Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16556/17.6T8LSB.E1-A.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
DUPLA CONFORME
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
Indefere-se a reclamação e confirma-se o despacho que concluiu pela inadmissibilidade do recurso de revista interposto
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


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No âmbito da acção declarativa, com a forma de processo comum, instaurada por AA contra ..., vem o autor, irresignado com o despacho, proferido a 22.12.2022, que não admitiu o recurso de revista por si interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, prolatado a 13.10.2022, apresentar reclamação, ao abrigo do disposto no art. 643º, nº 1 do CPC.

A decisão singular ora contestada não admitiu o recurso de revista interposto por ter considerado existir dupla conformidade decisória obstativa da admissão da revista nos termos gerais (art. 671º, nº 3 do CPC), realçando não ser de enquadrar a situação em apreço na previsão normativa prevista na alínea a) do nº 2 do art. 629º do CPC, por ter sido afirmada na decisão recorrida a excepção de caso julgado.

Por outro lado, e quanto à condenação do autor como litigante de má-fé, fez notar a Sr.ª Desembargadora Relatora ter-se esgotado já o único grau de recurso previsto pela lei no que concerne à decisão condenatória por litigância de má-fé (art. 542º, nº 3 do CPC).

Insurgiu-se o autor/reclamante contra este entendimento, afirmando, numa primeira linha de argumentação, que não se verificava dupla conformidade decisória, uma vez que “o Tribunal da Relação de Évora apreciou pela primeira vez o entendimento explanado no recurso interposto para a segunda instância, decidindo com fundamentos novos que não foram apresentados na Sentença proferida em primeira instância.” Argumentou que tal se verificava a respeito da análise sobre a eventual identidade de causa de pedir e ainda no que se refere à análise sobre a eventual identidade de pedidos, “uma vez que consta da Sentença proferida em primeira instância que “o pedido formulado nas duas ações não é o mesmo”, mas no Acórdão proferido em segunda instância não se vislumbra uma análise à eventual identidade de pedido formulado nas duas ações.”

Sobre esta reclamação incidiu o seguinte despacho do relator:

“ (…) De acordo com o que preceitua o nº 3 do art. 671º do CPC, “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”

É incontroverso que o acórdão recorrido confirmou, sem voto de vencido, a sentença do Tribunal de primeira instância. Vejamos se o fez, como sustenta o reclamante, por apelo a uma fundamentação essencialmente diversa.

De acordo com a jurisprudência estabilizada do STJ, o conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença de 1ª instância, sendo antes indispensável que, naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa (v. v.g. os acórdãos do STJ de 28.4.2014, proc. 473/10.3TBVRL.P1-A.S1, de 15.2.2018, proc. 28/16.9T8MGD.G1.S2, de 20.2.2020, proc. 3938/15.7T8VFR.P1.S1, de 17,11.2021, proc. 712/19.5T8LSB.L1.S1 e de 4.11.2021, proc. 26069/18.3T8PRT.P1 de 09-06-2021),

Neste sentido se pronuncia Abrantes Geraldes defendendo que “a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representa, efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância” (Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Almedina, 2020, pág. 413).

Em suma: estaremos perante uma fundamentação essencial diversa “quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância” (acórdão do STJ de 19.2.2015, proc. 302913/11.6YIPRT.E1.S1).

Assim, “para efeitos de descaracterização da dupla conforme nos termos do n.º 3 do art. 671.º do CPC, verifica-se fundamentação essencialmente diferente quando o acórdão da Relação, embora confirmativo da decisão da 1.ª instância, sem vencimento, o faça com base em fundamento de tal modo diferente que possa implicar um alcance do caso julgado material diferenciado do que viesse a ser obtido por via da decisão recorrida” (acórdão do STJ de 27-04-2017, proc. 273/14.1TBSCR.L1.S1).

Como assim. coloquemos em cotejo as fundamentações das duas decisões proferidas a fim de dilucidar se se verifica, ou não, dupla conforme para os efeitos previstos no art. 671º, nº 3 do CPC.

No caso, ante a invocação por parte da ré de que se verificava a excepção do caso julgado entre o presente pleito e aquele que correu termos sob o nº 98/1995, da anteriormente denominada secção única do tribunal judicial de ..., o tribunal de primeira instância considerou verificar-se entre as duas causas identidade de partes e de causas de pedir, consistentes na “ocorrência, no dia 15/4/1992, de um acidente de viação entre o veículo do autor e o veículo segurado na ré, cuja responsabilidade é imputada ao condutor deste segundo veículo.”

Após afastar a identidade entre os pedidos formulados nos dois processos – já que o autor, nesta sede, pediu a condenação da ré no pagamento do valor do veículo, bem como no pagamento de alegados danos não patrimoniais - o Tribunal afirmou, todavia, a existência da figura da autoridade do caso julgado, formada no âmbito da primeira causa, prejudicial em relação à presente, em que o autor não lograra a prova da ocorrência do acidente de viação, tendo considerado tal questão decidida de forma definitiva. Em decorrência, a ré foi absolvida da instância.

Por sua vez, o acórdão recorrido, que começou por empreender um enquadramento teórico acerca das funções negativa e positiva do instituto do caso julgado, fazendo notar que não se verifica a tríplice identidade pressuposta para a verificação da excepção dilatória do caso julgado, ressalvou que tal constatação não obstaria à consideração dos efeitos advenientes da autoridade do caso julgado. E prosseguiu nos seguintes termos: “Na referida acção o A. não provou, tão-pouco, a ocorrência do alegado acidente de viação em que fundava a pretensão deduzida, consubstanciada em indemnização pelos alegados danos sofridos pelo alegado acidente de viação que alegadamente ocorrera por alegada culpa do condutor do veículo segurado na R.. Na defluência do ali e aqui A. não ter provado a ocorrência do acidente escreveu-se na sentença proferida “Ora face à matéria fáctica que se apurou temos de concluir não se encontrarem demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil, demonstração (prova) essa que cabia ao autor fazer, por força do que dispõe o artigo 342.º, n.º 1 do Cod. Civil. Na verdade, o autor não logrou sequer provar a ocorrência do acidente de viação em que funda a sua pretensão, razão pela qual a acção terá de improceder, ficando prejudicada, naturalmente, a apreciação da 2.ª questão acima enunciada [reportada aos danos]. Improcede, pois, a pretensão do autor”. A acção foi, assim, julgada improcedente e absolvida a R. dos pedidos formulados, por sentença proferida no dia 3 de Novembro de 2003, transitada em julgado em 24.11.2003.”

Neste conspecto, o acórdão da Relação de Évora, depois de realçar serem essencialmente os mesmos factos, alegados na anterior acção, que o autor apresenta na presente acção, e de sublinhar que, em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto e de direito, observou que a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que são antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado. E foi a partir deste enquadramento, que o Tribunal da Relação de Évora considerou existir uma relação prejudicial entre as duas causas, na medida em que “os fundamentos que determinaram a improcedência daqueloutra acção apresentam-se como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em acção posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.”

Assim, concluindo pela verificação da figura da autoridade do caso julgado, o Tribunal da Relação deixou escrito: “Com o trânsito em julgado daquela sentença ficou definitivamente decidida a matéria relativa à (não) ocorrência do acidente, não sendo admissível que na presente acção se volte a discutir a eclosão do dito acidente, visando aqui, como naquela acção, ser indemnizado por alegados danos, causados pelo alegado acidente, com alegada culpa do segurado da R., quando, naquela primeira acção, definitivamente julgada, por sentença transitada em julgado, o aqui e ali A. não logrou provar sequer a verificação do alegado acidente, tendo aquela acção sido julgada improcedente.”

Concordando, deste modo, com o entendimento da primeira instância, o Tribunal de 2.ª instância salientou, todavia, que o mesmo não deveria ter redundado numa decisão de absolvição da instância, mas sim de absolvição da demandada do pedido, tendo, apesar disso, e em obediência ao princípio da proibição da reformatio in pejus, confirmado a decisão.

Ou seja: a solução jurídica dada ao pleito pela Relação assentou no mesmo instituto jurídico invocado pela primeira instância – caso julgado, na sua vertente positiva de autoridade - tendo as duas instâncias levado a efeito interpretações normativas substancialmente concordantes dos arts. 580º, nº 1 e 581º do CPC.

A circunstância de o Tribunal da Relação ter procedido a um mais compreensivo enquadramento teórico da figura da autoridade do caso julgado e a de ter explicitado que a situação vertente se reconduz a uma situação em que o caso julgado é susceptível de se estender aos fundamentos da decisão no âmbito das relações de prejudicialidade entre objectos processuais, não são idóneas a descaracterizar a apontada dupla conformidade, assumindo, no contexto geral, uma natureza secundária, de corroboração argumentativa.

Neste contexto, o facto de o Tribunal da Relação ter apreciado argumentos inovatórios relacionados com a circunstância de os juízos probatórios não assumirem natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos não introduz uma mudança essencial em sede de fundamentação jurídica, constituindo um mero plus argumentativo que não modifica o sentido essencial da operação de subsunção jurídica.

Por outro lado, o indicado desvio entre as duas decisões no que concerne à qualificação da consequência jurídica inerente à verificação da excepção em crise (que não se veio a materializar no segmento decisório da decisão) não confere uma distinção substancial às respetivas fundamentações, que não deixaram de se ancorar na mesma figura da autoridade do caso julgado.

Mas ainda que a segunda instância tivesse afastado a absolvição da instância e decretado a absolvição do pedido, nem tal ocorrência levaria a excluir a dupla conformidade (neste sentido, cfr. o acórdão do STJ de 15.02.2018, proc. 28/16.9T8MGD.G1.S2,, que considerou que “(…) III - Tendo as instâncias fundado as suas decisões na autoridade do caso julgado, não exclui a existência de dupla conformidade a opção da 1.ª instância pela absolvição do pedido e a da Relação pela absolvição da instância.”

Em síntese, ambas as instâncias consideraram verificar-se identidade entre partes e causas de pedir nas duas causas e ausência de identidade entre pedidos (também afirmada pelo Tribunal da Relação, ao contrário do que afirma o reclamante, como se alcança da leitura do seguinte segmento do acórdão: “É, assim, possível ajuizar pela distinguibilidade entre as pretensões formuladas num e noutro processo.”)

Do mesmo modo, também as instâncias entenderam que se formou um efeito de autoridade do caso julgado relativamente ao fundamento do descrito acidente de viação, entendido como pressuposto necessário à absolvição da ré do pedido no âmbito da acção nº 98/1995, atenta a relação de prejudicialidade existente entre o objecto dessa prévia acção e o objecto da presente.

Estamos, assim, em condições de afirmar a existência da dupla conformidade a que alude o nº 3 do art. 671º do CPC, obstativa da interposição de recurso de revista, nos termos gerais, sendo que o recorrente não interpôs, a título subsidiário, recurso de revista excepcional, com vista a ultrapassar aquele obstáculo de recorribilidade.

Por fim, cumpre, ainda, realçar que, tal como sublinhado no despacho reclamado, não se mostra possível enquadrar a admissibilidade da revista no âmbito normativo da alínea a) do nº 2 do art. 629º do CPC (“com fundamento na ofensa de caso julgado”), uma vez que esta via de acesso ao STJ se encontra reservada aos casos em que, alegadamente, resulte a “ofensa” do caso julgado já constituído, excluindo-se as situações, como a presente, em que o Tribunal recorrido assume os efeitos da autoridade de caso julgado emergente de outra decisão (cfr., neste sentido, entre outros, o acórdão do STJ de 24.05.2018, proc. 2332/14.1TBALM.E1.S2)., Efectivamente, como refere Abrantes Geraldes, em Recursos em Processo Civil, 7ª edição, 2022, a pág. 53, não se verifica nestes casos qualquer violação do caso julgado, mas a prevalência de outra decisão já transitada em julgado, situação que fica sujeita às regras gerais sobre a recorribilidade (art. 629º, nº 1 do CPC) e oportunidade da impugnação (671º do CPC).

O despacho reclamado é, pois, de confirmar, neste segmento.

A igual conclusão se deverá chegar quanto à decisão da Senhora Desembargadora Relatora a respeito da irrecorribilidade para o STJ da decisão prolatada pelo Tribunal de Relação, confirmatória da decisão proferida em 1ª instância, quanto à condenação do recorrente por litigância de má-fé.

Com efeito, o tribunal de primeira instância condenou o recorrente, a tal título, no pagamento de multa, que fixou em 5 UC´s, e indemnização à ré, que fixou em € 3 000,00.

O Tribunal da Relação de Évora confirmou esta decisão, sem fundamentação essencialmente divergente.

O reclamante, para além de esgrimir argumentos tendentes a contrariar o mérito da condenação, afirma que a decisão é nula, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, suscitando igualmente, a sua inconstitucionalidade, nos seguintes termos: “considera o Reclamante que ao não ter sido cumprido o espírito legal, se verifica inconstitucionalidade, porquanto qualquer decisão judicial que altere o disposto no texto legal apenas pode ser tomada se explanar a respetiva fundamentação para justificar essa alteração, o que, salvo o devido respeito por opinião diversa, não sucedeu in casu. Assim, verifica-se inconstitucionalidade, por referência aos artigos 2º, 147º, 161º, c), 202º, nº 1 e 2, e 20º, nºs. 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa.”

Apreciando.

Estipula o n º 3 do art. 542º do CPC que “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.”

A jurisprudência do STJ tem-se pronunciado no sentido de afirmar como requisito de admissibilidade de recurso de revista quanto à litigância de má-fé o facto de se tratar de uma decisão de condenação, admitindo-se, todavia, um grau de recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência. Desta forma, excluem-se do âmbito de recorribilidade as decisões condenatórias da Relação que confirmem a condenação proferida pela 1ª instância, uma vez que já se esgotou o grau de recurso legalmente previsto (cfr. os acórdãos de 19.5.2020, proc. 5126/07.7TBSXL.L1.S1 e de 4.5.2021, proc.2523/19.9T8PRD-E.P1-A.S1). No mesmo sentido se posicionam Abrantes Geraldes e outros, em CPC anotado, que afirmam: “ainda que o valor da ação supere a alçada da Relação, a parte que tenha sido penalizada não pode interpor recurso de revista que abarque essa questão, regime que compatibiliza a tutela do visado (carecida, nesta parte, de um duplo grau de jurisdição) com a natureza marginal da questão.”

Aliás, ao contrário do sustentado pelo reclamante, a interpretação normativa que se deixa exposta não enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da confiança ínsito ao princípio do Estado de direito democrático ou do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (sendo que os arts. 147º e 161º, al. c) da CRP terão sido indicados, certamente, por lapso, porque se mostram inaplicáveis à situação concreta). Com efeito, como tem sido realçado “de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o duplo grau de jurisdição em matéria não penal não se acha constitucionalmente garantido, reconhecendo-se ampla liberdade ao legislador para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos. Com efeito, da Constituição apenas se deduz uma garantia contra violações radicais pelo legislador ordinário do sistema de recursos instituído e da igualdade dos cidadãos na sua utilização (cf. Acórdão nº 27/95 - inédito). Nesta medida, caberá à lei infraconstitucional definir o acesso aos sucessivos graus de jurisdição, segundo critérios objectivos, ancorados numa ideia de proporcionalidade (relevância das causas, natureza das questões) e que respeitem o princípio da igualdade, tratando de forma igual o que é idêntico e de forma desigual o que é distinto.” (acórdão do Tribunal Constitucional nº 125/1998 http://www.tribunalconstitucional.pt).

No caso, a limitação recursória sob escrutínio decorre, portanto, de forma clara da norma prevista no art. 542º, nº 3 do CPC, não se vislumbrando, num sistema em que a ignorância das leis processuais civis não poderá aproveitar a ninguém, como é que a rejeição do recurso neste particular tenha colocado em causa a confiança do reclamante na ordem jurídica ou as suas expectativas, juridicamente tuteláveis, na existência de um duplo grau de recurso (não sendo de acolher a alegação do recorrente no sentido de se ter verificado uma decisão surpresa a este respeito, conducente à nulidade do acórdão, tendo em conta que o Tribunal da Relação confirmou uma decisão condenatória que já havia sido proferida pelo Tribunal de primeira instância). Na situação em análise, o reclamante dispôs de um grau de recurso para disputar a sua condenação como litigante de má-fé, tendo tal questão sido apreciada por dois tribunais. O facto de lhe estar vedado um duplo grau de recurso nesta matéria decorre de uma restrição de recorribilidade estabelecida pelo legislador, dentro do perímetro de conformação das regras processuais admissível porque fundado num critério objectivo, pautado por um juízo de proporcionalidade (tendo em conta a natureza relativamente marginal dos interesses em presença) e não violador do princípio da igualdade.

Conclui-se, portanto, que a condenação como litigante de má-fé se encontra definitivamente decidida, sendo insusceptível, também ela, de integrar o objeto da revista.

Nestes termos, conclui-se pela inadmissibilidade do recurso de revista interposto, com a consequente indeferimento da reclamação apresentada e manutenção do despacho reclamado.

Custas pelo reclamante com a taxa de justiça de 2,5 (duas e meia) UCs.”

Inconformado com o despacho que indeferiu a reclamação, vem agora o reclamante/recorrente requerer que sobre a matéria da referida decisão singular recaia um acórdão, nos termos do artigo 652º, nº 3 do CPC.

No que se refere ao caso julgado, argumenta que enquanto o juiz, na sentença, analisou a causa de pedir do ponto de vista factual, o tribunal da Relação, no acórdão, explanou o entendimento de que a identidade das causas de pedir não depende apenas da factualidade mas também do respectivo enquadramento jurídico.

Porém, não existe diferença substancial entre as duas apreciações, não sendo exacto que a sentença tenha reduzido a causa de pedir à mera ocorrência factual do acidente de viação.

Com efeito, depois de notar que a lei adjectiva consagrou o princípio da substanciação (indicação do facto jurídico concreto), a sentença sublinhou que a causa de pedir era a ocorrência, no dia 15/41192, de um acidente de viação entre o veículo do autor e o veículo segurado na ré, cuja responsabilidade é imputada ao condutor deste segundo veículo ( sublinhado nosso).

Sobre a causa de pedir notou a Relação, por sua vez, que a” causa de pedir na presente acção convoca o exacto quadro normativo aplicável no âmbito da anterior acção, fundando o pedido indemnizatório nos exactos fundamentos invocados naquela acção, mormente a alegada ocorrência, por alegada culpa do segurado, que provocou alegados danos ao Autor” ( sublinhado nosso)

Como assim, não ocorre entre a 1ª instância e a Relação uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da causa de pedir susceptível de obstar à dupla conformidade entre as duas decisões.

No que se refere à litigância de má fé, o reclamante não se conforma com o facto de ter sido condenado por tal litigância, insistindo na legitimidade que tem em pedir que o tribunal se pronuncie sobre as questões que, a esse propósito, suscitou no recurso, na nulidade da decisão condenatória como litigante de má fé, por falta de fundamentação, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, e na sua inconstitucionalidade, nos termos dos artigos 2º, 147º, 161º, c), 202º, nº 1 e 2, e 20º, nºs. 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa, repetindo, nos exactos termos, o já alegado no requerimento de reclamação: “…considera o Reclamante que ao não ter sido cumprido o espírito legal, se verifica inconstitucionalidade, porquanto qualquer decisão judicial que altere o disposto no texto legal apenas pode ser tomada se explanar a respetiva fundamentação para justificar essa alteração, o que, salvo o devido respeito por opinião diversa, não sucedeu in casu. Assim, verifica-se inconstitucionalidade, por referência aos artigos 2º, 147º, 161º, c), 202º, nº 1 e 2, e 20º, nºs. 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa.”

Em relação à nulidade da decisão condenatória por litigância de má fé, tendo ficado arredada a possibilidade de recurso, não pode, obviamente, esta conferência conhecer da referida nulidade ( cfr. Ac. STJ de 24.11.2016, proc.. 470/15.2T8MNC.G1-A.S1).

Relativamente à inconstitucionalidade não aduz o reclamante novos argumentos.

Por isso, e por sufragarmos por inteiro o que foi dito no despacho reclamado, relativamente a essa matéria, nada mais nos resta senão remeter para os fundamentos do dito despacho, sem necessidade de novos considerandos, que reputamos despiciendos.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em indeferir a reclamação e confirmar o despacho que concluiu pela inadmissibilidade do recurso de revista interposto.

Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça de 2,5 (duas e meia) UC.


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Lisboa, 23 de Janeiro de 2024

António Magalhães (Relator)

Manuel Aguiar Pereira

Jorge Arcanjo