Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13390/18.0T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
DANO EMERGENTE
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão:
RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
RECURSO SUBORDINADO IMPROCEDENTE.
Sumário :

I – A redução relacionada com a circunstância do capital relativo ao direito indemnizatório por danos com projecção no futuro ser recebido pelo lesado de uma só vez, antecipadamente (possibilitando a sua eventual rentabilização), tendo em vista evitar, por essa via e nessa perspectiva, o seu enriquecimento indevido, só se justifica em termos moderados e apenas se a materialidade concreta que foi provada nos autos a justificar indubitavelmente.

II – Quando estão em causa despesas com material terapêutico imprescindível para a melhoria possível no estado de saúde da paciente, bem como para a evolução do seu equilíbrio e bem estar, num contexto de optimização da recuperação das graves e perenes mazelas que o evento lesivo lhe causou, tendo necessariamente que ser despendidas por um período temporal longo (onde inclusive o seu custo pode muito provavelmente vir a ampliar-se por via do aumento dos preços de aquisição respectivos), em que o panorama económico, social e financeiro, projectado num horizonte tão vasto (na ordem da meia de centena de anos), não permite prever, com o mínimo de segurança, a taxa concreta de rentabilidade desse capital, não é razoável nem equitativo proceder a qualquer tipo de redução do montante indemnizatório respeitante a danos futuros.

III – Encontrando-se o critério adoptado no acórdão recorrido e sua inerente definição do quantum indemnizatório a atribuir a título de danos não patrimoniais (artigo 496º, nº 1, do Código Civil) em plena consonância com a jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça, dela não se desviando sensivelmente, inexiste motivo sério e bastante para se divergir do decidido em 2ª instância.

IV – Havendo a A., que contava 22 anos de idade na data do acidente que a vitimou (em 13 de Junho de 2016), sofrido, em consequência daquele, graves lesões físicas que a obrigaram a permanecer na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente cerca de um mês, com alta em finais desse ano, com transferência para outro hospital em 2 de Fevereiro de 2017, apenas regressando a casa em 18 de Abril de 2019, mas continuando, não obstante, a padecer definitivamente de diversas sequelas; registando um défice funcional total de 1223 dias e um quantum doloris de grau 7 numa escala de 1 a 7, com incapacidade parcial permanente para o trabalho de 76%, impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, embora compatíveis com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional; um dano de grau 5 numa escala de 1 a 7; repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala de 1 a 7; repercussão na actividade sexual de grau 4 numa escala de 1 a 7 e dependência de ajudas técnicas (medicação analgésica em SOS, laxantes, medicação psicofarmacológica, tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala); andarilho, poltrona, cadeira de rodas eléctrica, adaptação da casa de banho, colocação de barras de apoio para sanita, cadeira de duche, cadeira de rodas de encartar; estrado articulado para a cama, ajuda de terceira pessoa, com a necessidade de orientação e supervisão de terceiros para a organização e realização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene, acompanhamento nas deslocações (pelas alterações de equilíbrio imprevisíveis) e necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária, entende-se adequada, por razoável, equilibrada e equitativa, a fixação a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial da quantia de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).

Decisão Texto Integral:

Revista nº 13390/18.0T8PRT.P1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível).

I - Relatório

Instaurou AA a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Seguradoras Unidas, S.A.

Essencialmente alegou:

No dia 13 de Junho de 2016, foi vítima de um acidente de viação, quando viajava na qualidade de passageiro, no veículo ..-..-ET, então conduzido por BB.

Do acidente resultaram danos de vária índole para a A..

Conclui peticionando a condenação da R. no pagamento do montante de € 670.511,64, bem como o que se vier a liquidar em execução de sentença.

Mais tarde efectuou ampliação de pedido, como liquidação de sentença, reformulando o pedido inicial para o valor de € 2.167.404,36, bem como juros sobre a quantia de €1.496.892,72 e a restante quantia como já peticionado na petição inicial, ou seja, desde a citação.

No Apenso C, a 2ª A., CC, invoca ser mãe da 1ª A. e que por causa do acidente não mais pôde trabalhar para cuidar da filha, deduzindo pedido contra a R. nos seguintes termos:

O pagamento da quantia de € 26.040,00 e a quantia que se vier a liquidar em consequência do alegado nos artigos 69º, 70º 82º e 83º desta petição inicial, bem como juros de mora contados desde a citação.

Contestou a R., invocando que a A. seguia sem cinto de segurança, o que determinou o agravamento dos danos sofridos.

Impugna ainda o montante peticionado.

Foi proferida em 1ª instância sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condenou a Ré, Seguradoras Unidas, S.A., a pagar à A., AA, a quantia de €1.515.136,00; no entanto, operando-se a compensação de €40.880,13 pagos a título de reparação provisória, fica a R. obrigada a pagar a quantia de €1.474.335,87 (um milhão quatrocentos e setenta e quatro mil trezentos e trinta e cinco euros e oitenta e sete cêntimos), bem como juros moratórios legais civis, contados sobre a quantia de €670.511,64 desde a citação e o remanescente desde a notificação do pedido de liquidação até efectivo e integral pagamento.

b) Julgou improcedente o remanescente do pedido deduzido pela A. e dele se absolvendo a R..

c) Condenou a R. a pagar à A. CC, a quantia de € 26.040,00 (vinte e seis mil e quarenta euros), acrescida de juros de mora civis contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia a liquidar em execução de sentença.

Foram interpostos quer pela A., quer pela Ré recursos de apelação.

Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Junho de 2023 foram julgadas ambas as apelações parcialmente procedentes nos seguintes termos:

“fixou-se o valor da indemnização no valor global devida à autora apelante em um milhão, quatrocentos e setenta e oito mil, quatrocentos e vinte euros e sete cêntimos (1.478.420, 07 euros), acrescidos de juros nos termos já decididos, sobre os respetivos montantes”.

Veio a A. interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

1ª Não pode a recorrente conformar-se com o teor da decisão aqui em crise, nomeadamente no que respeita ao seguinte:

1. – quantum arbitrado a título de tratamentos de fisioterapia (terapia da fala e transportes para receber esses tratamentos) e auxiliares médicos/ajudas técnicas.

2. – quantum compensatório pelo grave, permanente e penoso dano não patrimonial;

2ª Conforme se pode verificar pelo teor e conclusões das alegações de recurso da recorrida e no que aos danos patrimoniais emergentes diz respeito – no caso concreto relativamente às ajudas técnicas constantes dos factos tidos como provados sob os nº 47 a 55 – a recorrida não concordava com o valor de cada um dos itens e respectiva durabilidade, dado que tais parâmetros não resultaram da prova produzida em audiência de discussão e julgamento (conclusão n)).

3ª Por seu lado, a ora recorrente discordava da limitação no tempo (10 anos) dos tratamentos de fisioterapia (consulta de fisiatria, terapia da fala e respectivo transporte para receber aqueles tratamentos) que, em consequência das graves lesões de que ficou a padecer, tem de se submeter para toda a vida seja para evitar o retrocesso, seja para evitar o agravamento das sequelas.

4ª Decididas aquelas questões, julgou o Tribunal a quo improcedente o recurso da recorrida, no que à conclusão n) diz respeito, tendo mantido os valores e a durabilidade das ajudas técnicas apuradas pelo Tribunal de 1ª Instancia, corrigindo apenas o erro de cálculo relativo às barras de sanita, à cadeira de duche e à cadeira de rodas manual.

5ª E julgou procedente o recurso da recorrente no que diz respeito à não limitação a 10 anos dos tratamentos de fisioterapia, como o tinha feito o Tribunal de 1ª Instância, apesar de em concreto não ter apurado o valor indemnizatório a atribuir à recorrente a este título, mas que se presume ser de 240.000,00€ (tendo em conta a nota de rodapé 14).

6ª Após ter decidido aquelas questões resolveu, sem que ninguém o tivesse solicitado – nomeadamente a recorrida que, repete-se, conformou-se com o facto de às quantias arbitradas pelo Tribunal de 1ª Instância – fosse a titulo de dano emergente fosse a título de lucro cessante não ser de deduzir qualquer montante por antecipação de capital – calcular o valor daqueles danos patrimoniais futuros de uma forma que, somando todas aquelas quantias, obteria um capital de 361.400,00€,

7ª capital que, por ser pago de uma só vez, terá de ser reduzido sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia,

8ª motivo por que arbitrou à recorrente a quantia de 210.000,00€,

9ª excedendo, por completo, os seus poderes de cognição, tanto mais que como o próprio Tribunal a quo refere Teremos assim de notar, que a mesma não põe em causa a decisão da primeira instância que decidiu “não ser de deduzir qualquer montante pelo facto da A. receber de uma só vez o montante, porquanto neste momento os rendimentos resultantes de aplicações financeiras são praticamente nulas” e que Essas questões não foram objecto de recurso, pelo que transitaram em julgado.

10ª Assim e porque o Tribunal de 1ª Instância, mesmo em relação ao capital arbitrado a título de danos patrimoniais futuros – medicação, fisioterapia e ajudas técnicas – após o seu cálculo, não deduziu qualquer montante por haver antecipação de capital e porque a recorrida não pôs isso em causa, não poderia o Tribunal a quo fazê-lo oficiosamente,

11ª motivo por que conhecendo e pronunciando-se sobre questões que não lhe foram suscitadas e que já tinham transitado em julgado, é o Acórdão recorrido nulo ( nessa parte), por excesso de pronuncia, nos termos do disposto nos artigos 615º, alínea d) e nº 2 do artigo 608º, ambos do CPC.

12ª E, sendo nulo, terá necessariamente de ser proferida nova decisão que condene a recorrida a pagar, pelo menos a quantia de 240.000,00€ a título de danos futuros com tratamentos de fisioterapia (terapia da fala e transportes para receber esses tratamentos), partindo do pressuposto de que é calculada durante 50 anos,

13ª ou, considerando-se a esperança média de vida das mulheres em Portugal (80 anos), o que, como se refere no acórdão aqui em crise, foi aceite pela recorrente e tendo à data da consolidação médico-legal das sequelas a recorrente 26 anos de idade, ou seja, 54 anos de esperança de vida a essa altura, a quantia de 259.200,00€.

14ª E, condenar igualmente a recorrida a pagar à recorrente as quantias de:

1. - andarilho:- 50,00 € x 26 (substituições de 2 em 2 anos, até aos 80 anos)= 1.300,00 €;

2. - poltrona:-450,00 € x 5 (substituições de 10 em 10 anos)= 2.250,00 €;

3. - cadeira de rodas eléctrica:-20.000,00 € x 5 (substituições de 10 em 10 anos)= 100.000,00 €;

4.- barras de apoio à sanita:-75,00 € x 5 x 5 (substituições)= 1.875,00€;

5.- cadeira de duche:-250,00 € x 10 (substituições de 5 em 5 anos)= 2.500,00 €;

6.- cadeira de rodas manual:-360,00 € x 5 (substituições de 10 em 10 anos)= 1.800,00 €; 7.- estrado articulado:-700,00 € x 5 (substituições de 10 em 10 anos)= 3.500,00 €;

8.- colchão anti-escaras:-500,00 € x 10 (substituições de 5 em 5 anos)= 5.000,00 €, tudo num total 118.225,00 €,

15ª quantias sobre as quais não poderá nem deverá ocorrer qualquer dedução pelo facto de as receber antecipadamente, tanto mais que estão a ser calculadas a custos actuais e partindo do pressuposto de que aqueles tratamentos e aquelas ajudas técnicas vão custar, ao longo de 50 anos, o que custam no presente momento, isto é, que não vão sofrer qualquer alteração nos seus custos o que diga-se, não é o normal suceder das coisas, pois não têm em conta o aumento dos custos de vida, o aumento das matérias primas, a escassez de matéria prima, o que tudo influencia no preço final do produto vendido ao consumidor final, neste caso da ora recorrente.

16ª Arbitrar-lhe a quantia global de 210.000,00€, num total de 377.425,00€ ou 358.225,00€ apenas porque recebe aquele capital antecipadamente e que corresponde a uma subtracção muito superior a 40% é, segura e certamente, amputá-la de parte dos tratamentos a que tem obrigatoriamente de se submeter e da medicação que tem de tomar ou da não substituição, também obrigatória pela durabilidade das coisas, de alguma ou algumas das ajudas técnicas de que necessita e é, acima de tudo, decidir-se contra aquilo que já tinha transitado em julgado.

17ª Com efeito, não obstante a dissertação fiscal e financeira constante da decisão aqui em crise, o Tribunal a quo estava a laborar num tremendo erro, qual seja o de considerar uma taxa de juro para a aplicação dessa quantia de 4% ao ano!!!(?)

18ª Fez mesmo uso de uma “calculadora financeira” para procurar encontrar fundamento para essa sua decisão, partindo sempre se uma taxa de juro absolutamente irreal de 4% ao ano (a menos que se estivesse a referir à taxa de juro que é arrecada pelos lesados em processo judiciais!).

19ª Como é sabido – e é até facto notório – as taxas de juros para depósitos a prazo estiveram, durante anos, em patamares absolutamente negativos.

Mas o Tribunal a quo faz apelo, na sua decisão, às obrigações do tesouro ou a certificados de aforro, sem sequer ter tido o cuidado de saber qual o grau de escolaridade da recorrente, o meio social em que se insere, o grau de escolaridade da sua família mais próxima (nomeadamente os seus pais), o seu contacto com o meio bancário, etc, etc.

20ª E, observando, por exemplo, os certificados de aforro para o ano de 2023 (Série F), os mesmos têm um prazo de 15 anos, com juros a vencerem-se a 2,5%, de 3 em 3 meses, muito longe das hipotéticas taxas de juros aventadas pelo Tribunal a quo de 4%, 3,5% ou até 3%

Ora, desde logo, como poderia a recorrente realizar aqueles tratamentos se apenas recebia de três em três meses?

Fazia tratamentos, como antigamente, “fiados”?

Estaria alguma clínica – que tem se suportar os custos com equipamento e pessoal – na disposição de ir tratando a recorrente e recebendo de três em três meses?!!!

A resposta a estas e muitas outras questões que assim possam ser colocadas é uma e só uma: -NÃO.

21ª Por isso, e ainda que seja louvável o esforço do Tribunal a quo na busca de um desconto pelo recebimento de uma só vez dessa quantia – questão que nem lhe tinha sido colocada – o certo é que não estamos perante uma indemnização que vise ressarcir a recorrente pela perda futura de ganho decorrente da sua incapacidade, mas sim indemnizá-la com uma quantia que se destina a que realize tratamentos e adquira diversas ajudas técnicas.

22ª Assim, e como já se deixou supra referido, nenhuma redução deve ser operada no recebimento dessa quantia, tanto mais que a mesma se destina ao pagamento pontual quer dos tratamentos, quer das ajudas técnicas e sua substituição e qualquer redução no seu montante irá, inelutavelmente, fazer com que a recorrente ou não realize os tratamentos ou não proceda à substituição das ajudas técnicas.

23ª Já quanto à redução para a quantia de 150.000,00€ do quantum compensatório impõe-se referir que é vastíssima matéria de facto que foi tida por provada, e está a mesma devida e exaustivamente documentada nos autos - o que serviu, até, de base para que essa mesma matéria de facto fosse tida por provada -, e que se encontra inserta entre os factos 14) e 44) dos factos provados, que nos abstemos de aqui transcrever – mas que se deve ter a mesma por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais – para não tornar as presentes conclusões extensas de mais.

24ª Decorre dessa mesma matéria de facto a gravidade da lesão, todo o calvário por que passou a recorrente em consequência das lesões sofridas no acidente dos autos e, bem assim, as gravíssimas, permanentes e penosas sequelas de que a mesma ficou afectada até ao fim dos seus dias.

25ª Foi uma vida – na plena flor – que foi ceifada, que foi conduzida a uma existência com uma dependência quase permanente de 3ª pessoa, de tratamentos quase diários de fisioterapia, terapia da fala, etc, assim como o uso de variadíssimas ajudas técnicas, sejam elas andarilhos, cadeiras de rodas, etc.

26ª E para que se perceba daquilo de que se está a tratar importa não perder de vista aquilo que, em jeito de conclusão, resultou do relatório da perícia médico-legal a que se submeteu, nos presentes autos, a recorrente, a saber:

37) As lesões sofridas provocaram-lhe um défice funcional total de 1223 dias e um quantum doloris de grau 7 numa escala de 1 a 7.

38) E as sequelas de que ficou a padecer definitivamente determinam-lhe uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 76%, assim como são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional (ainda em processo de decisão quanto à continuidade do seu percurso formativo e profissional).

39) Provocam-lhe um dano estético de grau 5 numa escala de 1 a 7,

40) Uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala de 1 a 7, 41) Uma repercussão na actividade sexual de grau 4 numa escala de 1 a 7

42) e dependência das seguintes ajudas técnicas: – medicação: – analgésica em SOS; – antiepiléticos; – laxantes; - medicação psicofarmacológica e outra, que deverá ser definida pelos médicos assistentes que a seguem, consoante evolução clínica; – tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala); – necessidade de ajudas técnicas: – andarilho; – poltrona; – cadeira de rodas eléctrica com funções de posicionamento complementares, com as identificações e descrição técnica, periodicidade de substituição e custo estimado indicadas no relatório do CRPG; – adaptação do domicílio: – pavimentação do caminho exterior de acesso à habitação pela rua; – construção de rampa de acesso à habitação e adaptação da casa de banho com substituição da banheira por base de duche e retirar o armário por baixo do lavatório; – colocação de barras de apoio para sanita, cadeira de duche, cadeira de rodas de encartar; – estrado articulado para a cama actual da examinada com colchão, permitindo várias posições (deitada, sentada), com simples utilização de um comando; – ajuda de terceira pessoa: – necessidade de orientação e supervisão de terceiros para a organização e realização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene, acompanhamento nas deslocações (pelas alterações de equilíbrio imprevisíveis) e – necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária. (o destacado é nosso).

27ª A propósito deste gravíssimo dano não patrimonial, peticionou a recorrente a quantia de 200.000,00 €.

Em face desse pedido, entendeu o Meritíssimo Juiz de 1ª Instância arbitrar a quantia de 175.000,00 €; e na decisão aqui em crise, entendeu-se reduzi-la para a módica quantia de 150.000,00 €.

Ora, com o devido respeito por opinião diversa, a quantia peticionada pela recorrente aquando da liquidação (200.000,00 €) não pode reputar-se de exagerada, atendendo a caso semelhantes.

E tivesse-se, em sede de 1ª Instância ou mesmo no Tribunal a quo, decidido pelo arbitramento dessa quantia de 200.000,00 € para compensar a recorrente pelo gravíssimo, permanente e penoso dano não patrimonial e não seria nenhuma quantia que fosse desproporcional ou descabida em face das graves sequelas de que ficou afectada permanentemente a recorrente.

29ª E se a recorrente tinha já certeza de que essa quantia (200.000,00 €) era absolutamente justa, equilibrada, ajustada e equitativa para a compensar pelo dano não patrimonial sofrido, com mais certeza a mesma ficou depois de ler aquilo que vai referido na decisão aqui em crise, quando chamou à colação outros doutos acórdãos em que a condenação pela compensação dos danos não patrimoniais foi bem superior àquela que resolveu arbitrar à recorrente.

30ª E não é pelo “exercício” que o Tribunal a quo fez de atribuir uma determinada quantia a cada ponto, fosse do quantum doloris, fosse do dano estético ou prejuízo sexual, que se encontra justificação para o arbitramento dessa quantia de 150.000,00 €.

É que contas feitas, o somatório daquelas parcelas (5.000,00 € para o susto; 30.000,00 € pelo internamento – à razão de 25,00 €/dia –; 30.000,00 € pelo quantum doloris; 40.000,00 € pelo dano estético e dano sexual e 50.000,00 € pelas sequelas melhor descritas na decisão aqui em crise) levava até à atribuição da quantia de 155.000,00 € (5.000,00 € + 30.000,00 € + 30.000,00 € + 40.000,00 € + 50.000,00 €).

31ª Assim, e sabe-se lá bem com base em quê, balizou o quantum compensatório da recorrente entre os 100.000,00 € e os 160.000,00 €, para depois de arbitrar não 155.000,00 €, mas sim 150.000,00 €.

Será esta quantia justa, equilibrada, ajustada à realidade da recorrente e equitativa?

32ª Se nos é permitido o desabafo, com o devido e muito respeito, mais parece que a equidade é algo que faz sempre com que a indemnização/compensação tenha que ser reduzida.

E mais parece, com o mesmo devido respeito, que serão os Tribunais a prover ao pagamento das indemnizações.

Como é sabido, a fixação do montante a arbitrar como compensação pelo dano não patrimonial não pode ser escassa de tal sorte que seja objectivamente irrelevante, nem tão elevada que ultrapasse as disponibilidades razoáveis da recorrida ou possa mesmo representar um enriquecimento injustificado.

33ª Será que a quantia de 200.000,00€ ou mesmo a arbitrada pelo Tribunal de 1ª Instância de 175.000,00€ ultrapassava as disponibilidades razoáveis da recorrida – uma Companhia de Seguros – ou representava um enriquecimento injustificado?

Observando a vastíssima matéria de facto que foi tida por provada, a quantia de 175.000,00 € mostra-se justa, adequada e equilibrada em face de tudo quanto a recorrente passou, passa e irá passar até ao último dia da sua vida em consequência das lesões sofridas no acidente dos autos.

34ª E nem se diga, como se pretendeu na decisão aqui em crise, que a recorrente apenas peticionou o dano não patrimonial, tendo reservado o dano biológico apenas para a questão patrimonial. Porém, nada mais errado nesse entendimento.

35ª Com efeito, e como decorre da mais vasta Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, o dano biológico é visto numa vertente de lesão da saúde e da integridade psíco-somática, com repercussão (na vertente não patrimonial) sobre um bem ou interesse insusceptível de avaliação pecuniária.

E é visto, igualmente, como uma lesão que atinge a pessoa na sua esfera jurídica particular, no seu bem estar, nos seus direitos de personalidade, de conteúdo não directamente patrimonial.

36ª Por isso, nada impedia o Tribunal a quo de fazer acrescer ao cômputo do dano não patrimonial o óbvio e claro dano biológico (na vertente não patrimonial), mantendo assim a quantia de 175.000,00 € para compensar a recorrente pelo dano não patrimonial sofrido.

37ª Finalmente um apontamento mais e no que ao ponto III.Conclusão do Acórdão recorrido diz respeito e aos valores atingidos: - consta do quadro ali inserto que soma do valor das obras de adaptação – 14.692,80€ - e o facto 57)- no valor de 5.584,43€ - importam na quantia total de 20.256,20€ e que os valores transitados, no qual, conforme nota de rodapé 26 se incluiu o facto 45, importam na quantia de 1.139.044,00€.

38ª No entanto, incorreu o Tribunal a quo num erro de soma uma vez que a soma dos 1º valores importa a quantia total de 20.527,23€ e o dos valores transitados, como seja a quantia de 535.000,00€ a título de perda futura de ganho; a quantia de 604.044,00€ de ajuda de terceira pessoa e a quantia de 23.100,00€ de medicação (facto 45) perfazem a quantia total de 1.162.144,00€ e não a de 1.139.044,00€,

39ª erros de soma que deverão ser tidos em conta na condenação final a proferir.

Pelo exposto

Deve a decisão aqui em crise ser revogada e, em sua substituição, ser proferido douto Acórdão que:

a) – declare parcialmente nulo, por excesso de pronuncia, o acórdão recorrido no que diz respeito ao cálculo dos danos patrimoniais futuros – nomeadamente em tratamentos de fisioterapia e ajudas técnicas – e, em consequência, ser a recorrida condenada a pagar:

1. – a quantia de € 259.200,00 para prover ao pagamento dos tratamentos de fisioterapia e outros a que recorrente vai ter de se submeter até ao último dia da sua vida;

2. – a quantia de €118.225 a título de despesas com a aquisição e substituição das várias ajudas técnicas.

b) – condene a recorrida a pagar à recorrente a quantia de € 175.000,00 a título de compensação pelo dano não patrimonial,

c) – corrija os erros de soma constantes do Acórdão recorrido no que diz respeito às obras de adaptação e ao facto 57) assim como à soma dos valores já transitados.

Contra-alegou a seguradora Ré, apresentando ainda recurso subordinado com as seguintes conclusões:

1. A Recorrente não se conforma com o entendimento vertido na decisão recorrida, nomeadamente no que se refere ao dano futuro relativo às despesas de fisioterapia e, bem assim, à indemnização por danos patrimoniais, na medida em que esta última padece de um erro de cálculo, no que concretamente diz respeito às barras de apoio à sanita e ao estrado articulado, confundindo, ainda, o valor do estrado articulado com o da cadeira de duche;

2. A aqui Recorrente entende que mal andou o Tribunal a quo quando fixou o dano futuro relativo às despesas de fisioterapia nos termos fixados para os restantes danos patrimoniais futuros, revogando o segmento decisório do Tribunal de 1.ª Instância, que decidiu pela necessidade dos tratamentos durante 10 anos, período necessário para se poder restabelecer e ter alguma qualidade de vida;

3. O acórdão do Tribunal a quo padece ainda de um erro de cálculo na aferição do montante considerado para a “barra de apoio à sanita” e para o “estrado articulado”;

4. A Recorrente não pode concordar com o teor do acórdão recorrido, quando concluiuno sentido de não existirem razões fundadas para se limitar a indemnização do dano futuro com despesas de fisioterapia a dez anos, e, em contrapartida, com a consideração da esperança média de vida dos portugueses sem especiais condições de morbilidade (80 anos).

5. A documentação clínica em momento algum refere que a Autora carecerá dos tratamentos ad aeternum;

6. Bem andou o Tribunal de 1.ª Instância quando decidiu que “será natural e equitativo considerar que a A. realizará tratamentos desde a data do acidente durante 10 anos, para se poder minimamente restabelecer e ter alguma qualidade de vida, porquanto, tal como na alta médica, a partir de determinado número de sessões não haverá mais recuperação”.

7. A comparação da necessidade futura de tratamentos de fisioterapia com os restantes danos patrimoniais futuros, sujeitando-os à mesma limitação, revela-se desadequada, considerando a diferença da finalidade da medicação, da fisioterapia e das ajudas técnicas;

8. Irá chegar uma dada altura em que os tratamentos de fisioterapia irão deixar de ter efeito útil, não só para efeitos de recuperação da Autora, como também para efeitos de manutenção do seu estado de saúde;

9. Podendo até vir a ter efeitos contrários aos pretendidos e, ao invés de ajudar na manutenção do estado de saúde da Autora, vir a agravá-lo;

10.Decorre das regras da experiência comum que, a dada altura da sua vida, todo o homem por melhores condições físicas que tenha, acaba por ver o seu corpo e as suas capacidades físicas a diminuírem, passando a necessitar de determinados equipamentos/ajudas técnicas para o auxiliarem nos movimentos/capacidades que vão diminuindo, como é o caso de muletas, andarilhos, etc.;

11.Podendo até necessitar de medicação que o auxiliem a

ultrapassar as dificuldades que começa a sentir;

12.Sendo esta uma situação perfeitamente normal e que acaba

por se manifestar em quase todas as pessoas à medida que vão envelhecendo;

13.O mesmo não acontecendo relativamente aos tratamentos de fisioterapia;

14.Se assim fosse, quando uma determinada pessoa atingisse uma determinada idade e/ou visse diminuírem as suas capacidades, eram-lhe obrigatoriamente prescritos tratamentos de fisioterapia, para a auxiliarem a manter as suas anteriores condições, enquanto fosse viva;

15.Situação esta que não acontece na realidade, pois é totalmente descabida;

16.Tais tratamentos são mais específicos e não podem ser prescritos de uma forma generalizada, sendo ajustados às necessidades de cada pessoa concreta e pelo estrito tempo necessário à sua melhoria;

17.Tais tratamentos são limitados no tempo, de forma a evitar que, com o seu uso excessivo, estes comecem a ter o efeito inverso e provoquem retrocessos no estado de saúde de um determinado paciente;

18.Havendo até situações em que os tratamentos de fisioterapia são mesmo rejeitados por virem a revelar-se prejudiciais, agravando o estado de saúde da pessoa, ao invés de o melhorar;

19.Acreditando a Recorrente que se for estipulado um período excessivo para a duração para tais tratamentos os mesmos irão ter efeito inverso ao pretendido;

20.Em vez de auxiliarem a Autora na sua recuperação, irão fazer com que a mesma retroceda;

21.A própria documentação clínica junta aos autos não refere que a Autora carecerá de tratamentos ad aeternum;

22.E se a Autora precisasse permanentemente deles, os relatórios médicosfariam expressa menção atal necessidade;

23.Concluindo-se, assim, pela revogação do segmento do acórdão que fixa o dano futuro relativo aos tratamentos de fisioterapia nos termos fixados quanto aos restantes danos patrimoniais futuros, isto é, tendo por referência a esperança média de vida dos portugueses sem especiais condições de morbilidade (80 anos), pugnando-se, nessa parte, pela manutenção da decisão do Tribunal de 1.ª Instância, que limita o mesmo ao período de dez anos;

24.Da matéria de facto provada resulta, pois, inequivocamente, que o preço unitário das barras de apoio à sanita se cifra em € 75,00, que o preço unitário da cadeira de rodas manual se cifra em € 360,00 e, por fim, que o preço unitário do estrado articulado se cifra em € 700,00;

25.Seguindo a linha de entendimento do Tribunal de 1.ª e 2.ª Instância, que tem por base a durabilidade dos bens (e a necessidade de substituições) até aos seus 80 anos, a Autora necessitaria de €375,00 para as barras de apoio à sanita (€75,00 x 5 substituições), de € 1.800,00 para a cadeira de rodas manual (€360,00x5) e de €3.500,00 para o estrado articulado (€700,00 x 5 substituições), o que justifica os valores considerados nos factos provados n.º 51, 53 e 54;

26.Não obstante ter considerado provados aqueles valores, o Tribunal de 1.ª Instância, na análise jurídica da decisão, transcreveu erradamente os valores unitários dos aludidos bens, o que se traduziu na aferição de um valor total para os referidos bens superior àquele que considerou na matéria de facto provada;

27.Para as barras de apoio à sanita atribuiu o valor total de € 750,00 (ao invés dos € 375,00), para a cadeira de rodas manual atribuiu o valor global de € 5.000,00 (em vez dos € 1.800,00) e para o estrado articulado atribuiu o montante total de € 6.000,00 (quando o valor a considerar seria de € 3.500,00);

28.O Tribunal de 1.ª Instância incorreu, assim, num erro de cálculo;

29.No entanto, também o próprio Tribunal a quo incorreu num erro de cálculo, decorrente de dois lapsos manifestos de escrita, pois indicou erradamente o valor respeitante às barras de apoio à sanita, visto que referiu que o mesmo “atinge 1.875” quando conforme se encontra provado no Facto 51 da matéria dada como provada, o mesmo atinge o valor de € 375,00, e não os “1.875” ali indicados;

30.O Tribunal a quo confundiu o valor referente ao estrado articulado (cuja correção havia sido peticionada em sede de recurso pela Ré) com o da cadeira de duche, pois para fundamentar a correção da condenação da indemnização por danos patrimoniais relativa aos factos 51, 53 e 54 da matéria dada como provada, o Tribunal da 2.ª Instância transcreveu o Facto 52 da matéria dada como provada, respeitante ao valor da cadeira de duche, em vez de transcrever o Facto 54 damatéria dada como provada, referente ao valor do estrado articulado;

31.O Tribunal a quo considerou como valor unitário das barras de apoio à sanita € 375,00 – que é o valor global das 5 substituições – e confundiu o estrado articulado com a cadeira de duche, devendo esse erro ser corrigido.

32.Com o devido respeito por entendimento em sentido contrário, analisando o contexto do acórdão, entende a Recorrente que se trata de um manifesto erro de escrita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 249.º do Código Civil, que deverá ser retificado.

33.Do aludido erro de escrita resulta,pois, um erro de cálculo que é responsável por uma diferença no valor de indemnização, que sempre deverá ser atendida, devendo a indemnização arbitrada a esse título – danos patrimoniais emergentes – ser calculada de acordo com os valores dados com provados nos Factos 51, 53 e 54 da factualidade dada como provada, ou seja, pelos valores de € 375,00 (barras de apoio à sanita), €1.800,00 (cadeira de rodas manual) e € 3.500,00 (estrado articulado);

34.É manifestamente visível que tais erros se deveram a meros lapsos de escrita que, por sua vez, originaram erros de cálculo na fixação dos valores da indemnização devida à Autora;

35.Verificando-se, igualmente, lapsos de escrita/erros de cálculo na parte final do Acórdão proferido, nomeadamente na parte da sua “Conclusão” e “Deliberação”.

36.Existe um erro de cálculo na referida tabela, em relação ao valor indicado para “Obras adaptação e facto 57)”;

37.Erro este facilmente verificável através da análise dos factos n.º 50 e 57 da matéria dada como provada;

38.Com efeito, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, consequentemente, ordenada a retificação/correção dos erros materiais de que padece o acórdão.

Face à ausência de conhecimento por parte do Tribunal da Relação do Porto, nos termos do artigo 617º, nº 1, do Código de Processo Civil, da nulidade por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do mesmo diploma legal, foram os autos remetidos àquele Tribunal.

Por acórdão de 19 de Dezembro de 2023, o Tribunal da Relação do Porto considerou inexistir qualquer vício de excesso de pronúncia.

Considerou, ainda que “subsiste um evidente e relevante erro de escrita e por via disso determina a alteração “oficiosa” do teor passando a constar 20.527,23 no quadro da página 49) e que na parte decisória, a seguir a 1.478,07, seja incluída a expressão “e ainda a quantia de 271,03 euros (duzentos e setenta e um euros e 3 cêntimos), referente ao erro de escrita “oficiosamente” apreciado, quanto à soma dos danos dos factos 50 e 57”.

II – FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado:

1) Cerca das 05h30 do dia 13 de Junho de 2016 ocorreu um acidente de viação na AE..., ao Km 11,625, nas Portagens de ..., em que intervieram os veículos ligeiros de passageiros: – ..-..-ET, conduzido pelo proprietário, BB e – ..-FG-.., propriedade de DD e conduzido por EE e que se deu do seguinte modo:

3) O veículo ..-..-ET circulava pela AE..., no sentido Porto – ..., nas portagens de ... com uma velocidade de cerca de 120 Km/h.

4) Depois de ter passado pelas portagens ali existentes pela zona destinada à Via Verde e quando pretendia retomar a pista de rodagem mais à direita, atento o seu sentido de marcha, perdeu o controlo do veículo que conduzia,

5) Despistou-se para a sua direita, invadiu a berma desse seu lado direito, onde acabou por embater violentamente com a parte da frente do lado esquerdo do veículo ..-..-ET no talude ali existente desse lado, após o que rodopiou no sentido dos ponteiros do relógio, acabando por embater com a parte de trás do lado esquerdo do referido veículo nesse mesmo talude.

6) Em consequência do primeiro embate o veículo ..-..-ET acabou por perder a roda da frente do lado esquerdo, a qual foi projectada para a via de rodagem mais à esquerda da metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido Porto – ..., onde ficou caída, tendo o veículo ..-FG-.., que circulava por essa via, passado por cima desse mesmo pneumático (doc. 3 junto com os autos de Providência Cautelar. 7) A violência do embate foi de tal forma que a demandante AA acabou por ser projectada para o exterior do veículo, seguindo transportada no banco da frente do lado direito, pelo óculo traseiro, acabando por cair violenta e desamparadamente no piso da AE..., onde ficou inanimada.

8) Foi solicitada pela A. uma perícia, quer ao veículo ..-..-ET, quer à dinâmica do acidente, para se perceber se a demandante AA seguia, ou não, com o cinto de segurança colocado, ao sr. Eng. FF, como decorre do teor do documento que se junta sob a designação de doc. nº 5 junto com os autos de Providência Cautelar nº 8083/18.0... – Juízo Central Cível do ... - Juiz ..., cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos.

9) Do mesmo decorre que o fixador do sistema de retenção do passageiro (onde seguia a demandante AA) apresentava danos sem causas externas à dinâmica do acidente (pág. 6 do relatório), provocados pela trajectória errante que a demandante AA assumiu em consequência do primeiro embate com a parte da frente do lado esquerdo do veículo ..-..-ET, uma vez que o seu corpo se moveu para baixo, para cima e para a frente.

10) E porque ocorreu esse dano no sistema de retenção e no encosto do banco da frente do lado direito, por causa da trajectória que o corpo da demandante assumiu em consequência do acidente, aquele sistema de retenção (cinto de segurança) deixa de cumprir a sua função.

11) E o dano no encosto do banco da frente do lado direito acaba por permitir que o corpo do passageiro que se encontrava no banco da frente do lado direito (no caso a demandante AA) acabe por sair projectado pelo óculo traseiro do veículo ..-..-ET,

12) Tanto mais que o mesmo se encontra partido, inclinado para trás e para a esquerda, para junto do apoio de braço existente entre os bancos da frente do referido veículo.

13) Em face de todos os elementos recolhidos no veículo ..-..-ET, tenha aquele perito concluído que a demandante AA fazia uso do sistema de retenção “cinto de segurança” no momento em que ocorreu o acidente dos autos, tendo baseado essa sua conclusão no seguinte: A 1ª Lei de Newton – princípio da inércia, que diz que um corpo em repouso tende a permanecer em repouso, e um corpo em movimento tende a permanecer em movimento – traduz numa impossibilidade científica a falta ou não utilização dos sistemas de retenção “cinto de segurança” devido à inexistência de danos ocasionados “no painel e para-brisas” causados pelo primeiro impacto, ou seja, não se verificou a projecção da vítima no sentido do movimento (o que melhor se pode verificar pelas imagens constante de págs. 2 e 10 do referido relatório).

14) Em consequência do violento embate a A. sofreu: – traumatismo crânio encefálico grave, com: a) – edema cerebral difuso; b) – contusão temporal e frontal esquerda; c) – múltiplas fracturas do crânio; – fractura não desalinhada do ramo isquiopúbico à direita e diástase articulação sacro-ilíaca direita; – discreta fractura não desalinhada da vertente anterior do acetábulo; – fractura cominutiva da asa esquerda do sacro, que intercepta suficiente articular sacro-ilíaca, com desalinhamento articular de cerca de 8 mm; – feridas corto-contusas a nível da região posterior do cotovelo esquerdo, face anterior da perna esquerda e pirâmide nasal (doc. 6 junto com os autos de Providência Cautelar.

15) No local do acidente foi assistida pela VMER no INEM, transportada para o S.U. do Hospital de ..., no ..., onde foi submetida a vários exames imagiológicos que revelaram as lesões acima identificadas.

16) Foi inicialmente suturada às feridas corto-contusas acima identificadas,

17) Tendo, no dia 14.06.2016, por apresentar hipertensão intracraniana foi submetida a craniectomia descompressiva bilateral, que complicou com instalação de hemorragia significativa e instabilidade HD.

18) Permaneceu internada na UCIPU (Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente) até ao dia 14.07.2016, altura em que foi transferida para UCINC – Intermédios (Unidade de Cuidados Intensivos Neurocríticos) para continuação de vigilância e tratamento.

19) No dia 12.10.2016 foi transferida para a enfermaria de Neurocríticos, apresentando os seguintes problemas activos: – status neurológico pós-TCE grave, complicado com hidrocefalia e infecção do SNC; – síndrome diencefálico; – epilepsia secundária e – colonização respiratória a PAMR, Apresentando traqueostomizada, em ventilação espontânea, não cumprindo ordens, sem comunicação verbal, dirigindo o olhar que fixa por curtos períodos, necessitando, por isso, de programa integral de Medicina Física e de Reabilitação com intervenção de enfermagem de reabilitação, fisioterapia, com o que se pretende a melhoria funcional nas actividades da vida diária.

20) Em finais do ano de 2016 a A. teve alta hospitalar do Hospital de ..., no ..., tendo sido transferida para o Hospital da Santa Casa da Misericórdia de ..., a fim de ser internada na Unidade de Média Duração e Reabilitação, onde permaneceu até ao dia 2 de Fevereiro de 2017,

21) Altura em que foi transferida para a Unidade de Longa Duração do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de ..., por ser mais próxima da sua residência.

Onde, à entrada, apresentava: - défice motor global de 4+/5 com dificuldades na motricidade fina; - vigil; - dirige o olhar com nistagmo constante; - não verbaliza nem cumpre ordens simples; - tetraplegia flácida; - apresenta reflexo de mãos bilateralmente; - atrofia muscular sem melhoria,

22) Ali tendo permanecido em tratamento, conforme tinha já sido prescrito quer pelo Hospital de ..., quer pelo Hospital da Santa Casa da Misericórdia de ...,

23) Na sequência de programa de reabilitação, a A. readquiriu consciência e capacidade de comunicação, progredindo no treino de alimentação oral.

24) Passou a ter um discurso progressivamente mais fluente, com ganhos de capacidade motora e autonomia.

25) Desloca-se em cadeira de rodas eléctrica que própria conduz, tendo já iniciado treino de marcha,

26) No dia 18.04.2019 teve alta hospitalar daquela U.C.C. do Hospital de Santa Casa da Misericórdia de ..., podendo ler-se na nota de alta o seguinte:

27) Prescrito inicialmente tratamento com vista a prevenir sequelas de imobilidade. Após cerca de 9 meses de internamento nesta unidade e observação de uma evolução neurológica positiva foi ajustado o tratamento fisiátrico com vista a promover função (introduzindo também TO ‘+ TF e pedida cadeira de rodas eléctrica).

28) Manteve uma evolução neurológica progressiva, tendo inicialmente readquirido força muscular nas extremidades dos 4 membros e, posteriormente, nas cinturas, o que permitiu participar nas AVDs.

29) De igual forma, após cerca de 1 ano de internamento verificou-se uma evolução favorável, tanto em termos cognitivos/comportamentais como na fonação e deglutição. Actualmente: vigil, orientada e colaborante – humor distímico; perturbações da fluência e disartria, mas com discurso coerente; actualmente está a realizar as refeições por via oral na consistência pastosa + hidratação por PEG; amplitudes articulares funcionais; vence gravidade em todos os segmentos articulares; pinças finas e destreza manual razoáveis, dificuldade ainda em escrever o nome. Funcionalmente colabora em todas as AVDs, necessita de supervisão nas transferências e marcha. Doente deve manter FT (fisioterapia) + TO (terapia ocupacional) + TF (terapia da fala) cm frequência mínima de 3 vezes por semana. Contra todos os prognósticos iniciais, é possível que venha a readquirir autonomia total para as AVD2 básicas.

30) Por outro lado, e do relatório de Avaliação dos impactos dos acidentes na funcionalidade e necessidades de reabilitação que foi concluído no dia 18.10.2019 pelo C.R.P.... (Centro de Reabilitação Profissional de ...) destaca-se, entre o mais, o seguinte: Técnica de Turismo – nível 4; aos 18 anos começou a trabalhar como empregada de mesa e balcão num restaurante ... ocupa os dias com fisioterapia e terapia da fala; a restante parte do dia é passada a ver televisão e a ler; abandonou a prática de actividades desportivas, como sendo o futebol, que praticava antes do acidente (...) caracterização neuropsicológica: a avaliação das funções mentais revelou alterações significativas das funções de atenção, memória de longo prazo, abstração e lentificação psicomotora; ao nível da comunicação identifica-se alterações na fluência do discurso, por vezes com dificuldade na nomeação e perda de pensamento; sinalizam-se alterações nas funções do temperamento e da personalidade, nomeadamente instabilidade psíquica; constatou-se dificuldade na regulação emocional e de controlo dos impulsos, especialmente face a situações de frustração; a examinada não reconhece as alterações ao nível das funções emocionais, desvalorizando as queixas da mãe e justificando-as como uma fase normativa do processo de recuperação; sinaliza-se provável quadro de anosognosia em relação à sua condição actual (incapacidade para reconhecer as dificuldades), com expectitivas irrealistas em relação ao futuro profissional. Identificação das limitações nas atividades da vida diária: (...) a examinada evidencia ser dependente para a realização de todas as actividades da vida diária, apenas assumindo tarefas simples, com esforço acrescido e demorando mais tempo, tais como lavar os dentes e o ato de comer (alimentação pastosa), desde que os alimentos sejam previamente preparados por terceiros; realiza marcha com andarilho, em superfícies planas e por pequenos percursos, predominantemente no interior do domicílio; em longas distâncias, superfícies inclinadas, irregulares e com obstáculos desloca-se em cadeiras de rodas elétrica; as deslocações de longo percurso são asseguradas pela mãe; a escrita manual encontra-se alterada, com traço irregular e escreve lentamente... Tipologia e duração da assistência de terceira pessoa necessária: tem necessidade de orientação e supervisão de terceiros para a organização e realização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene e acompanhamento nas deslocações, pelas alterações de equilíbrio previsíveis; tem necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária (...) somos de parecer que a examinada se encontra com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (empregada de mesa e balcão) (...) Funções profissionais compatíveis com o estado funcional: A atual funcionalidade da examinada, de onde se salienta a mobilidade reduzida, a sintomatologia dolorosa constante, aliadas às outras alterações funcionais atrás descritas, e a que acresce o facto de considerarmos que o processo não se encontra estabilizado, limitam eventuais funções profissionais; pelo exposto, somos de parecer que a examinada se encontra atualmente com incapacidade para todo e qualquer trabalho, mas acrescentamos que deverá ser reavaliada após complementar processo de reabilitação.

31) Entretanto, da perícia complementar de Psiquiatria Forense, extrai-se o seguinte: ...Os elementos clínicos disponíveis permitem estabelecer nexo de causalidade entre o evento traumático e as manifestações clínicas observadas, que configura, as denominadas Perturbações Cognitivas que caracterizam o Síndrome Frontal, que afeta, de forma importante a sua autonomia pessoal, social e profissional.

32) Naquele dia 18.04.2019, após a alta hospitalar, recolheu a sua casa, onde, inicialmente, se manteve em repouso.

33) Manteve tratamentos nesta Unidade de Cuidados Continuados de ... para onde era transportada diariamente no veículo próprio da mãe, de 2ª a 6ª feira, não dispondo quer a demandante, quer os seus pais de meios financeiros para custear essas deslocações diárias em ambulância.

34) Foi adquirido um cadeirão pelos pais da demandante, para que alternasse entre uma cama, na altura normal – a que tinha no seu quarto antes do acidente dos autos – e esse mesmo cadeirão, e onde fazia as refeições.

35) Continuou a medicação diária que fazia aquando do internamento, o que ainda hoje mantém, assim como a sua deslocação que se faz sempre em cadeira de rodas. 36) Apesar dos tratamentos a que foi submetida e que continuará a ser submetida a demandante ficou a padecer definitivamente: – sequelas do TCE: – tetraparésia grau 4- nos membros inferiores e grau 4 nos membros superiores de componente flácido; – humor dismístico; – perturbações da fluência e disartria, mas com discurso coerente; – epilepsia secundária; – síndrome diencefálico; – hemiparesia esquerda frustre (predomínio braquial), vencendo a gravidade em todos os segmentos articulares; – pinças finas e destreza manual razoáveis, com dificuldade em escrever o nome; – necessidade de supervisão nas transferências e marcha; – cervicalgia e rigidez cervical; – sequelas de fractura dos ramos isquiopúbicos e sagrados; – dismorfias: – cicatriz da toracotomia; – cicatriz de craniotomia bifrontal (de orelha a orelha) e – pelada cicatricial na região occipital com 5 x 2,5 cms de maiores dimensões.

37) As lesões sofridas provocaram-lhe um défice funcional total de 1223 dias e um quantum doloris de grau 7 numa escala de 1 a 7.

38) E as sequelas de que ficou a padecer definitivamente determinam-lhe uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 76%, assim como são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional (ainda em processo de decisão quanto à continuidade do seu percurso formativo e profissional).

39) Provocam-lhe um dano estético de grau 5 numa escala de 1 a 7,

40) Uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala de 1 a 7,

41) Uma repercussão na actividade sexual de grau 4 numa escala de 1 a 7

42) e dependência das seguintes ajudas técnicas: – medicação: – analgésica em SOS; – antiepiléticos; – laxantes; - medicação psicofarmacológica e outra, que deverá ser definida pelos médicos assistentes que a seguem, consoante evolução clínica; – tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala); – necessidade de ajudas técnicas: – andarilho; – poltrona; – cadeira de rodas eléctrica com funções de posicionamento complementares, com as identificações e descrição técnica, periodicidade de substituição e custo estimado indicadas no relatório do CRPG; – adaptação do domicílio: – pavimentação do caminho exterior de acesso à habitação pela rua; – construção de rampa de acesso à habitação e adaptação da casa de banho com substituição da banheira por base de duche e retirar o armário por baixo do lavatório; – colocação de barras de apoio para sanita, cadeira de duche, cadeira de rodas de encartar; – estrado articulado para a cama actual da examinada com colchão, permitindo várias posições (deitada, sentada), com simples utilização de um comando; – ajuda de terceira pessoa: – necessidade de orientação e supervisão de terceiros para a organização e realização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene, acompanhamento nas deslocações (pelas alterações de equilíbrio imprevisíveis) e – necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária.

43) A A. com o acidente deixou de praticar qualquer desporto e sabe que dificilmente o poderá voltar a fazer até ao fim dos seus dias, quando tinha o hábito de dar umas caminhadas com o seu habitual grupo de amigas, assim como ir para a praia ou para o rio em lazer.

44) Bem como deixou de poder de frequentar um café ao fim do dia ou aos fins de semana,

45) A A. gasta em medicação a quantia mensal de cerca de €35,00, o que corresponde a €420,00 anuais.

46) Em tratamentos de fisioterapia – seja para evitar o retrocesso, seja para evitar o agravamento das sequelas – consulta de fisiatria, terapia da fala e respectivo transporte para receber aqueles tratamentos, a A. tem gasto em média, por mês, a quantia de cerca de €400,00.

47) Quanto às ajudas técnicas necessita, como acima se deixou referido de um andarilho, que tem uma duração média de 2 anos, e um custo unitário de €50,00.

48) Na poltrona a demandante gasta a quantia de cerca de €450,00 para a sua aquisição, tendo a mesma uma duração média de 10 anos, o que corresponde a 5 substituições e a um valor de €2.250,00.

49) No que respeita à cadeira de rodas eléctrica, que tem um custo unitário de €20.000,00 e uma duração média de 10 anos, tendo a demandante adquirido já a primeira dessas cadeiras por força da Providência Cautelar junta aos presentes autos, irá ter de proceder à sua substituição, pelo menos, por 5 vezes (até aos seus 80 anos de idade),

50) No que tange à adaptação do domicílio a demandante vai ter de proceder à pavimentação do caminho exterior de acesso à habitação pela rua, à construção de rampa de acesso à habitação e adaptação da casa de banho com substituição da banheira por base de duche e retirar o armário por baixo do lavatório, o que foi orçado, como decorre do teor do documento que se junta sob a designação de docs. nº 1 e 2, na quantia de 14.692,80€.

51) Vai, igualmente, ter de colocar umas barras de apoio à sanita, que tem um custo unitário de cerca de €75,00 e uma duração média de 10 anos, despenderá cerca €375,00 (€75,00 x 5 substituições).

52) Para a cadeira de duche, a qual tem um custo de cerca €250,00 e uma duração média de 5 anos, a demandante necessita da quantia €2.500,00 (250 € x 10 substituições).

53) E para a cadeira de rodas manual, que tem um custo unitário de €360,00 e uma duração média de 10 anos, a demandante carece da quantia de €1.800,00 para fazer face a essa despesa até aos seus 80 anos (360,00 € x 5 substituições).

54) Para o estrado articulado, que custa unitariamente a quantia de cerca de €700,00 e tem uma duração média de 10 anos, a demandante necessita da quantia de €3.500,00 (€700,00 x 5 substituições).

55) No colchão anti-escaras de que necessita para a cama articulada a demandante tem de despender a quantia de cerca de €500,00, sendo que esse Processo: artigo tem uma duração média de 5 anos, o que corresponde a 10 substituições um valor de €5.000,00.

56) Finalmente, e no que tange à necessidade de terceira pessoa, como decorre dos relatórios médicos já juntos aos autos, essa necessidade prende-se com o seguinte: – necessidade de orientação e supervisão de terceiros para a organização e realização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene, acompanhamento nas deslocações (pelas alterações de equilíbrio imprevisíveis) e – necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária.

57) A A. gastou ainda: – a quantia de 4.165,73€ na unidade de Cuidados Continuados de ...(docs. 3-A a 3-X) – a quantia de 1.125,20€ na Unidade de Cuidados Continuados de ... (docs 4-A a 4-I); – 543,50€ em transportes para receber tratamentos (docs. 5-A a 5-I);

58) A A. nasceu em .../.../1993.

59) No âmbito de investigação levada a efeito pelos serviços de peritagem da R., os mesmos apuraram que o pré-tensor do cinto de segurança da Autora não tinha sido accionado, ao contrário do que sucedeu com o pré-tensor do cinto de segurança do condutor – Cfr. relatório de averiguações e fotografias que ora se juntam e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais sob o documento n.º 1.

60) Mais concluíram caso a Autora fizesse uso do cinto de segurança no momento do acidente, este teria que ter ficado desenrolado (tal como se evidencia da fotografia do banco e cinto de segurança do lugar do condutor do veículo que consta da página 13/43 do relatório de averiguação aqui junto sob o documento n.º 1), em consequência de o pré-tensor ficar afectado e já não exercer força no sentido da recolha do cinto, circunstância que não se verifica quando a ocupante não é portadora do cinto de segurança no momento do embate – Cfr. doc. 1 | pág. 14/43 | fotografia do banco e cinto de segurança do lugar em que circularia a Autora.

Apenso C.

61) A A. CC é auxiliar de serviços gerais num lar em ..., com um rendimento mensal de 620,00 €, 14 vezes por ano.

62) Por causa do acidente da sua filha AA a demandante deixou de trabalhar para a poder acompanhar e estar com ela todos os dias,

63) Estando com baixa médica não remunerada desde o mês de Setembro de 2016, motivo por que, em salários e subsídios de férias e de Natal, já deixou de ganhar até ao fim do mês de Setembro de 2019 a quantia de €26.040,00.

64) E assim tem permanecido.

65) A filha da aqui A. tem de se deslocar 3 vezes por semana ao Hospital da Santa Casa da Misericórdia de ... para efectuar tratamentos (fisioterapia e terapia da fala).

66) Sendo transportada e acompanhada pela aqui demandante em veículo próprio, tanto mais que com já supra se referiu desde o dia do acidente que a demandante não abandonou um único dia a sua filha AA,

67) Tendo mesmo deixado de ter vida própria para passar a viver em exclusivo para essa sua filha.

68) Com efeito, e por que estamos a falar de uma deslocação de 50 kms por dia (com ida e volta), a menos que a aqui demandante passasse a fazer quatro viagens diárias (5 vezes por semana),

69) A A. mesmo trabalhando entre as 15h00 e as 00h00 não tem quem possa acompanhar e ficar com a sua filha durante esse período, que carece de permanente apoio e assistência, que não se restringe ao acompanhamento às consultas e/ou tratamentos.

70) A A. CC é beneficiária nº .........94 do C.N.P.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

1 – Arguição da nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil (recurso principal da A.).

2 – Montante arbitrado a título de tratamentos de fisioterapia (terapia da fala e transportes para receber esses tratamentos) e auxiliares médicos/ajudas técnicas. Pretendida limitação do dano futuro com despesas de fisioterapia a dez anos (recurso principal da A. e recurso subordinado da Ré). Outros pagamentos a realizar a favor da lesada, com projecção no futuro. Razões para a operar, ou não, a redução do valor fixado e referente a despesas futuras pagas antecipadamente de uma só vez (recurso independente da A.).

3 – Montante pecuniário adequado para a compensação, in casu, dos danos de natureza não patrimonial sofridos pela lesada em consequência do acidente sub judice (recurso principal da A.). Critérios jurisprudenciais.

4 – Invocação de erros de cálculo (recurso principal da A.). Alegação de erros de cálculo e confusão entre o valor referente ao estrado articulado com o valor da cadeira de duche – factos nºs 51, 52, 53 e 54 da matéria de facto dada como provada (recurso subordinado da Ré). Acerto final.

Passemos à sua análise:

1 – Arguição da nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil (recurso independente da A.).

Entende a recorrente que o Tribunal da Relação incorreu em excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil quando, sem que ninguém tal lhe solicitasse, ponderou a circunstância de o capital atribuído à A., respeitante a tratamentos de fisioterapia e transportes – só estes é que estão aqui em causa - ser pago de uma só vez, reduzindo-o sob pena de, não o fazendo, se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia.

Apreciando:

Concretamente, afirmou-se no acórdão recorrido a este propósito:

(…) é procedente a conclusão da apelante no sentido de não existirem razões fundadas para se limitar a indemnização desse dano a dez anos.

Diga-se, porém que também não existem razões fundadas para ampliar o seu ressarcimento a 55 anos, pois, por um lado, a autora efectuou uma liquidação do pedido, pelo que o dano só assume natureza futura desde essa data e não do acidente. Depois, a esperança de vida fixada para os restantes danos (80 anos) é adequada e suficiente por se tratar de uma expectativa próxima da esperança média de todos os portugueses sem especiais condições de morbilidade. Acresce que a mesma foi aceite pela autora no que respeita aos restantes danos patrimoniais.

Consideramos, portanto, adequado fixar este dano futuro nos termos semelhantes fixados quanto aos restantes danos patrimoniais futuros.

5. Do cálculo do dano

“Na determinação do montante da justa indemnização destinada a ressarcir danos futuros, perante a constatação da impossibilidade de averiguar o valor concreto dos danos, tem a jurisprudência recorrido ao juízo de equidade a que se reporta o art. 566.º, n.º 3, do CC, a partir dos elementos de facto apurados, conjugados com diversos critérios de cálculo de natureza instrumental (Ac do STJ de 14.3.23, Processo 4452/13.0TBVLG.P1.S1 (JORGE DIAS).

Neste caso, temos que a quantia fixada em termos de danos patrimoniais futuros terá de ser fixada com respeito aos factos provados, pelos termos expostos.

Mas, no mínimo o seu montante global teria de ser deduzido de um valor correspondente à rentabilização dessa quantia através da sua aplicação.

Porque “ponderando-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros”, importa “introduzir um desconto no valor achado, condizente ao rendimento de uma aplicação financeira sem risco, e que, necessariamente, deverá ser tida em consideração pelo tribunal que julgará equitativamente”.

É evidente que a sentença recorrida optou por não o fazer quanto às restantes verbas objecto de trânsito, facto que não faz parte do objecto deste recurso.

Mas quanto aos restantes danos patrimoniais futuros isso não acontece.

Quanto aos danos futuros relativos às ajudas e fisioterapia obtemos um valor mensal de 602,33 euros/mensais, ou 7228 euros anuais. Usando o calculo simples da decisão obteríamos um valor global de 361.400,00 euros. (7228x50 anos)”.

Vejamos:

Estava em causa no recurso de apelação interposto pela A., entre outras coisas, a quantificação de danos futuros referente aos tratamentos de fisioterapia e transportes de que a A. virá a necessitar em virtude das lesões sofridas no acidente de viação de que foi vítima.

Neste tocante, a mesma A. insurgindo-se contra a delimitação temporal (dez anos) estabelecida em 1ª instância (que calculara o valor deste dano futuro em € 48.000,00), pretende que o quantum indemnizatório seja calculado tendo apenas por limite o tempo correspondente à sua esperança (em termos gerais e médios) de vida.

Ora, na sua contestação, a Ré tinha-se pronunciado no sentido de que, relativamente à indemnização por danos futuros, seria necessário proceder à realização de uma adequada dedução com base na circunstância de se tratar de uma antecipação desse recebimento, sob pena de se gerar um enriquecimento indevido (cfr. artigo 92º da contestação).

A sentença de 1ª instância decidiu a respeito da questão ora em análise:

“Em tratamentos de fisioterapia – seja para evitar o retrocesso, seja para evitar o agravamento das sequelas – consulta de fisiatria, terapia da fala e respectivo transporte para receber aqueles tratamentos, a demandante tem gasto em média, por mês, a quantia de 400,00€.

Nesta questão de tratamento de fisioterapia considera-se que será natural e equitativo considerar que a A. realizará tratamentos desde a data do acidente durante 10 anos, para se poder minimamente restabelecer e ter alguma qualidade de vida, porquanto, tal como na alta médica, a partir de determinado número de sessões não haverá mais recuperação.

Assim, entende-se ser de fixar a título equitativo a quantia de €48.000,00 (€400,00 x 12 meses x 10 anos)”.

Por seu turno, nas suas alegações/conclusões de recurso de apelação a Ré seguradora havia tomado posição sobre este ponto nos seguintes termos:

“alínea n) – Por fim, no que concerne aos danos patrimoniais emergentes, fixou-os o Tribunal a quo arbitrariamente, no que concerne ao valor de cada um dos itens e respectiva durabilidade, dado que tais parâmetros não resultaram da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento”.

Ou seja, impugnou tal concreta quantificação aludindo à “respectiva durabilidade”.

Ora, neste contexto, o Tribunal da Relação do Porto, ao afastar tal delimitação temporal (de dez anos referentes aos tratamentos de fisioterapia e transportes), entendeu enquadrar e inserir, em coerência, tal concreto dano patrimonial futuro – cuja decisão não havia transitado em julgado – na regra geral que entendeu aplicável aos restantes danos dessa mesma natureza.

Daí haver introduzido o critério moderador (de redução do montante indemnizatório) que consta da transcrição supra e que considerou adequado, com vista a evitar o que seria, a seu ver, o enriquecimento indevido da lesada.

Ao fazê-lo, no âmbito do enquadramento jurídico que se lhe impunha efectuar, não extrapolou naturalmente os seus poderes de cognição, face à matéria ainda em discussão nos recursos de apelação em causa e à posição global assumida nos autos pela Ré a este mesmo propósito.

Ora, o preenchimento da previsão do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, na parte respeitante ao excesso de pronúncia depende da circunstância de o juiz, desrespeitando o princípio do dispositivo, vir a conhecer de questões não alegadas e subtraídas ao seu conhecimento oficioso.

Pelas razões expostas, tal não sucede manifestamente na situação sub judice, uma vez que a questão jurídica em causa foi concretamente debatida entre as partes e a matéria em referência (quantificação destes danos futuros) e encontrava-se obrigatoriamente sujeita à ponderação do Tribunal da Relação do Porto.

Trata-se aliás de uma abordagem de natureza exclusivamente jurídica que, independentemente do seu mérito, pode ser livremente realizada pelo julgador, nos termos do artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil, com base nos factos dados como provados e as posições manifestadas pelas partes nas suas alegações/conclusões de recurso.

Conforme judiciosamente se sublinhou, a este respeito, no acórdão da Conferência do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Dezembro de 2023:

In casu, a quantia arbitrada a título de danos patrimoniais emergentes da eclosão do acidente não foi objecto de recurso e, por isso, transitou, não tendo sido objecto de qualquer decisão pelo tribunal recorrido

A quantia referente à fixação das despesas de fisioterapia foi objecto do recurso pela própria autora, na qual até obteve vencimento.

E, a quantia relativa aos danos patrimoniais futuros com aquisição de objectos foi posta em causa pela apelante/ré seguradora (conclusão n), bem como o valor dos danos não patrimoniais, pelo que a mesma foi apreciada.

Logo, não foi apreciada qualquer questão que as partes não tenham suscitado”.

Concorda-se com este argumentário.

Não se verifica, pois, a arguida nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, improcedendo a revista neste ponto.

2 – Montante arbitrado a título de tratamentos de fisioterapia (terapia da fala e transportes para receber esses tratamentos) e auxiliares médicos/ajudas técnicas. Pretendida limitação do dano futuro com despesas de fisioterapia a dez anos (recurso principal da A. e recurso subordinado da Ré). Outros pagamentos a realizar a favor da lesada, com projecção no futuro. Razões para a operar, ou não, a redução do valor fixado e referente a despesas futuras pagas antecipadamente de uma só vez (recurso independente da A.).

Sobre esta matéria pretende a A. recorrente:

1º A condenação da recorrida a pagar, pelo menos, a quantia de € 240.000,00, a título de danos futuros com tratamentos de fisioterapia (terapia da fala e transportes para receber esses tratamentos), partindo do pressuposto que é calculada durante cinquenta (anos), ou seja, sem a redução realizada no acórdão recorrido que acabou por cifrar tal montante em € 210.000,00.

2º- Em alternativa, a recorrente admite que, considerando-se a esperança média de vida das mulheres em Portugal (oitenta anos) e a data de consolidação médico-legal das sequelas da recorrente (26 anos) em € 259.200,00, correspondentes a cinquenta e quatro (54) anos de esperança de vida nessa altura.

Neste mesmo sentido, entende ainda a recorrente que a Ré seguradora deverá ser condenada nos seguintes montantes:

Relativamente ao andarilho:- 50,00 € x 26 (substituições de 2 em 2 anos, até aos 80 anos)= 1.300,00 €;

Quanto à poltrona:-450,00 € x 5 (substituições de 10 em 10 anos)= 2.250,00 €;

No que concerne à cadeira de rodas eléctrica:-20.000,00 € x 5 (substituições de 10 em 10 anos)= 100.000,00 €;

No que respeita às barras de apoio à sanita:-75,00 € x 5 x 5 (substituições)= 1.875,00€;

Relativamente cadeira de duche:-250,00 € x 10 (substituições de 5 em 5 anos)= 2.500,00 €;

Quanto à cadeira de rodas manual:-360,00 € x 5 (substituições de 10 em 10 anos)= 1.800,00 €;

Estrado articulado:-700,00 € x 5 (substituições de 10 em 10 anos)= 3.500,00 €;

No que concerne ao colchão anti-escaras:-500,00 € x 10 (substituições de 5 em 5 anos)= 5.000,00 €, tudo num total 118.225,00 €,

Salienta que sobre as ditas quantias não poderá nem deverá ocorrer qualquer dedução pelo facto de as receber antecipadamente, tanto mais que estão a ser calculadas a custos actuais e partindo do pressuposto de que aqueles tratamentos e aquelas ajudas técnicas vão custar, ao longo de 50 anos, o que custam no presente momento, isto é, que não vão sofrer qualquer alteração nos seus custos o que diga-se, não é o normal suceder das coisas, pois não têm em conta o aumento dos custos de vida, o aumento das matérias primas, a escassez de matéria prima, o que tudo influencia no preço final do produto vendido ao consumidor final, neste caso da ora recorrente.

Em sentido oposto, entende a Ré seguradora e recorrente (subordinada) que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto errou e deve ser modificado na parte em que fixou o dano futuro relativo às despesas de fisioterapia, com afastamento da delimitação temporal de dez (10) anos, estabelecido em 1ª instância, que constitui o período necessário para a A. se poder restabelecer e ter alguma qualidade de vida.

Refira-se ainda que nas contra-alegações apresentadas relativamente ao recurso de revista apresentado pela A., a Ré não coloca verdadeiramente em crise, de forma concreta e especificada, o critério utilizado para o cálculo de outras despesas com projecção futura, à excepção do que fez no que concerne aos tratamentos de fisioterapia e transportes em concreto, limitando-se a invocar erros de cálculo e confusão entre valores correspondentes a verbas diversas.

Apreciando:

Concordamos neste ponto com o acórdão recorrido quando no mesmo se refere:

“A questão prende-se com a determinação da previsibilidade do dano patrimonial futuro. Curiosamente o tribunal a quo limitou essa previsibilidade a 10 anos no caso da fisioterapia, mas ao mesmo tempo considerou uma longevidade de 80 anos para todos os danos patrimoniais futuros que também dependem da evolução do estado de saúde da autora e sua eventual melhoria.

Portanto se se entende que as despesas de fisioterapia irão cessar porque o estado de saúde da autora irá melhorar daqui a dez anos, então existe uma contradição evidente com a necessidade de, até aos 80 anos, de aquisição dos objectos que pressupõem a manutenção da incapacidade.

Acresce que dos relatórios médicos nada consta sobre a natureza temporária dessa mesma fisioterapia, sendo certo que esta pode ter como objectivo a manutenção do estado de saúde e não apenas a sua melhoria.

Dos factos resulta que deve ser submetida a “tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala)”;

É certo que, em alguns relatórios médicos consta que existe a possibilidade de a autora recuperar a sua mobilidade, cujo estado actual já é surpreendente. Mas, por um lado, é inequívoco que a autora padece de uma incapacidade permanente de 76%, e por outro que a sua esperança média de vida será 80 anos.

Mas, nada consta dos factos provados que permita concluir que a autora deixará de precisar desses cuidados e provou-se apenas que “Em tratamentos de fisioterapia – seja para evitar o retrocesso, seja para evitar o agravamento das sequelas – consulta de fisiatria, terapia da fala e respectivo transporte para receber aqueles tratamentos, a A. tem gasto em média, por mês, a quantia de cerca de €400,00”.

Ou seja, não está provado qualquer elemento temporal futuro limitador.

Note-se aliás que essa factualidade foi alegada no articulado liquidação no art. 121 precisamente por 55 anos.

Acresce que no facto nº 53 consta que precisará da cadeira até aos seus 80 anos, e nos restantes consta o número de substituições.

Ou seja, em rigor, quanto a este dano futuro não existe o mesmo elemento factual temporal limitador da equidade para além da esperança de vida. Logo, nessa medida o juízo de equidade depende da previsibilidade do dano que poderia ser fixado num período mais curto.

Mas, não existem elementos médico legais que permitam impor, neste dano, um limite diverso dos restantes danos patrimoniais futuros, sendo que conforme decorre dos factos provados a finalidade da fisioterapia é “para evitar o retrocesso, seja para evitar o agravamento das sequelas”.

Nestes termos, é procedente a conclusão da apelante no sentido de não existirem razões fundadas para se limitar a indemnização desse dano a dez anos”.

Ou seja, os autos não fornecem qualquer elemento de facto, certo, seguro e objectivo, que permita sustentar a delimitação temporal invocada (dez anos) no recurso subordinado e acolhida na sentença de 1ª instância.

Com efeito, não é possível fundadamente afirmar que a A. deixará de precisar, findo o referido período de dez anos, dos tratamentos de fisioterapia que estão referidos nos autos, designadamente com vista a melhorar o seu estado de saúde e reestabelecer o seu equilíbrio tanto quanto possível, perante a clara recomendação médica que os referencia e que se encontra devidamente atestada nos autos.

Todas as considerações desenvolvidas pela Ré seguradora não passam de simples conjecturas ou suposições de natureza geral, sem nenhum suporte na prova efectivamente produzida (que não aponta no sentido de que daqui a dez anos a lesada deixará de precisar dos ditos tratamentos de fisioterapia, ou que estes, a partir daí, não irão revestir a mínima utilidade ou pertinência – ou mesmo que provocarão prejuízo à paciente -, conforme bem se salientou no acórdão recorrido).

Pelo que improcede o recurso subordinado da Ré neste particular.

Relativamente à redução relacionada com a circunstância do capital relativo ao direito indemnizatório por danos com projecção no futuro ser recebido pelo lesado de uma só vez, antecipadamente (possibilitando a sua eventual rentabilização), tendo em vista evitar, por essa via e nessa perspectiva, o seu enriquecimento indevido, entendemos que a assiste razão à A. recorrente e não à Ré seguradora, ora recorrida.

Com efeito constitui jurisprudência recente e firmada do Supremo Tribunal de Justiça que tal redução no apuramento do quantum indemnizatório a pagar de uma só vez, relativamente a danos futuros, só se justificará em termos moderados e apenas se a materialidade concreta dada como provada a justificar indubitavelmente.

Vide, precisamente neste sentido, os seguintes acórdãos:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2024 (relator Manuel Aguiar Pereira), proferido no processo nº 21224/17.0T8PRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

O apuramento do montante da indemnização deverá, no entanto, ser ajustado face à antecipação integral do capital do que viria a receber ao longo de várias décadas, com uma muito ligeira redução do valor encontrado decorrente da possibilidade que confere ao lesado de o rentabilizar.

Mas também, como bem refere o acórdão recorrido, importa ponderar, em sentido contrário, para além da mais do que previsível evolução positiva do nível dos rendimentos do trabalho em geral – e inerentes perdas do autor que dela não irá beneficiar – que o autor ficou totalmente incapacitado de exercer a sua profissão habitual e se encontra muitíssimo condicionado para o exercício de qualquer outra profissão ou actividade, mesmo que relacionada com a área da sua anterior actividade profissional”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Janeiro de 2024 (relator Luís Correia de Mendonça), proferido no processo nº 3527/18.4T8PNF.P2.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se refere:

A seguradora entende que, como o lesado vai ser indemnizado com a entrega antecipada e de uma só vez do capital, deve proceder-se a uma redução de ¼ na indemnização a arbitrar, sob pena de um enriquecimento indevido do autor.

Não nos parece que tenha razão. A jurisprudência deste terceiro grau já em 2017 entendeu que na conjuntura então prevalecente de juros baixos não se justificava uma redução superior a 10% (Ac. STJ de 30/3/2017, Proc. nº 2233/10).

Hoje em dia, a conjuntura económica alia taxa de depósitos baixos a uma inflação descontrolada (sem prejuízo das aliás polémicas intervenções do BCE)”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2023 (relator Jorge Arcanjo), proferido no processo nº 9039/20.9T8SNT.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se deixou consignado:

“Para o juízo de equidade, o acórdão procedeu previamente à dedução de 10% com o argumento de que os lesados recebem de uma só vez e, portanto, ficarem com a disponibilidade imediata da totalidade do dinheiro.

A jurisprudência tem considerado que o recebimento imediato da totalidade da indemnização, ou seja, o cumprimento integral da prestação de uma vez só, confere ao lesado a rentabilização do capital, por forma a que se mostre esgotado no final do respectivo período. Na base deste entendimento está o princípio da proibição do enriquecimento injustificado quando a indemnização pelo dano futuro continuado é feita em capital, e não em renda, pois ela concretiza-se num montante único calculado em função da medida e duração previsível do dano futuro, em que o capital, correspondente àquele que aplicado financeiramente gere um rendimento, se esgote no final do período, sabido que a lei não prevê a possibilidade de revisão da indemnização sob a forma de capital.

Os Autores argumentam, além do mais, não estar verificada a condição de recebimento de uma vez só para operar tal dedução, mas a objecção não procede visto que a indemnização (arbitrada no acórdão recorrido) foi fixada em capital e não em renda.

Esta questão convoca, em tese geral, o princípio da proibição do enriquecimento em sede de responsabilidade civil, que vem sendo objecto de críticas, argumentando, em síntese, por exemplo, que não pode ser erigido neste âmbito como princípio geral porque não aplicável à indemnização por danos não patrimoniais, a eventual vantagem ou o enriquecimento do lesado não provém do facto gerador da responsabilidade civil, mas da própria indemnização, ou seja, sendo o enriquecimento o efeito do cumprimento da indemnização não deverá concorrer para o cálculo do dano, o enriquecimento do lesado não precede o cálculo da obrigação de indemnizar, é posterior ao cumprimento, o enriquecimento pode nem sequer ocorrer, e não deve ser o lesado a assumir o risco da não verificação futura da vantagem restituindo de imediato ao lesante ( aquando do pagamento da indemnização ) um enriquecimento que não se sabe se ocorrerá ( cf., neste sentido, MARIA DE LURDES PEREIRA, Direito da Responsabilidade Civil, 2022, pág.513 e segs. ).

Contudo, a jurisprudência do Supremo tem vindo a considerar adequada, em face da conjuntura financeira actual, uma dedução de 10% (cf., por ex., Ac STJ de 19/5/2020 ( proc nº 3907/17), Ac STJ de 30/3/2017 ( proc nº 2233/10), em www dgsi.pt ) e foi este o critério seguido no acórdão recorrido.

Importa, no entanto, ter presente, como se afirma no Ac STJ de 25/5/2017 ( proc nº 8689/10), em www dgsi, que – “A regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade”.

Parece que na situação em análise não se justifica operar tal dedução, mesmo como tópico adjutor da equidade, dada a finalidade da indemnização, sabido que as necessidades patrimoniais de uma criança não são as mesmas ao longo do tempo, seguramente maiores com o decurso da idade, pelo que a extensão dos danos patrimoniais futuros para cada um dois Autores será evolutiva, sendo flutuantes as condições financeiras de mercado”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2023 (relator Cura Mariano), proferido no processo nº 22082/15.0T8PRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

“Quanto à preocupação de que o valor do capital antecipadamente pago ao lesado por um dano que se irá a refletir continuadamente no futuro se esgote no termo previsível da sua vida, o facto de, no período já decorrido, o nível da remuneração dos depósitos a prazo ser efetivamente muito baixo, embora seja uma realidade a atender, não justifica que não se deva operar uma redução do valor a atribuir, uma vez que essa não é a única forma de investir uma soma avultada em dinheiro, assim como não existe uma previsibilidade dessa realidade se manter durante muito tempo”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 2013 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), proferido no processo nº 303/09.9TBVPA.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 2011 (relator Orlando Afonso), proferido no processo nº 733/06.8TBFAF.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

O montante pedido, por danos futuros, na ampliação formulada pelo A. encontra-se já, intrinsecamente, balizado por critérios de equidade uma vez que o cálculo indemnizatório partindo do valor base da remuneração que o A poderia vir a auferir é bem superior ao por este pedido. Teve o Tribunal “a quo” em atenção o pedido formulado, em sede de ampliação, pelo A, socorrendo-se de critérios de equidade não se nos afigurando, contudo, que se possa deduzir de 30% a indemnização a arbitrar, por danos futuros, como factor de correcção de um enriquecimento sem causa. O recurso a um tal critério não pode servir de base à equidade.

Na verdade, o facto de o A receber de uma só vez o capital fixado, não lhe traz qualquer enriquecimento injustificado. O quantum indemnizatório reporta-se a uma perda de ganhos do A. que se protela nos anos, o qual, como ficou dito, está totalmente incapacitado para o exercício da sua actividade profissional e não tem idade nem habilitações literárias que lhe permitam desenvolver outra actividade.

A forma como o A irá fazer uso da indemnização arbitrada (gastando o montante indemnizatório de uma só vez ou dispondo dele ao longo da sua vida) só a si diz respeito e não lhe confere qualquer enriquecimento, pois se dissipar o capital que lhe foi atribuído nem por isso terá direito a qualquer outro recebimento futuro”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2017 (relator Lopes do Rego), proferido no processo nº 868/10.2TBALR.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2017 (relator Olindo Geraldes), proferido no processo nº 2233/10.2TBFLG.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2016 (relatora Fernanda Isabel Pereira), proferido no processo nº 1893/14.0TBVNG.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, no qual se deixou expresso:

Vem-se entendendo que o recebimento imediato da totalidade da indemnização e por uma só vez possibilitará ao lesado a rentabilização do capital recebido, o que tem levado à redução do mesmo de modo a que aquele capital se encontre esgotado no final do prazo considerado.

Como já escrevemos no Acórdão deste Supremo Tribunal de 17.12.2015 (proc. nº 1294/11.1TJVNF.G1.S1), a fim de tornar menos discrepantes e mais justas e actuais as indemnizações devidas, têm sido aventados vários critérios e fórmulas de índole matemática, cujos resultados, todavia, devem ser tidos como meramente indicativos, intervindo a equidade e a ponderação de pertinentes elementos objectivos e subjectivos como elementos correctores dos resultados obtidos sempre que estes se revelem desajustados ao caso concreto.

Tem-se considerado, preponderantemente, que o critério que melhor acomoda as diferentes variáveis a ter em conta é o recurso a tabelas financeiras (foi a solução adoptada no Acórdão deste Supremo Tribunal de 5 de Maio de 1994, CJSTJ, tomo II, pág. 86, ulteriormente simplificada no Acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de 4 de Dezembro de 2007), correspondendo ao cálculo de uma renda inteira imediata e descontando a taxa de juro.

O Tribunal da Relação teve por justificada a dedução correspondente à aplicação de uma taxa de 10% pelo recebimento imediato e integral da indemnização.

Os cálculos e operações devem ser tidos em consideração apenas como um ponto de partida. O esforço de concretização dos mesmos não dispensa a intervenção temperadora da equidade por força da qual serão tomados em consideração factores relevantes perante cada caso concreto com vista à fixação da indemnização devida.

Constitui um facto do domínio público e, por conseguinte, facto notório (artigo 412º nº 1 do Código de Processo Civil) que na actualidade são baixos os valores das remunerações resultantes da aplicação do capital.

Esta realidade, que não pode deixar de ser considerada, leva a que se tenha como excessiva a dedução, no caso presente, do equivalente à aplicação de uma taxa de 10% ao capital que constitui a indemnização por danos futuros. Uma tal dedução revelar-se-ia altamente penalizadora para o lesado e desfasada do contexto actualmente vivido.

Consideramos, por conseguinte, equitativa e ajustada a redução ao montante do capital a atribuir à autora AA a título de indemnização pela perda de rendimentos do correspondente a uma taxa na ordem de 1,5%, razão por que se fixa tal indemnização no montante de 160.000,00 €”.

Na situação sub judice, não descortinamos motivos sérios e bastantes que justifiquem a pretendida redução do montante indemnizatório devido a título de danos futuros.

Estão unicamente em causa despesas com material terapêutico imprescindível para o restabelecimento ou, pelo menos, a melhoria possível no estado de saúde da paciente, bem como para a evolução do seu equilíbrio e bem estar, num contexto de optimização da recuperação das muito graves e perenes mazelas que o evento lesivo lhe causou, tendo necessariamente que ser realizadas por um período temporal longo (onde inclusive o seu custo pode muito provavelmente vir a ampliar-se por via do aumento dos preços de aquisição respectivos).

Outrossim o panorama económico, social e financeiro, projectado num horizonte tão vasto (na ordem da meia de centena de anos) não é de molde a prever-se, com o mínimo de segurança, qualquer concreta taxa de rentabilidade, designadamente a pressuposta tanto pela Ré seguradora como pelo acórdão recorrido (antes possibilitando antever a probabilidade de taxas de juro bem menores, com ciclos de acentuada ou mesmo galopante inflacção, sistematicamente penalizadores para todos os consumidores de bens e serviços, onde se inclui a A.).

Por tudo isto, tendo em conta que estão em causa, como se salientou, despesas com a aquisição de material terapêutico de que a A. inevitavelmente necessitará, com gastos contínuos e sempre com tendência de gradual agravamento, não faz sentido, não sendo razoável nem equitativo, proceder a qualquer tipo de redução, nos termos solicitados pela Ré seguradora e acolhidos no acórdão recorrido, para evitar um pretenso enriquecimento indevido da lesada - que é mais do que duvidoso.

Procede neste sentido a revista independente interposta pela A.

Em consonância com o decidido supra, passemos a analisar os outros pagamentos a realizar pela seguradora Ré a favor da A. lesada e com projecção no futuro.

A – Quantificação dos danos futuros relativos a despesas com fisioterapia e transportes.

O Tribunal da Relação do Porto entendeu introduziu um factor de moderação ou correcção no apuramento do quantitativo indemnizatório respeitante a danos patrimoniais futuros usando o seguinte argumentário:

“Neste caso, temos que a quantia fixada em termos de danos patrimoniais futuros terá de ser fixada com respeito aos factos provados, pelos termos expostos.

Mas, no mínimo o seu montante global teria de ser deduzido de um valor correspondente à rentabilização dessa quantia através da sua aplicação.

Porque “ponderando-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros”, importa “introduzir um desconto no valor achado, condizente ao rendimento de uma aplicação financeira sem risco, e que, necessariamente, deverá ser tida em consideração pelo tribunal que julgará equitativamente”.

É evidente que a sentença recorrida optou por não o fazer quanto às restantes verbas objecto de trânsito, facto que não faz parte do objecto deste recurso.

Mas quanto aos restantes danos patrimoniais futuros isso não acontece.

Quanto aos danos futuros relativos às ajudas e fisioterapia obtemos um valor mensal de 602, 33 euros/mensais, ou 7228 euros anuais.

Usando o cálculo simples da decisão obteríamos um valor global de 361.400,00 euros. (7228x50 anos)”.

Vejamos:

Pediu a A. o pagamento do valor de € 264.000,00, correspondente ao valor de € 400,00 mensal (anual de € 4.800,00) x 55 anos tendo em conta os 80 anos de idade (esperança média de vida).

Cumpre, desde logo, atentar em que a quantificação realizada teve lugar no requerimento (articulado superveniente) entrado em juízo em 17 de Fevereiro de 2022 (cfr. fls. 469 a 488), num momento em que a A. já contava mais de 28 anos de idade (nasceu a ... de ... de 1993 – documento junto a fls. 29).

Por outro lado, é razoável fixar para este efeito – que tem a ver com meras projecções gerais e que não atendem à situação pessoal e individualizada da pessoa em causa (cujo estado de saúde foi gravemente afectada pelas circunstâncias resultantes do acidente sub judice) – o período temporal de 50 (cinquenta) anos, perfeitamente equitativo e razoável.

Pelo que se atenderá, no que se refere ao peticionado a este título pela demandante, ao valor equitativo de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros) – que a própria demandante propõe, em termos alternativos, aceitando-o expressamente.

Procede a revista neste tocante e nestes termos.

B – Andarilho.

A sentença de 1ª instância fixou a este propósito o montante indemnizatório de € 1.300,00 (mil e trezentos euros), correspondente ao valor unitário de € 50,00 e à longevidade de 80 anos, donde resulta a necessidade de utilização de 26 andarilhos.

A Ré seguradora não colocou verdadeiramente em crise esse montante específico (versando unicamente o seu recurso subordinado sobre a delimitação temporal de dez anos quanto aos tratamentos de fisioterapia e transportes).

Logo, tendo em conta esta circunstância, o mesmo é de manter, por equitativo e razoável.

C – Poltrona.

A sentença de 1ª instância fixou a este propósito o montante indemnizatório de € 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta euros), correspondente ao valor unitário de € 450,00 e à longevidade de 80 anos, donde resulta a necessidade de utilização de 5 poltronas.

Remete-se para o que se disse supra relativamente à posição assumida pela Ré seguradora (em termos omissivos) a este respeito.

Logo o mesmo é de manter, por equitativo e razoável.

D – Cadeira de rodas eléctrica.

A sentença de 1ª instância fixou a este propósito o montante indemnizatório de € 100.000,00 (cem mil euros), correspondente ao valor unitário de € 20.000,00 e à duração média de 10 anos, donde resulta a necessidade de utilização de 5 cadeiras de rodas eléctrica.

Remete-se para o que se disse supra relativamente à posição assumida pela Ré seguradora a este respeito.

Logo o mesmo é de manter, por equitativo e razoável.

E – Barras de apoio à sanita.

A sentença de 1ª instância fixou a este propósito o montante indemnizatório de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), correspondente ao valor unitário de € 150,00 e à duração média de 10 anos, donde resulta a necessidade de utilização de 5 barras de apoio à sanita, em regime de substituição.

Remete-se para o que se disse supra relativamente à posição assumida pela Ré seguradora a este respeito.

Logo o mesmo é de manter, por equitativo e razoável.

F – Cadeira de duche.

A sentença de 1ª instância fixou a este propósito o montante indemnizatório de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), correspondente ao valor unitário de € 250,00 e à duração média de 5 anos, donde resulta a necessidade de utilização de 10 cadeiras de duche, em regime de substituição.

Remete-se para o que se disse supra relativamente à posição assumida pela Ré seguradora a este respeito.

Logo o mesmo é de manter, por equitativo e razoável.

G – Cadeiras de rodas manual.

A sentença de 1ª instância fixou a este propósito o montante indemnizatório de € 5.000,00 (cinco mil e euros), correspondente ao valor unitário de € 500,00 e à duração média de 5 anos, donde resulta a necessidade de utilização de 10 cadeiras de rodas manual, em regime de substituição.

Acontece que, como resulta do ponto de facto nº 53: “E para a cadeira de rodas manual, que tem um custo unitário de €360,00 e uma duração média de 10 anos, a demandante carece da quantia de €1.800,00 para fazer face a essa despesa até aos seus 80 anos (360,00 € x 5 substituições)”.

Ou seja, o valor indemnizatório correcto é de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros.

H – Colchão anti-escaras.

A sentença de 1ª instância fixou a este propósito o montante indemnizatório de € 5.000,00 (cinco mil e euros), correspondente ao valor unitário de € 500,00 e à duração média de 5 anos, donde resulta a necessidade de utilização de 10 colchões anti-escaras, em regime de substituição.

O mesmo é de manter.

Procederá nestes termos o recurso independente da A.

3 – Montante pecuniário adequado para a compensação, in casu, dos danos de natureza não patrimonial sofridos pela lesada em consequência do acidente sub judice (recurso principal da A.). Critérios jurisprudenciais.

Nos termos gerais do artigo 496º, nº 1, do Código de Processo Civil:

“Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Prevê-se nesta norma uma cláusula geral e em aberto que permite, em casos de considerável gravidade, a atribuição de uma compensação pecuniária pelo sofrimento, angústia e perturbação psicológica significante (que tem por objecto os denominados danos morais) que resultaram pessoalmente para o lesado em virtude das sequelas associadas ao evento lesivo, devendo a sua quantificação ser apurada por recurso a juízos de equidade nos termos gerais dos artigos 496º, nº 4, 494º e 566º, nº 3 e 4, do Código Civil, tomando-se ainda em especial consideração os padrões jurisprudenciais actualizados, no seguimento do comando geral ínsito no artigo 8º, nº 3, do Código Civil.

(Sobre os fundamentos da fixação no artigo 496º, nº 1, do Código Civil, da compensação por danos morais vide, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2019 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 2224/17.2T8BRG.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt).

Ora, a afectação da saúde, equilíbrio e bem-estar da A. em consequência do gravíssimo acidente de viação por si sofrido, para o qual não contribuiu culposamente, bem como as sequelas que do mesmo para si resultaram, que se mantêm ainda e que a acompanharão pelo resto da sua vida, revestem a gravidade mais do que suficiente para justificar, sem qualquer sombra de dúvida, a atribuição de um montante indemnizatório elevado a título de compensação pelos danos morais sofridos.

Os factos dados como provados permitem, portanto, configurar uma situação de manifesto sofrimento e afectação pessoal do A. que atinge, indiscutivelmente, o patamar de gravidade necessário para justificar, à luz da particularmente exigente bitola do artº 496º, nº 1, do Código Civil, a atribuição à demandante de uma indemnização a este título.

A única questão que agora se coloca tem a ver com a (sempre complicada e controversa) quantificação do respectivo montante.

Neste caso concreto, entende a A. recorrente que, face à matéria provada nos autos, deverá, a seu ver, prevalecer a valor indemnizatório fixado em 1ª instância - € 175.000,00 – e não a sua diminuição operada no Tribunal da Relação – para € 150.000,00.

Apreciando:

É o seguinte o quadro factual a tomar em consideração:

Em consequência do violento embate a A. sofreu:

– traumatismo crânio encefálico grave, com: a) – edema cerebral difuso; b) – contusão temporal e frontal esquerda; c) – múltiplas fracturas do crânio;

– fractura não desalinhada do ramo isquiopúbico à direita e diástase articulação sacro-ilíaca direita; – discreta fractura não desalinhada da vertente anterior do acetábulo;

– fractura cominutiva da asa esquerda do sacro, que intercepta suficiente articular sacro-ilíaca, com desalinhamento articular de cerca de 8 mm;

– feridas corto-contusas a nível da região posterior do cotovelo esquerdo, face anterior da perna esquerda e pirâmide nasal:

Foi inicialmente suturada às feridas corto-contusas acima identificadas, tendo sido, no dia 14 de Junho de 2016, por apresentar hipertensão intracraniana foi submetida a craniectomia descompressiva bilateral, que complicou com instalação de hemorragia significativa e instabilidade HD.

Permaneceu internada na UCIPU (Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente) até ao dia 14 de Julho de 2016, altura em que foi transferida para UCINC – Intermédios (Unidade de Cuidados Intensivos Neurocríticos) para continuação de vigilância e tratamento.

No dia 12 de Outubro de 2016 foi transferida para a enfermaria de Neurocríticos, apresentando os seguintes problemas activos: – status neurológico pós-TCE grave, complicado com hidrocefalia e infecção do SNC; – síndrome diencefálico; – epilepsia secundária e – colonização respiratória a PAMR, Apresentando traqueostomizada, em ventilação espontânea, não cumprindo ordens, sem comunicação verbal, dirigindo o olhar que fixa por curtos períodos, necessitando, por isso, de programa integral de Medicina Física e de Reabilitação com intervenção de enfermagem de reabilitação, fisioterapia, com o que se pretende a melhoria funcional nas actividades da vida diária.

Em finais do ano de 2016 a A. teve alta hospitalar do Hospital de ..., no ..., tendo sido transferida para o Hospital da Santa Casa da Misericórdia de ..., a fim de ser internada na Unidade de Média Duração e Reabilitação, onde permaneceu até ao dia 2 de Fevereiro de 2017, altura em que foi transferida para a Unidade de Longa Duração do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de ..., por ser mais próxima da sua residência.

À entrada nesta instituição apresentava: - défice motor global de 4+/5 com dificuldades na motricidade fina; - vigil; - dirige o olhar com nistagmo constante; - não verbaliza nem cumpre ordens simples; - tetraplegia flácida; - apresenta reflexo de mãos bilateralmente; - atrofia muscular sem melhoria,

Ali tendo permanecido em tratamento, conforme tinha já sido prescrito quer pelo Hospital de ..., quer pelo Hospital da Santa Casa da Misericórdia de ...,

Na sequência de programa de reabilitação, a A. readquiriu consciência e capacidade de comunicação, progredindo no treino de alimentação oral.

Passou a ter um discurso progressivamente mais fluente, com ganhos de capacidade motora e autonomia.

Deslocava-se em cadeira de rodas eléctrica que própria conduzia, tendo iniciado treino de marcha,

No dia 18 de Abril de 2019 teve alta hospitalar daquela U.C.C. do Hospital de Santa Casa da Misericórdia de ....

Naquele dia 18 de Abril de 2019, após a alta hospitalar, recolheu a sua casa, onde, inicialmente, se manteve em repouso.

Manteve tratamentos nesta Unidade de Cuidados Continuados de ... para onde era transportada diariamente no veículo próprio da mãe, de 2ª a 6ª feira.

Foi adquirido um cadeirão pelos pais da demandante, para que alternasse entre uma cama, na altura normal – a que tinha no seu quarto antes do acidente dos autos – e esse mesmo cadeirão, e onde fazia as refeições.

Continuou a medicação diária que fazia aquando do internamento, o que ainda hoje mantém, assim como a sua deslocação que se faz sempre em cadeira de rodas.

Apesar dos tratamentos a que foi submetida e que continuará a ser submetida a demandante ficou a padecer definitivamente: – sequelas do TCE: – tetraparésia grau 4- nos membros inferiores e grau 4 nos membros superiores de componente flácido; – humor dismístico; – perturbações da fluência e disartria, mas com discurso coerente; – epilepsia secundária; – síndrome diencefálico; – hemiparesia esquerda frustre (predomínio braquial), vencendo a gravidade em todos os segmentos articulares; – pinças finas e destreza manual razoáveis, com dificuldade em escrever o nome; – necessidade de supervisão nas transferências e marcha; – cervicalgia e rigidez cervical; – sequelas de fractura dos ramos isquiopúbicos e sagrados; – dismorfias: – cicatriz da toracotomia; – cicatriz de craniotomia bifrontal (de orelha a orelha) e – pelada cicatricial na região occipital com 5 x 2,5 cms de maiores dimensões.

As lesões sofridas provocaram-lhe um défice funcional total de 1223 dias e um quantum doloris de grau 7 numa escala de 1 a 7 e as sequelas de que ficou a padecer definitivamente determinam-lhe uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 76%, assim como são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional (ainda em processo de decisão quanto à continuidade do seu percurso formativo e profissional).

As mesmas provocam-lhe igualmente um dano estético de grau 5 numa escala de 1 a 7; uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala de 1 a 7; uma repercussão na actividade sexual de grau 4 numa escala de 1 a 7 e dependência das seguintes ajudas técnicas: – medicação: – analgésica em SOS; – antiepiléticos; – laxantes; - medicação psicofarmacológica e outra, que deverá ser definida pelos médicos assistentes que a seguem, consoante evolução clínica; – tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala); – necessidade de ajudas técnicas: – andarilho; – poltrona; – cadeira de rodas eléctrica com funções de posicionamento complementares, com as identificações e descrição técnica, periodicidade de substituição e custo estimado indicadas no relatório do CRPG; – adaptação do domicílio: – pavimentação do caminho exterior de acesso à habitação pela rua; – construção de rampa de acesso à habitação e adaptação da casa de banho com substituição da banheira por base de duche e retirar o armário por baixo do lavatório; – colocação de barras de apoio para sanita, cadeira de duche, cadeira de rodas de encartar; – estrado articulado para a cama actual da examinada com colchão, permitindo várias posições (deitada, sentada), com simples utilização de um comando; – ajuda de terceira pessoa: – necessidade de orientação e supervisão de terceiros para a organização e realização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene, acompanhamento nas deslocações (pelas alterações de equilíbrio imprevisíveis) e – necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária.

A A. com o acidente deixou de praticar qualquer desporto e sabe que dificilmente o poderá voltar a fazer até ao fim dos seus dias, quando tinha o hábito de dar umas caminhadas com o seu habitual grupo de amigas, assim como ir para a praia ou para o rio em lazer, bem como deixou de poder de frequentar um café ao fim do dia ou aos fins de semana.

Apreciando:

Aceitando-se, como não podia deixar de ser, a extrema e impressionante penosidade que todo o longo e doloroso processo clínico e terapêutico acarretou inevitavelmente para a A., e o seu enorme padecimento por todas as graves sequelas que para si resultaram e que ainda hoje a afectam (e que perdurarão, com maior ou menor intensidade, durante toda a sua vida), não vemos contudo fundamento para alterar o montante indemnizatório fixado, a este título, pelo Tribunal da Relação do Porto e que se encontra em perfeita consonância com os padrões jurisprudenciais recentes, respeitando os ditames do juízo equitativo e equilibrado que se impõe neste particular domínio.

(Neste sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2022 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 2957/12.0TCLRS.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt).

Cumpre assinalar, por comparação, a seguinte jurisprudência em casos relativamente similares ou de certo modo comparáveis:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2024 (relator Manuel Aguiar Pereira), proferido no processo nº 21244/17.0T8PRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

A indemnização por danos morais foi aí fixada em € 175.000,00.

O lesado, com 23 anos à data do acidente, sofrera lesões relativamente mais graves do que a ora A., com sequelas mais profundas e um percurso clínico altamente penoso (depende inteiramente de terceira pessoa, não conseguindo sair de casa nem sequer orientar-se, ostentando défices permanentes e muito graves a vários níveis).

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 2023 (relator Cura Mariano), proferido no processo nº 1393/12.1T8PNF.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

A indemnização por danos morais foi fixada em € 100.000,00.

Tratava-se de pessoa jovem que em consequência das lesões sofridas no acidente submeteu-se a várias intervenções cirúrgicas, num percurso clínico profundamente doloroso, com reflexos em todos os seus planos de vida.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), proferido no processo nº 344/12.9TBBAO.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

A indemnização por danos morais foi fixada em € 160.000,00.

Tratava-se de indivíduo de 44 anos que sofreu, em virtude do acidente, lesões gravíssimas, passando a depender inteiramente de terceiros para as suas actividades diárias.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 2018 (relator Henrique Araújo), proferido no processo nº 344/12.9TBBAO.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

A indemnização por danos morais foi fixada pelas instâncias inferiores em € 150.000,00, face à constituição de dupla conforme.

As lesões sofridas foram gravíssimas, passando lesado a não dispensar o auxílio de canadianas para se deslocar – o que sucederá durante toda a sua vida.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015 (relator Pires da Rosa), proferido no processo nº 4931/11.4TBVNG.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

A indemnização por danos de natureza não patrimonial foi fixada em € 60.000,00.

Tratava-se de um indivíduo que quando sofreu o acidente contava 58 anos e que, depois de um processo clínico extremamente doloroso, passou a depender de terceiros para as tarefas mais básicas e a sofrer sequelas psicológicas gravíssimas.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 (relator Mário Belo Morgado), proferido no processo nº 338/09.1TTVLR.P3.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

A indemnização por danos de natureza não patrimonial foi fixada em € 50.000,00.

A sinistrada, com 36 anos de idade à data do acidente, sofrera graves danos funcionais e estéticos (amputação de alguns dedos do pé direito), atravessando um percurso clínico e terapêutico altamente doloroso e sofrendo acentuadas limitações na sua actividade profissional futura.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2017 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 3214/11.4TBVIS.V1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

A indemnização por danos de natureza não patrimonial foi fixada em € 60.000,00.

Tratava-se de um lesado que contava à data do acidente de viação 36 anos de idade, havendo sofrido lesões graves, com um percurso clínico e terapêutico doloroso. Registou uma incapacidade permanente geral de 39 pontos, fixando-se em 30%. Ficou sensivelmente afectado no desempenho das suas actividades quotidianas habituais, existindo a forte probabilidade de ter de vir a submeter-se a novas intervenções cirúrgicas.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2018 (relator José Rainho), proferido no processo nº 275/13.5TBTVR.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

A indemnização por danos de natureza não patrimonial foi fixada em € 125.000,00.

Tratava-se de um lesado que, em consequência do acidente de viação sofrido, submeteu-se a diversas intervenções cirúrgicas, tendo-lhe sido amputada uma perna (do joelho para baixo), tendo necessitado de colocar uma prótese, com acentuada redução de mobilidade. Sofreu ainda stress pós-traumático e profunda afectação das suas actividade habituais, com grave prejuízo para a sua auto-estima.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Setembro de 2020 (relator José Rainho), proferido no processo nº 5466/15.1T8GMR.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

A indemnização por danos de natureza não patrimonial foi fixada em € 60.000,00 (confirmando a decisão recorrida que se considerou “estar muito longe de pecar por escassa”).

Tratava-se de um lesado de 34 anos que na sequência do acidente sofreu esmagamento dos membros inferiores, com amputação traumática do membro inferior esquerdo e com amputação do membro inferior direito (do joelho para baixo).

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2021 (relator Manuel Capelo), proferido no processo nº 7098/16.8T8PRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

A indemnização por danos de natureza não patrimonial foi fixada em € 125.000,00.

Tratava-se de um jovem que em consequência do acidente de viação, sofreu fracturas muito graves, tendo de sujeitar-se a várias intervenções cirúrgicas, revelando sequelas permanentes. Registou uma incapacidade permanente geral de 62. Necessita de tratamento de fisioterapia e psiquiatria prolongados no tempo. Passou a depender de terceiros para a sua actividade habitual.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2022 (relator António Magalhães), proferido no processo nº 1991/15.2T8PTM.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

A indemnização por danos de natureza não patrimonial foi fixada em € 85.000,00.

Tratava-se de um sinistrado que contava 30 anos à data do acidente de viação, tendo registado um défice funcional permanente de 39%, com um quantum doloris de 5 em 7; um dano estético de 3 em 7; consequência negativas na sua actividade sexual de 3 em 7; tendo sido reformado por invalidez e necessitando no futuro de continuação de acompanhando médico, com novas consultas e tratamentos.

Em suma:

O critério adoptado no acórdão recorrido e respectiva quantificação do quantum indemnizatório, atribuído a título de danos não patrimoniais nos termos gerais do artigo 496º, nº 1, do Código Civil, está em plena consonância com a jurisprudência recente deste Supremo Tribunal de Justiça, dela não se desviando sensivelmente, afigurando-se equitativa, equilibrada e totalmente razoável, inexistindo motivo bastante ou justificado para divergir do decidido em 2ª instância.

A revista (independente) da A. improcede neste ponto.

4 – Invocação de erros de cálculo (recurso principal da A.). Alegação de erros de cálculo e confusão entre o valor referente ao estrado articulado com o valor da cadeira de duche – factos nºs 51, 52, 53 e 54 da matéria de facto dada como provada (recurso subordinado da Ré). Acerto final.

Alega a A. recorrente a este propósito:

A soma dos valores respeitantes a obras de adaptação - € 14.692,80 – e o facto 57 - € 5.584,43, importam na quantia de € 20.256,20.

Nos valores transitados no quadro inserto no acórdão recorrido inclui-se o facto 45, importando na quantia de € 1.139.044,00.

Há um erro de somar na medida em que a soma dos 1ºs valores importa a quantia total de € 20.527,23 e o dos valores transitados, ou seja, a quantia de € 535.000,00, a título de perda futura de ganho; a quantia de € 604.044,00, a título de ajuda de terceira pessoa e a quantia de € 23.100,00, relativa a medicação (facto 45), perfazem a quantia total de € 1.162.144,00 e não a de € 1.139.044,00.

Há, portanto, que proceder à sua correcção.

Vejamos:

O acórdão recorrido apresentou no quadro de valores um lapso aritmético: a soma de € 150.000,00 + € 210.000,00+ € 20.256.20 dá o resultado de € 380.256,20 e não de € 380.225,23.

Todavia, o resultado relativo ao montante indemnizatório a fixar em favor da A. está correcto, ou seja, de € 1.478.420,07.

Quanto aos valores indicados pela A. recorrente:

Alega esta que o valor global de € 1.139.044,00 foi incorrectamente calculado, correspondendo antes a € 1.162.144,00.

Também a Ré alega erros de cálculo e confusão entre o valor referente ao estrado articulado com o valor da cadeira de duche – factos nºs 51, 52, 53 e 54 da matéria de facto dada como provada (recurso subordinado da Ré).

Analisando:

Consta da matéria de facto no ponto 57:

“A A. gastou ainda: – a quantia de 4.165,73€ na unidade de Cuidados Continuados de ...(docs. 3-A a 3-X) – a quantia de 1.125,20€ na Unidade de Cuidados Continuados de ... (docs 4-A a 4-I); – 543,50€ em transportes para receber tratamentos (docs. 5-A a 5-I)”

Em 1ª instância a quantificação do montante indemnizatório obedeceu aos seguintes valores:

- danos não patrimoniais - € 175.000,00.

- défice funcional permanente - € 446,500.

- actualização de 20% do valor referido - € 89.300,00,

- necessidade de terceira pessoa - € 503.370,00.

- actualização de 20% do valor referido - € 100.674,00.

- medicação (considerando a longevidade de 80 anos) - € 23.100,00.

- tratamentos de fisioterapia (com a limitação de dez anos) – 48.000,00.

- andarilho - € 1.300,00.

- poltrona - € 2.250,00.

- cadeira eléctrica - € 100.000,00.

- adaptação ao domicílio - € 14.692,80.

- barras de apoio à sanita - € 750,00.

- cadeira de duche - € 2.500,00.

- cadeira de rodas manual - € 5.000,00.

- estrado articulado - € 6.000,00.

- colchão anti-escaras - € 5.000,00.

Indemnização global: € 1.515.136,80.

Montante já pago a reduzir: € 40.880,13.

Valor indemnizatório final: € 1.474.335,87.

A A., no seu recurso de apelação, impugnou a limitação temporal de dez anos imposta pelo juiz a quo ao valor resultante dos tratamentos de fisioterapia e suscitou o erro de cálculo de não incluir no total da indemnização a quantia de € 5.834,23 referencia no ponto de facto 57.

A Seguradora Ré, na sua apelação, para além de impugnar a decisão de facto, impugnou o valor fixado a título de indemnização por danos morais (€ 175.000,00); invocou erro quantificação quanto aos itens “barras de apoio à sanita”, “cadeira de rodas manual” e “estrado articulado” que a seu ver reduz a indemnização arbitrada a este título para o montante de € 202.517,80.

Invoca a Ré recorrente que o acórdão recorrido padece de erro de cálculo na aferição do montante considerado para a “barra de apoio à sanita” e para o “estrado articulado”.

Concretamente, alegou:

Seguindo a linha de entendimento do Tribunal de 1.ª e 2.ª Instância, que tem por base a durabilidade dos bens (e a necessidade de substituições) até aos seus 80 anos, a Autora necessitaria de €375,00 para as barras de apoio à sanita (€75,00 x 5 substituições), de € 1.800,00 para a cadeira de rodas manual (€360,00x5) e de €3.500,00 para o estrado articulado (€700,00 x 5 substituições), o que justifica os valores considerados nos factos provados n.º 51, 53 e 54;

Não obstante ter considerado provados aqueles valores, o Tribunal de 1.ª Instância, na análise jurídica da decisão, transcreveu erradamente os valores unitários dos aludidos bens, o que se traduziu na aferição de um valor total para os referidos bens superior àquele que considerou na matéria de facto provada;

Para as barras de apoio à sanita atribuiu o valor total de € 750,00 (ao invés dos € 375,00), para a cadeira de rodas manual atribuiu o valor global de € 5.000,00 (em vez dos € 1.800,00) e para o estrado articulado atribuiu o montante total de € 6.000,00 (quando o valor a considerar seria de € 3.500,00);

O Tribunal de 1.ª Instância incorreu, assim, num erro de cálculo;

No entanto, também o próprio Tribunal a quo incorreu num erro de cálculo, decorrente de dois lapsos manifestos de escrita, pois indicou erradamente o valor respeitante às barras de apoio à sanita, visto que referiu que o mesmo “atinge 1.875” quando conforme se encontra provado no Facto 51 da matéria dada como provada, o mesmo atinge o valor de € 375,00, e não os “1.875” ali indicados;

O Tribunal a quo confundiu o valor referente ao estrado articulado (cuja correção havia sido peticionada em sede de recurso pela Ré) com o da cadeira de duche, pois para fundamentar a correção da condenação da indemnização por danos patrimoniais relativa aos factos 51, 53 e 54 da matéria dada como provada, o Tribunal da 2.ª Instância transcreveu o Facto 52 da matéria dada como provada, respeitante ao valor da cadeira de duche, em vez de transcrever o Facto 54 da matéria dada como provada, referente ao valor do estrado articulado;

O Tribunal a quo considerou como valor unitário das barras de apoio à sanita € 375,00 – que é o valor global das 5 substituições – e confundiu o estrado articulado com a cadeira de duche, devendo esse erro ser corrigido.

Entende a Recorrente subordinada que se trata de um manifesto erro de escrita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 249.º do Código Civil, que deverá ser retificado.

Do aludido erro de escrita resulta um erro de cálculo que é responsável por uma diferença no valor de indemnização, que sempre deverá ser atendida, devendo a indemnização arbitrada a esse título – danos patrimoniais emergentes – ser calculada de acordo com os valores dados com provados nos Factos 51, 53 e 54 da factualidade dada como provada, ou seja, pelos valores de € 375,00 (barras de apoio à sanita), €1.800,00 (cadeira de rodas manual) e € 3.500,00 (estrado articulado).

Verificando-se, igualmente, lapsos de escrita/erros de cálculo na parte final do Acórdão proferido, nomeadamente na parte da sua “Conclusão” e “Deliberação”.

Existe um erro de cálculo na referida tabela, em relação ao valor indicado para “Obras adaptação e facto 57)”;

Erro este facilmente verificável através da análise dos factos n.º 50 e 57 da matéria dada como provada.

Vejamos:

No acórdão recorrido foi feita a seguinte apreciação essencial relativamente a cada uma das apelações:

Apelação da A.

1º - Considerou-se procedente esta apelação no que se refere à limitação temporal de dez anos. Porém, introduziu-se um factor de moderação que reduziu o montante indemnizatório para € 210.000,00.

2º - Quanto ao citado erro de cálculo, reconheceu-o passando a aditar ao montante indemnizatório o valor de € 5.834,23.

Apelação da Ré.

1º Concedeu parcialmente razão reduzindo o valor da fixação do quantum indemnizatório por danos de natureza não patrimonial para € 150.000,00.

2º - No que concerne ao erro quantificação quanto aos itens “barras de apoio à sanita”, “cadeira de rodas manual” e “estrado articulado” que a seu ver reduz a indemnização arbitrada a este título para o montante de € 202.517,80, o acórdão considerou que se encontra provado o valor de € 6.175,00 para estes três itens (correspondente a € 1.875,00 + € 2.500,00 + € 1.800,00) pelo que na condenação de 1ª instância existiu um excesso de € 2.075,00.

Quanto às barras de apoio de sanita existe um lapso manifesto na medida em que o seu valor se encontra definido no ponto 51º onde se prevê um custo total de € 750,00 e não de € 6175,00.

No mesmo sentido, existe um erro na fixação do custo da cadeira de rodas manual, que ascende a € 1.800,00 e não a € 5.000,00, nos precisos termos do ponto de facto nº 53.

Ainda existe outro erro no cálculo do gasto do estrado articulado, que é de € 3.500,00 e não de € 6.000,00 em conformidade com o que consta do ponto de facto nº 54.

Apreciando:

Verificam-se efectivamente alguns erros nas contas efectuadas (de cálculo e de confusão entre verbas), registando-se igualmente a ausência da recomendável clareza na exposição de cada montante indemnizatório devido que importaria especificar de forma rigorosa e totalmente isenta de dúvidas.

Sanando tal situação, passar-se-á a indicar, ponto por ponto, os valores indemnizatórios correctos a que há que atender e que são os seguintes:

- danos não patrimoniais - € 150.000,00 (confirmando-se neste ponto o acórdão recorrido, com a redução do valor de € 175.000,00 fixado na sentença de 1ª instância)

- défice funcional permanente - € 446.500,00 (correspondendo à redução da capacidade de ganho, que não foi objecto de impugnação por parte da A. e da Ré).

- 20% do valor referido - € 89.300,00 (correspondendo actualização do valor indemnizatório correspondente à redução da capacidade de ganho, que não foi objecto de impugnação por parte da A. e da Ré).

(Note-se que se verifica, neste tocante, na sentença de 1ª instância um lapso aritmético quando à soma de € 446,600 com 89.300,00 foi fixado o resultado de € 535.000,00 em vez de 535.800,00, conforme é o valor correcto, que assim se rectifica).

- necessidade de terceira pessoa - € 503.370,00 (pontos de facto nº 42 e 56) (que, em si, não foi objecto de impugnação por parte da A. e da Ré).

- actualização de 20% do valor referido - € 100.674,00.

- medicação (considerando a longevidade de 80 anos) (ponto nº 45 dos factos provados) - € 23.100,00 (que, em si, não foi objecto de impugnação por parte da A. e da Ré).

- tratamentos de fisioterapia e transportes (ponto de facto nº 46) – € 240.000,00.

- andarilho (ponto de facto nº 47) - € 1.300,00.

- poltrona (ponto de facto nº 48) - € 2.250,00.

- cadeira de rodas eléctrica (ponto de facto nº 49º) - € 100.000,00.

- adaptação ao domicílio (ponto de facto nº 50) - € 14.692,80.

- barras de apoio à sanita (ponto de facto nº 51) - € 750,00.

- cadeira de duche (ponto de facto nº 52) - € 2.500,00.

- cadeira de rodas manual (ponto de facto nº 53) - € 1.800,00.

- estrado articulado (ponto de facto nº 54) - € 3.500,00.

- colchão anti-escaras (ponto de facto nº 55) - € 5.000,00.

- despesas na Unidade de Cuidados Permanentes de ... e de ... e transportes (ponto de facto nº 57) - € 5.834,23.

Indemnização global: € 1.690.571,03.

Montante já pago a reduzir: € 40.880,13.

Valor indemnizatório final: € 1.649.690,90.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) conceder parcialmente a revista (independente) apresentada pela A. e negar o recurso subordinado interposto pela Ré, alterando-se o montante indemnizatório a pagar pela Ré Seguradora à A. para o valor de € 1.649.690,90. (um milhão, seiscentos e quarenta e nove mil, seiscentos e noventa euros e noventa cêntimos), acrescido de juros nos termos estabelecidos no acórdão recorrido.

Custas pela A. recorrente e pela Ré recorrida, em relação ao seu recurso independente da primeira, na proporção do respectivo decaimento.

Custas pela Ré quanto ao seu recurso subordinado.

Lisboa, 6 de Março de 2024.

Luís Espírito Santo (Relator)

Graça Amaral

Rui Gonçalves

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.