Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
158/15.4YRCBR.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: DOCUMENTO
MEIOS DE PROVA
ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
COMPETÊNCIA MATERIAL
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA AÇÃO
PRAZO JUDICIAL
CASO JULGADO FORMAL
Data do Acordão: 09/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ARBITRAL - ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA - ÁRBITROS / DESIGNAÇÃO DOS ÁRBITROS - IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL / PEDIDO DE ANULAÇÃO - TRIBUNAIS ESTADUAIS COMPETENTES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCEDIMENTOS CAUTELARES / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / CASO JULGADO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume 2.º, Coimbra Editora, 1945, 52 a 57.
- Vaz Serra, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 105.º, 26.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 298.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 382.°, N.°1, AL. A), 580.º, N.ºS 1 E 2, 581.º, N.ºS 1 A 4, 619.º, N.º 1, 620.º, Nº 1, 625.º, N.ºS 1 E 2, 627.º, N.º 1.
LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA (LAV): - ARTIGOS 6.º, 10.º, N.ºS 1, 3 E 4, 46.º, N.ºS1, 3, IV), 4 E 6, 59.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 25-2-2003, CJ (STJ), ANO XI (2003), T1, 109; DE 30-1-97, PROCESSO N.º 96B751/96, 2.ª SECÇÃO; DE 14-1-97, PROCESSO N.º 605/96, 1.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 18-5-2004, PROCESSO N.º 04A1417, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 25-10-2005, PROCESSO N.º 2595/05, 6.ª SECÇÃO; DE 25-03-2010, PROCESSO N.º 186/1999, 2.ª SECÇÃO; DE 15-01-2008, PROCESSO N.º 4325/07, 1.ª SECÇÃO; DE 4-2-2010, PROCESSO N.º 155/04, 2.ª SECÇÃO, TODOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Os documentos não são factos, mas antes meios privilegiados de acesso aos mesmos, constituindo, apenas, meios de prova e não factos provados.

II - Não constituindo os documentos factos provados, mas antes meios de prova que os permitirão alcançar, instrumento da sua aquisição pelo tribunal, situam-se, independentemente, como é óbvio, da respetiva eficácia probatória, no mesmo plano dos depoimentos ou das perícias.

III - Na arbitragem institucionalizada, que se realiza no seio de uma instituição permanente, já constituída, e que se encontra à disposição dos litigantes, a resolução do litígio realiza-se, através de um ou mais árbitros, cuja competência radica numa convenção das partes.

IV - São distintos os conceitos de «sede do tribunal arbitral» e de «lugar de arbitragem», podendo suceder que a «sede» e o «lugar de arbitragem», não obstante, virtualmente, abrangidos pela mesma área territorial do tribunal arbitral, pertençam a distritos judiciais diversos.

V - Situando-se a «sede» do tribunal arbitral, no Porto, e o «lugar de arbitragem», em Coimbra, e sendo determinante, por força do art. 59.°, n.° 1, da LAV, o tribunal da Relação em cujo distrito se situe o «lugar de arbitragem», localizando-se este, na cidade de Coimbra, compreendida na circunscrição territorial afeta ao Distrito Judicial de Coimbra, é competente, em razão do território, o tribunal da Relação de Coimbra, entretanto, definido, no âmbito da jurisdição dos tribunais comuns, como o competente, em razão da matéria e da hierarquia.

VI - Os prazos de propositura de ação podem ser, também, prazos judiciais, o que ocorrera sempre que o prazo esteja, diretamente, relacionado com uma outra ação e o seu decurso tenha um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material, como acontece com o prazo previsto no art. 382.°, n° 1, al. a), do CPC, uma vez que funciona como simples condição de subsistência da providência cautelar, sem qualquer interferência no direito que constitua o fundamento da respetiva ação.

VII - A força e autoridade do caso julgado formal significa, mais, limitadamente, que, decidida uma determinada questão que recaia, unicamente, sobre a relação processual, a mesma tem força obrigatória dentro do processo, atento o estipulado pelo art. 620.°, n.° 1, do CPC.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

“HOTEL AA, L.da”, propôs a presente ação de anulação de decisão arbitral, contra “BB, L.da”, ambas já identificadas nos autos, pedindo que, na procedência da impugnação, seja anulado o acórdão arbitral que “declarou improcedente o pedido e estabelecimento de providência cautelar formulado na presente acção”, com fundamento nas alíneas ii), iv) e vi), do nº 3, do artigo 46º, da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro – Lei da Arbitragem Voluntária - (LAV), alegando, para tanto, que tem por objeto, entre outras actividades, a gestão e exploração de unidades hoteleiras, dedicando-se, por seu turno, a requerida à construção civil e obras públicas, na sequência do que, em 13 de setembro de 2012, celebraram um contrato de empreitada, com vista à construção de um hotel, em Miranda do Corvo, tendo-se convencionado para a sua execução o prazo de 730 dias.

Para assegurar o pontual cumprimento do contrato, a requerida apresentou garantia bancária autónoma, à primeira interpelação, no valor de €98.210,46, nos termos da qual, à primeira solicitação da requerente, a BANCO CC de ... lhe teria de pagar a referida quantia, sem necessidade de justificar o pedido, sendo que “para resolução de todos os litígios deste contrato, fica estipulado a competência do Centro de Arbitragem da AICCOPN Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, com sede na Rua ... – ..., expresso a renúncia a qualquer outro”.

Tendo a obra sido consignada, em 5 de novembro de 2012, e a requerida iniciado a sua execução, de imediato, em 1 de outubro de 2014, solicitou a prorrogação do prazo, por mais 49 dias, não terminando os trabalhos na data acordada, onde se inclui esta prorrogação.

A requerente, que tomou conhecimento, em 20 de março de 2015, de que a requerida interpôs, no Centro de Arbitragem AICCOPN, uma providência cautelar, com vista a evitar o acionamento da suprareferida garantia bancária, constituindo-se o Tribunal Arbitral, em 2 e 15 de abril de 2015, sito na ..., em ..., composto por um árbitro, designado pelo Presidente do Centro de Arbitragem, e por outros dois, indicados pelas partes em litígio, deduziu oposição ao mesmo, por não ser da competência do referido Presidente a nomeação de qualquer árbitro, estando a mesma atribuída aos árbitros indicados pelas partes ou ao Tribunal Estadual competente.

Não obstante a oposição da requerente, o Tribunal Arbitral constituiu-se, proferindo o acórdão final, com os votos dos árbitros indicados pelo Presidente do Centro de Arbitragem e pela aqui requerida, concedendo provimento à providência cautelar e determinando que a requerente não poderia acionar a suprareferida garantia bancária.

A requerente fundamenta a impugnação do acórdão arbitral no facto de o mesmo ser anulável, devido à ilegalidade da composição do Tribunal arbitral, porque o Presidente do Centro de Arbitragem carecia de competência para designar um árbitro, que cabia aos indicados pelas partes ou ao Tribunal Estadual próprio, o que se veio a revelar determinante para o desfecho da decisão, porque votada pelo árbitro, assim, designado e pelo árbitro indicado pela aqui requerida.

A anulabilidade do acórdão proferido radica, ainda, no facto de se mostrarem violados os princípios do contraditório e da igualdade processual entre as partes, com o fundamento em não se ter dado por provado qualquer facto de onde se possa extrair a conclusão de existência de risco para o empreiteiro, nem terem sido ouvidas as testemunhas arroladas pela ora requerente, em sede de oposição à suprareferida providência cautelar.

A anulabilidade do acórdão reside, igualmente, na falta de indicação factual de quaisquer prejuízos que para o empreiteiro pudessem decorrer do acionamento da garantia bancária ou que os mesmos fossem superiores aos que o dono da obra suportaria se tal garantia não fosse acionada.

Por último, defende a requerente que o acórdão arbitral incorreu em erro notório na aplicação do direito, porquanto a requerida não podia opor-se ao acionamento da garantia bancária, dada a natureza e finalidades que presidiram à respetiva contratualização e emissão.

Na contestação, a requerida argui, desde logo, a incompetência do Tribunal da Relação de Coimbra, com o fundamento de que o Centro de Arbitragem convencionado tem a sua sede, no ..., pelo que, nos termos do disposto no artigo 59º, nº 1, da LAV, é de atribuir a competência para o conhecimento da ação ao Tribunal da Relação do Porto.

Em segundo lugar, arguiu a intempestividade da presente ação, com o fundamento em que a mesma deu entrada, no Tribunal da Relação, em 23 de setembro de 2015, tendo a requerente sido notificada do acórdão que pretende ver anulado, em 20 de julho de 2015, pelo que já se mostra esgotado o prazo de 60 dias, que vem estipulado no artigo 46º, nº 6, da LAV.

Relativamente à questão da ilegalidade da composição do Tribunal Arbitral, defende que a mesma não se verifica, porque a requerente recusou o árbitro indicado pelo Presidente do Centro de Arbitragem, pelo que, nos termos do disposto no artigo 14º, nº 3, da LAV, podia requerer, junto do Tribunal Estadual competente, decisão a esse respeito, o que não fez, tendo de se considerar que renunciou a impugnar a decisão que viesse a ser proferida, nos termos do artigo 46º, nº 4, do mesmo diploma legal.

Mais refere que a designação de árbitro pelo Presidente do Centro de Arbitragem está legitimada, em face do que se dispõe no artigo 21º, do Regulamento do Centro de Arbitragem da AICCOPN.

Quanto aos demais vícios que a requerente imputa ao acórdão arbitral, a requerida defende que os mesmos não se verificam, tendo sido ouvidas ambas as partes, no âmbito do procedimento cautelar, e que o mesmo se encontra fundamentado, tanto a nível de facto como de direito, concluindo pela procedência das invocadas exceções ou pela improcedência da ação.

Na resposta, a requerente sustenta o indeferimento das exceções invocadas, porque a competência dos Tribunais Judiciais para o conhecimento deste tipo de ações não é determinada pelo local onde o Centro de Arbitragem tem a sua sede, mas sim pelo local onde se situa a arbitragem, enquanto que, tendo a ação dado entrada em juízo, no dia 17 de setembro de 2015, e suspendendo-se durante as férias judiciais o prazo para a sua proposição, a mesma é tempestiva.

O Tribunal da Relação decidiu “julgar procedente a presente impugnação, em função do que se anula o acórdão arbitral”.

Deste acórdão da Relação de Coimbra, a requerida interpôs agora recurso de revista, formulando as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:

1ª – O Centro de Mediação, Conciliação e Arbitragem da Associação de Industriais da Construção Civil e Obras Públicas - AICCOPN é um tribunal arbitral voluntário, autorizado a realizar arbitragem voluntária institucionalizada, ao abrigo do disposto no Dec. Lei nº 425/86, de 27 de Dezembro, diploma publicado em execução do disposto na Lei nº 31/86 de 29 de Agosto, e dos despachos nº 61/MJ/96 e 10479 /MJ/2000 respectivamente publicados no DR, II Série, nº 89 de 15 de Abril e 23 de Maio de 2005 e o qual em conformidade passou a constar da lista das entidades autorizadas a realizar arbitragens voluntárias institucionalizadas constante da Portaria nº 126/96 de 22 de Abril, estando os seus Estatutos e Regulamentos publicitados no site da AICCOPN (https://issuu.com/aiccopn/docs/estatutos_tribunal_arbitral).

2ª - Recorrente e recorrida estipularam na cláusula compromissória do contrato de empreitada que "Para a resolução de todos os litígios decorrentes deste contrato, fica estipulado a competência do Centro de Arbitragem da AICCOPN - Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Publicas, com sede na ... -..., expresso a renuncia a qualquer outro", pelo que foi a vontade das partes (que deve ser pontualmente cumprida - art. 406° n° 1 CC), que o lugar da arbitragem era no ....

3ª - O recorrente HOTEL AA Lda. intentou no Tribunal Judicial do Porto acção de impugnação e anulação da nomeação do terceiro árbitro efectuada pelo Presidente do Conselho do Centro de Arbitragem, o árbitro presidente, a qual foi liminarmente indeferida por ter sido entendido que competente era o Tribunal da Relação, e não o Tribunal Judicial.

4ª - Desta decisão judicial a recorrida HOTEL AA I da., interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto (fls. ... dos autos), o qual confirmou aquela decisão do Tribunal Judicial de 1a Instância do Porto.

5ª - O artigo 31º, n° 1 da LAV estipula que as partes fixam o lugar da arbitragem, e elas determinaram a competência do Tribunal Arbitral da AICCOPN com sede no ..., pelo que competente para a acção de anulação é o Tribunal da Relação do Porto, violando o douto acórdão a referida disposição legal, e bem assim os artigos 406° nº 1 CPC.

6ª - A decisão da nomeação do terceiro árbitro efectuada pelo Presidente do Centro de Arbitragem da AICCOPN, em conformidade com o artigo 21° do Regulamento do Tribunal Arbitral da AICCOPN, de 2 de Abril de 2015, sendo esta uma decisão interlocutória, data aquela a partir da qual se deve contar o prazo de 60 dias de recurso a que se refere o nº 6 do art.° 46° da LAV, e que caducou em 2 de Junho de 2015.

7ª - A decisão proferida na acção de impugnação referida no número 2. (acçãonº12040/15.0T8PRT, que tramitou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto) destas conclusões e o acórdão que conheceu do recurso dela interposto para a Relação do Porto (junto aos autos a 10 de Novembro de 2015) referida no número 3., constitui caso julgado formal não podendo ser admitido outro recurso sobre a mesma questão de facto e de direito após a referida data de 2 de Junho de 2015.

8ª - E ainda que assim não se entendesse, a presente acção deu entrada no Tribunal da Relação de Coimbra em 23 de Setembro de 2015 e com registo de entrada número 000075, diferentemente do que sustenta a douto acórdão recorrido, que considerou que a acção deu entrada em 17 de Setembro de 2015.

9ª - A taxa de justiça devida indispensável à entrada no Tribunal da acção de impugnação só foi paga no dia 22 de Setembro de 2015, pelo que nunca a secretaria do Tribunal poderia recebê-la antes destas data, pelo que a douta sentença viola o disposto nos artigos artigo 558°, al. f) artigo 552, nº 5 e 561°do CPC, sendo pois a acção intempestiva.

10ª - Também diferentemente do que sustenta o douto acórdão o prazo para a propositura da acção porque respeita à anulação de decisão de providência cautelar (Providência Cautelar nº 1/2015 do Tribunal Arbitral da AICCOPN), nos termos nº 1 do art.- 363º do CPC, não se suspende durante as férias (16 de Junho a 31 de Agosto), pois que reveste
carácter urgente o que constitui e integra a excepção da parte final do artigo 138° n-1 do CPC, violando pois o douto acórdão os artigos 363
º n° 1, artigo 138º nº1 e 558º al. f) do CPC, sendo pois a acção intempestiva atenta a data da sua notificação (17/07/2015).

11ª - Como consta da cláusula compromissória acima referida na conclusão número 2, as partes estipularam para a resolução de todos os litígios decorrentes do contrato de empreitada não só o Tribunal do Centro de Arbitragem da AICCOPN, mas também a própria "... a competência do Centro de Arbitragem da AICCOPN - Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas...", como se transcreve da dita cláusula.

12ª - Os estatutos e o regulamento de arbitragem do Tribunal Arbitral - do Centro de Arbitragem da AICCOPN - foram aceites pelas partes com a estipulação da cláusula compromissória (cláusula 9.ª) ao instituírem este Tribunal e a sua própria "... competência".

13ª - A Lei da Arbitragem - LAV - estipula no seu artigo 10º, nº 1 que as partes podem designar o árbitro ou árbitros ou fixar o modo pelo qual estes são escolhidos o que efectuaram na cláusula compromissória, ao estipularem a competência do Tribunal da AICCOPN a qual se encontra prevista no artigo 21º do seu Regulamento de Arbitragem.

14ª - Muito embora a recorrida HOTEL AA Lda. não tenha aceite a indicação do árbitro nomeado pelo Presidente do Conselho de Arbitragem (ata de 7 de Abril de 2015), nenhuma reserva opôs, aceitando o primeiro árbitro, este indicado pela recorrente BB, Lda. (ata de 2 de Abril de 2015), não ocorrendo após esta data outro acordo das partes que modificasse a cláusula compromissória, firmando-se por isso a regularidade da constituição do Tribunal Arbitral.

15ª - A competência para nomear o terceiro árbitro, presidente do Tribunal Arbitral, foi deferida pelas partes ao Presidente do Conselho do Centro de Arbitragem da AICCOPN, pois que isso é matéria da sua competência prevista no artigo 21º do seu Regulamento de Arbitragem do Tribunal, e uma vez que, após citação para a sua designação por acordo das partes, não foi assim efectuada por elas.

16ª - O acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 10°, nº1, 4º e 6º da LAV, 21º nº 3 do Regulamento do Centro de Mediação e Arbitragem da AICCOPN, e bem assim, a cláusula compromissória e artigos 405º e 406º, nº1 do CPC.

17ª - O acórdão considerou apenas a matéria de facto que consta do seu relatório e nenhuma outra mais, sendo omitida matéria relevante e até demonstrada por documentos, entre elas as decisões, da Secção Cível - J9, e do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o registo de entrada nº 000075, de 23 de Setembro aposto na petição inicial, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça de fls. 24, a ata da inquirição de testemunhas realizadas na sede do Tribunal no Porto (Doc. 2 junto com a contestação), entre outras.

18ª - O Tribunal a quo não procedeu à produção da prova requerida, nem mesmo à audiência prévia de forma a facultar a discussão de facto e de direito, da posição das partes de modo a esclarecer e a indicar o sentido e alcance das provas produzidas com isto também impedindo que a recorrente nela (audiência prévia), pudesse oferecer articulado superveniente para arguir a excepção de caso julgado formal, verificada com a prolação entretanto ocorrida do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de fls.... e junto aos autos em 10 de Novembro de 2015, pelo que viola, entre outros, os artigos 3º, nº 3, 4°, 5º, 588º, nº 3, al. a) e 591º do CPC.

Nas suas contra-alegações, a requerente defende que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão impugnado.

                                              *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão da alteração da matéria de facto.

II – A questão da competência em razão do território.

III – A questão da tempestividade/caducidade da acção.

 IV – A questão do caso julgado formal.

V – A questão da regularidade/legalidade da constituição do tribunal arbitral.

I. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

I.1. Alega a requerida que o acórdão recorrido considerou, apenas, a factualidade que consta do seu relatório e nenhuma outra mais, tendo omitido matéria relevante e demonstrada por documentos, ou seja, as decisões da Secção Cível - J9, e do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o registo de entrada nº 000075, de 23 de Setembro, aposto na petição inicial, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça de folhas 24, a ata da inquirição de testemunhas, realizada na sede do Tribunal no Porto, entre outras.

Em primeiro lugar, a requerida não elenca a matéria de facto que, no seu entendimento, deveria ter ficado a constar da factualidade consagrada, limitando-se a remeter essa referência para o teor dos documentos que a suportariam, sem atentar, cuidadosamente, que os documentos não são factos, mas antes meios privilegiados de acesso aos mesmos, “constituindo apenas meios de prova e não factos provados”[2].

Afinal, não constituindo os documentos factos provados, mas antes meios de prova que os permitirão alcançar, situam-se, independentemente, como é óbvio, da respetiva eficácia probatória, no mesmo plano dos depoimentos ou das perícias, que, podendo relevar factos, não se confundem com os mesmos, sendo antes instrumento da sua aquisição pelo Tribunal, que os tem de manifestar às partes.

I.2. Em segundo lugar, a requerida não indica, apesar de se tratar da invocada qualidade de documentos, se os mesmos se traduziriam em prova vinculada ou antes em prova de livre apreciação, sendo que aquela se reportaria a factos que a requerida não especificou, e, em relação a esta última, a definição da hierarquia dos meios de prova de livre apreciação pelo tribunal, e bem assim como a consideração de certas provas, em detrimento da desconsideração de outras, ou de determinados depoimentos, em primazia de outros, sustenta-se no princípio da convicção racional, que não afeta o princípio da igualdade processual das partes[3].
Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça aplica, em definitivo, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser objeto de recurso de revista a alteração da decisão por este proferida quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou, finalmente, quando considere que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 682º, nºs 1, 2 e 3 e 674º, nº 3, do CPC.
Com efeito, só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extratada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respetiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e, através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º, do CPC.
Assim sendo, em síntese, compete às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo, a este título, residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, destinada a averiguar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes[4].
Na verdade, o acórdão recorrido manteve-se, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, porquanto essa factualidade pode ser obtida, através dos vários meios probatórios de que o Tribunal se serviu, sem preferência ou sub-alternidade de qualquer deles.
Deste modo, não se demonstrou qualquer uma das circunstâncias excecionais que permitem ao Supremo Tribunal de Justiça a alteração da decisão sobre a matéria de facto emitida pelas instâncias, ou seja, “a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto”, a que alude o artigo 674º, nº 3, do CPC.

I.3. Impõe-se, assim, a este Supremo Tribunal de Justiça considerar demonstrada a seguinte factualidade, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil (CPC), que reproduz:

1. Para resolução de todos os litígios deste contrato, ficou estipulada a competência do Centro de Arbitragem da AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, com sede na Rua ..., no ..., com expressa renúncia de qualquer outro.

2. A requerida interpôs, no Centro de Arbitragem da AICCOPN, uma providência cautelar com vista a evitar o acionamento da suprareferida garantia bancária, constituindo-se o Tribunal Arbitral, em 2 e 15 de abril de 2015, sito na ..., em ....

3. O acórdão arbitral foi proferido, em 30 de junho de 2015, tenho o mesmo sido notificado à requerente, em 20 de julho de 2015.

4. A presente acção deu entrada em juízo, no dia 17 de setembro de 2015.

5. As partes declararam aceitar os estatutos e regulamento do Centro de Arbitragem da AICCOPN, em que se incluía o poder de o Presidente do Conselho de Arbitragem designar o árbitro presidente, com base no artigo 21º, do Regulamento do Centro de Mediação, Conciliação e Arbitragem da AICCOPN (cf. carta datada de 19 de março de 2015, enviada à aqui requerente, cfr. fls. 53 e 54 e acta de fls. 55 a 59, sem a participação da aqui requerente).

6. Já com a participação da requerente, pela mesma foi comunicado que não aceita os estatutos e regulamento do Centro de Arbitragem, bem como não aceita a indicação do árbitro designado pelo Conselho de Arbitragem, por esta ser uma competência dos árbitros designados pelas partes (acta continuação da ata da constituição do tribunal arbitral de fls. 60 a 62).

II. DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO

II.1. Alega ainda a requerida que, no contrato de empreitada que partes celebraram, foi estipulada uma cláusula compromissória, segundo a qual o lugar da arbitragem, tendente à resolução de todos os litígios decorrentes do mesmo, era, no ..., sede do Centro de Arbitragem da AICCOPN - Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Publicas, na ..., ..., pelo que o tribunal competente para a presente ação de anulação é o Tribunal da Relação do Porto.

No âmbito do poder da autonomia da vontade negocial das pessoas, inclui-se o de atribuir a hetero-composição do seu conflito de interesses a um terceiro imparcial que se encontre, permanentemente, à disposição dos interessados, através de um negócio jurídico processual, distinto da atividade jurisdicional estatal, enquanto poder público inerente à soberania do Estado, em que se traduz a arbitragem institucionalizada.

Na arbitragem institucionalizada, que se realiza no seio de uma instituição permanente, já constituída, e que se encontra à disposição dos litigantes, a resolução do litígio realiza-se, através de um ou mais árbitros, cuja competência radica numa convenção das partes.  

II.2. Dispõe o artigo 59º, nº 1, da LAV, que “relativamente a litígios compreendidos na esfera de jurisdição dos tribunais judiciais, o Tribunal da Relação em cujo distrito se situe o lugar da arbitragem…, é competente para decidir sobre, nomeadamente, a nomeação de árbitros que não tenham sido nomeados pelas partes ou por terceiros a que aquelas hajam cometido esse encargo, de acordo com o previsto nos nºs 3, 4 e 5 do artigo 10º e no nº 1 do artigo 11º [a] e a impugnação da sentença final proferida pelo tribunal arbitral, de acordo com o artigo 46º [g].

Por outro lado, preceitua o artigo 31º, nº 1, da mesma Lei da Arbitragem Voluntária, que “as partes podem livremente fixar o lugar da arbitragem. Na falta de acordo das partes, este lugar é fixado pelo tribunal arbitral, tendo em conta as circunstâncias do caso, incluindo a conveniência das partes”, acrescentando o seu nº 2 que “não obstante o disposto no nº 1 do presente artigo, o tribunal arbitral pode, salvo convenção das partes em contrário, reunir em qualquer local que julgue apropriado para se realizar uma ou mais audiências, permitir a realização de qualquer diligência probatória ou tomar quaisquer deliberações”.

Assim sendo, a sede do Tribunal Arbitral pode coincidir com o lugar da arbitragem, mas, situando-se embora este, tendencialmente, no âmbito do espaço territorial daquele, pode localizar-se fora da sua sede e até da sua área territorial, pelo que são distintos os conceitos de «sede do tribunal arbitral» e de «lugar de arbitragem», podendo, assim, suceder que a «sede» e o «lugar de arbitragem», não obstante, virtualmente, abrangidos pela mesma área territorial do Tribunal Arbitral, pertençam a distritos judiciais diversos.

Deste modo, situando-se a «sede» do Tribunal Arbitral, ou seja, do Centro de Arbitragem da AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, na ..., ..., o «lugar de arbitragem», na ..., ..., e sendo determinante, por força do supramencionado artigo 59º, nº 1, o Tribunal da Relação em cujo distrito se situe o «lugar de arbitragem», localizando-se este, na cidade de ..., compreendida na circunscrição territorial afeta ao Distrito Judicial de Coimbra, é competente, em razão do território, o Tribunal da Relação de Coimbra, entretanto, definido, no âmbito da jurisdição dos tribunais comuns, como o competente, em razão da matéria e da hierarquia.

Como assim, improcede a exceção da incompetência territorial do Tribunal da Relação de Coimbra.

III. DA TEMPESTIVIDADE/CADUCIDADE DA AÇÃO

III.1. Sustenta a requerida, a este propósito, que a presente ação é intempestiva, porquanto deu entrada, no Tribunal da Relação de Coimbra, em 23 de setembro de 2015, e não em 17 de setembro de 2015, como considerou o acórdão recorrido, mas, igualmente, porque contende com o prazo para a propositura de uma ação que respeita à anulação de decisão de providência cautelar - Providência Cautelar nº 1/2015 do Tribunal Arbitral da AICCOPN) - que não se suspende durante as férias, por revestir carater urgente, nos termos do artigo 363º, nº 1, o que constitui e integra a exceção prevista, na parte final do artigo 138°, nº1, ambos do CPC.

Prescreve o artigo 46º, nº 1, da LAV, que, “salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do nº 4 do artigo 39º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo”, prosseguindo o seu nº 6, ao afirmar que “o pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento nos termos do artigo 45º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento”.

Tendo o acórdão arbitral sido proferido, em 30 de junho de 2015, e considerado notificado às partes, em 20 de julho de 2015, a presente ação deu entrada em juízo, no dia 17 de setembro de 2015, data que consta do comprovativo do correio oficial eletrónico do Tribunal da Relação de Coimbra, a folhas 82, sendo, para tanto, irrelevante a data aposta no articulado inicial de folhas 2, ou seja, 23 de setembro de 2015, que resulta do carimbo mecânico realizado pelo oficial de justiça que subscreveu o respetivo termo.

III.2. Os prazos judiciais destinam-se a determinar o período de tempo “para se produzir um determinado efeito processual”, ou seja, a “regular a distância entre os actos do processo”, e, dada essa sua função específica, pressupõem, necessariamente, a prévia propositura de uma ação, a existência de um processo[5].

Os prazos substantivos, por seu turno, respeitam ao período de tempo exigido para exercício de direitos materiais, sendo-lhes “aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”, de acordo com o preceituado pelo artigo 298º, nº 2, do Código Civil, tendo o seu decurso, em princípio, sem prejuízo das regras respeitantes à necessidade da sua invocação em juízo, a consequência da extinção do respetivo direito.

Por outro lado, a natureza de um prazo, designadamente, para a propositura de uma ação, deve resultar da análise da correspondente norma jurídica e não, simplesmente, da sua inclusão física em determinado diploma, sendo que, se a caducidade é, em regra, prevista na lei substantiva, admite-se que o possa ser, igualmente, na lei processual[6].

No que respeita aos prazos de propositura de ação, em particular, por via de regra, qualificados como prazos substantivos de caducidade, ou, excecionalmente, de prescrição, atento o já citado artigo 298º, nº 2, do Código Civil, por estas causas do não exercício do direito se reconduzirem a elemento integrante do regime jurídico da respetiva relação material, os mesmos podem ser, também, prazos judiciais, o que ocorrerá sempre que o prazo esteja, directamente, relacionado com uma outra ação e o seu decurso tenha um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material, como será, seguramente, a situação contemplada, entre outros, nos artigos 92º, nº 2, 279º, nº 2, e 840º, nº 2, todos do CPC.

Reveste, pois, seguramente, natureza judicial, o prazo previsto no citado artigo 382º, nº 1, a), do CPC, uma vez que funciona como simples condição de subsistência da providência cautelar, sem qualquer interferência no direito que constitua o fundamento da respetiva ação.

Trata-se, pois, de um prazo judicial de propositura de ação, ponto em que, aliás, são conformes os dois acórdãos em causa.

Assim sendo, a presente ação de anulação de sentença arbitral foi proposta, dentro do prazo de sessenta dias, contados da data em que a requerente teve conhecimento do seu teor, a que se reporta o artigo 46º, nº 6, da LAV, e, portanto, tempestivamente, improcedendo, consequentemente, a exceção perentória da caducidade.

III.3. Deste modo, encontra-se prejudicada, por ser, manifestamente, inócua, a solução da sub-questão de saber se ocorreu a suspensão do prazo judicial, durante as férias, por revestir carater urgente, nos termos do disposto pelo artigo 363º, nº 1, atento ainda o preceituado pelo artigo 608º, nº 2, ambos do CPC.

III.4. Porém, a requerida observa ainda que a nomeação do terceiro árbitro, efectuada pelo Presidente do Centro de Arbitragem da AICCOPN, em conformidade com o artigo 21°, do Regulamento do Tribunal Arbitral da AICCOPN, a 2 de abril de 2015, constitui decisão interlocutória, sendo, a partir desta data, que se deve contar o prazo de 60 dias para a apresentação do presente recurso, ocorrendo a caducidade, em 2 de junho de 2015.

Trata-se, contudo, de uma questão nova que a requerida não suscitou no recurso interposto para o Tribunal da Relação que proferiu o acórdão impugnado e que, consequentemente, este, também, não conheceu e decidiu, aparecendo, pela primeira vez, levantada, neste recurso de revista.
Como assim, a questão agora invocada pela requerida não foi objeto de pronúncia pelo acórdão recorrido, tratando-se, portanto, de uma questão, inteiramente, nova, que não seria suscetível de vir a obter um novo enquadramento jurídico, nesta sede de recurso de revista, mas antes uma primeira e definitiva abordagem, o que se mostra inviável, nas presentes circunstâncias concretas.
De facto, podendo as decisões judiciais ser impugnadas, por meio de recurso, como decorre do estipulado pelo artigo 627º, nº 1, do CPC, tem sido entendido, uniformemente, que a natureza do recurso visa modificar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova, não podendo, consequentemente, tratar-se no mesmo de questões que não hajam sido invocadas, perante o Tribunal recorrido, a menos que se reconduzam a hipóteses de conhecimento oficioso, em que é, obviamente, desnecessária a alegação das partes, e que o Tribunal de recurso deve conhecer, quer respeitem à relação processual, quer à relação material controvertida, o que agora não acontece.
Assim sendo, tratando-se de uma «questão nova», suscitada na revista, está, por conseguinte, até com base no princípio da estabilidade da instância, vedado a este Supremo Tribunal de Justiça a sua apreciação, mesmo, oficiosamente, em conformidade com o disposto pelos artigos 264º e seguintes, do CPC, que não pode conhecer e decidir o que, anteriormente, o não foi, por falta de atempada invocação.

IV. DO CASO JULGADO FORMAL

IV.1. Alega, igualmente, a requerida que entre a decisão proferida na acção de impugnação que tramitou, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, e o acórdão da Relação do Porto que conheceu do recurso dela interposto, se constituiu o caso julgado formal, não podendo ser admitido outro recurso sobre a mesma questão de facto e de direito, após a referida data de 2 de junho de 2015.

O fundamento e o objetivo da exceção do caso julgado, com o que se obtém o conceito funcional da mesma, consiste em evitar que o Tribunal da segunda ação se veja “colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”, o que pressupõe a repetição de uma causa, e que acontece depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, de acordo com o preceituado pelo artigo 580º, nºs 1 e 2, do CPC.

E a causa repete-se quando se propõe uma ação idêntica a outra, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, sendo certo que existe identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, nos termos do disposto pelo artigo 581º, nºs 1 a 4, do CPC.

Esta noção corresponde à função, habitualmente, atribuída à exceção, que consiste em proteger a força e autoridade de uma decisão que, transitada, adquiriu força de caso julgado material, isto é, que fica a ter força obrigatória, dentro do processo e fora dele, nos termos definidos pelo artigo 619º, nº 1, tutela essa, aliás, que, se falhar, se encontra ainda prevista, no artigo 625º, nºs 1 e 2, ambos do CPC, já que a segunda decisão, em qualquer caso, será inútil.

A força e autoridade do caso julgado formal significa, mais, limitadamente, que, decidida uma determinada questão que recaia, unicamente, sobre a relação processual, a mesma tem força obrigatória dentro do processo, atento o estipulado pelo artigo 620º, nº 1, do CPC.

IV.2. Ora, aplicando o critério definido pelo artigo 620º, nº 1, do CPC, isto é, para avaliar da eventualidade de contradição prática entre os julgados na presente ação, ou seja, da sua exequibilidade, importa considerar que o acórdão da Relação do Porto, conhecendo da decisão da 1ª instância que julgou incompetente, em razão da matéria, a Comarca do Porto, determinou o indeferimento liminar da petição inicial e julgou improcedente o recurso interposto, situou-se, tão-só, no âmbito da questão de saber qual era o tribunal, materialmente, competente para decidir a “acção de impugnação e anulação da decisão arbitral”, se o Tribunal de Comarca, como acontecia na vigência da Lei nº 31/86, de 29 de agosto [competência genérica residual], ou, antes, o Tribunal da Relação, como passou a suceder, posteriormente, à Lei nº 63/20011, de 14 de dezembro, por força do respetivo artigo 59º.

Porém, nenhuma das questões objeto da presente revista contende com o decidido pelo acórdão da Relação do Porto, nomeadamente, aquela que parece estar implícita nas conclusões das alegações da revista da requerida, ou seja, a da competência em razão do território, porquanto com esta pretende estabelecer-se a competência territorial do Tribunal da Relação, em função da definição do conceito de «lugar de arbitragem», ao passo que naquele acórdão, apenas, se determinou qual o tribunal, materialmente, competente para conhecer da “acção de impugnação e anulação da decisão arbitral”, se o Tribunal de Comarca ou o Tribunal da Relação, tendo sido marginal e inócua a referência ao «lugar de arbitragem» que, neste último, não se apreciou nem definiu.

Deste modo, não se verificam os requisitos constitutivos do caso julgado formal, designadamente, devido à falta do requisito da identidade do pedido, que está subjacente aquela decisão da Relação do Porto e à do presente acórdão.

V. DA REGULARIDADE/LEGALIDADE DA CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL

V.1. Defende, também, a requerida que se firmou a regularidade da constituição do Tribunal Arbitral, porquanto com a estipulação da cláusula compromissória 9ª, as partes instituíram o Tribunal do Centro de Arbitragem da AICCOPN, mas, também, a própria "... competência do Centro de Arbitragem da AICCOPN ", incluindo-se nesta a nomeação do terceiro árbitro, presidente do Tribunal Arbitral, pelo Presidente do Conselho do Centro de Arbitragem da AICCOPN, atento o disposto pelo artigo 21º, do Regulamento de Arbitragem do Tribunal, uma vez que, após citação para a sua designação, por acordo das partes, estas não a efetuaram, como vem previsto no artigo 10º, nº 1, da LAV, e isto porque, muito embora a requerente não tenha aceite a indicação do árbitro nomeado pelo Presidente do Conselho de Arbitragem, nenhuma reserva opôs, aceitando o primeiro árbitro, este indicado pela requerida, não ocorrendo, após esta data, outro acordo das partes que modificasse a referida cláusula compromissória.

Assim sendo, a requerida, contrariamente ao decidido pelo acórdão impugnado, sustenta que o Presidente do Conselho de Arbitragem gozava da faculdade de nomear o terceiro árbitro, com as funções de presidente, uma vez que essa é uma competência que lhe pertence, por força do disposto pelo artigo 10º, nºs 1 e 3, da LAV, e não aos árbitros designados pelas partes.

V.2. Uma das causas de anulação da sentença arbitral, que só pode ser decretada pelo tribunal estadual competente, consagrada pelo artigo 46.º, n.º 3, iv), da LAV, acontece quando “a composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de tal convenção, não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio”.

Por seu turno, prescreve o artigo 10º, nº 1, da LAV, que “as partes podem, na convenção de arbitragem ou em escrito posterior por elas assinado, designar o árbitro ou os árbitros que constituem o tribunal arbitral ou fixar o modo pelo qual estes são escolhidos, nomeadamente, cometendo a designação de todos ou de alguns dos árbitros a um terceiro”, acrescentando o seu nº 3, que “no caso de o tribunal arbitral ser composto por três ou mais árbitros, cada parte deve designar igual número de árbitros e os árbitros assim designados devem escolher outro árbitro, que actua como presidente do tribunal arbitral”, e o respetivo nº 4 que, “salvo estipulação em contrário, se, no prazo de 30 dias a contar da receção do pedido que a outra parte lhe faça nesse sentido, uma parte não designar o árbitro ou árbitros que lhe cabe escolher ou se os árbitros designados pelas partes não acordarem na escolha do árbitro presidente no prazo de 30 dias a contar da designação do último deles, a designação do árbitro ou árbitros em falta é feita, a pedido de qualquer das partes, pelo tribunal estadual competente”.

Ora, na cláusula compromissória 9.ª do contrato de empreitada, estipulou-se, expressamente, que “para a resolução de todos os litígios decorrentes deste contrato, fica estipulado a competência do Centro de Arbitragem da AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, com sede na R. ... – ..., com expressa renúncia a qualquer outro”, sem que da mesma conste, porém, qualquer convenção expressa para o modo como deve proceder-se à nomeação dos árbitros, inexistindo, outrossim, qualquer documento posterior assinado pela requerente acerca desta matéria.

Deste modo, podendo o procedimento para a nomeação de árbitros ser, expressamente, regulado, na convenção de arbitragem, ou, supletivamente, na LAV, mas inexistindo qualquer convenção expressa sobre o modo como deve proceder-se à nomeação dos árbitros, ou documento posterior assinado pela requerente, relativamente a esta questão, cada parte deve designar o seu árbitro e os, assim, designados devem escolher outro árbitro, que actua como presidente do tribunal arbitral, consoante o preceituado pelo supramencionado artigo 10º, da LAV.

Efetivamente, as partes, sem a participação da requerente, declararam aceitar os estatutos e o Regulamento do Centro de Arbitragem da AICCOPN, em que se incluía o poder de o Presidente do Conselho de Arbitragem designar o árbitro presidente, com base no artigo 21º, do Regulamento do Centro de Mediação, Conciliação e Arbitragem da AICCOPN.

Porém, já com a participação da requerente, pela mesma foi comunicado que não aceitava os estatutos e o Regulamento do Centro de Arbitragem, bem como a indicação do árbitro designado pelo Conselho de Arbitragem, por esta ser uma competência dos árbitros designados pelas partes.

A propósito da remissão para os regulamentos de arbitragem, preceitua o artigo 6º, que “todas as referências feitas na presente lei ao estipulado na convenção de arbitragem ou ao acordo entre as partes abrangem não apenas o que as partes aí regulem directamente, mas também o disposto em regulamentos de arbitragem para os quais as partes hajam remetido”, e o artigo 10º, nº 1, ambos da LAV, que “as partes podem, na convenção de arbitragem ou em escrito posterior por elas assinado, designar o árbitro ou os árbitros que constituem o tribunal arbitral ou fixar o modo pelo qual estes são escolhidos, nomeadamente, cometendo a designação de todos ou de alguns dos árbitros a um terceiro”.

Resultando da cláusula compromissória 9.ª do contrato de empreitada que “para a resolução de todos os litígios decorrentes deste contrato, fica estipulado a competência do Centro de Arbitragem da AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, com sede na R. ... – ..., com expressa renúncia a qualquer outro”, sem que da mesma conste qualquer convenção expressa para o modo como deve proceder-se à nomeação dos árbitros, inexistindo, igualmente, qualquer documento posterior assinado pela requerente acerca desta matéria, e não tendo as partes, então, remetido para o Regulamento do Centro de Arbitragem, este não é relevante, de acordo com o preceituado pelos artigos 6º, «in fine» e 10º, nº 1, da LAV.

Assim sendo, não podia o Presidente do Conselho de Arbitragem nomear o terceiro árbitro, com as funções de presidente, uma vez que essa é uma competência que não lhe pertence, por estar, legalmente, atribuída aos árbitros designados pelas partes, nos termos do disposto pelo artigo 10º, nºs 1 e 3, com a consequente anulação da decisão arbitral, por a composição do tribunal arbitral não ter sido conforme com a lei aplicável, o que teve influência decisiva na resolução do litígio, uma vez que a posição que fez vencimento foi subscrita pelo árbitro presidente e pelo árbitro indicado pela requerida, considerando ainda o estipulado pelo artigo 46º, nº 3, vi), ambos da LAV.

O que aqui está em causa é o procedimento para a nomeação do terceiro árbitro, que foi indicado pelo Presidente do Conselho de Arbitragem, quando, legalmente, não o podia ser, contra o que, de imediato, se pronunciou a aqui requerente, pelo que, consequentemente, também, não se aplica o disposto no artigo 46º, nº 4, da LAV, só aplicável, no caso de não se “deduzir oposição de imediato”, o que, reitera-se, «in casu», não se verifica, pois, que, repete-se, a aqui requerente, logo se opôs ao procedimento de nomeação do terceiro árbitro, nos moldes em que tal ocorreu.

Não colhem, assim, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da revista da requerida.

CONCLUSÕES:

I - Os documentos não são factos, mas antes meios privilegiados de acesso aos mesmos, constituindo, apenas, meios de prova e não factos provados.

II - Não constituindo os documentos factos provados, mas antes meios de prova que os permitirão alcançar, instrumento da sua aquisição pelo Tribunal, situam-se, independentemente, como é óbvio, da respetiva eficácia probatória, no mesmo plano dos depoimentos ou das perícias.

III - Na arbitragem institucionalizada, que se realiza no seio de uma instituição permanente, já constituída, e que se encontra à disposição dos litigantes, a resolução do litígio realiza-se, através de um ou mais árbitros, cuja competência radica numa convenção das partes.

IV - São distintos os conceitos de «sede do tribunal arbitral» e de «lugar de arbitragem», podendo suceder que a «sede» e o «lugar de arbitragem», não obstante, virtualmente, abrangidos pela mesma área territorial do Tribunal Arbitral, pertençam a distritos judiciais diversos.

V - Situando-se a «sede» do Tribunal Arbitral, no Porto, e o «lugar de arbitragem», em Coimbra, e sendo determinante, por força do artigo 59º, nº 1, da LAV, o Tribunal da Relação em cujo distrito se situe o «lugar de arbitragem», localizando-se este, na cidade de Coimbra, compreendida na circunscrição territorial afeta ao Distrito Judicial de Coimbra, é competente, em razão do território, o Tribunal da Relação de Coimbra, entretanto, definido, no âmbito da jurisdição dos tribunais comuns, como o competente, em razão da matéria e da hierarquia.

VI - Os prazos de propositura de ação podem ser, também, prazos judiciais, o que ocorrerá sempre que o prazo esteja, diretamente, relacionado com uma outra ação e o seu decurso tenha um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material, como acontece com o prazo previsto no artigo 382º, nº 1, a), do CPC, uma vez que funciona como simples condição de subsistência da providência cautelar, sem qualquer interferência no direito que constitua o fundamento da respetiva ação.

VII - A força e autoridade do caso julgado formal significa, mais, limitadamente, que, decidida uma determinada questão que recaia, unicamente, sobre a relação processual, a mesma tem força obrigatória dentro do processo, atento o estipulado pelo artigo 620º, nº 1, do CPC.

DECISÃO[7]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista da requerida “BB, L.da” e, em consequência, confirmam o douto acórdão recorrido.

                                                     *

Custas da revista, a cargo da requerida “BB, L.da”.

                                                     *

Notifique.

Lisboa, 06 de setembro de 2016

Hélder Roque (Relator)

Roque Nogueira

Gabriel Catarino

_______________________________________________________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira; 2º Adjunto: Conselheiro Gabriel Catarino.
[2] STJ, de 25-10-2005, Revista nº 2595/05, 6ª secção; STJ, de 25-03-2010, Revista nº 186/1999, 2ª secção; STJ, de 15-01-2008, Revista nº 4325/07, 1ª secção; STJ, de 4-2-2010, Revista nº 155/04, 2ª secção, www.dgsi.pt
[3] STJ, de 18-5-2004, Pº nº 04A1417, www.dgsi.pt
[4] STJ, de 25-2-2003, CJ (STJ), Ano XI (2003), T1, 109; STJ, de 30-1-97, Pº nº 96B751/96, 2ª secção; STJ, de 14-1-97, Pº nº 605/96, 1ª secção, www.dgsi.pt
[5] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume 2º, Coimbra Editora, 1945, 52 a 57.
[6] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume 2º, Coimbra Editora, 1945, 56; Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 105º, 26.
[7] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira; 2º Adjunto: Conselheiro Gabriel Catarino.