apresentação do requerimento de exame por junta médica implica a remissão da fixação do grau de incapacidade para a fase contenciosa, que culminará com a correspondente decisão de mérito, que deverá ter em conta, tal como decorre do n.º 1 do artigo 140.º do Código de Processo de Trabalho, os elementos probatórios carreados para os autos nessa fase do processo e, em especial, a prova coligida através do exame feito pela junta médica, pelo que não é possível repristinar o resultado do exame médico efectuado na antecedente fase conciliatória, como se sobre ele tivesse recaído o acordo das partes.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 19 de Julho de 2001, a Empresa-A, apresentou, nos Serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho de Braga, participação pelo acidente de trabalho sofrido, em 17 de Julho de 2000, por AA, quando este prestava a actividade de metalúrgico a favor de Empresa-B, que havia transferido a sua responsabilidade infortunística para a participante.

Na fase de conciliação, o sinistrado não aceitou o grau de incapacidade permanente parcial (IPP) para o trabalho que lhe foi atribuído em exame médico, e que era de 24%.

Havendo discordância apenas quanto ao grau de incapacidade fixado, o sinistrado, com o patrocínio do Ministério Público, requereu a submissão a exame por junta médica, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 138.º do Código de Processo de Trabalho, assim se dando início à fase contenciosa do processo.

Na sequência do exame por junta médica, os peritos médicos concluíram, por unanimidade, que o sinistrado se achava afectado de uma IPP de 15%, porém, o juiz de primeira instância entendeu que, «não obstante o resultado do exame por junta médica, não pode, agora, ser fixado um coeficiente de incapacidade inferior àquele que foi aceite pela seguradora [na tentativa de conciliação]», pelo que fixou o coeficiente de incapacidade permanente parcial do sinistrado em 24%.

2. Não se conformando com a sentença que não considerou o resultado do exame por junta médica, a seguradora interpôs recurso de apelação, sustentando, em síntese, que tendo a junta médica emitido pronúncia, por unanimidade, no sentido de que o sinistrado se encontrava afectado de uma IPP de 15%, não podia o juiz de primeira instância desvalorizar em absoluto o resultado da junta médica, com o singelo argumento de que a seguradora aceitou o resultado do exame médico singular na tentativa de conciliação (IPP de 24%).

A Relação, considerando que o exame por junta médica não enfermava de qualquer irregularidade, nem fora impugnado pelas partes, e que o resultado da peritagem médica foi obtido por unanimidade, julgou procedente o recurso, fixando a questionada incapacidade permanente parcial para o trabalho em 15%, nos termos do artigo 712.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte, do Código de Processo Civil, atribuindo ao autor uma pensão anual e vitalícia correspondente a esse grau de incapacidade.

É contra esta decisão que agora se insurge o sinistrado, com o patrocínio do Ministério Público, mediante recurso de revista, ao abrigo das seguintes conclusões:

1.ª No presente recurso questiona-se se, numa acção emergente de acidente de trabalho em que, na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória, as entidades responsáveis pela reparação do acidente de trabalho declararam estar de acordo no pagamento do capital de remição correspondente a uma pensão vitalícia calculada com base na IPP de 24%, e só o sinistrado não esteve de acordo, por entender ter ficado afectado com mais gravidade na sua capacidade de trabalho, prosseguindo o processo para a fase contenciosa com requerimento de junta médica apresentado unicamente pelo sinistrado, pode fixar-se uma IPP inferior ao limiar mínimo em que todas as partes estavam de acordo e, com essa base, arbitrar uma pensão inferior àquela que as responsáveis pela reparação estavam dispostas a pagar;
2.ª A esta questão, no acórdão recorrido, respondeu-se afirmativamente, com fundamento na natureza indisponível dos direitos emergentes dos acidentes de trabalho;
3.ª Com todo o respeito, permitimo-nos discordar do acórdão recorrido, porque a natureza de direitos indisponíveis que, indiscutivelmente, revestem os direitos emergentes dos acidentes de trabalho é um reflexo da consagração do direito à justa reparação dos acidentes de trabalho como um direito fundamental dos trabalhadores (artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa);
4.ª Logo, sendo os direitos emergentes dos acidentes de trabalho direitos indisponíveis dos trabalhadores, daqui não resulta que o tribunal possa oficiosamente fixar um grau de incapacidade aquém do grau de incapacidade que o obrigado à reparação não contestou, no momento oportuno, segundo a lei processual aplicável, que, como se sabe, é a tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória;
5.ª Outra conclusão não pode ser extraída da leitura dos artigos 108.º e ss. e, em especial, do artigo 112.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, conjugado com o estatuído no artigo 135.º do mesmo código, onde se lê que, na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa;
6.ª Assim, se na fase conciliatória ficou definitivamente assente que o grau de incapacidade permanente de que estava afectado o sinistrado era, no mínimo, de 24%, porque, como se pode ler na sentença de 1.ª instância, «na tentativa de conciliação de fls. 158 a 160 a seguradora declarou aceitar o resultado do exame médico realizado nessa fase, onde foi atribuído ao sinistrado o coeficiente de incapacidade de 0,24», não devia a Relação, ao decidir o recurso interposto da mesma sentença, ter diminuído o grau de incapacidade para 15%;
7.ª Na verdade, o artigo 659.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, prescreve que, na elaboração da sentença o juiz deve tomar em consideração os factos admitidos por acordo (...) ou por confissão reduzida a escrito,
8.ª E o grau de incapacidade com o limiar mínimo de 24% estava assente por confissão judicial espontânea, com a força probatória prevista nos artigos 355.º, n.º 2, 356.º, n.º 1 e 358.º, n.º 1, do Código Civil, como vem sendo entendido pela jurisprudência;
9.ª Acresce que, o artigo 3.º do Código de Processo Civil prescreve que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes;
10.ª E o artigo 664.º do Código de Processo Civil estatui que, em regra, o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes;
11.ª Todavia, no acórdão recorrido, a Relação esqueceu que entre as partes não havia litígio em relação à questão do grau da incapacidade não ser inferior a 24% (as responsáveis pela reparação estavam de acordo com o grau de incapacidade fixado na fase conciliatória, não tendo pedido ao tribunal recorrido a sua diminuição);
12.ª E a Relação esqueceu, também, que nenhuma das partes articulara que o grau da incapacidade era inferior a 24%;
13.ª O douto acórdão recorrido violou o estatuído nos artigos 356.º e 358.º do Código Civil, nos artigos 112.º, n.º 1, e 135.º, do Código de Processo do Trabalho, e nos artigos 3.º, 659.º, n.º 3, e 664.º, segunda parte, do Código de Processo Civil;
14.ª Por tudo isto, o acórdão recorrido deve ser revogado, mantendo-se o decidido na sentença proferida em primeira instância.

Em contra-alegações, a recorrida defendeu a confirmação do julgado, tendo suscitado a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, com o fundamento de que o recurso de revista tem por fundamento específico a violação da lei substantiva, sendo que a problemática suscitada traduz-se numa simples questão de facto e não de direito substantivo ou adjectivo.

O recorrente não respondeu.

3. No caso vertente, sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da pertinente alegação (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), a única questão suscitada cinge-se a saber se o tribunal recorrido podia ou não alterar a matéria de facto atinente ao grau de incapacidade permanente do sinistrado para o trabalho, com fundamento no grau de incapacidade de 15% fixado no exame médico realizado por junta médica, a pedido do sinistrado, tendo em conta que as entidades responsáveis pelo acidente aceitaram, na tentativa de conciliação da fase conciliatória do processo, o grau de incapacidade de 24%, atribuído pelo perito médico no exame singular.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) No dia 17 de Julho de 2000, pelas 9,45 horas, o autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de Empresa-B, como metalúrgico;
2) Quando se encontrava a carregar o forno com alumínio, este atingiu-lhe o olho direito, o que lhe provocou as lesões descritas no auto de exame médico de fls. 136 e de fls. 126, tendo tido alta em 10-07-2003;
3) O autor auferia o salário de € 494,01 x 14 meses/ano, acrescido de € 2,74 x 242 dias/ano de subsídio de alimentação;
4) Em consequência das lesões que lhe resultaram do acidente descrito, o autor encontra-se afectado de incapacidade permanente parcial para o trabalho de 15% [a sentença de primeira instância tinha fixado essa incapacidade em 24%];
5) A entidade empregadora, mediante contrato de seguro titulado pela apólice junta aos autos, tinha transferida a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho para a Seguradora, até ao montante referido em 3);
6) O autor despendeu a quantia de € 10,00 em transportes;
7) Encontra-se pago de todas as indemnizações pelas incapacidades temporárias devidas pela Seguradora até ao dia da alta definitiva, no montante de € 11.437,52, encontrando-se por pagar a quantia de € 1.390,20 devida a título de complemento de I.T.A. pela entidade patronal.

2. A seguradora aduz que o recurso de revista, nos termos do artigo 721.º do Código de Processo Civil, tem por fundamento específico a violação da lei substantiva, sendo que, no caso concreto, pese embora a invocação da violação da lei substantiva por parte do tribunal recorrido, o que se pretende é colocar em crise a alteração da matéria de facto operada pelo mesmo tribunal, no que concerne à determinação do grau de incapacidade parcial permanente do sinistrado, por isso, configurando essa temática uma simples questão de facto e não de direito substantivo ou adjectivo, é manifesta a inadmissibilidade do recurso.

Como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça, funcionando como tribunal de revista, só aprecia, «fora dos casos previstos na lei», matéria de direito (artigo 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), cabendo-lhe aplicar, definitivamente, aos factos fixados nas instâncias, o regime jurídico que repute adequado.

É o que decorre da previsão conjugada dos artigos 87.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, 721.º e 722.º do Código de Processo Civil.

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça com vista ao apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, prevista nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal.

O n.º 2 do artigo 722.º citado estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova».

As excepções contempladas na segunda parte do normativo transcrito não constituem desvio à regra geral da insindicância da matéria de facto pelo Supremo, já que se configuram como situações de erro de direito e se traduzem na ofensa de disposição expressa de lei, quando esta exija certa espécie de prova para a existência do facto ou quando a mesma fixe a força de determinado meio de prova.

Por sua vez, nos termos dos conjugados artigos 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, este Supremo Tribunal pode mandar «julgar novamente a causa», quando «entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

Perante esses descritos poderes, logo se vislumbra que o critério para aferir da admissibilidade ou não do controlo, em sede de decisão da matéria de facto, por banda deste Supremo Tribunal, depende do fundamento da impugnação, tendo como parâmetro que a competência do tribunal de revista se circunscreve à violação de lei.

A Relação, invocando a previsão contida na primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, alterou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, tendo fixado em 15% a incapacidade permanente parcial para o trabalho do sinistrado, atendendo a «que o Auto de Exame por Junta Médica, junto a fls. 177-178 dos autos, não enferma de qualquer irregularidade, que não foi impugnado pelas partes e que o resultado da peritagem médica foi obtido por unanimidade».

Ora, em primeira linha, o recorrente defende que a Relação incorreu em erro quando, ao reapreciar a sentença de primeira instância, alterou a matéria de facto na mesma fixada, diminuindo o grau de incapacidade de 24% para 15%, porque «o grau de incapacidade com o limiar mínimo de 24% estava assente por confissão judicial espontânea, com a força probatória prevista nos artigos 355.º, n.º 2, 356.º, n.º 1 e 358.º, n.º 1, do Código Civil.

Deste modo, a questão suscitada reconduz-se à força probatória de alegada confissão por contraposição à força probatória das respostas dos peritos, cuja matéria poderá configurar eventual ofensa às regras de direito probatório material, pelo que se integra, conforme se referiu, nos poderes de sindicância deste Supremo Tribunal.

Neste termos, improcede a questão prévia da inadmissibilidade do recurso.

3. Fundamentalmente, o recorrente insurge-se contra a alteração da decisão sobre a matéria de facto operada pela Relação, no respeitante à determinação do grau de incapacidade parcial permanente do sinistrado, aduzindo, para tanto, que «o grau de incapacidade com o limiar mínimo de 24% estava assente por confissão judicial espontânea, com a força probatória prevista nos artigos 355.º, n.º 2, 356.º, n.º 1 e 358.º, n.º 1, do Código Civil» e, ainda, que a Relação esqueceu que entre as partes não havia litígio em relação à questão do grau da incapacidade não ser inferior a 24% (as responsáveis pela reparação estavam de acordo com o grau de incapacidade fixado na fase conciliatória, não tendo pedido ao tribunal recorrido a sua diminuição) e que nenhuma das partes articulara que o grau da incapacidade era inferior a 24%, pelo que violou, nesta parte, o disposto nos artigos 112.º, n.º 1, e 135.º do Código de Processo do Trabalho, e nos artigos 3.º, 659.º, n.º 3, e 664.º, segunda parte, estes do Código de Processo Civil.

3.1. A análise da questão impõe uma brevíssima resenha sobre o quadro processual ao caso aplicável, tendo em conta que, à data do acidente (17 de Julho de 2000), estava já em vigor o Código de Processo de Trabalho aprovado pelo Decreto--Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem.

O processo emergente de acidente de trabalho é caracterizado como um processo especial que se inicia por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público, tendo por base a participação do acidente (n.º 1 do artigo 99.º). Para além de outras diligências instrutórias, destinadas a verificar a veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes, o Ministério Público, no caso de ter resultado do acidente incapacidade permanente, designa data para exame médico, seguido de tentativa de conciliação (artigos 101.º e 104.º).

O exame médico é, em regra, efectuado no tribunal, sendo presidido pelo Ministério Público e realizado pelo respectivo perito médico, que considerará, em resultado da observação e do interrogatório do sinistrado e dos elementos constantes do processo, a lesão, a natureza da incapacidade e o grau de desvalorização correspondente (artigos 105.º, n.º 1, e 106.º, n.º 1).

À tentativa de conciliação são chamadas, além do sinistrado ou dos beneficiários legais, as entidades patronais ou seguradoras, competindo ao Ministério Público promover o acordo das partes, de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado do exame médico e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado (artigos 108.º, n.º 1, e 109.º).

Realizado o acordo, este é imediatamente submetido ao juiz que o homologa por simples despacho exarado no próprio auto e seus duplicados, se verificar a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares e convencionais (artigo 114.º).

Se se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau de incapacidade atribuída (n.º 1 do artigo 112.º).

A ausência de acordo determina, por sua vez, a passagem do processo à fase contenciosa a qual tem por base: (a) petição inicial, em que o sinistrado ou os respectivos beneficiários formulam o pedido expondo os seus fundamentos; (b) requerimento de exame por junta médica, formulado pelo interessado que se não conformar com o resultado do exame médico realizado na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para trabalho (artigo 117.º).

Importa conhecer, na íntegra, a norma do artigo 138.º que estabelece:

«Artigo 138.º
(Requerimento de junta médica)
1 - Quando não se conformar com o resultado do exame realizado na fase conciliatória do processo, a parte requer na petição inicial ou na contestação exame por junta médica.
2 - Se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 119.º; se não for apresentado, o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de desvalorização e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º»

Enfim, refira-se que o juiz, realizados os exames por junta médica, profere decisão de mérito, fixando a natureza e grau de desvalorização (n.º 1 do artigo 140.º).

3.2. No caso em apreciação, na tentativa de conciliação só não houve acordo quanto à questão do grau de desvalorização, e apenas por parte do sinistrado, que entendia que se encontrava afectado por uma incapacidade permanente parcial superior à indicada no exame médico.

Donde, só o sinistrado requereu a realização de exame por junta médica, sendo esse requerimento que determinou a abertura da fase contenciosa (fls. 163).

Os peritos médicos, que integraram a junta médica, responderam, por unanimidade, que o sinistrado se achava afectado de uma IPP de 15%, porém, o juiz de primeira instância entendeu que, «não obstante o resultado do exame por junta médica, não pode, agora, ser fixado um coeficiente de incapacidade inferior àquele que foi aceite pela seguradora [na tentativa de conciliação]», pelo que fixou o coeficiente de incapacidade permanente parcial do sinistrado em 24%.

A Relação revogou a sentença, considerando que, em face do exame da junta médica, que não enferma de qualquer irregularidade, nem foi impugnado pelas partes, e cujo resultado foi alcançado por unanimidade, haveria que fixar a antedita incapacidade permanente parcial para o trabalho em 15%, nos termos do artigo 712.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte, do Código de Processo Civil, atribuindo ao autor uma pensão anual e vitalícia correspondente a esse grau de incapacidade.

Para a justa composição do litígio, importa, pois, saber qual o grau de incapacidade permanente para o trabalho que afecta o sinistrado, já que se trata de um elemento imprescindível para o cálculo da pensão anual a que tem direito.

3.3. Este Supremo Tribunal, em recente acórdão, datado de 14 de Dezembro de 2005 e proferido no processo n.º 3642/05, da 4.ª Secção, examinou idêntica questão, tendo, a propósito, expendido as seguintes considerações:

«Como decorre com evidência das disposições conjugadas dos artigos 117.º e 138.º [do Código de Processo do Trabalho], a abertura da fase contenciosa do processo quanto à questão da incapacidade pode ser requerida por qualquer das partes que tenha manifestado na tentativa de conciliação o seu desacordo quanto a esse aspecto da causa.
No caso, a empresa seguradora aceitou o resultado do exame médico efectuado na fase de conciliação, pelo que não tinha de requerer a junta médica. E só o sinistrado, que discordou desse resultado, é que o poderia ter feito.
Por outro lado, a consequência processual que decorre da apresentação do requerimento de junta médica é a de remeter para a fase contenciosa a fixação da incapacidade. Pelo que a decisão de mérito a proferir quanto à natureza e ao grau de desvalorização haveria de ter em conta, tal como decorre do disposto no artigo 140.º do Código de Processo de Trabalho, os novos elementos carreados para os autos nessa fase do processo e, em especial, a prova coligida através do exame feito pela junta médica.
O facto de o sinistrado não ter obtido um resultado mais favorável no exame efectuado na fase contenciosa não implica que se repristine o resultado da perícia realizada na antecedente fase conciliatória. Na verdade, a tentativa de conciliação terminou com um acordo quanto à existência e caracterização do acidente, ao nexo causal entre a lesão e o acidente, à retribuição do sinistrado e à determinação da entidade responsável, mas não quanto ao grau de incapacidade para o trabalho. Não tendo havido acordo sobre este último aspecto, por o sinistrado não ter aceite o grau de desvalorização funcional fixado no exame médico, o que sucede é que o juiz ficou impedido de emitir, na fase conciliatória, uma decisão judicial sobre essa matéria, a qual passou a estar dependente do exame a realizar por junta médica, como fora requerido.
Neste contexto, para a empresa seguradora não poderia advir qualquer consequência processual desvantajosa apenas pelo facto de não ter requerido ela própria a realização de exame por junta médica. A seguradora não requereu o exame por junta médica porque estava de acordo com o grau de incapacidade fixado na fase conciliatória. A passividade da seguradora é perfeitamente consentânea com a sua posição na tentativa de conciliação: manifestou a sua concordância com o resultado do exame médico, logo não lhe competia requerer a junta médica.
O sinistrado é que suporta o risco de ter preferido remeter a questão da incapacidade para a fase contenciosa, sabendo-se que o exame feito pela junta médica poderia dar um resultado diverso do que fora obtido na fase de conciliação e que um e outro são livremente apreciados pelo tribunal (artigo 591.º do Código de Processo Civil).»

Sufraga-se, inteiramente, o apontado entendimento, único que respeita as normas legais ao caso aplicáveis, devendo acrescentar-se que o acórdão recorrido não violou qualquer das normas adrede invocadas pelo sinistrado (artigos 356.º e 358.º do Código Civil, 112.º, n.º 1, e 135.º, do Código de Processo do Trabalho, e 3.º, 659.º, n.º 3, e 664.º, segunda parte, do Código de Processo Civil).

Com efeito, no caso, não se configura qualquer declaração confessória por parte da seguradora ou da entidade patronal acerca do grau de incapacidade de que o sinistrado se encontrava afectado.
Na tentativa de conciliação, a seguradora e a entidade patronal limitaram-se a expressar a sua concordância com o resultado da perícia médica efectuada pelo tribunal quanto à natureza da incapacidade e ao grau de desvalorização.

Porém, tendo o sinistrado manifestado a sua discordância relativamente ao resultado desse exame, não foi possível obter o acordo das partes.

O grau de incapacidade do sinistrado consubstancia, por isso, uma questão controvertida cuja apreciação foi relegada para a fase contenciosa do processo, independentemente da posição que sobre essa mesma questão controvertida tenha sido assumida pelos intervenientes na tentativa de conciliação.

E não se diga, como reclama o sinistrado, que a Relação esqueceu que entre as partes não havia litígio em relação à questão do grau da incapacidade não ser inferior a 24% e que nenhuma das partes articulara que o grau da incapacidade era inferior a 24%.

Como se extrai do requerimento de exame por junta médica (fls. 163), o sinistrado enunciou os seguintes quesitos: «1.º O sinistrado apresenta lesões decorrentes do acidente objecto dos autos? 2.º Quais? 3.º Qual o grau correspondente a essas lesões de acordo com a T.N.I. [Tabela Nacional de Incapacidades]?»

Isto é, o sinistrado pediu ao tribunal a fixação do exacto grau de incapacidade para trabalho correspondente às lesões decorrentes do acidente.

Por conseguinte, a decisão de mérito a proferir quanto à natureza e ao grau de desvalorização haveria de ter em conta, tal como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 140.º do Código de Processo de Trabalho, os elementos probatórios carreados para os autos nessa fase do processo e, em especial, a prova coligida através do exame feito pela junta médica.
Ora, no exame por junta médica, os peritos médicos concluíram, por unanimidade, que o sinistrado se encontrava afectado de uma IPP de 15%.

Não enfermando esse exame de qualquer irregularidade, nem tendo sido impugnado pelas partes, e sabendo-se que o exame feito pela junta médica, tal como o exame médico singular realizado na fase de conciliação, são livremente apreciados pelo tribunal (artigos 389.º do Código Civil e 591.º do Código de Processo Civil), tanto basta para concluir que as respostas dos peritos da junta médica têm a força probatória que a Relação lhes conferiu para alterar, nos termos do artigo 712.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte, do Código de Processo Civil, o concreto grau de incapacidade permanente parcial fixado ao sinistrado pelo tribunal de primeira instância.

Assim, improcedem todas as conclusões da alegação do recurso de revista.
III
Pelos fundamentos expostos, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Sem custas.

Lisboa, 27 de Abril de 2006
Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Mário Pereira