Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | NEXO DE CAUSALIDADE CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS | ||
Nº do Documento: | SJ20080313003691 | ||
Data do Acordão: | 03/13/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Sumário : | 1) O juízo de causalidade numa perspectiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.º, n.º 1 e 722.º, n.º2 do Código de Processo Civil. 2) Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade, o que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil. 3) De acordo com a doutrina da causalidade adequada, consagrada no artigo 563.º do Código Civil, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis. 4) O facto terá de ser, em concreto, “conditio sine qua non” do dano mas, também, em abstracto, causa normal e adequada da sua verificação, ainda que indirecta ou mediatamente. 5) Tendo sido clausulado no contrato de seguro várias situações de exclusão de responsabilidade referentes à carga transportada e sendo algumas perfeitamente claras – operações de carga e descarga, excesso, mau acondicionamento, estiva por forma a pôr em risco a estabilidade e controlo do veiculo – a cláusula que se refere aos danos “causados por objectos transportados” deve, por ambígua, ser interpretada no sentido de danos causados apenas pela carga em si (v.g., corrosivo, inflamável), interpretação mais favorável ao segurado, de acordo com o n.º2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 446/85 (na redacção do Decreto-Lei n.º 290/95) que regula o regime das cláusulas contratuais gerais. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: “Transportes e Logística R...B...L...”, demandou a “Companhia de Seguros T..., SA” pedindo a sua condenação a pagar-lhe 18.211,51 euros, acrescidos de juros, para ressarcimento de danos sofridos por um seu veículo seguro na Ré. Na contestação a demandada impugnou o montante por não excluir a franquia de 2% a cargo da Autora; que, como os danos maiores foram causados pelos objectos transportados não são cobertos pelo seguro; que este apenas cobre os danos provocados pelo embate na frente do veículo, no valor de 707,79 euros, após abatimento da franquia. A acção foi julgada procedente na 1.ª Instância. A Ré apelou tendo a Relação de Coimbra dado provimento ao recurso condenando-a a pagar 707,79 euros, acrescidos de juros desde a citação. A Autora pede revista assim concluindo: “– Houve, assim, divergência de julgamento, quanto à interpretação da cláusula contratual que exclui do valor da indemnização o dano provocado pelas mercadorias e nexo de causalidade que gera a obrigação de indemnizar. Contra alegou a Ré em defesa do aresto recorrido. A Relação deu por assente a seguinte matéria de facto: A) No dia 14 de Outubro, cerca das 23h40m o conjunto formado pelo tractor de matrícula ...-...-QT, de marca Renault Premium, com o semi-reboque de matrícula ...-165-106. circulava no IP n.° 5, pela sua mão de trânsito, na metade direita da faixa de rodagem, no sentido Aveiro –Vilar Formoso. Foram colhidos os vistos. Conhecendo, 1 – Cláusula do contrato de seguro. 1 – Cláusula do contrato de seguro O “punctum dolens” situa-se na interpretação da cláusula 3.ª da alínea d) da apólice de seguro, onde se elencam as exclusões, para além das constantes do artigo 36.º. Ali se refere que não ficam garantidos os danos provocados “por objectos ou durante operações de carga e descarga.” Numa leitura do clausulado, e na perspectiva de um declaratário normal, pode afirmar-se que os outorgantes pretenderam excluir da cobertura do seguro, para além dos danos causados durante a carga e descarga do veículo, os provocados pelos objectos transportados. Quanto à carga (ou descarga) bem se compreende por se tratar de operação alheia ao funcionamento ou à circulação da viatura, antes tendo a ver com a estiva (ou acondicionamento) da mercadoria ou com a sua retirada do veículo. Os danos eventualmente ocorridos nessas ocasiões resultam de intervenção do segurado ou de terceiros seus comissários e não se ligam à operação do veículo. Ainda de acordo com a alínea f) do artigo 36.º (condições gerais da apólice) o contrato de seguro não abrange os sinistros “causados por excesso ou mau acondicionamento de carga, transporte de objectos ou participação em actividades que ponham em risco a estabilidade ou domínio do veículo.” Verificam-se, assim, três situações de exclusão referentes à carga: Estas duas últimas conciliam-se nos termos seguintes: a da alínea b) reporta-se ao evento ter como causa uma deficiente estiva da carga, quer por mal acondicionada quer por, pela suas dimensões, configuração ou peso, impedir ou dificultar o perfeito domínio do veículo; a exclusão da alínea c) abrange os danos causados pela carga em si mesma, independentemente da forma como foi acondicionada ou da sua compatibilidade com um adequado controlo do veículo em circulação. Serão situações em que a carga, por si, causa danos, situação a determinar-se de acordo com as regras da causalidade. É o que analisaremos adiante, já que nas respostas negativas aos quesitos 1.º (“A mercadoria referida em E) seguia no reboque ...-165-106. em condições que permitiam que deslizasse e oscilasse em caso de travagem?”) e 2.º (“Foi usada no acondicionamento da mercadoria referida em E) uma cinta que se partia facilmente?”) ficou sem demonstração qualquer deficiência no acondicionamento da carga, não tendo, outrossim, sido alegada a sua inadequação para ser transportada no veículo. Ficou, apenas, assente, que, em consequência da travagem brusca do condutor do veículo, que só tardiamente se apercebeu de uma barreira de corte do trânsito, onde veio a embater, partiu-se um dos suportes da carga transportada, que deslizou e embateu contra o reboque causando-lhe danos. 2 – Nexo de causalidade. 2.1- Numa perspectiva puramente naturalística consistente no apuramento da relação causa-efeito, o nexo causal integra pura matéria de facto, insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 29.º da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) e 729.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Assim é, salvo os casos de ofensa a disposição expressa da lei que exija certo tipo de prova para afirmação de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, nos termos do n.º 2 do artigo 729.º e do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil. Daí que, ao apurar a dinâmica do evento, ou seja no percurso do “iter” causal-naturalístico, como desencadeador do resultado lesivo, ou como factor que o detonou,fica-se situado num plano puramente factual (cf. “inter alia”, os Acórdãos do STJ de 11 de Junho de 2002 – P.º 1810/02-2.ª – de 15 de Maio de 2003 – P.º 1314/03-2.ª e de 21 de Janeiro de 2003 – 02 A4123). Apurado o nexo naturalístico há que proceder à sua inserção nos princípios do artigo 563.º do Código Civil, esta parte já matéria de direito por respeitar à interpretação e aplicação de norma jurídica. Isto é, se a Relação considerou verificado o nexo factual, cumpre-nos agora verificar, ou não, nexo legal de adequação. 2.2- O artigo 563.º do Código Civil consagra o princípio da causalidade adequada na sua formulação negativa. Este Supremo Tribunal considerou que “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (gleichgultig) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto.” (cf. ainda os Acórdãos de 4 de Novembro de 2004 – P.º 2855/04-2.ª, de 13 de Janeiro de 2005 – P.º 4063/04-7.ª; Prof. A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 10.ª ed, I, 893, 899, 890/1 – “…do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.”). É a consagração do ensinado por Enneccerus-Lehman, que para o Dr. Ribeiro de Faria, conduz a que “a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias” (apud “Direito das Obrigações”, I, 502)e que o Prof. Almeida Costa diz dever interpretar-se no sentido de que “ o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais” sendo que a citada doutrina da causalidade adequada “não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano.” (in “Direito das Obrigações”, 632). Parte-se, pois, de uma situação real, posterior ao facto, e até ao dano, e afirma-se que o segundo decorreria daquele perante um desenvolvimento normal, ou seja, o dever de indemnizar existe em relação aos danos que terão provavelmente resultado da lesão. Ou como julgou este Supremo Tribunal “a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias”. (Acórdão de 20 de Outubro de 2005 – 05B2286). O facto terá de ser, em concreto, “conditio sine qua non” do dano mas também ser, em abstracto, causa normal, ou adequada da sua verificação. É a doutrina que o direito norte americano chama de “substancial factor formula.” O dano só não se considera causado pelo facto se este apenas o produziu por circunstâncias anómalas e imprevisíveis. Mas é-o ainda que causado indirecta, ou mediatamente, pelo facto. Este entendimento resulta da conjugação dos artigos 562.º (“…a situação que existiria…”) e 563.º (“…danos que o lesado provavelmente não teria sofrido…”) do Código Civil. (cf. Prof. Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, 410-nota 373; Prof. Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 409 ss). 2.2.1- Aqui chegados, e assente que foi pelas instâncias, o nexo naturalístico, alcança-se, nos termos do citado artigo 563.º do Código Civil, e de acordo com o acima desenvolvido, que o nexo de causalidade do evento danoso foi a travagem brusca perante o obstáculo, não tempestivamente avistado. Tal originou a quebra de um dos suportes de carga e o deslizar e subsequente embate desta. Não pode, pois, o dano considerar-se como causado “por objectos transportados”, já que só o foi mediatamente, sendo que a causa directa (que independeu de circunstância excepcional) e adequada foi a manobra brusca de condução. Desde que a manobra que provocou a ruptura do suporte (não se provando facto fortuito ou do acondicionamento da carga) a condição do dano está na travagem. A razão de ser da exclusão da responsabilidade da seguradora acima analisada, é o facto danoso ser resultado da carga em si mesma (como, por exemplo, cargas corrosivas, inflamáveis ou explosivas) que não quando concorrem outras circunstâncias que provocam a dinâmica da carga. O dano foi efeito adequado da inopinada travagem, seguida de embate, pelo que a seguradora é responsável. A assim não se entender, e tratando-se de seguro de um veiculo de transporte de mercadorias, em regra a circular carregado, o normal movimento da carga como consequência de um embate (ou por força de qualquer inércia) gerando danos, sempre seria excluído ainda que improvado qualquer desleixo na sua arrumação e segurança. Note-se, aliás, que não estão em causa os danos na carga mas os que a carga, ao soltar-se, por travagem inserida na dinâmica de um embate, provocou no veículo. Reconhece-se que se está perante uma cláusula cuja clareza não é total, possibilitando interpretações diversas o que lhe confere certa ambiguidade. Assim sendo, sempre valeria, de acordo com o n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 249/99 de 7 de Julho, a sua interpretação no sentido mais favorável ao aderente, que é o segurado. (cf. v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 2008 – 07B4422). Procedem, em consequência, as razões do recorrente, não sendo de conhecer o que se refere ao IVA, questão suscitada nas contra alegações, por, e como a Relação já decidira, ter sido matéria nova que apenas surgiu na apelação. Por isso, aquela instância também não a julgou, sendo que a seguradora não pediu revista, ainda que subordinadamente. 3- Conclusões. De concluir que: Nos termos expostos, acordam conceder a revista revogando o Acórdão recorrido, subsistindo, em consequência, a sentença da 1.ª Instância. Custas pela recorrida.
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