Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1662/22.3T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PREÇO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
FRAUDE À LEI
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
PROVA VINCULADA
DOCUMENTO PARTICULAR
VIOLAÇÃO DE LEI
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Aos contratos de fornecimento de energia eléctrica, com preço fixo, celebrados antes de 26 de Abril de 2022 , não é aplicável o custo do valor do ajuste de mercado, decorrente do regime previsto no Decreto- Lei n.º 33/2022, de 14 de Maio para a fixação dos preços no Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL), excepto se as partes acordarem na alteração do preço para um regime de Tarifa Bassic Index, momento a partir do qual o contrato fica sujeito ao MAT (mecanismo de ajuste temporário).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. ENI PLENITUDE IBERIA – SLU SUCURSAL EM PORTUGAL intentou a presente acção declarativa com processo comum contra PANIKE INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES, SA, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €933.922,98, acrescida de juros vencidos e vincendos.

Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que:

i. por acordo escrito datado de 09/09/2021, a requerente celebrou com a requerida um contrato de fornecimento de energia (que incluía dois pontos de entrega CPE) cuja duração era de 12 meses, sendo automática e sucessivamente renovável por iguais períodos, caso não existisse, por escrito e com 30 dias de antecedência, oposição à renovação;

ii. por força desse acordo, obrigou-se a autora a fornecer energia elétrica à ré, mediante o pagamento do respectivo preço contratualizado, sendo a facturação correspondente emitida com periodicidade mensal;

iii. emitidas facturas correspondentes à quantidade de energia consumida e vencidas, a requerida não pagou, apesar de interpelada para tal.

2. Citada, a Ré PANIKE - INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES CONGELADOS S.A., contestou.

Alegou, em síntese, que:

i. o contrato de fornecimento de energia eléctrica, não doméstico, foi celebrado pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses, e não de 12 (doze) meses, tendo ficado convencionado que a Ré pagaria um preço de energia (€/kW) fixo;

ii. chegou ao conhecimento da Ré em 02/06/2022, que a Autora, com fundamento no Decreto-Lei n.º33/2022, de 14 de Maio, alterou o tarifário a aplicar ao contrato em vigor para a “Tarifa Bassic Index”, tendo omitido que poderia eventualmente estar sujeita a uma sobretaxa, mercê de um mecanismo de ajustamento temporário, contemplado pelo mesmo decreto, em clara violação, desde logo, do dever de informação e protecção dos clientes previsto no artigo 8.º do Regulamento das Relações Comerciais dos Sectores Eléctrico e do Gás e no artigo 4.º da Lei dos Serviços Públicos Essenciais, que impende sobre a Autora que “na fase pós-celebração do contrato (o momento da execução do contrato) [exige] ao prestador do serviço que informe o utente acerca das alterações contratuais que se venham a verificar.”;

iii. nas facturas seguintes, a Autora procedeu, inopinadamente, ao cálculo e cobrança do custo da liquidação do valor do mencionado ajuste de mercado, estando a Ré isenta do referido pagamento, por força do nº 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14/05.

iv. Concluiu a ré que o recorte contratual do negócio celebrado entre ambas as partes (contrato de fornecimento a preços fixos), a sua anterioridade a 26/04/2022 e o facto de não ter havido qualquer renovação, prorrogação ou alteração dos preços até 20/05/2022, impedia (e impede) que lhe fosse imputado o custo da liquidação do valor do ajuste de mercado.

3. Em 9/2/2023, foi proferido o seguinte despacho:

Notifique a. para, em 10 dias, se pronunciar sobre a matéria da contestação - alegada errada inclusão nas facturas do valor do “ajuste de mercado” -, devendo explicitar que valores, incluídos em cada uma das facturas cujo pagamento reclama, se reportam ao valor de ajuste de mercado”.

4. A autora respondeu por requerimento apresentado em 17/2/2023 – referência 44761020.

5. Dispensada a realização de audiência prévia e proferida decisão de mérito, foi a acção julgada parcialmente procedente e condenada “a R. Panike Indústria de Produtos Alimentares SA a pagar à A. Eni Plenitude Iberia, SL Sucursal em Portugal as quantias de:

1- em relação à factura 00091031 a quantia em falta de 130.331,68 euros (cento e trinta mil trezentos e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos);

2 - em relação à factura 00103961 a quantia de 166.024, 21 euros (cento e sessenta e seis mil vinte e quatro euros e vinte e um cêntimos).

3 - juros de mora contabilizados desde as seguintes datas e nos termos definidos na sentença, aplicando-se quaisquer taxas que, de futuro, venham a alterar a taxa relativa aos juros de mora comerciais em relação aos montantes de capital ainda em dívida:

3.1. em relação à factura 00087000, sobre o valor de 84.447,48 euros (oitenta e quatro mil quatrocentos e quarenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos) desde 08/10/2022 até 24/11/2022, à taxa de 7%;

3.2. em relação à factura 00100284, sobre o valor de 85.576,59 euros (oitenta e cinco mil quinhentos e setenta e seis euros e cinquenta e nove cêntimos) desde 06/11/2022 até 24/11/2022, à taxa de 7%;

3.3. em relação à factura 00103984, sobre o valor de 24.402,17 euros (vinte e quatro mil quatrocentos e dois euros e dezassete cêntimos) desde 15/11/2022 até 24/11/2022, à taxa de 7%;

3.4. em relação à factura 00091031, sobre o valor de 190.389,45 euros (cento e noventa mil trezentos e oitenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos) e desde 18/10/2022 até 24/11/2022, à taxa de 7%, e desde essa data sobre o valor de 130.331,68 euros até integral pagamento, à taxa de 7% em 2022 e de 9,5% em 2023;

3.5. em relação à factura 00103961, sobre o valor de 166.024, 21 euros (cento e sessenta e seis mil e vinte e quatro euros e vinte e um cêntimos) desde 15/11/2022 até integral pagamento, à taxa de 7% em 2022 e de 9,5% em 2023.

b) absolve a R. quanto ao mais peticionado.

Custas da acção por A. e R., na proporção do respectivo decaimento (art. 527º do C. P. Civil).

Notifique e registe, ainda que apenas electronicamente”.

6. Inconformada com esta decisão, dela veio a Autora/Recorrente interpor o recurso de apelação.

7. A apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

8. Por despacho de 22 de Junho de 2023, foi proferido despacho de admissão do recurso.

9. Veio a ser proferido acórdão pelo Tribunal da Relação que decidiu:

“Pelos fundamentos acima expostos, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação e, consequentemente, decide-se:

a. alterar a redacção dos factos assentes, no ponto 2, nos termos supramencionados;

b. revogar a sentença recorrida, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de €682.513,40 (seiscentos e oitenta e dois mil, quinhentos e treze euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal fixada na sentença, sobre a quantia de €42.709,56, desde 5/11/2022; sobre a quantia de €33.322,53, desde 14/11/2022; sobre a quantia de €372.558,33, desde 17/10/202; sobre a quantia de €233.922.98, desde 14/11/2022.

Custas da acção e da apelação, pela Ré (artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC).

Notifique e registe.”

10. Não se conformando com a decisão, a Ré apresentou recurso de revista, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

I. A presente revista tem por objeto i) a violação da lei substantiva, por erro na determinação da norma aplicável; ii) a fraude à lei na aplicação do n.º 5 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de maio; iii) e a violação do direito probatório material, por não terem sido devidamente atendidos os efeitos legais de documento dotado de força probatória plena.

II. O contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado em 9 de setembro de 2021 com a tarifa de preço fixo é um documento particular que faz prova plena quanto à materialidade das declarações nele constantes (cf. artigos 363.º e 376.º, n.º 1 do Código Civil), na medida em que foi aceite por acordo das partes (cf. n.º 2 do artigo 574.º do Código de Processo Civil).

III. Em junho de 2022, a recorrida alterou unilateralmente a tarifa de preço fixo para a tarifa de preço variável, não tendo a recorrente aceitado a alteração.

IV. A interpretação que a recorrida faz do n.º 5 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de maio, é fraude à lei, porquanto a isenção objetivamente prevista no n.º 2 para os contratos a preço fixo anteriores a 26 de abril de 2022 perderia toda a sua relevância, pois que bastaria ao comercializador alterar de forma unilateral o contrato a preço fixo anterior a 26 de abril de 2022 para o sujeitar à aplicação do mecanismo de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no MIBEL e, assim, contornar a isenção prevista no n.º 2.

V. Não existe qualquer dúvida que as partes celebraram um contrato de fornecimento de energia elétrica a preço fixo e que a alteração para preço variável não tem efeitos retroativos. Ou seja, não é pelo facto de a partir de 1 de julho de 2022 o preço passar a ser variável que o contrato de fornecimento deixou de ter sido celebrado a preço fixo antes de 26 de abril de 2022.

VI. O que releva para a não imputação do mecanismo de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no MIBEL não é o preço que é devido em cada momento de consumo (fixo ou variável), mas o momento em que o contrato foi celebrado e se, nesse momento, se acordou que o preço seria fixo.

VII. Se assim não se entendesse, a exclusão de imputação perderia qualquer relevância, pois que bastaria ao comercializador, em contratos a preço fixo anteriores a 26 de abril de 2022, alterar para variável para fugir à exclusão prevista no n.º 2 do artigo 7.º, assim esvaziando todo o seu sentido.

VIII. Quanto às consequências jurídicas, a fraude à lei reconduz-se, no essencial, a uma forma de ilicitude, que determina a nulidade do ato.

IX. Consta no contrato de fornecimento de energia elétrica que as partes convencionaram um período de fidelização com a duração de 24 meses, que vigoraria entre 9 de setembro de 2021 e 9 de setembro de 2022.

X. Portanto, a alteração contratual operada pela recorrida em junho de 2022 ocorreu durante a vigência do período de fidelização.

XI. O n.º 4 do artigo 69.º do RRCSE proíbe que o comercializador altere as condições contratuais, sem o acordo expresso do consumidor, enquanto vigorar o período de fidelização.

XII. A alteração contratual operada pela recorrida é nula por violar o n.º 4 do artigo 69.º do RRCSE, conforme dispõe o artigo 294.º, ex vi do artigo 295.º, ambos do Código Civil.

XIII. A declaração de nulidade é de conhecimento oficioso pelo tribunal, tem efeito retroativo e dá lugar à repristinação das coisas no estado anterior à prático do ato nulo.

XIV. Assim, o mecanismo de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no MIBEL não pode repercutir-se no contrato de fornecimento de energia elétrica sub judice e, por consequência, os custos da liquidação do valor do ajuste de mercado que constam nas faturas emitidas constantes nos autos não são devidos.

XV. Com efeito, deverá revogar-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto e manter-se, embora com fundamento diverso, a sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, que absolveu a recorrente do pagamento do valor do ajuste de mercado.”

11. Foram apresentadas contra-alegações, onde constam as seguintes conclusões (transcrição):

1 - Sem qualquer apontamento anómalo a decisão recorrida.

2 - Ausência total de acolhimento e “novidade” o objeto de recurso delineado pela recorrida.

3 - Concordamos inteiramente com o decido em 2º instância, pela sujeição do MAT à ora recorrente.

4 - Claro e cristalino como muito bem foi acentuado pelo douto acórdão da Relação que “ aceite, pelo consumidor, a alteração do contrato, após 26 de Abril de 2022, quanto às condições relativas aos preços de fornecimento, passando de preço fixo para Tarifa Bassic Index não pode o mesmo beneficiar de um preço inferior por força do mecanismo Ibérico e não suportar o custo de ajustamento”.

5 - Não há dúvidas, sendo claro o previsto no n.º 5 do artigo 7º do DL 33/2022, de 14 de maio.

6 - Nem verdadeiramente a recorrente se insurge contra tal realidade tão bem delineada.

7 - Agora, a questão é outra, e é aqui que a recorrente habilmente pretende levar adiante este recurso – nova investida com recurso ao instituto da Fraude á Lei.

8 - Esta debilitada questão já foi, alias, em parte, aflorada pela Relação, que não viu, e bem, qualquer nulidade das cláusulas 3.4 e 3.5 inseridas no contrato, precisamente porque a ora recorrente aceitou a alteração da nova tarifa comunicada pela Ré e nunca impugnou estes factos dados como assentes.

9 - Para sustentar a sua teoria, aliás, já em parte debatida em sede de 2º instância, invoca ai sim, com ardil, “máxime” no ponto III das conclusões que “em junho de 2022 a recorrida alterou unilateralmente a tarifa de preço fixo para a tarifa de peço variável, não tendo a recorrente aceitado a alteração”

10 -É absolutamente descontextualizado no caso aqui em análise o alegado em 15º.

11 - Para além de falso! É uma tentativa clara de ofuscar uma realidade mais que indubitável e que é transversal a estes, autos desde o seu início.

12 - A RÉ ACEITOU A NOVA TARIFA COMUNICADA PELA AUTORA ENQUANTO VIGOROU O ACORDO CELEBRADO! – ponto 16 dos factos assentes previstos no douto acórdão da Relação e que a recorrida nunca impugnou nem impugna.

13 - É que a recorrida olvida e não se convence da clara e manifesta interpretação do n.º5 do referido artigo 7º, de que só as alterações não consentidas é que poderão evitar a não sujeição ao pagamento de MAT.

14 - Ora é mais que evidente que a recorrente aceitou essas alterações, não tendo esta instância que se debruçar sobre tal, e nessa sequência, já não deve como não tem a cobertura da isenção do n.º2.

15 - Quem concorda com uma alteração das condições contratuais, aceitando a tarifa indexada, de forma clara como a recorrente o fez, estando nos autos assente, não pode jamais continuar a beneficiar de um preço inferior por força do mecanismo Ibérico e não suportar o custo de ajustamento.

16 - Essa isenção assenta nas proteção aos consumidores de tarifas fixas.

17 - O n.º5 veio determinar e clarificar precisamente essa necessidade de deixar de proteger quem adere no decurso do contrato a alterações de tarifa, cujos pressupostos já se deixaram de se verificar para a isenção.

18 - E já agora, explique-se- a volatilidade dos preços do gás, fizeram em determinada altura após a entrada do DL em vigor, reverteram em preços de indexado muito inferiores aos preços fixos outrora acordados com os consumidores.

19 - Se esta circunstância se não verificava nem sempre de imediato, a muito curto prazo tal acontecia.

20 - E não sendo aqui sede de discussão este assunto dado que a recorrente nunca questionou neste processo a bondade da sua aceitação das tarifas indexadas, não poderíamos deixar de o dizer num tentativa de contextualizar a decisão da recorrente em ter aceite (e num ponto de vista económico, bem o fez) a tarifa indexada, proposta pela recorrida.

21 - Aliás, não se concebe que uma empresa como a recorrente não tenha “feito contas…” nem se tenha apercebido da trajetória do mercado e dos custos energéticos.

22 - Não decidiu necessariamente contra si.

23 - Tratamento diferente para realidades diferentes.

24 - A teleologia da isenção não é “agredida” com o n.º5

25 - Esta consequência (n.º5) consubstancia um elemento de diferenciação, de justiça.

26 - Sem que tal consubstancie uma fraude á lei como fonte autónoma de ilicitude.

27 - Não há dúvidas de que a matéria de facto dos presentes autos cristalizou-se na 2º instância nomeadamente de que como bem se saliente no acórdão objeto de recurso que “A ré aceitou a nova tarifa comunicada pela A. enquanto vigorou o acordo celebrado”.

28 - Ou seja, esta é mataria imutável nos presentes autos, aliás, já decidida e bem desde a primeira instância e que a Ré não questionou em sede de recurso para a Relação.

29 - Tal factualidade inexoravelmente assente tem obrigatoriamente ressonância quer na aplicação do pagamento do MAT como bem entendeu a Relação atento o disposto no n.º5 do artigo 7º do DL 33/2022, de 14 de maio,

30 - Bem como tem impacto no 2º argumento em que a Recorrente ora sustenta o seu recurso.

31 - Com efeito, a requerida na falta de argumentação válida e capaz de abalar a decisão de segunda instância, inicia um percurso argumentativo eivado de falsidades como a que consta no ponto III das suas conclusões.

32 - A Ré aceitou as novas condições tarifarias propostas pela ora recorrida e por isso, não se conforma com tal realidade, mas não pode agora vir tentar distorcê-la de modo a aproveitar-se de institutos desfasados por matéria de facto já insofismável e patente.

33 - Fácil é de chegar à conclusão de que a alegada violação no decurso do período de fidelização não se verifica.

34 - Isto porque, como bem diz o n.º4 do artigo 69 do Regulamento das Relações Comerciais dos Sectores Elétrico e do Gás menciona “o comercializador não pode alterar as condições contratuais enquanto estiver em vigor um período de fidelização, exceto se for do interesse do cliente e houver acordo expresso”.

35 - Ora a decorrente aceitou a alteração da tarifa fixa, apenas contestando a aplicação do MAT, como cedo e claramente em sede de contestação o fez.

36 - A recorrente entendeu que a tarifa indexada tanto lhe era favorável que fez pagamentos ao seu abrigo, na sua vigência apenas contestando sem razão como já se deixou dito, e se fixou no acórdão da Relação o pagamento do MAT.

37 - A mesma questão de facto implica a improcedência da questão ora suscitada nesta suprema instancia, da Fraude á lei como fundamento autónomo de ilicitude com base na violação do n.º4 do artigo 69º do RRCSE.”

12. O recurso foi admitido no tribunal recorrido com o despacho:

“I_ Requerimento apresentado pela Ré – referência ......38

Considerando que a decisão é recorrível e a recorrente tem, para tanto, legitimidade, e está em tempo, admito o recurso interposto pela Ré (arts. 627º, 629º, n.º 1, 631º, 637º e 638º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil).

O recurso é de revista (normal), com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, para o Supremo Tribunal de Justiça (arts. 671º, n.º 1, 674º, nº1, alínea a), 675º, n.º 1, 676º, n.º 1, por interpretação “a contrario”, todos do Código de Processo Civil).”

Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.

II. Fundamentação

De facto

13. Nas instâncias foram considerados assentes os seguintes factos (alterações pelo TRP, assinaladas):

1 - A A. dedica-se à actividade de comercialização de gás e electricidade, incluindo a importação e a exportação; engenharia e realização de instalações eléctricas e de gás, abrangendo o design e a construção de hardware e software.

2 - Por acordo escrito datado de 09/09/2021 a A. celebrou com a R. um contrato de fornecimento de energia, (que incluía dois pontos de entrega CPE) cuja duração dos mesmos era de 24 (vinte e quatro) meses sendo automática e sucessivamente renovável por iguais períodos dos temporais, se nenhuma das partes fosse notificada, por escrito, com 30 dias de antecedência relativamente à data da sua cessação, da oposição da sua renovação”. (alterado pelo TRP)

3 - Ao abrigo desse acordo, obrigou-se a A. a fornecer energia eléctrica à R. mediante o pagamento do respectivo preço contratualizado, sendo a facturação correspondente emitida com uma periodicidade mensal.

4 - Nesse âmbito de atividade e do mencionado contrato a que corresponde o produto “MT – Semanal com Feriados BASSIC INDEX, ponto de entrega CPE: PT..............45DE, foram emitidas as seguintes facturas correspondentes à quantidade de energia consumida:

a) Factura n.º FT F22PT/00087000, datada de 12/09/2022, com vencimento em 07/10/2022, no valor de 190.988,33 euros, correspondente ao período de facturação de 09/07/2022 a 08/08/2022, que inclui o valor de 85.902,68 euros de ajuste de mercado.

b) Factura n.º FT F22PT/00100284, datada de 11/10/2022, com vencimento em 05/11/2022, no valor de 126.843,41 euros correspondente ao período de facturação de 08/09/2022 a 07/10/2022, que inclui o valor de 41.266,82 euros de ajuste de mercado.

c) Factura n.º FT F22PT/00103984, datada de 20/10/2022, com vencimento em 14/11/2022, no valor de 33.322,53 euros correspondente ao período de faturação de 08/10/2022 a 16/10/2022, que inclui o valor de 8.920,36 euros de ajuste de mercado.

5 - Da factura FT F22PT/00087000 a R. efectuou o pagamento parcial da mesma, encontra-se pendente de pagamento a quantia de 170.350,16 euros.

6 - Nesse âmbito de atividade e do mencionado contrato a que corresponde o produto “MT – Semanal com Feriados BASSIC INDEX, ponto de entrega CPE: PT..............58NZ, foram emitidas as seguintes facturas correspondentes à quantidade de energia consumida:

- Factura n.º FT F22PT/00091031, datada de 22/09/2022, com vencimento em 17/10/2022, no valor de 420.642,91 euros correspondente ao período de facturação de 19/08/2022 a 18/09/2022, que inclui o valor de 189.168,88 euros de ajuste de mercado.

- Factura n.º FT F22PT/00103961, datada de 20/10/2022, com vencimento em 14/11/2022, no valor de 233.922.98 euros correspondente ao período de facturação de 19/09/2022 a 16/10/2022, que inclui o valor de 67.898,77 euros de ajuste de mercado

8 - Da factura acima referida FT F22PT/00091031, a R. efectuou o pagamento parcial da mesma, encontrando-se pendente de pagamento a quantia de 372.558,33 euros.

9 - Prestados os fornecimentos e vencidas as facturas nas datas acima referidas, a R. não as pagou apesar de interpelada para tal.

10 - Após a propositura da acção, em 24/11/2022, a R. pagou ainda à A. a quantia de 254.484,01 euros.

11 - A A. enviou à R. a carta que foi junta aos autos como documento 1 da contestação, citando o DL. 33/2022, recebida pela R. pelo menos em 02/06/2022, e comunicando que iriam proceder à modificação da tarifa comercial para os CPES referidos para a “Tarifa Bassic Index”, indicando os termos em que seriam estabelecidos os preços, e que, no caso de se pretenderem opor deveriam informar a Aldro por escrito, por carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de 30 dias, nos termos das condições gerais do contrato, sendo que decorrido esse prazo sem que tivesse sido notificada a Aldro da sua oposição, ter-se-iam como aceites as actualizações de preços nos termos indicados, cujo teor aqui se considera reproduzido.

12 - A R. enviou missiva à A. reclamando no sentido de as condições contratuais acordadas a isentarem da liquidação do valor de ajuste de mercado.

13 - Por carta de 04/10/2022, a A. comunicou à R. ter corrigido as facturas que contemplavam de forma errada a aplicação do mecanismo de ajuste, entendendo que, em relação às demais, não se verificava a isenção desse mecanismo, acrescentando que a R. poderia resolver o contrato celebrado sem necessidade de qualquer pré-aviso ou sanção por rescisão antecipada.

14 - No acordo escrito celebrado, as partes acordaram que:

“3 - Tarifas, preços e modificações contratuais:

3.1. O cliente está obrigado perante a Aldro ao pagamento dos preços estabelecidos nas condições económicas. O preço a pagar pelo cliente inclui o custo da tarifa de acesso às redes e o custo de aquisição da energia e /ou gás natural fornecidos pela Aldro ou cliente.

3.2.

3.3. Qualquer alteração aos montantes das tarifas de acesso às redes ou a qualquer dos componentes regulados no preço da energia em vigor na data da celebração do presente contrato, que seja aprovado durante a vigência do mesmo, será automaticamente repercutida nos preços aplicáveis ao contrato, sem que tal possa ser considerado uma alteração das condições contratuais acordadas pelas partes.

3.4. Durante o período contratual, a Aldro poderá introduzir alterações ao contrato, incluindo aos preços aplicáveis, nomeadamente, no caso de alteração dos custos de aquisição da energia eléctrica e/ou gás natural, bem como em caso de modificação do perfil de consumo especificado nas condições particulares para o fornecimento de energia eléctrica e/ou gás natural, e, no que diz respeito ao fornecimento em gás natural, em caso de alteração de escalão de consumo promovida pelo ORD, podendo aqui verificar-se um aumento até 5 €MVh no custo da energia.

3.5. As alterações contratuais referidas no número anterior são previamente comunicadas, por escrito, ao cliente, com uma antecedência mínima de 30 dias à sua implementação. O cliente poderá opor-se, por escrito, às referidas modificações, no prazo máximo de 20 dias, caso em que o contrato será considerado resolvido, sem que recaia sobre o cliente qualquer encargo a título de penalização. Decorrido o prazo indicado, sem que o cliente tenha notificado a Aldro da sua oposição, considerar-se-á aceite a modificação das condições entrando as mesmas em vigor a partir da data definida pela Aldro para o efeito.

3.6. No fim de cada período contratual, a Aldro poderá alterar as condições contratuais do presente contrato, aplicáveis à sua renovação. Para o efeito, deverá enviar as novas condições ao cliente com uma antecedência mínima de 45 dias relativamente à data de renovação do contrato. Caso o cliente pretenda opor-se às alterações contratuais deverá informar a Aldro, por escrito, com uma antecedência mínima de 30 dias relativamente à data da renovação do contrato. Decorrido este prazo sem que tenha sido notificada a Aldro da oposição, ter-se-ão como aceites as alterações contratuais. A oposição às modificações contratuais constitui os mesmos efeitos da oposição à renovação do contrato”.

15 - Nas condições económicas do contrato consta que “o preço contratado é fixo, portanto será mantido no primeiro ano do contrato. No entanto, o preço fixo aplicado à electricidade pode ser alterado pelo comercializador dependendo das variações que ocorram nos preços médios do mercado diário da electricidade OMIE correspondente ao mês de aplicação. No caso desta alteração, o cliente será notificado com a antecedência mínima de 30 dias, podendo rescindir o contrato em caso de não concordar com as mesmas, devendo informar o comercializador 15 dias antes”.

16 - A Ré aceitou a nova tarifa comunicada pela Autora enquanto vigorou o acordo celebrado”. (rectificado pelo TRP)

De Direito

Objecto do recurso

14. Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 do CPC, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

O recorrente indica que as questões que suscita são as seguintes:

a) A violação da lei substantiva, por erro na determinação da norma aplicável;

b) A fraude à lei na aplicação do n.º 5 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de maio;

c) Aviolação do direito probatório material, por não terem sido devidamente atendidos os efeitos legais de documento dotado de força probatória plena.

O tribunal entende que cumpre conhecer das seguintes questões:

- saber se a decisão relativa à impugnação da matéria de facto foi bem decidida;

-saber se o contrato dos autos passou a estar sujeito ao regime do MAT e se a sujeição envolve fraude à lei.

15. Estas duas questões da revista foram também questões abordadas no recurso de apelação, cujo objecto foi fixado assim:

1. Violação do disposto no artigo 376º do Código Civil;

2. À Ré pode ser cobrado o valor do “mecanismo de ajustamento temporário”, exigido pela Autora.

16. A primeira questão prende-se com a impugnação da matéria de facto, pretendendo o recorrente que o tribunal recorrido não respeitou a força probatória tabelada de um documento particular.

Essa questão havia sido colocada na apelação e o tribunal a quo analisou-a, dizendo:

Nos pontos 11 e 12 das suas conclusões, a Recorrente invoca a violação do disposto no artigo 376º do Código Civil, sustentando que “O tribunal não poderia ter deixado de (…) dar como assentes os factos provados nos documentos juntos, na medida em que são contrários aos interesses da apelada invocados em sede judicial, realidade que não fez, valorando assim erradamente a prova ao seu dispor, aliás, com regras próprias de valoração da prova sediadas na lei substantiva civil”.

Conforme o disposto no artigo 376º, nº1, do Código Civil, os documentos particulares gozam de força probatória plena quanto à materialidade das declarações atribuídas ao seu autor, se apresentados contra este e na medida em que lhe sejam prejudiciais.

Todavia, não basta à Recorrente sinalizar a existência de prova documental nos autos. Recai sobre si o ónus de indicar quais os factos concretos e relevantes para a decisão a proferir que, no seu entender, se mostram provados através de tais documentos.

Pela Recorrente não foi indicado qualquer facto concreto pertinente para a apreciação e decisão de mérito a proferir. omisso da matéria de facto considerada assente e que se encontre demonstrado pelos documentos juntos aos autos.

Pelo exposto, mostra-se inoperante a impugnação.”

Com esta decisão o tribunal considerou que o apelante não cumpriu os ónus de impugnação impostos pelo art.º 640.º do CPC, mesmo que reportados à análise de um documento com força probatória fixada e, por isso, não conheceu da impugnação pedida.

Esta decisão violou a lei (art.º 640.º do CPC)?

Na apelação a questão da alteração da matéria de facto vinha colocada, em conclusões, pela ENI PLENITUDE IBERIA, SLU SUCURSAL EM PORTUGAL, nos seguintes moldes:

“10. A Ré, ora apelada, PANIKE INDUSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES, S.A por escrito e como consta dos autos (no articulado eventual resposta) apresenta uma sua “conta corrente” plenamente condizente com a da apelante nos valores pendentes quanto às faturas aqui em causa e valores em débito, aceitando-os e solicitando um plano de pagamento.

11. Os documentos particulares fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento, que como vimos não foi feita pela apelada. – artigo 376º do CC.

12. O tribunal não poderia ter deixado de, ao contrário do que fez, aprisionar-se no obvio, deixar de dar como assentes os factos provados nos documentos juntos, na medida em que são contrários aos interesses da apelada invocados em sede judicial, realidade que não fez, valorando assim erradamente a prova ao seu dispor, aliás, com regras próprias de valoração da prova sediadas na lei substantiva civil.

13. Foram entre outras violadas as seguintes normas n.º2 e 5º do artigo 7º do DL 33/2022 e artigo 376º do Código Civil.”

A Ré, Panike, não recorreu subordinadamente, não ampliou o recurso de apelação, nem em contra alegações da apelação se pronunciou sobre a questão suscitada pela recorrente relativa ao regime do art.º 376.º do CC.

No entanto, no recurso de revista, pretende que se conheça da questão de saber se foi violado o regime do art.º 376.º, nos seguintes termos: “O contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado em 9 de setembro de 2021 com a tarifa de preço fixo é um documento particular que faz prova plena quanto à materialidade das declarações nele constantes (cf. artigos 363.º e 376.º, n.º 1 do Código Civil), na medida em que foi aceite por acordo das partes (cf. n.º 2 do artigo 574.º do Código de Processo Civil).”

A questão que a recorrente coloca não se prende com a fixação dos factos sobre os quais o tribunal deve decidir a causa, porque não vem questionado que as partes celebraram o contrato de 9 de setembro de 2021 com tarifa de preço fixo, estando ambas de acordo com estes elementos factuais, que constam dos factos provados.

Por outro lado, importa reafirmar que os recursos não são o momento próprio para colocar questões novas, mas tão só para pedir a reanálise que questões decididas.

Não há aqui nenhuma questão relativa à violação do regime do art.º 376.º do CC, de que cumpra conhecer, mas tão só a questão de direito que se analisará no ponto seguinte: o contrato podia ser modificado? As partes, modificando-o, provocavam uma alteração com a sujeição ao MAT?

17. Na apreciação da segunda questão, o tribunal explicitou assim:

“A questão que se coloca nos presentes autos consiste em saber se à Ré pode ser imputado o valor do “mecanismo de ajustamento temporário” que lhe foi exigido pela Autora.

Defende a Autora/Recorrente que a isenção prevista no n.º2 do artigo n.º7 do Decreto-Lei nº 33/2022 é para contratos que se mantêm em situação de taxa fixa, não sendo aplicável aos contratos que ao abrigo do princípio da liberdade contratual as partes acertaram proceder à alteração da tarifa fixa, o que sucedeu no contrato objecto dos autos porquanto, a alteração foi na “decorrência da anuência e de uma plataforma consensual entre as partes”. Defende que na senda e espírito do que prevê o n.º5 desse artigo 7º, as alterações contratuais relativamente aos preços permitem sujeitar os contratos celebrados antes de 22/04/2022 ao MAT.

Conclui que tendo a Ré anuído à alteração de tarifário para preço indexado, logo não poderá libertar-se do pagamento do MAT.

Discorda a Ré da existência de aceitação da “alteração de tarifário ínsito na carta recebida pela apelada em 02/06/2022, passando desde aí a vigorar um contrato a preço indexado”, com a consequente liquidação do Mecanismo de Ajuste Temporário (MAT), alegando que “reclamou das alterações por missiva de 23/08/2022” e, nem então nem posteriormente, se conformou com a aplicação do MAT.

Defende que os clientes com contratos de preços fixos celebrados antes de 26 de Abril de 2022 encontram-se excluídos desse custo, exclusão que tem vindo a ser exaustivamente difundida pela ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, nomeadamente através da Instrução n.º 6/2022 e de cujo teor resulta que estão abrangidos pela isenção prevista no nº2 do artigo 7º do Decreto-Lei 33/2022, os clientes que celebraram, antes de 26 de abril de 2022, contratos de fornecimento de eletricidade a preços fixos.

Vejamos se assiste razão à Recorrente.

Consta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de Maio, que “A situação do conflito armado na Ucrânia provocou uma forte instabilidade no setor energético mediante, entre outros efeitos, o aumento do preço dos combustíveis com inequívocos impactos nos diversos setores da atividade económica e nos consumos das empresas e das famílias.

Nesse sentido, e considerando as particulares características do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL), bem como a reduzida interligação elétrica da Península Ibérica à Europa Continental, os Governos de Portugal e de Espanha cooperaram no desenho de um mecanismo para o desacoplamento do preço do gás natural do MIBEL, com vista à mitigação da atual instabilidade sobre os respetivos preços. Neste âmbito, o presente decreto-lei prevê um regime excecional e temporário para a fixação dos preços no MIBEL, mediante a fixação de um preço de referência para o gás natural consumido na produção de energia elétrica transacionada no MIBEL, com vista à redução dos respetivos preços”.

Dispõe o artigo 2ºdo Decreto-Lei 33/2022 que O presente Decreto-Lei aplica-se:

a) Aos centros eletroprodutores termoelétricos correspondentes a centrais de ciclo combinado a gás natural;

b) Às instalações de cogeração em regime de mercado, nos termos do artigo 4.º -B do Decreto- -Lei n.º 23/2010, de 25 de março, na sua redação atual;

c) Aos comercializadores, agentes de mercado e consumidores de energia elétrica no âmbito do mercado grossista de eletricidade.

…”

Nos termos do artigo 5.º do citado diploma:

“1 — O cálculo do valor do ajuste global a repercutir em período de negociação compete ao operador nomeado do mercado da eletricidade no âmbito dos mercados de eletricidade sob a sua gestão.

2 — O custo do valor previsto no artigo anterior é exclusivamente imputável aos consumidores de energia elétrica referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º, sem prejuízo do disposto no artigo 7.º”.

Sob a epígrafe “Isenções”, dispõe o artigo 7.º do Decreto-Lei 33/2022 que:

“2- O custo da liquidação do valor do ajuste de mercado não se imputa, ainda, aos consumos realizados ao abrigo de contratos de fornecimento de energia elétrica a preços fixos celebrados antes de 26 de abril de 2022”.

3 - No âmbito do número anterior incluem -se os contratos de fornecimento de energia elétrica a preços fixos ao abrigo de instrumentos regulatórios aprovados antes da referida data.

4 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 2 e 3, são considerados os seguintes instrumentos de verificação dos contratos de fornecimento de energia elétrica a preços fixos comunicados pelos agentes de mercado, com exceção do comercializador de último recurso:

a. O reporte efetuado junto do gestor global do SEN, para os contratos bilaterais físicos;

b. Consoante a natureza da liquidação, o registo de transações prevista no Regulamento (UE) n.º 1227/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativo à integridade e à transparência nos mercados grossistas da energia, ou o registo de transações nos termos do Regulamento (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo aos derivados do mercado de balcão, às contrapartes centrais e aos repositórios de transações, para os contratos decorrentes da participação em mercados organizados ou de contratação em mercados de balcão.

5 — As renovações ou as alterações das condições relativas aos preços de fornecimento de energia elétrica determinam a sujeição dos contratos referidos nos n.ºs 2 e 3 na base da repercussão dos custos do mecanismo de ajuste”.

Este mecanismo de ajuste, que foi criado pelos governos de Portugal e Espanha procede à fixação de um “tecto” administrativo do preço do gás para produção de eletricidade com vista a mitigar os impactos, no preço da eletricidade, da subida dos preços dos combustíveis fósseis nos mercados internacionais, causados sobretudo pelo conflito que envolve a Ucrânia e a Rússia.

Fixado um “tecto” para o preço do gás natural para produção de eletricidade, foi procurado um mecanismo para compensar os produtores de electricidade com centrais a gás natural pela diferença entre o preço de referência e o preço real que pagam pela compra do gás natural nos mercados, ou seja, o custo do ajustamento.

A compensação paga aos produtores, isto é a diferença entre o tecto administrativo, imposto às centrais a gás, e o custo real dessa matéria-prima comprada nos mercados internacionais é, numa primeira fase, suportada pelos comercializadores de Portugal e de Espanha, expostos ao preço do mercado diário. Estes comercializadores, por sua vez, repassam esse custo do ajustamento para os consumidores finais com contratos indexados ao mercado diário e com contratos celebrados após 26 de abril de 2022, bem como com renovações de contratos operadas após 26 de abril de 2022 que passam a pagar um preço inferior ao que existiria sem o mecanismo ibérico.

A razão para o valor do ajuste de mercado não ser imposto a todos os consumidores mas, apenas, aos consumidores finais com contratos indexados ao mercado diário; aos consumidores com renovações de contratos operadas após 26 de abril de 2022 e aos consumidores com alterações introduzidas nas condições relativas aos preços de fornecimento de energia eléctrica, reside no seguinte: estes consumidores pagar um preço inferior ao que existiria sem o mecanismo ibérico1.

Aos clientes com contratos com preço fixo, celebrados antes de 26 de abril de 2022, não deve ser imputado o custo daquele ajuste, uma vez que na contratação dos preços com esses consumidores era de todo impossível ter em conta os efeitos da aplicação do mecanismo ibérico.

A partir do momento em que tais consumidores passam a ter contratos com preço indexado ao mercado diário e a suportar um preço inferior ao que seria praticado sem o mecanismo ibérico, deixa de ter justificação a isenção prevista no nº2 do artigo 7º do Decreto-Lei 33/2022. Isso ocorre com todos os consumidores que tenham iniciado ou renovado um contrato de fornecimento de eletricidade de preços fixos a partir de 26 de Abril de 2022 ou que o fornecimento esteja sujeito às tarifas indexadas ao OMIE. O mesmo sucede com os contratos celebrados antes de 26 de Abril de 2022, relativamente aos quais tenha sido acordada alteração sobre o preço, a operar após 26 de Abril de 2022.

Aceite, pelo consumidor, a alteração do contrato, após 26 de Abril de 2022, quanto às condições relativas aos preços de fornecimento, passando de preço fixo para “Tarifa Bassic Index”, não pode o mesmo beneficiar de um preço inferior por força do mecanismo Ibérico e não suportar o custo do ajustamento.

As renovações ou as alterações, por acordo, das condições relativas aos preços de fornecimento dos contratos incluídos no âmbito da isenção do custo de ajuste do mecanismo ibérico nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de maio, determinam a inclusão dos mesmos contratos na base da repercussão do mecanismo ibérico ao abrigo do n.º 5 do referido artigo.

Não pode um consumidor passar a beneficiar de um preço inferior ao que existiria sem o mecanismo ibérico, com a renovação do contrato operada após 26 de abril de 2022 ou com alterações introduzidas nas condições relativas aos preços de fornecimento de energia elétrica, e pretender não suportar o custo do ajustamento.

Em suma, a aplicação do mecanismo ibérico tem como efeito que o preço médio, mesmo com o custo do mecanismo de ajuste de mercado, desça em virtude de ter sido aprovado um tecto máximo para o preço do gás natural na ibéria. Beneficiando o consumidor da aplicação desse mecanismo ibérico, não existe fundamento para não estar sujeito ao mecanismo de ajuste de mercado que teve aplicação no MIBEL, a partir do dia 15 de Junho de 2022.

Por último, da “Instrução relativa à não reflexão nas faturas dos consumos isentos do valor da liquidação do custo do ajuste de mercado, previsto no Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de maio” – Instrução nº 6/2022 – consta:

“O Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de maio, veio estabelecer um mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no âmbito do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL), introduzindo um preço de referência para o gás natural consumido na produção de eletricidade, com vista à redução dos respetivos preços. Os produtores de eletricidade a partir do gás natural são, por sua vez, compensados do valor da diferença entre o referido preço de referência e o preço de mercado do gás natural através da aplicação de um ajuste que deve ser suportado pela procura.

Todavia, os comercializadores e agentes de mercado gozam, nos termos do mesmo diploma, de significativas isenções ao pagamento do referido custo do ajuste. Paralelamente, o Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de maio determina que o valor da liquidação do custo do ajuste de mercado não se impute a um conjunto de consumos, entre os quais aos consumos realizados ao abrigo de contratos de fornecimento de energia elétrica a preços fixos celebrados antes de 26 de abril de 2022 (artigo 7.º, n.º 2)”.

Consta dessa Instrução da Entidade Reguladora dos Serviços Energético que “Assim, nos termos legais, podem ser chamados a suportar os custos do ajuste apenas os clientes (incluindo os consumidores) que, simultaneamente, estão a beneficiar dos efeitos provocados pela introdução do respetivo mecanismo ibérico. Tal inclui os contratos a preços indexados, a preços fixos celebrados após 26 de abril de 2022 ou com alterações de preço (que não decorram da atualização das tarifas de acesso às redes) ou renovações após aquela data. Aos clientes com contratos de preços fixos, celebrados antes de 26 de abril de 2022, não deve ser imputado o custo daquele ajuste, uma vez que os preços contratados com estes não poderiam ter tido em conta os efeitos da aplicação do mecanismo ibérico”.

Decorre do exposto, que aceite, pelo consumidor, em momento posterior a 26 de Abril de 2022, a alteração do preço fixo para preço indexado, deixa de beneficiar da isenção conferida pelo nº2 do artigo 7º do referido diploma.

Revertendo ao caso dos autos, encontra-se assente que:

_ A Autora dedica-se à actividade de comercialização de gás e electricidade, incluindo a importação e a exportação; engenharia e realização de instalações eléctricas e de gás, abrangendo o design e a construção de hardware e software.

_ Por acordo escrito datado de 09/09/2021, a A. celebrou com a R. um contrato de fornecimento de energia, (que incluía dois pontos de entrega CPE) cuja duração dos mesmos era de 24 meses, sendo automática e sucessivamente renovável por iguais períodos dos temporais, se nenhuma das partes fosse notificada, por escrito, com 30 dias de antecedência relativamente à data da sua cessação, da oposição da sua renovação.

_ Ao abrigo desse acordo, obrigou-se a A. a fornecer energia eléctrica à R. mediante o pagamento do respectivo preço contratualizado, sendo a facturação correspondente emitida com uma periodicidade mensal.

_ No âmbito do mencionado contrato a que corresponde o produto “MT – Semanal com Feriados BASSIC INDEX, ponto de entrega CPE:PT..............45DE, foram emitidas as seguintes facturas correspondentes à quantidade de energia consumida:

a) Factura n.º FT F22PT/00087000, datada de 12/09/2022, com vencimento em 07/10/2022, no valor de €190.988,33, correspondente ao período de facturação de 09/07/2022 a 08/08/2022, que inclui o valor de €85.902,68 de ajuste de mercado.

b) Factura n.º FT F22PT/00100284, datada de 11/10/2022, com vencimento em 05/11/2022, no valor de €126.843,41, correspondente ao período de facturação de 08/09/2022 a 07/10/2022, que inclui o valor de €41.266,82 de ajuste de mercado.

c) Factura n.º FT F22PT/00103984, datada de 20/10/2022, com vencimento em 14/11/2022, no valor de €33.322,53, correspondente ao período de faturação de 08/10/2022 a 16/10/2022, que inclui o valor de €8.920,36 de ajuste de mercado.

_ Da factura FT F22PT/00087000 a R. efectuou o pagamento parcial da mesma, encontra-se pendente de pagamento a quantia de €170.350,16.

_ No âmbito do mencionado contrato a que corresponde o produto “MT – Semanal com Feriados BASSIC INDEX, ponto de entrega CPE: PT..............58NZ, foram emitidas as seguintes facturas correspondentes à quantidade de energia consumida:

- Factura n.º FT F22PT/00091031, datada de 22/09/2022, com vencimento em 17/10/2022, no valor de €420.642,91 correspondente ao período de facturação de 19/08/2022 a 18/09/2022, que inclui o valor de €189.168,88 de ajuste de mercado.

- Factura n.º FT F22PT/00103961, datada de 20/10/2022, com vencimento em 14/11/2022, no valor de €233.922.98 correspondente ao período de facturação de 19/09/2022 a 16/10/2022, que inclui o valor de €67.898,77 de ajuste de mercado.

_Da factura acima referida FT F22PT/00091031, a R. efectuou o pagamento parcial da mesma, encontrando-se pendente de pagamento a quantia de €372.558,33.

_ Apesar de interpelada, a Ré não pagou os valores em dívida referentes às facturas acima indicadas.

_ Após a propositura da acção, em 24/11/2022, a R. pagou, à A., a quantia de €254.484,01.

_ A A. enviou à R. que recebeu, pelo menos em 2/6/2022, a carta na qual cita o Decreto-Lei 33/2022 e comunica que irá proceder à modificação da tarifa comercial para os CPES referidos para a “Tarifa Bassic Index”, indicando os termos em que serão estabelecidos os preços. Nessa carta foi comunicado à Ré que, no caso de se pretender opor deveria informar, por carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de 30 dias, nos termos das condições gerais do contrato, sendo que decorrido esse prazo sem que tivesse sido notificada a Aldro da sua oposição, ter-se-iam como aceites as actualizações de preços nos termos indicados.

_ A R. enviou missiva à A. reclamando no sentido de as condições contratuais acordadas a isentarem da liquidação do valor de ajuste de mercado.

_ A Ré aceitou a nova tarifa comunicada pela Autora enquanto vigorou o acordo celebrado.

_ Por carta de 04/10/2022, a A. comunicou à R. ter corrigido as facturas que contemplavam de forma errada a aplicação do mecanismo de ajuste, entendendo que, em relação às demais, não se verificava a isenção desse mecanismo, acrescentando que a R. poderia resolver o contrato celebrado sem necessidade de qualquer pré-aviso ou sanção por rescisão antecipada.

Sendo esta a factualidade, assiste razão à Recorrente.

Não foi posto em causa pelas partes que celebraram entre si um contrato de fornecimento de energia eléctrica, com preço fixo, em 09/09/2021.

Concorda-se com a decisão recorrida que para o efeito o que releva não é o preço que é devido em cada momento de consumo (se é fixo ou variável) mas o momento em que o contrato de fornecimento se estabeleceu e se, nesse momento, se acordou que o preço seria fixo.

Concorda-se igualmente com a decisão recorrida quanto à alteração do contrato não ter efeitos retroactivos. Ou seja, não é pelo facto de a partir de 01/07/2022 estabelecer que o preço passa a ser variável que o contrato de fornecimento deixou de ter sido celebrado antes de 26/04/2022 e com preço fixo.

Porém, consta da matéria de facto assente que foi comunicado à Ré que iria proceder à modificação da tarifa comercial para a “Tarifa Bassic Index”, indicando os termos em que seriam estabelecidos os preços. Consta, ainda, da matéria de facto assente que a Ré aceitou a nova tarifa.

Aceite, pela Ré, a nova tarifa comunicada pela Autora – cfr. ponto 16 dos factos assentes -, a partir dessa data deixou de estar integrada na isenção concedida pelo nº2 do artigo 7º do Decreto-Lei 33/2022.

Conforme se explicou, nos contratos com preço fixo, celebrados em data anterior a 26 de Abril de 2022, sujeitos a renovação a operar em data posterior a 26 de Abril de 2022; ou com alterações das condições do preço, acordadas em data posterior a 26 de Abril de 2022; deixa de subsistir a razão para não se repercutir em tais contratos os custos do mecanismo de ajuste pois, beneficiam da aplicação do mecanismo ibérico que tem como efeito que o preço médio desça em virtude da fixação de um tecto máximo para o preço do gás natural.

A situação que não pode ocorrer é o consumidor aceitar a modificação de “preço fixo” para o fornecimento sujeito à “Tarifa Bassic Index”, beneficiando da aplicação do mecanismo ibérico, e não pretender suportar o custo daquele ajuste.

Consta da Decisão recorrida que «o nº 5 do art. 7º citado prevê expressamente que “as renovações ou as alterações das condições relativas aos preços de fornecimento de energia elétrica determinam a sujeição dos contratos referidos nos nºs 2 e 3 na base da repercussão dos custos do mecanismo de ajuste” mas não que aos mesmos possam, por esta via da renovação ou da alteração de preços, passar a ser-lhes imputáveis tais custos de liquidação».

Salvo o devido respeito por entendimento contrário, do nº 5 do art. 7º do Decreto-Lei 33/2022 decorre que as renovações ou as alterações das condições relativas aos preços de fornecimento de energia elétrica, em data posterior a 26 de Abril de 2022, determinam a sujeição dos contratos referidos nos nºs 2 e 3 na base da repercussão dos custos do mecanismo de ajuste, ou seja, como referido, na Instrução nº6/2022, pela Entidade Reguladora dos Serviços Energético, “nos termos legais, podem ser chamados a suportar os custos do ajuste apenas os clientes (incluindo os consumidores) que, simultaneamente, estão a beneficiar dos efeitos provocados pela introdução do respetivo mecanismo ibérico. Tal inclui os contratos a preços indexados, a preços fixos celebrados após 26 de abril de 2022 ou com alterações de preço (que não decorram da atualização das tarifas de acesso às redes) ou renovações após aquela data”.

Em suma, após a renovação ou a alteração, acordada, de preços, passa a ser suportado, pelo consumidor, o custo do ajustamento. O artigo 7º, nº2, do Decreto-Lei 33/2022 proíbe a aplicação do custo do ajustamento aos contratos celebrados até 26 de Abril de 2022 com regime de preço fixo; não proíbe a aplicação do custo do ajustamento a tais contratos, caso ocorra renovação dos mesmos ou tenham sido sujeitos a alterações no regime de preços. Renovados tais contratos, em data posterior a 26 de Abril de 2022, nada impede a sujeição de tais consumidores ao custo do ajustamento – cfr. artigo 7º, nº5, do Decreto-Lei 33/2022. O mesmo sucede quando as partes, em data posterior a 26 de Abril de 2022, acordam na alteração do regime do preço; nesta situação, a lei não impede a sujeição de tais consumidores ao custo do ajustamento - cfr. artigo 7º, nº5, do Decreto-Lei 33/2022.

Não beneficiando a Ré da isenção conferida pelo nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei 33/2022, importa apurar quais os valores em dívida.

Resulta da matéria de facto assente que se encontram vencidas e não pagas as seguintes facturas:

1. - Factura n.º FT F22PT/00087000, com vencimento em 07/10/2022, no valor de €190.988,33: encontra-se por pagar a quantia de €170.350,16;

2. - Factura n.º FT F22PT/00100284, com vencimento em 05/11/2022, no valor de €126.843,41;

3. - Factura n.º FT F22PT/00103984, com vencimento em 14/11/2022, no valor de €33.322,53,

4. - Factura n.º FT F22PT/00091031, com vencimento em 17/10/2022, no valor de €420.642,91: encontra-se por pagar a quantia de €372.558,33;

5. - Factura n.º FT F22PT/00103961, com vencimento em 14/11/2022, no valor de €233.922.98.

Após a propositura da acção, em 24/11/2022, a R. pagou, à A., a quantia de €254.484,01.

Dispõe o artigo 785º do Código Civil que:

“1. Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.

2. A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes”.

No requerimento de 19/1/2023, a Autora imputou a quantia entregue pela Ré, em data posterior à propositura da acção, no valor das facturas em dívida.

Assim, atento o nº2 do artigo 785º do Código Civil, imputar-se-á esse valor no pagamento do valor em dívida referente à factura n.º FT F22PT/00087000 (valor de €170.350,16) e no pagamento parcial do valor referente à factura n.º FT F22PT/00100284, datada de 11/10/2022, com vencimento em 05/11/2022, no valor de €126.843,41 [€254.484,01- (€170.350,16 +€126.843,41) = €42.709,56].

Pelo exposto, a Ré é, actualmente, devedora do valor peticionado pela Autora, no Requerimento de 19/1/2023, deduzida a quantia paga após a propositura da acção €682.513,40 (€42.709,56 + €33.322,53 + €372.558,33 + €233.922.98).

Assiste, ainda, à Autora, o direito aos juros de mora, calculados sobre a quantia em dívida relativamente a cada factura e desde a data do respectivo vencimento, até integral pagamento, ou seja:

- sobre a quantia de €42.709,56, desde 5/11/2022 (Factura n.º FT F22PT/00100284, com vencimento em 05/11/2022, no valor de €126.843,41);

- sobre a quantia de €33.322,53, desde 14/11/2022 (Factura n.º FT F22PT/00103984, com vencimento em 14/11/2022);

- sobre a quantia de €372.558,33, desde 17/10/2022 (Factura n.º FT F22PT/00091031, com vencimento em 17/10/2022);

- sobre a quantia de €233.922.98, desde 14/11/2022 (Factura n.º FT F22PT/00103961, com vencimento em 14/11/2022).

A taxa de juros aplicável é a fixada na decisão recorrida.

Procede, assim, o recurso interposto pela Autora.”

Por sua vez, na sentença-saneador a decisão havia sido no sentido de não estar a Ré sujeita ao ajustamento do preço por via do “mecanismo de ajustamento temporário”, porquanto:

A A. realizou a sua prestação, pois que os valores que fez constar de cada factura correspondem a consumos de energia eléctrica que foram efectivamente realizados.

A R. não contesta a obrigação de pagamento do preço devido pela energia consumida.

O que contesta é a possibilidade a A. exigir, em cada factura que emitiu, os valores relativos a “mecanismo de ajustamento temporário (DL 33/2022 - Diretiva 11/2022)”.

Este mecanismo foi introduzido nos termos do DL 33/2022, de 14/05.

“Dispõe o art.7º deste diploma:

Isenções

1 - O custo da liquidação do valor do ajuste de mercado não se imputa aos seguintes consumos:

a) Bombagem dos centros eletroprodutores hídricos;

b) Serviços auxiliares dos restantes centros eletroprodutores;

c) Sistemas de armazenamento, designadamente baterias.

2 - O custo da liquidação do valor do ajuste de mercado não se imputa, ainda, aos consumos realizados ao abrigo de contratos de fornecimento de energia elétrica a preços fixos celebrados antes de 26 de abril de 2022”.

O contrato celebrado entre as partes foi celebrado em 09/09/2021, estando em causa saber se foi ou não celebrado com “preço fixo”.

Não existe qualquer dúvida que as partes celebraram um contrato de fornecimento de energia eléctrica de preço fixo, assim estando definido nos termos das cláusulas que supra foram transcritas e dadas como provadas e que não contemplam qualquer outra interpretação. E, aqui, o sentido de “preço fixo” é utilizado por oposição a “preço variável”, pois que se admite desde logo a possibilidade da sua alteração, nos termos definidos no próprio acordo, e que foram utilizados pela A..

Essa alteração não significa que o preço não tivesse carácter fixo, pois que o tinha (por oposição a variável).

A A., utilizando essa norma do contrato, alterou o preço acordado, definindo que o mesmo passava a ser variável (é este o sentido da missiva enviada, sem que, contudo, o tivesse dito de forma expressa).

Tal alteração não tem naturalmente efeitos retroactivos. Ou seja, não é pelo facto de a partir de 01/07/2022 estabelecer que o preço passa a ser variável que o contrato de fornecimento deixou de ter sido celebrado antes de 26/04/2022 e com preço fixo.

Ou seja, nos termos da norma citada, o custo de liquidação do valor do ajuste de mercado não se imputa aos consumos realizados ao abrigo deste contrato de fornecimento de energia eléctrica porque este celebrado antes de 26/04/2022 e com preço fixo, ainda que, a partir de Julho de 2022, a A. tivesse alterado de forma unilateral o preço fixo para um preço variável.

O que releva para esta não imputação não é o preço que é devido em cada momento de consumo (se é fixo ou variável) mas o momento em que o contrato de fornecimento se estabeleceu e se o, nesse momento, se acordou que o preço seria fixo.

Se assim se não entendesse, a exclusão de imputação perderia qualquer relevância, pois que bastaria ao operador, em contratos anteriores a 26/04/2022, alterar o preço fixo para variável para fugir à exclusão prevista no diploma, esvaziando o seu sentido.

Veja-se que o nº 5 do art. 7º citado prevê expressamente que “as renovações ou as alterações das condições relativas aos preços de fornecimento de energia elétrica determinam a sujeição dos contratos referidos nos nºs 2 e 3 na base da repercussão dos custos do mecanismo de ajuste” mas não que aos mesmos possam, por esta via da renovação ou da alteração de preços, passar a ser-lhes imputáveis tais custos de liquidação, como entende a A..

Concluímos, assim, que assiste razão à R. quando se recusa a pagar os valores incluídos em cada factura a título de “mecanismo de ajustamento temporário”, pois que os custos de liquidação não podem ser-lhe imputados.

O facto de, como alegado pela A., ter efectuado propostas para o pagamento dos valores peticionados não a inibe de, exigido judicialmente o seu pagamento, invocar que o valor em causa não é devido.”

A recorrente advoga que a decisão correcta é esta e não a propugnada pelo Tribunal de Relação.

A questão suscitada é de mera interpretação da lei, e sua aplicação aos factos provados na acção.

Na interpretação da lei releva o sentido exposto pelo legislador no DL 33/2022 e saber se qualquer contrato celebrado antes de 26/04/2022 na modalidade de “com preço fixo” não ficar sujeita ao MAT, ainda que tenha havido alteração do contrato efectuado por vontade das partes (ainda que apenas por omissão de resposta de uma das partes ao aviso da outra de que se efectuará a alteração em determinado prazo podendo a destinatária resolver o contrato se não pretender a alteração).

Para responder a esta dúvida, importa contextualizar a situação que esteve na origem da introdução do MAT, à luz da alteração dos preços energéticos ocorrida com o despoletar da Guerra da Ucrânia e das soluções que se procuraram para lidar com a nova situação com reflexos nos preços da energia.

Foi nesse contexto que surgiu o DL 33/2022, com uma solução que se destinava a beneficiar os intervenientes no mercado, com a criação de um tecto de referência de preço, a que viria acoplado um MAT, e com a indicação de que a sujeição a este regime não se aplicaria ao contratos de preço fixo celebrados antes de 26.4.2022, mas cujo sentido deve ser lido “celebrados antes e sem alterações voluntariamente aceites pelas partes”, porque ainda que existisse um contrato com preço fixo celebrado antes de 26.4.2022, a liberdade contratual (art.º 405.º do CC), não impede que as partes o alterem, por acordo. E quando assim sucede a alteração deve vigorar, porque resulta da vontade dos intervenientes, com as necessárias implicações. Nessas implicações está a sujeição ao MAT a partir do momento em que o contrato foi modificado, mesmo que a parte que não teve a iniciativa da alteração do contrato pudesse não ter equacionado a sua sujeição ao MAT, por entender que estaria sujeita a um regime de isenção.

Não se podendo discutir aqui se houve falta ou deficiente informação sobre as repercussões da alteração para a “Tarifa Bassic Index”, à luz dos factos provados, ficou demonstrado que houve aceitação da alteração do contrato.

Essa alteração implica que deixa de se aplicar o regime de isenção previsto no art.º7º do diploma legal.

Quer isto dizer que se concorda, na integra, com a justificação dada no acórdão recorrido, e com a decisão proferida, pelo que a questão suscitada pela recorrente improcede, tal como o recurso.

17. A solução indicada é uma solução de fraude à lei?

Para que se pudesse entender que a solução indicada era de fraude à lei ter-se-ia de encontrar uma justificação que não a indicada pelo recorrente, como a de a lei ser imperativa na indicação de, em nenhuma circunstância, poderem os contratos anteriores serem modificados, nem por acordo dos interessados.

Tal proibição não se identifica, nem se afigura justificada.

A objecção no sentido de que com a solução encontrada qualquer contrato podia ser sujeito ao MAT, mesmo que celebrado antes de 26.4.2022 com regime de preço fixo, bastando ao fornecedor a comunicação de alteração de preço só seria procedente numa situação em que o fornecedor tivesse o poder de alterar unilateralmente o contrato. Não é o caso.

Na situação dos autos, a recorrente não se conforma com a fixação dos elementos de facto e com o direito na parte em que se entendeu que anuiu na alteração do contrato. Contudo, não se crê que lhe assista razão, porque lhe foi dada a oportunidade de não se manter vinculada ao mesmo, nem no regime anterior, nem no novo. E foi sua a opção de não usar a faculdade de pôr termo ao contrato, conforme resulta do facto 11:

11 - A A. enviou à R. a carta que foi junta aos autos como documento 1 da contestação, citando o DL. 33/2022, recebida pela R. pelo menos em 02/06/2022, e comunicando que iriam proceder à modificação da tarifa comercial para os CPES referidos para a “Tarifa Bassic Index”, indicando os termos em que seriam estabelecidos os preços, e que, no caso de se pretenderem opor deveriam informar a Aldro por escrito, por carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de 30 dias, nos termos das condições gerais do contrato, sendo que decorrido esse prazo sem que tivesse sido notificada a Aldro da sua oposição, ter-se-iam como aceites as actualização de preços nos termos indicados, cujo teor aqui se considera reproduzido.

Perante a carta da A. a R. decidiu:

12 – A R. enviou missiva à A. reclamando no sentido de as condições contratuais acordadas a isentarem da liquidação do valor de ajuste de mercado.

Mas nunca comunicou à A. que não aceitava a alteração e que, perante a proposta da A., pretendia pôr termo ao contrato.

É com esta decisão que a Ré não se conforma.

Isso não significa que a decisão deva ser outra, quando da lei – quer do CC – quer do diploma em causa nos autos – resulta uma solução diversa.

O mesmo resulta do n.º4 do artigo 69.º do Regulamento das Relações Comerciais dos Sectores Elétrico e do Gás, que menciona “o comercializador não pode alterar as condições contratuais enquanto estiver em vigor um período de fidelização, exceto se for do interesse do cliente e houver acordo expresso”.

Não se afigura que exista aqui fraude à lei.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

Fátima Gomes, relatora

Nuno Ataíde das Neves, 1º adjunto

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, 2ª adjunta

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1. Cfr. exemplo exposto no site https://www.erse.pt/media/gxplcu4z/10-perguntas-e-10-respostas.pdf: “com o mecanismo a funcionar e, partindo do mesmo preço formado para 8 de agosto de 2022 para Portugal de 145,84 EUR/MWh, se adicionarmos o custo do ajustamento no valor de 115,82 EUR/MWh, (valor apurado todos os dias pelo operador de mercado spot, com 4 base na produção que realmente foi necessária mobilizar para a satisfação da procura ibérica), implica que o preço final a pagar pelo consumo exposto a mercado (sem preço fixo) se situou em 261,66 EUR/MWh. Daqui resulta um benefício líquido para o consumo com contratos indexados ao mercado diário de 40,43 EUR/MWh, ou seja, em vez de pagar 302,09 EUR/MWh sem o mecanismo, paga 261,66 EUR/MWh na presença do mecanismo.