Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
386/12.4TTTVD.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
APÓLICE UNIFORME
DEVER DE COMUNICAÇÃO
RETRIBUIÇÃO
MEDIADOR
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 06/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS.
Sumário :

I- Os seguros obrigatórios, nos quais se inclui o seguro por acidentes de trabalho, têm uma função social, in casu proteger a força de trabalho dos trabalhadores por conta de outrem, pelo que a teleologia associada à sua existência deve ser considerada na análise do regime de reparação infortunística;

II- Analisando o regime legal em conjugação com a apólice que enforma a relação contratual entre as Rés, encontramos, pelo menos, 3 obrigações declarativas directamente subjacentes ao dever de declaração/comunicação, as quais, no caso concreto, implicavam que a Ré – empregadora estivesse obrigada a:

(i) remeter as folhas de vencimento enviadas para a Segurança Social (o que fez);

(ii) declarar o valor de subsídio de refeição e de subsídio de deslocação (este último apenas na folha de Setembro);

(iii) informar que o ora Autor se encontrava em regime de estágio (de molde a permitir o cálculo da remuneração equiparada).

III- Tendo a Ré - empregadora incumprido as últimas duas obrigações declarativas, no que concerne à omissão de comunicação do subsídio de refeição e do subsídio de deslocação, que integram a retribuição, estamos perante uma omissão de componentes remuneratórios reais, isto é, efectivamente pagos ao trabalhador, logo cabe à empregadora suportar a diferença nos termos do artigo 79º, nº4 , 1ª parte, da LAT, e 23º da apólice; quanto à diferença reportada à remuneração equiparada, deverá a seguradora assumir a total responsabilidade.

IV- Esta última responsabilidade resulta da consideração da referida função social do seguro por acidentes de trabalho mas também do clausulado,  que tem várias normas que importa interpretar conjuntamente, compatibilizar e harmonizar entre si, juntamente com as normas imperativas da Apólice Uniforme e da LAT, não olvidando o elemento histórico, sendo que se é certo que a entidade empregadora cumpriu a obrigação de declarar a retribuição real (excepto na parte dos subsídios de refeição e de deslocação), também o é que não cumpriu a obrigação de declarar que o trabalhador é estagiário/aprendiz/formando e, consequentemente, informar qual a retribuição anual média ilíquida de um trabalhador com a mesma categoria profissional correspondente à formação/aprendizagem/estágio.

V- Não ficou provado qualquer facto que permita imputar alguma conduta incorrecta à mediadora de seguros, que pudesse ter implicado um prejuízo para a Ré - empregadora e que pudesse exigir o funcionamento do instituto do abuso de direito, com vista a bloquear a obrigação dessa Ré de assumir o pagamento do que resulta da diferença entre a retribuição declarada e os subsídios cuja declaração foi omitida.

Decisão Texto Integral:


Processo 386/12.4TTTVD.L1.S1
Revista
24/22

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA intentou a presente acção emergente de acidente de trabalho, sob a forma do processo especial, contra Mapfre - Seguros Gerais, S.A. e Associação Dianova Portugal - Intervenção em Toxicodependências e Desenvolvimento Social, IPSS, peticionando:
I- Sejam as Rés condenadas a pagar-lhe, na proporção das respectivas responsabilidades, a pensão que vier a ser calculada em função da incapacidade a fixar por junta médica, devida desde a data que vier a ser fixada como consolidação médico legal das lesões sofridas;
II- Seja a 1a Ré condenada no pagamento da quantia de € 5.533,68, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, a que alude o art. 67°, n°s 1 e 2, da lei n° 98/2009 de 04/09;
III- Sejam as Rés condenadas a pagar-lhe, na proporção das respectivas responsabilidades: a 1a Ré a quantia de € 6.368,61, a título de diferenças de indemnização por incapacidades temporárias relativas ao período de 23/09/2011 a 22/03/2014; a 2a Ré a quantia de € 4.544,20, a título de diferenças de indemnização por incapacidades temporárias relativas ao período de 23/09/2011 a 22/03/2014;
IV- Sejam as Rés condenadas no pagamento das diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária que venham a ser fixados por junta médica, desde 22/03/2014 até à data que for considerada como consolidação médico legal das lesões;
V- Seja a 1a Ré condenada no pagamento das despesas inerentes à adaptação do veículo do Autor, com a substituição de comandos pedais por comandos no volante ou manuais;
VI- Sejam as Rés condenadas no pagamento de juros de mora sobre as quantias em dívida;
VII- Subsidiariamente, para o caso de se entender que à data do acidente a retribuição real equiparada do Autor não se encontrava totalmente transferida para a 1a Ré (entendendo-se que a mesma apenas responde nos termos do art. 19°, n° 4, da Lei n° 98/2009 de 04/09), seja a 2ª Ré condenada, na respectiva proporção, no pagamento da pensão que vier a ser calculada cm função da incapacidade a fixar por junta médica, e ainda no pagamento das diferenças de indemnização que resultam da diferença entre o valor de que é responsável a seguradora e o valor da retribuição anual bruta no montante de € 12.295,79.
Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que no dia 22 de Setembro de 2011 sofreu um acidente de trabalho quando exercia as suas funções de ... em regime de estágio, tendo sofrido lesões que lhe determinaram incapacidade; que a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho estava transferida pela Ré- empregadora para a Ré- seguradora, mediante contrato de seguro, devendo a retribuição base mensal a ter em consideração ser a de € 700,00, que um ... auferia àquela data, nos termos do artigo 71.°, n.° 7, da Lei n.° 98/2009, de 04/09; que esta retribuição é acrescida dos subsídios de alimentação e de transporte que auferia e pelos quais deve responder a 2.a Ré por não as ter comunicado à 1.a Ré.
Requereu a realização de junta médica por não concordar com a incapacidade atribuída pelo perito médico no exame singular.
A Ré- seguradora contestou alegando, em suma: que a responsabilidade se encontra para si transferida pela 2a Ré até ao valor da retribuição mínima mensal na altura do acidente, ou seja, € 485,00 x 14 meses, num total de € 6.790,00, uma vez que nas folhas de férias referentes ao mês de Agosto de 2011 o salário indicado para o Autor foi de € 419,22; que nas folhas de férias remetidas a si pela Associação Dianova Portugal, IPSS, não foi indicado o pagamento de qualquer outro valor, designadamente subsídio de almoço e de transporte e que, anteriormente ao acidente dos autos, a 2a Ré nunca a informou ou comunicou que o Autor exercia funções em regime de estágio. Defendeu a sua absolvição parcial do pedido e requereu também a realização de exame por junta médica ao Autor.
Também a Ré - empregadora deduziu contestação, excepcionando a sua ilegitimidade passiva em virtude de ter a sua responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho integralmente transferida para a 1a Ré, tendo procedido como lhe indicou o mediador de seguros da 1a Ré, enviando a folha de retribuições mediante upload na página da Mapfre do mesmo ficheiro de remunerações mensalmente remetido à Segurança Social, nunca tendo a 1a Ré feito qualquer reparo a esta forma de proceder, e tendo, mês após mês, recebido e processado as folhas de retribuições enviadas pela 2a Ré. Defendeu-se ainda por impugnação, alegando que inexistia subsídio de transporte na relação contratual entre si e o sinistrado, o que justifica a sua não inclusão na folha de férias remetida à seguradora, bem como que inexistiu nexo de causalidade entre o acidente dos autos e as lesões invocadas. Requereu ainda que o Autor fosse submetido a perícia médico-legal por junta médica para efeitos de fixação de eventual incapacidade para o trabalho
Proferido despacho saneador, nele se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva.
Procedeu-se ao julgamento e foi proferida sentença do seguinte teor:

I – Condeno a ré “MAPFRE – SEGUROS GERAIS, S.A.”:

a) - A pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 3.645,74, devida desde 21/12/2014, pagável, adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que, nos meses de Junho e Novembro deverão acrescer mais 1/14, a título de, respectivamente, subsídio de férias e subsídio de Natal, operando a compensação com a quantia já paga a título de pensão provisória, acrescida de juros legais desde o vencimento de cada uma das prestações e sobre o montante respectivo;

b) – A pagar ao autor a quantia de € 12.543,28, a título de indemnização por incapacidades temporárias, abatendo a esta quantia a que já foi paga a este título, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento respectivo e até efectivo pagamento.

c) - A pagar ao autor uma pensão a título de IPA, por conversão da ITA, correspondente ao período de 23/03/2014 a 20/12/2014, no montante de € 4.634,41, acrescida de juros legais desde 21/12/2014;

d) - A pagar ao autor o montante de € 3.631,77, a título de subsídio por elevada incapacidade, previsto no art. 67º, nº 3, da LAT, acrescido de juros legais desde 21/12/2014.

II – Condeno a ré “ASSOCIAÇÃO DIANOVA PORTUGAL – INTERVENÇÃO EM TOXICODEPENDÊNCIAS E DESENVOLVIMENTO SOCIAL, IPSS”:

a) - A pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 1.909,25, devida desde 21/12/2014, pagável, adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que, nos meses de Junho e Novembro deverão acrescer mais 1/14, a título de, respectivamente, subsídio de férias e subsídio de Natal, acrescida de juros legais desde o vencimento de cada uma das prestações e sobre o montante respectivo;

b) – A pagar ao autor a quantia de € 6.568,84, a título de indemnização por incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento respectivo e até efectivo pagamento.

c) - A pagar ao autor uma pensão a título de IPA, por conversão da ITA, correspondente ao período de 23/03/2014 a 20/12/2014, no montante de € 2.427,01, acrescida de juros legais desde 21/12/2014;

d) - A pagar ao autor o montante de € 1.901,93, a título de subsídio por elevada incapacidade, previsto no art.º 67.º, n.º 3, da LAT, acrescido de juros legais desde 21/12/2014.

III – Condeno ambas as rés, na proporção das respectivas responsabilidades, no pagamento das despesas inerentes à adaptação do veículo do autor, com a substituição de comandos pedais por comandos no volante ou manuais.”

A Ré – empregadora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação proferido acórdão, com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, decide-se:
5.1. eliminar o ponto 5. da base instrutória dos factos “não provados”;
5.2. aditar à decisão de facto as alíneas S-l) e S-2) dos factos provados;
5.3. alterar as alíneas A) e H) dos factos provados;
5.4. conceder parcial provimento à apelação e alterar a sentença da 1.ª instância e, em sua substituição:

5.4.1. condenar a R. Mapfre-Seguros Gerais, S.A.:
a) A pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 5.144,88, devida desde 21de Dezembro 2014, pagável, adiantada e mensalmente, até ao 3° dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que, nos meses de Junho e Novembro deverão acrescer mais 1/14, a título de, respectivamente, subsídio de férias e subsídio de Natal, operando a compensação com a quantia já paga a título de pensão provisória, acrescida de juros legais desde o vencimento de cada uma das prestações e sobre o montante respectivo;
b) A pagar ao autor a quantia de € 17.471,98, a título de indemnização por incapacidades temporárias, abatendo a esta quantia a que já foi paga a este título, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento respectivo e até efectivo pagamento.
c) A pagar ao autor uma pensão a título de IPA, por conversão da ITA, correspondente ao período de 23 de Março de 2014 a 20 de Dezembro de 2014, no montante de € 6.455,44, acrescida de juros legais desde 21/12/2014;
d)  A pagar ao autor o montante de € 4.529,33, a título de subsídio por elevada incapacidade, previsto no art. 67°, n° 3, da LAT, acrescido de juros legais desde 21 de Dezembro de 2014.

5.4.2. condenar a R. ora recorrente “Associação Dianova Portugal - Intervenção em Toxicodependências e Desenvolvimento Social, IPSS”:
a)  A pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 1.140,86, devida desde 21 de Dezembro de 2014, pagável, adiantada e mensalmente, até ao 3° dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que, nos meses de Junho e Novembro deverão acrescer mais 1/14, a título de, respectivamente, subsídio de férias e subsídio de Natal, operando a compensação com a quantia já paga a título de pensão provisória, acrescida de juros legais desde o vencimento de cada uma das prestações e sobre o montante respectivo;
b) A pagar ao autor a quantia de € 3.874,36, a título de indemnização por incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento respectivo e até efectivo pagamento.
c) A pagar ao autor uma pensão a título de IPA, por conversão da ITA, correspondente ao período de 23 de Março de 2014 a 20 de Dezembro de 2014, no montante de € 1.431,47, acrescida de juros legais desde 21 de Dezembro de 2014;
d) A pagar ao autor o montante de € 1.004,37, a título de subsídio por elevada incapacidade, previsto no artº. 67.°, n° 3, da LAT, acrescido de juros legais desde 21 de Dezembro de 2014.

5.4.3. Condenar ambas as rés, na proporção das respectivas responsabilidades, no pagamento das despesas inerentes à adaptação do veículo do autor, com a substituição de comandos pedais por comandos no volante ou manuais.”

Inconformadas, ambas as Rés interpuseram recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

- A Ré- seguradora:

1 - A Recorrente não se conforma com o entendimento expresso no douto Acórdão da Relação, segundo o qual “ a omissão, pelo tomador do seguro, da indicação da qualidade de estagiário nas folhas de remuneração remetidas pelo empregador à seguradora(com alusão à retribuição de um trabalhador com a atividade correspondente ao estágio), não determina a exoneração pura e simples da seguradora relativamente ao valor da retribuição ficcionada e não indicada nas folhas de férias, devendo a seguradora assumir em tais circunstâncias o pagamento da integralidade das prestações devidas, sem prejuízo, caso o entenda, de exercer o direito de resolver o contrato de seguro ou, ulteriormente, o direito de regresso relativamente àquele valor excedente”.

2 - O presente recurso de revista assenta na discordância da Recorrente relativamente ao mencionado entendimento e na consequente responsabilização da mesma pelo pagamento de uma reparação, ao Autor, em virtude do acidente de trabalho dos autos, tendo por base de cálculo uma retribuição anual de € 9.590,00 (€ 685,00 X14 meses).

3 - A Recorrente entende que apenas se encontrava para si transferida, ao abrigo de contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, uma retribuição anual de € 6.790,00 (€ 485,00 X 14 meses) e consequentemente, tal como se decidiu em 1ª instância, apenas é responsável pelo pagamento de uma reparação tendo por base de cálculo esse valor.

4 - O Tribunal a quo considerou, como aliás resultou provado, que a entidade empregadora não cumpriu o dever de comunicação da qualidade de estagiário, nem da retribuição equiparada de um trabalhador com as mesmas tarefas, relativamente ao Autor, nada indicando que tal obrigação estivesse deficientemente formalizada na apólice ou que fosse apenas de cumprimento anual como havia alegado a Ré entidade patronal.

5 - Não obstante esta consideração, o Tribunal a quo entendeu que daí não se pode concluir que a entidade patronal não transferiu a sua responsabilidade em relação à retribuição devida ao Autor, na parte que excede os valores salariais comunicados nas folhas de férias remetidas à seguradora.

6 – O Tribunal a quo defende ainda que o seguro de acidentes de trabalho se reveste de particularidades e que o regime contratual, expresso na parte uniforme das condições gerais do seguro obrigatório de acidentes de trabalho por conta de outrem, a par com o regime contido na Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal nº 1/2009-R, certamente imbuídos da referida preocupação social, conduz à conclusão de que a omissão da indicação da qualidade de estagiário nas folhas de remunerações remetida à seguradora, não determina a exoneração pura e simples da seguradora relativamente ao valor da retribuição ficcionada e não indicada nas folhas de férias, devendo a seguradora assumir em tais circunstâncias o pagamento da integralidade das prestações devidas, sem prejuízo de exercer o direito de resolver o contrato de seguro ou , ulteriormente, o direito de regresso relativamente àquele valor excedente.

7 - A Norma Regulamentar n.º 1/2009-R, de 8 de janeiro, que aprovou a Parte Uniforme das Condições Gerais da Apólice de Seguro Obrigatório de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, bem como as respetivas Condições Especiais, estipula no seu artigo 21º, sob a epígrafe “Retribuição segura” que: “1 - A determinação da retribuição segura, valor na base do qual são calculadas as responsabilidades cobertas por esta apólice, é sempre da responsabilidade do tomador do seguro.(…) 4 - Se a pessoa segura for praticante, aprendiz ou estagiário, a retribuição segura deve corresponder à retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e categoria profissional correspondente à sua formação, aprendizagem ou estágio”. Negrito e sublinhado nosso.

8 - O artigo 23º da mesma Norma Regulamentar n.º 1/2009-R, de 8 de Janeiro, por sua vez, estipula que “ No caso de a retribuição declarada ser inferior à efetivamente paga, o tomador do seguro responde: a) Pela parte das indemnizações e pensões correspondente à diferença; b) Proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado”.

9 - Finalmente o artigo 24º da mesma Norma refere que “1- O tomador do seguro obriga-se: a) A enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, conhecimento do teor das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à Segurança Social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo ser mencionada a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho, devendo ainda ser indicados os praticantes, os aprendizes e os estagiários”.

10 - Vertendo para o caso concreto, agora em apreciação, temos que a retribuição do Autor, para efeitos de seguro, deveria corresponder à retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e categoria profissional correspondente à sua formação, aprendizagem ou estágio e que a Ré entidade patronal era a responsável pela determinação da retribuição segura, sendo o valor desta a base a partir da qual são calculadas as responsabilidades cobertas pela apólice.

11 – A Ré entidade patronal, apesar de responsável pela determinação da retribuição segura no que concerne ao Autor, indicou à Recorrente um valor que não correspondia à retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e categoria profissional correspondente à sua formação, aprendizagem ou estágio daquele, omitindo ainda a qualidade de estagiário do Autor.

12 - Salvo o devido por melhor opinião, estamos perante uma situação em que é aplicável o previsto no artigo 23º da Norma Regulamentar n.º 1/2009-R, de 8 de Janeiro, ou seja, a Ré entidade patronal responde: a) Pela parte das indemnizações e pensões correspondente à diferença; b) Proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado.

13 - Se por força do mencionado nº 1 do artigo 21º da norma Regulamentar n.º 1/2009-R, de 8 de janeiro, a responsabilidade da indicação correta da retribuição a ter em conta para efeitos cobertura da reparação infortunística compete à entidade patronal, como se viu, não se vislumbra (sempre com a ressalva do respeito devido por opinião diversa), qual a razão para que no caso dos estagiários ou aprendizes, não impenda sobre ela exatamente a mesma obrigação.

14 - Para efeitos de cobertura da reparação infortunística - e por força de lei - a remuneração a ter em conta, não é aquela que o trabalhador acidentado na realidade aufere, mas antes uma outra que o legislador determina como deve ser calculada. E naturalmente que qualquer entidade patronal minimamente diligente, não pode desconhecer a existência desta cláusula, que consta do contrato que subscreveu.

15 - No caso de seguro relativo a estagiários, continua a competir ao empregador (ou ao tomador do seguro), a indicação da remuneração correta, para efeitos infortunísticos, devendo para tal efetuar os cálculos que a lei e o contrato de seguro determinam, tanto mais que neste caso a Recorrente nem sequer tinha conhecimento da qualidade de estagiário do Autor, para poder proceder à “correcção” do que lhe era apresentado pela Ré entidade patronal e cobrar o prémio de acordo com o quantitativo, que por força de lei tem que ser coberto pelo seguro.

16 - É sobre a entidade empregadora que impende o dever de indicar a retribuição correta (real ou legalmente ficcionada), para efeitos de transferência da sua responsabilidade infortunística e os regimes legalmente estabelecidos, não podem ser considerados casuisticamente, antes se impondo de modo genérico, a todas as situações que preveem.

17 - Logo, por força do artigo 23º da Norma Regulamentar n.º 1/2009-R, de 8 de Janeiro, a Ré entidade patronal é responsável pela reparação do acidente sub judice, em todos os valores que excedem a retribuição mínima mensal garantida na altura do acidente, ou seja, por todos os valores que excedam a quantia de € 485,00 X 14 meses.

18 - Salvo o devido respeito por melhor opinião, em face do supra referido, não se aceita que a apólice uniforme estatua a cobertura, por parte da seguradora, da diferença retributiva entre o salário indicado como               remuneração de um estagiário e o salário devido a um trabalhador que exerça atividade correspondente, quando este último não foi declarado à seguradora e tão pouco o tendo sido a qualidade de estagiário do trabalhador.

19 - Nem se afigura plausível, nem mesmo em face da invocada relevância e interesse social do seguro obrigatório de acidentes de trabalho, um tratamento diferente para as situações em que a remuneração declarada à seguradora pela entidade patronal é inferior à efetivamente recebida e para uma situação em que a entidade patronal, sendo a responsável pela determinação da retribuição segura, indica um valor que não corresponde ao valor que deveria declarar e também não comunica à seguradora elementos que lhe permitam fazer a determinação desse valor.

20 - A ser mantida a decisão agora em crise, a Recorrente irá pagar uma indemnização inerente a um capital em relação ao qual não recebeu qualquer prémio como contrapartida.

21 - E o não cumprimento da obrigação de indicar “a remuneração correta para efeitos infortunísticos, devendo para tal efetuar os cálculos que a lei e o contrato de seguro determinam, que incumbia à Ré entidade patronal, também ela demandada nos autos, irá penalizar a ora Recorrente que não omitiu o cumprimento de nenhuma das obrigações a que estava obrigada por força do contrato de seguro.

22 –A lançar-se sobre a Recorrente toda a responsabilidade de reparação, estar-se-á a olvidar que a Ré entidade patronal pagou um prémio inferior ao que deveria ter pago, o que não deixaria de se traduzir numa situação de favorecimento para a empregadora que, pagando menos do que devia (o que apenas sucedeu por não ter feito uma declaração correta da remuneração a considerar para estes efeitos), acaba por se ver livre de qualquer responsabilidade indemnizatória ( pelo menos nos presentes autos).

23 - Sendo a entidade patronal demandada nos presentes autos e consequentemente suscetível de ser condenada nos mesmos ao pagamento da retribuição que excede o salário mínimo nacional na data do acidente, como aliás, sucedeu em primeira instância, não se alegue contra o supra exposto uma eventual possibilidade de direito de regresso da Recorrente sobre a Ré entidade patronal.

24 - Salvo o devido respeito por melhor opinião, o disposto na condição especial 01 anexa à Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho, não é aplicável ao caso vertente ou a qualquer situação de sinistro e o seu âmbito não é o de permitir acerto de salários não declarados, mas apenas possibilitar a fixação de um prémio provisório com base numa estimativa de salários, nos casos

em que à entidade patronal não seja possível antecipar o volume de salários anual.

25 - Ou seja, a referida cláusula não visa permitir fazer acerto de salários não declarados nas folhas de férias, nem visa permitir acertos de prémios, após a ocorrência de sinistros, para contemplar valores de remunerações não declarados nas folhas de férias.

26 - Do mesmo modo, a possibilidade consagrada na Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho, de a seguradora resolver o contrato, ou cobrar no final da anuidade um prémio não estornável correspondente a 30% do prémio provisório anual, apenas tem aplicação quando o tomador do seguro não cumpra a obrigação de remeter as folhas de retribuições periodicamente e não quando este não declare os valores reais das remunerações pagas aos seus trabalhadores.

27 - A possibilidade consagrada na Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho, de a seguradora resolver o contrato, ou cobrar no final da anuidade um prémio não estornável correspondente a 30% do prémio provisório anual, não se trata de uma sanção prevista em caso de sinistro, no qual não foi declarada a retribuição real do trabalhador. Para o caso de o tomador do seguro não declarar os valores das retribuições efetivamente auferidas pelos trabalhador, a sanção prevista é responder o tomador “ pela parte excedente das indemnizações e pensões; ii) proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado”.

28 - Em face do exposto, salvo uma vez mais o devido respeito por melhor opinião, entende-se que a Ré entidade patronal é responsável pela reparação do acidente sub judice, em todos os valores que excedem a retribuição mínima mensal garantida na altura do acidente, ou seja, por todos os valores que excedam a quantia de € 485,00 X 14 meses.

29 - Pelo que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão na parte em que condenou a ora Recorrente na reparação do acidente sub judice, em valores que excedem a retribuição mínima mensal garantida na altura do acidente, ou seja, por todos os valores de reparação calculados com base no vapor de retribuição anual de € 6.790,00 (€ 485,00 X 14) dado ser este o montante de retribuição efetivamente transferida para a Ré seguradora pela Ré entidade patronal.
A Ré- empregadora:

a) O presente recurso é interposto contra o acórdão do TRL de 24.03.2021, na parte em que manteve a condenação da 2.ª ré no pagamento de parte das quantias devidas pela reparação dos danos sofridos pelo autor.

b) O TRL decidiu que a 2.ª ré devia responder pela parte da compensação, calculada com base na retribuição anual do autor, correspondente dos subsídios de alimentação e transporte.

c) Em face do ónus legal que impende sobre a recorrente, consideram-se, em particular, violadas as seguintes normas jurídicas:

(i) de direito substantivo, entre outras:

– art.º 71.º, 79.º da Lei de Acidentes de Trabalho;

– art.º 2.º e cláusulas preliminar, 23.ª e condição especial 01 da Norma Regulamentar do ISP n.º 1/2009-R;

– art.º 334.º, 351.º, 500.º e 800.º, todos do Código Civil.

(ii)        de direito processual, entre outras:

– art.º 607.º, n.º 5 do CPC relativos à valoração da prova.

d) A recorrente considera que não foram devidamente apreciadas e aplicadas, face à factualidade estabelecida pelas Instâncias, as normas legais relativas ao abuso de direito e responsabilidade da 1.ª pelos atos do agente de seguros, bem como as normas legais e contratuais que regem o contrato de seguro celebrado entre as rés.

e) Consta, com particular relevo, dos factos provados o seguinte:
“H) A 2ª ré tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a seguradora, 1ª ré, através da apólice n.º ...9, junta a fls. 8 a 12 dos autos e em vigor entre 01 de Janeiro de 2011 e 01 de Janeiro de 2012, com condições gerais, especiais e particulares juntas a fls. 2 a 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, encontrando-se o quadro de pessoal seguro conforme folhas de férias mensalmente remetidas pela 2ª ré à 1ª ré – alínea H) dos factos assentes.

J) - A 2ª ré, para o envio das folhas de férias, não teve que preencher quaisquer campos em plataforma informática fornecida pela 1ª ré, limitando-se a remeter o mesmo ficheiro que também enviou à Segurança Social – alínea J) dos factos assentes.

S1) O mediador de seguros comunicou à 2.ª ré que podia enviar à 1.ª ré seguradora o ficheiro que é mensalmente remetido à Segurança Social mediante upload na página da Mapfre.

S2) A 2.ª ré remeteu efetivamente à seguradora os referidos ficheiros remetidos à Segurança Social ao longo do tempo por que vigorou o contrato de seguro, carregando-os mensalmente e nunca a 1.ª ré tendo feito qualquer reparo, recebendo e processando todas as folhas de retribuição enviadas pela 2.ª ré.”

f) O TRL não podia ter concluído que o agente de seguros (qualidade resultante de fls. 8) não atuava por conta e no interesse da 1.ª ré. Foi com este agente de seguros que a 2.ª ré sempre lidou a propósito do seguro de acidente de trabalho em causa nestes autos, desde a sua contratação, execução até à sua extinção.

g) Trata-se de um seguro iniciado em 05.12.2001 (fls. 8) e que perdurou durante dez anos, ao longo dos quais a 1.ª ré sempre validou ou conformou-se com os atos praticados pelo agente de seguros, face à ausência de quaisquer incidentes contratuais nesse período – facto provado S2).

h) Este agente de seguros atuou em nome e por conta de uma empresa de seguros, neste caso a 1.ª ré (prova documental e factualidade estabelecida), nos termos do art.º 8, alínea b) do DL n.º 144/2006.

i) Tem também, nesta matéria, total cabimento a aplicação da regra consagrada na cláusula 31.ª, n.º 3 da Norma Regulamentar do ISP n.º 1/2009-R: consideram-se eficazes os atos deste agente de seguros porque se verifica, concretamente, o seguinte:

(i) Existência de razões ponderosas objetivamente apreciadas: longa relação contratual de 10 anos entre as rés, sempre geridas por este agente de seguros;

(ii) Circunstâncias do caso que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador: fornecimento de instruções específicas pelo agente de seguros (facto provado S1) e decurso de dez anos sem qualquer incidente contratual (facto provado S2);
(iii) Contribuição do segurador para fundar a confiança do tomador do seguro: o mesmo decurso de dez anos sem qualquer incidente contratual entre as rés(facto provado S2).

j) Daí que, desde logo pela aplicação das regras consagradas, quer no art.º 500.º, quer no art.º 800.º, ambos do CC, qualquer informação erroneamente transmitida pelo referido agente de seguros tenha de ser assumida pela própria entidade por conta de quem este atua: a 1.ª ré.

k) A 1.ª ré nunca se opôs à atuação, durante 10 anos, do referido agente de seguros, tendo sempre, perante a 2.ª ré, validado todos os atos daquele sem nunca ter feito qualquer observação ou reparo.

l) A 1.ª ré inclusivamente aceitou que fosse o referido agente de seguros a informar a 2.ª ré sobre a forma de comunicação dos vencimentos dos seus trabalhadores, através das folhas obtidas no site da Segurança Social.

m) E foi, ao abrigo dessas instruções, nos termos provados nos factos S1), que levou a 2.ª ré a comunicar as retribuições nos termos em que o fez.

n) Nestes autos, a 1.ª ré tenta prevalecer-se do exercício de direito, baseado no incumprimento do dever de comunicação nos termos legais e contratuais, quando foi a mesma – maxime o agente de seguros em seu nome – quem informou e determinou a forma de cumprimento dessa obrigação de comunicação pela 2.ª ré.

o) Seja por recurso à figura do art.º 500.º ou 800.º do Código Civil, a 1.ª ré tem de assumir os atos praticados pelo agente de seguros e, bem assim, responder pelo prejuízo que dos mesmos possa decorrer, inclusivamente em seu direto desfavor.

p) Entendimento contrário, pelas razões de facto e de direito acima mencionadas, constituirá atuação em abuso de direito, a qual é proibida pelo art.º 334.º do CC, devendo por isso ser a 1.ª ré considerada a exclusiva responsável por todos os danos decorrentes do sinistro em causa, absolvendo in totum a 2.ª ré do pedido.

q) Igual decisão se alcançará pela aplicação das normas contratuais estabelecidas entre as rés, mais concretamente as que constam da Condição Especial CE 01 – Seguros de prémio variável (fls. 6 verso dos autos).

r) Nesta cláusula, sob o n.º 4, é estabelecida a consequência contratual para o não cumprimento da obrigação do tomador de seguro comunicar as retribuições para efeito de cálculo na reparação por acidente de trabalho:

– “Quando o Tomador do Seguro não cumprir a obrigação referida no n.º 1, a Mapfre, sem prejuízo do seu direito de resolução, cobra no final da anuidade um prémio não estornável correspondente a 30% (trinta por cento) do prémio provisório anual, podendo ainda exigir o complemento do prémio que se apurar ser devido em função das retribuições que realmente deviam ter sido declaradas.”

s) A convenção resultante desta norma, contante de condição especial, prevalece sobre quaisquer outros normativos por força da aplicação conjugada do art.º 2.º, n.º 2 do Norma Regulamentar do ISP n.º 1/2009-R e da cláusula preliminar da AU.

t) Esta condição especial CE 01 – Seguros de prémio variável, assumida pelas partes na sua relação contratual, afasta, em benefício da tomadora do seguro (porque desde logo não exclui a cobertura) a aplicação do art.º 79.º, n.º 4 e 5 da LAT, da cláusula 23.ª da Apólice Universal e, bem assim, do art.º 16.º das condições gerais de fls. 11.

u) Daí que, face ao clausulado entre as partes, a sanção contratual, para o não cumprimento da obrigação do tomador de seguro comunicar as retribuições para efeito de cálculo na reparação por acidente de trabalho, não seja a exclusão da cobertura do seguro.

v) O que afasta a responsabilidade da 2.ª ré quanto ao pagamento da compensação pela parte em que o cálculo da retribuição considera os valores relativos aos subsídios de alimentação e de deslocação.

w) Devendo, nos termos contratuais e nos termos legais, ser a 1.ª ré a única e exclusiva responsável pela reparação dos danos do autor e, nessa medida, a 2.ª ré não possa ser coresponsabilizada, impondo-se a sua absolvição integral do petitório.
x) E, a final, decidirão Vossas Excelências ainda o que mais reputem necessário, sempre em Doutíssimo Suprimento.

Foram apresentadas contra-alegações.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de serem negadas as revistas.

x
Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como questões em discussão:

Revista da Ré - seguradora:

- saber se, atenta a falta de comunicação por parte da Ré- empregadora de que o sinistrado era estagiário, bem como do valor total que o mesmo efectivamente recebia, a Ré - seguradora não devia ser responsabilizada apenas e tão-só até ao valor da retribuição anual que correspondesse ao valor da retribuição mínima mensal garantida, isto é, € 6.790,00 (= € 485,00 x 14 meses), por ter sido este o montante de retribuição efectivamente transferido para a Ré- seguradora;

Revista da Ré - empregadora:

- saber se a responsabilidade é exclusiva da Ré- seguradora, atenta a informação que o agente/mediador de seguros transmitiu à Ré - empregadora, sobre a forma como esta Ré devia proceder às comunicações do pagamento da retribuição.    

x

Estão fixados os seguintes factos como provados (já com as alterações promovidas pelo Tribunal da Relação):
A) O autor e a 2a ré subscreveram no dia 01 de Agosto de 2011, o escrito junto a fls. 45 a 48, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual declaram que ajustam um “contrato de formação em posto de trabalho”, comprometendo-se a 2." ré a proporcionar ao A. um estágio profissional em contexto real de trabalho, ao abrigo do “...”, com início em 01 de Agosto de 2001 e terminando em 31 de Maio de 2012 - alínea A) dos factos assentes.
B) Em 22 de Setembro de 2011, o autor, quando se encontrava a exercer funções na 2a ré, ao abrigo do contrato referido em A), e participava de um jogo de futebol com os utentes da 2ª ré, torceu o joelho esquerdo - alínea B) dos factos assentes.
C) O autor foi sempre acompanhado medicamente através dos serviços clínicos da Ia ré - alínea C) dos factos assentes.
D) Em 20/12/2014, a Ia ré atribuiu ao autor alta definitiva, atribuindo-lhe uma IPP de 14,5% a partir dessa data - alínea D) dos factos assentes.
F) À data do acidente, o autor era ... em regime de estágio - alínea Ij dos jactos assentes.
H) A 2a ré tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a seguradora, 1a ré, através da apólice n.° ...9, junta afls. 8 a 12 dos autos e em vigor entre 01 de Janeiro de 2011 e 01 de Janeiro de 2012, com condições gerais, especiais e particulares juntas a fls. 2 a 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, encontrando-se o quadro de pessoal seguro conforme folhas de férias mensalmente remetidas pela 2a ré à Ia ré - alínea H) dos factos assentes.
I) Nas folhas de férias referentes ao mês de Agosto de 2011, o salário indicado para o autor foi de € 419,22, não sendo indicado o pagamento de qualquer outro valor - alínea I) dos factos assentes.
J) A 2a ré, para o envio das folhas de férias, não teve que preencher quaisquer campos em plataforma informática fornecida pela 1" ré, limitando-se a remeter o mesmo ficheiro que também enviou à Segurança Social — alínea J) dos factos assentes.
K) O sinistrado é pai de BB, nascido a .../.../2003 - alínea K) dos factos assentes.
L) O autor nasceu no dia .../.../1975 - alínea L) dos factos assentes.
M) Em 22/02/2001, o autor sofreu um acidente de trabalho, do qual resultou um traumatismo do joelho esquerdo, tendo o autor sido submetido a uma cirurgia. No âmbito do processo inerente a tal acidente de trabalho, que correu termos sob o n.° 595/2001, junto do Tribunal do Trabalho de Coimbra, foi fixada ao autor uma incapacidade permanente parcial de 5% - alínea M) dos factos assentes.
N) Em 22/03/2014 o autor completou 30 meses de incapacidade temporária absoluta - resposta ao quesito 1o.
O) Em consequência do evento referido em B), o autor sofreu as lesões traumáticas constantes do exame médico de fls. 110 a 112, que aqui se dá por integralmente reproduzido - resposta ao quesito 2°.
P) À data da ocorrência do acidente, a 2a ré tinha ao seu serviço 3 trabalhadores com a categoria profissional de ..., auferindo a retribuição base mensal de € 700,00 dois deles e € 685,00 o terceiro - resposta ao quesito 3°.

Q) Em decorrência do acidente dos autos, o autor ficou afectado para o exercício da condução automóvel, pois tem dificuldade em utilizar os comandos pedais da sua viatura - resposta ao quesito 6.
R) A viatura do autor carece de ser intervencionada no sentido de lhe serem colocados comandos manuais, em substituição dos comandos pedais que o autor não consegue utilizar - resposta ao quesito 8°.
S) Nunca, antes do acidente a 2a ré informou a 1a ré que o autor era seu trabalhador em regime de estágio, apenas o tendo feito aquando da participação do mesmo acidente - resposta ao quesito 9°.
S-l) O mediador de seguros comunicou à 2.a ré que podia enviar à 1.a ré seguradora o ficheiro que é mensalmente remetido à Segurança Social mediante upload na página da Mapfre.
S-2) A 2." ré remeteu efectivamente à seguradora os referidos ficheiros remetidos à Segurança Social ao longo do tempo por que vigorou o contrato de seguro, carregando-os mensalmente e nunca a 1.a ré tendo feito qualquer reparo, recebendo e processando todas as folhas de retribuição enviadas pela 2a ré.
T) Nas folhas de retribuições, enviadas pela 2a ré à 1a ré, apenas constavam os montantes remuneratórios efectivamente sujeitos a descontos para a Segurança Social - resposta ao quesito 12°.
U) Em Agosto de 2011, a 2a ré não pagou ao autor subsídio de deslocação, o qual só lhe foi atribuído em Setembro - resposta ao quesito 14°.
V) Subsídio este que, por força do contrato de bolsa de estágio ao abrigo do qual o autor desenvolvia actividade para a 2a ré, estava limitado ao valor mensal de € 52,40 - resposta ao quesito 15°.
W) E destinava-se a compensar o autor pelos custos associados à sua deslocação diária entre ... e ... para frequência do estágio - resposta ao quesito 16°.
X) No âmbito do regime da bolsa de estágio em que o autor se encontrava, não estava previsto o pagamento dos subsídios de férias e de Natal - resposta ao quesito 17°.
Y) A apólice, referida em H), foi anulada 1 ou 2 meses depois do acidente - resposta ao quesito 18°.

Z) O autor desloca-se com o auxílio de uma canadiana e utiliza permanentemente uma joelheira com uma estrutura de ferro e controlo de flexão e extensão, equipamento que lhe foi fornecido pela Ia ré - resposta ao quesito 19.
AA) À data do acidente, o autor auferia ainda a quantia de € 140,91 x 11 de subsídio de alimentação - resposta ao quesito 20°.
AB) As folhas de férias, referidas em I), foram as únicas enviadas onde consta o autor - resposta ao quesito 21°.
AC) Por decisão de fls. 268 e 269 do apenso de fixação da incapacidade para o trabalho (apenso A), foi fixada em 18,245% com IPATH a I.P.P. que afecta o autor desde 20/12/2014 (data da alta).

x
- o direito:

Relativamente à medida da responsabilidade de cada Ré, o Tribunal da Relação decidiu:

- considerou que relativamente à não transferência dos montantes do subsídio de refeição e de deslocação a responsabilidade é da Ré- empregadora, uma vez que não comunicou esses montantes à Ré- seguradora, confirmando nesta parte a sentença da primeira instância;

-considerou que não houve abuso de direito da Ré - seguradora, nem má-fé, e que não resulta da factualidade provada que o mediador de seguros tivesse poderes de representação da mesma Ré;

- considerou que a Ré- empregadora não havia cumprido a obrigação de informação de que o sinistrado era estagiário e de qual a retribuição equiparada àquela categoria, para um trabalhador não estagiário, mas entendeu que o regime legal não contempla, nessa situação, que a responsabilidade deixe de ser da seguradora; é esta quem tem, à mesma, de indemnizar, ainda que possa depois exercer direito de regresso em relação à Ré- empregadora, porquanto esta não havia cumprido a sua obrigação de informação (decisão distinta da primeira instância).

É pacífico que o Autor sofreu um acidente de trabalho em 22 de Setembro de 2011.
Também não sofre controvérsia que o sinistrado era, à data do acidente, estagiário, sendo que estamos perante umas das situações em que a LAT privilegia, em detrimento dos valores efectivamente auferidos pelo sinistrado, a “retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça actividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio”- artº 71º, nº 1.
Assim sendo, e como é pacificamente aceite pelas partes e se fixou nas instâncias, a retribuição a ter em conta para efeitos de reparação é a de € 10.346,42.
Passando à questão objecto da revista da Ré- seguradora, temos que a mesma discorda do acórdão recorrido na parte em que o mesmo entendeu que a consequência da omissão da qualidade de estagiário do sinistrado nas folhas de férias remetidas pela Ré- empregadora à Ré- seguradora não é a pura  e simples exoneração da seguradora do pagamento da prestações correspondentes à retribuição ficcionada nos termos do citado artº 71º, nº 1, da LAT, mas antes a assunção por parte da mesma seguradora do pagamento da integralidade das prestações devidas, sem prejuízo do direito de resolver o contrato de seguro ou ulterior direito de regresso quanto àquele excedente.

Importará, assim, no âmbito do recurso da Ré- seguradora definir apenas qual a consequência na repartição de responsabilidades entre a Ré - seguradora e a Ré - empregadora, em caso de incumprimento do dever de informação pela Ré - empregadora quanto à qualidade de estagiário do trabalhador.
Como acertadamente se discorreu no acórdão recorrido, o contrato de seguro em vigor entre a Ré- seguradora e a Ré- empregadora à data do acidente sub judice reveste a modalidade de prémio variável, sendo que, nesta modalidade de seguro, a seguradora só responde, em regra, em relação aos trabalhadores e salários declarados nas folhas de férias que o segurado está obrigado a enviar-lhe até ao dia 15 do mês seguinte a que dizem respeito - cfr. as cláusulas 5.a, alínea b), 24.a, n.° 1, alínea a) e condição especial 01 da Apólice Uniforme do seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, aprovada pela Norma Regulamentar do instituto de Seguros de Portugal n.° 1/2009-R, bem como o Acórdão uniformizador de jurisprudência proferido em 2011-11-21 na Revista Ampliada n.° 3313/00[1].
Em face da factualidade apurada, não oferece qualquer dúvida que as quantias de € 140,91 x 11 de subsídio de alimentação e a quantia de € 52,40 x 11 de subsídio de deslocação - vide os factos A), U), V), W) e AA) - integravam a retribuição real auferida pelo sinistrado à data do acidente, nos termos e para os efeitos do artigo 71.°, n.°s 2 e 3, da LAT, que entende por retribuição mensal “todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios” e por retribuição anual “o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade”.

Desenvolvendo, comecemos por analisar o regime legal[2] em conjugação com a apólice que enforma a relação contratual entre as Rés.
Prevê o artigo 71º da Lei nº 98/2009, de 04/09 (LAT), que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, sob a epígrafe “Cálculo” que:
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
(…)
5- Se o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiário, ou nas demais situações que devam considerar-se de formação profissional, a indemnização é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça actividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio.
(...)
11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.”
E no artigo 79º sob a epígrafe “Sistema e unidade de seguro” que:
1 - O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.
2 - A obrigação prevista no número anterior vale igualmente em relação ao empregador que contrate trabalhadores exclusivamente para prestar trabalho noutras empresas.
3 - Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
4 - Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação àquela retribuição, que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida.
5- No caso previsto no número anterior, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção”.
E prevê o artigo 81º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Apólice uniforme” que:
1 - A apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho adequada às diferentes profissões e actividades, de harmonia com os princípios estabelecidos na presente lei e respectiva legislação regulamentar, é aprovada por portaria conjunta dos ministros responsáveis pelas áreas das finanças e laboral, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal, ouvidas as associações representativas das empresas de seguros e mediante parecer prévio do Conselho Económico e Social.
2 - A apólice uniforme obedece ao princípio da graduação dos prémios de seguro em função do grau de risco do acidente, tidas em conta a natureza da actividade e as condições de prevenção implantadas nos locais de trabalho.
3 - Deve ser prevista na apólice uniforme a revisão do valor do prémio, por iniciativa da seguradora ou a pedido do empregador, com base na modificação efectiva das condições de prevenção de acidentes nos locais de trabalho.
4 - São nulas as cláusulas adicionais que contrariem os direitos ou garantias estabelecidas na apólice uniforme prevista neste artigo.”.

Em decorrência do referido artigo 81º e considerando que a renovação da apólice em causa ocorreu em 1 de Janeiro de 2011, aplica-se, ao caso concreto, a Apólice Uniforme aprovada pela Norma Regulamentar do ISP nº 1/2009-R, nos termos dos respectivos artigos 5º e 7º.[3]

Nos termos do artigo 2º da referida Norma Regulamentar são absolutamente imperativas as cláusulas 6.ª, n.º 1, alíneas a) e f), 14.ª, 17.ª, n.º 2, 18.ª, n.º 1, 2.ª parte, 19.ª, n.ºs 3, 2.ª parte, e 4, 1.ª parte, 21.ª, n.ºs 1 e 8, 26.ª, n.º 1, 31.ª, 33.ª, n.º 1, e 34.ª e são relativamente imperativas, admitindo disposição em contrário desde que mais favorável ao tomador do seguro ou à pessoa segura ou ao beneficiário da prestação do seguro a cláusula preliminar, n.ºs 4 e 5, e cláusulas 1.ª, alíneas d), e) e i), 2.ª, 3.ª, excepto o n.º 2, 4.ª, 6.ª, n.ºs 2 a 5, 7.ª a 12.ª, 18.ª, n.º 1, 1.ª parte, 19.ª, n.ºs 1, 1.ª parte, 3, 1.ª parte, e 4, 2.ª e 4.ª partes, 20.ª, n.ºs 1, 2.ª parte, 2, 1.ª parte, e 4, 21.ª, nºs 2 a 7 e 9, 23.ª, 24.ª, nºs 2 e 4 a 6, 26.ª, n.ºs 2 e 3, 27.ª, nºs1, alíneas a) a c), e 2, 29.ª e 30.ª, 32.ª e 33.ª, n.º 2.

Prevê ainda o artigo 3º que as cláusulas 3.ª a 12.ª, 19.ª a 23.ª, e 24.ª, nºs 1, alíneas a) e c), 2 e 5, da Parte Uniforme, as Condições Especiais Uniformes, ou as cláusulas contratuais concretas que as substituam, devem ser escritas em caracteres destacados e de maior dimensão do que os restantes.

Com relevo para decisão do recurso destacamos as seguintes cláusulas da Apólice Uniforme:

Cláusula 1.ª

Definições

Para efeitos do presente contrato, entende -se por:

d) Pessoa segura, o trabalhador por conta de outrem, ao serviço do tomador do seguro, titular do interesse seguro, bem como os administradores, directores, gerentes ou equiparados, quando remunerados;[4]

e) Trabalhador por conta de outrem, o trabalhador vinculado por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado, bem como o praticante, aprendiz, estagiário e demais situações que devam considerar -se de formação profissional, e, ainda o que, considerando -se na dependência económica do tomador do seguro, preste, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço;[5] (…)”.

(nota: a apólice no artigo 1º corresponde materialmente a esta redacção)

Cláusula 21.ª

Retribuição segura

1 — A determinação da retribuição segura, valor na base do qual são calculadas as responsabilidades cobertas por esta apólice, é sempre da responsabilidade do tomador do seguro.[6]

2 — O valor da retribuição segura deve abranger, tanto na data de celebração do contrato como a cada momento da sua vigência, tudo o que a lei considera como elemento integrante da retribuição e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar a pessoa segura por custos aleatórios, que incluem designadamente os subsídios de férias e de Natal.

3 — Se a pessoa segura for um administrador, director, gerente ou equiparado, a alteração da retribuição para efeito de seguro, quando aceite, só produz efeito a partir do 1.º dia do segundo mês posterior ao da alteração.

4 — Se a pessoa segura for praticante, aprendiz ou estagiário, a retribuição segura deve corresponder à retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e categoria profissional correspondente à sua formação, aprendizagem ou estágio.[7]

5— Se a retribuição correspondente ao dia do acidente não representar a retribuição normal, assim como nos casos de trabalho não regular e de trabalho a tempo parcial com vinculação a mais de uma entidade empregadora, a retribuição é calculada pela média das retribuições auferidas pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.

6 — Na falta dos elementos referidos no número anterior, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.

7 — O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.

8 — A retribuição não pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.[8]

9 — Para o cálculo das prestações que, nos termos do presente contrato, ficam a cargo do segurador, observam -se as disposições legais aplicáveis, salvo quando, por convenção entre as partes, for considerada uma forma de cálculo mais favorável aos sinistrados.”.

Cláusula 23.ª[9]

Insuficiência da retribuição segura

No caso de a retribuição declarada ser inferior à efectivamente paga, o tomador do seguro responde:

a) Pela parte das indemnizações e pensões correspondente à diferença;

b) Proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado.”

“Cláusula 24.ª

Obrigações do tomador do seguro

1 — O tomador do seguro obriga -se:

a) A enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, conhecimento do teor das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à Segurança Social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo ser mencionada a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho, devendo ainda ser indicados os praticantes, os aprendizes e os estagiários[10];(…)”.

Cláusula 27.ª

Direito de regresso do segurador

1 — Após a ocorrência de um acidente de trabalho, o segurador tem direito de regresso contra o tomador do seguro, relativamente à quantia despendida: (…)

b) No caso de incumprimento das obrigações referidas no n.º 1 da cláusula 24.ª, na medida em que o dispêndio seja imputável ao incumprimento;(…)”[11]

Condições especiais

Condição especial 01

Seguros de prémio variável [12]

1 — Nos termos desta condição especial, e de acordo com o disposto na alínea b) da cláusula 5.ª das condições gerais, estão cobertos pelo contrato os trabalhadores ao serviço do tomador do seguro na unidade produtiva identificada nas condições particulares, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas ao segurador nos termos da alínea a) do n.º 1 da cláusula 24.ª das condições gerais.

2 — O prémio provisório é calculado de acordo com as retribuições anuais previstas pelo tomador do seguro.

3 — No final de cada ano civil ou aquando da cessação do contrato, e sem prejuízo do disposto no n.º 5, é efectuado o acerto, para mais ou para menos, em relação à diferença verificada entre o prémio provisório e o prémio definitivo, calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante o período de vigência do contrato.

4 — Quando o tomador do seguro não cumprir a obrigação referida no n.º 1, o segurador, sem prejuízo do seu direito de resolução, cobra no final da anuidade um prémio não estornável correspondente a 30 % do prémio provisório anual, podendo ainda exigir o complemento do prémio que se apurar ser devido em função das retribuições que realmente deviam ter sido declaradas.

5 — O segurador pode, em casos de desvios significativos entre as retribuições previstas e as efectivamente pagas, fazer um acerto no decurso do período de vigência do contrato.”.

Cláusula 31.ª[13]

Intervenção de mediador de seguros

1 — Nenhum mediador de seguros se presume autorizado a, em nome do segurador, celebrar ou extinguir contratos de seguro, a contrair ou alterar as obrigações deles emergentes ou a validar declarações adicionais, salvo o disposto nos números seguintes.

2 — Pode celebrar contratos de seguro, contrair ou alterar as obrigações deles emergentes ou validar declarações adicionais, em nome do segurador, o mediador de seguros ao qual o segurador tenha conferido, por escrito, os necessários poderes.

3 — Não obstante a carência de poderes específicos para o efeito da parte do mediador de seguros, o seguro considera -se eficaz quando existam razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.”.

Transcrevemos as cláusulas mais relevantes da Apólice contratada para decisão do objecto do recurso:

ARTIGO 5º-  MODALIDADES DE COBERTURA

O Seguro pode ser celebrado nas seguintes modalidades, consoante estipulado nas condições particulares da apólice: (…) b)  Seguro a prémio variável, quando a apólice cobre um número variável de Pessoas Seguras com retribuições seguras, também variáveis sendo consideradas pela MAFRE as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo Tomador do Seguro

“ARTIGO 7.° - RESOLUÇÃO DO CONTRATO[14]

1- O não pagamento pelo tomador de seguro do prémio relativo a uma anuidade subsequente ou de uma sua fracção, determina a não renovação ou a resolução automática e imediata do contrato, na data em que o pagamento seja devido.

2- O tomador de seguro pode, a todo o tempo, resolver o contrato, mediante aviso registado, ou por outro meio do qual fique registo escrito, à seguradora, com antecipação de, pelo menos, 30 dias sobre a data em que a resolução produzirá efeitos.

3- Sem prejuízo do disposto nos Art.ºs 9.° e 13.°, a seguradora apenas poderá resolver o contrato, através de correio registado, ou por outro meio do qual fique registo escrito, com a antecedência mínima de 30 dias sobre a data em que a resolução produz efeitos, nas seguintes situações:

a)        quando o tomador de seguro não cumprir qualquer das obrigações previstas nos n.°s 1 e 2 do Art.° 16.°;

b)        com fundamento previsto na lei.”

ARTIGO 16. ° - OBRIGAÇÕES DO TOMADOR DE SEGURO [15]

1-O tomador de seguro obriga-se, sob pena de o contrato vir a ser resolvido, conforme o disposto no n. ° 3 do Art. ° 7. °, e de ser exercido contra ele direito de regresso, nos termos e situações previstos na alínea c) do n.° 1 do Art.º21º:

(…)

c) a enviar mensalmente à seguradora, quando se trate de seguro de prémio variável, e até ao dia 15 de cada mês, as folhas de retribuições pagas no mês anterior a todo o seu pessoal e que devem ser duplicados ou fotocópias das remetidas à Segurança Social, devendo ser mencionada a totalidade das remunerações previstas na lei, como parte integrante da retribuição para efeito de cálculo, na reparação por acidente de trabalho, devendo ainda ser indicados os praticantes, os aprendizes e os estagiários.”

ARTIGO 21.° - DIREITO DE REGRESSO[16]

1 - Após a ocorrência de um acidente de trabalho, a seguradora apenas tem direito de regresso contra o tomador de seguro:

(…)

c) pelas importâncias suportadas para a reparação do acidente, no caso de incumprimento das obrigações referidas nas alíneas a) e b) do n.° 1 do Art.° 16.°, na medida em que aquelas Importâncias sejam imputáveis a esse incumprimento;

ARTIGO 23° — INSUFICIÊNCIA DA RETRIBUIÇÃO SEGURA

1.No caso de a retribuição declarada ser inferior à real, o Tomador
do Seguro responde
[17]:

a) Pela parte das indemnizações por incapacidade temporária e pensões correspondente à diferença;

b) Proporcionalmente pelas despesas efectuadas com a hos­pitalização e assistência clínica.

2.No caso previsto no número anterior, a retribuição declarada não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida.[18]

ARTIGO 33° - INTERVENÇÃO DE MEDIADOR DE SEGUROS

1.Nenhum Mediador de Seguros se presume autorizado a, em nome da MAPFRE, celebrar ou extinguir contratos de Seguro, a contrair ou alteraras obrigações deles emergentes ou a validar declarações adicionais, salvo o disposto nos números seguintes.

2.Pode celebrar contratos de Seguro, contrair ou alterar as obrigações deles emergentes ou validar declarações adicionais, em nome da MAPFRE, o Mediador de Seguros ao qual a MAPFRE tenha conferido, por escrito, os necessários poderes.

3.Não obstante a carência de poderes específicos para o efeito da parte do Mediador de Seguros, o Seguro considera-se eficaz quando existam razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do Tomador do Seguro de boa fé na legitimidade do Mediador, desde que a MAPFRE tenha igualmente con­tribuído para fundar a confiança do Tomador do Seguro.”

CE 01 - SEGUROS DE PREMIO VARIÁVEL
1. Nos termos desta Condição Especial, e de acordo com o disposto na alínea b) do artigo 5o das Condições Gerais, estão cobertas pelo contrato as Pessoas Seguras ao serviço do Tomador do Seguro na unidade produtiva identificada nas Condições Particulares, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas à MAPFRE nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 24°[19] das Con­dições Gerais.

2. O prémio provisório é calculado de acordo com as retribuições anuais previstas pelo Tomador do Seguro.

3. No final de cada ano civil ou aquando da cessação do contrato, e sem prejuízo do disposto no n° 5, é efectuado o acerto, para mais ou para menos, em relação à diferença verificada entre o prémio provisório e o prémio definitivo, calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante aquele período de vigência do contrato.

4. Quando o Tomador do Seguro não cumprir, a obrigação referida no n° 1, a MAPFRE, sem prejuízo do seu direito de resolução, cobra no final da anuidade um prémio não estornável correspondente a 30% (trinta por cento) do prémio provisório anual, podendo ainda exigir o comple­mento do prémio que se apurar ser devido em função das retribuições que realmente deviam ter sido declaradas.

5. A MAPFRE pode, em casos de desvios significativos entre as re­tribuições previstas e as efectivamente pagas, fazer um acerto no decurso de cada período de vigência do contrato.

6. No caso de se tratar de Seguros de trabalhos de reparação de edifícios, construção de muros, abertura e limpeza de poços e minas, consta das Condições Particulares o número máximo de Pessoas Seguras que, em qualquer momento, o Tomador do Seguro pode ter simultaneamente ao seu serviço, pelo que este se obriga a comunicar, previamente, à MAPFRE, qualquer alteração daquele número máximo.”.

CP 07 — EQUIPARAÇÃO DE APRENDIZES,  PRATICANTES  E ESTAGIÁRIOS

1. Nos termos do n° 4 do Artigo 21° das Condições Gerais, para efeitos de trans­ferência de responsabilidade decorrente da equiparação de aprendizes, prati­cantes e estagiários, na modalidade de Seguro a prémio variável o cálculo dessas equiparações far-se-á mediante adopção do ajustamento das retribuições seguras da seguinte forma:

1.1. Identificação anual e sistemática das Pessoas Seguras com aquela qualificação e consequente determinação do montante diferencial de retribuições que a equiparação legal produz;

1.2. Através da relação do valor obtido no ponto anterior com o conjun­to das retribuições pagas, apurar-se-á o coeficiente de ajustamen­to necessário a incidir nas retribuições declaradas, em cada perío­do de liquidação;

1.3. Identificado o coeficiente que passa a funcionar na anuidade, determina-se o valor das retribuições a adicionar, para efeito do cálculo do prémio correspondente”.

Importa agora subsumir os factos às regras legais e contratuais.

Resulta da factualidade provada que:

-  a entidade empregadora, ora Ré, aquando da comunicação das folhas de vencimento referentes a Agosto de 2011:
(i) comunicou o nome do ora Autor, mas não declarou que este assumia a qualidade de estagiário, só tendo efectuado tal comunicação por ocasião da participação do acidente de trabalho;
(ii) declarou a retribuição base real auferida pelo trabalhador, omitindo o valor pago a título de subsídio de refeição (e o valor de subsídio de deslocação que, não sendo pago no referido mês, não poderia naturalmente ser declarado, mas deveria tê-lo sido nas folhas referentes a Setembro de 2011);

- a entidade empregadora não enviou mais nenhuma folha de vencimento com menção ao ora Autor.

Ora, parece resultar da interpretação conjugada do disposto no artigo 71º, nºs 1 e 8 da LAT, do artigo 21º, nºs 1 e 4 da Apólice Uniforme e artigo 16º, nº1, alínea c) (redacção da adenda) e Cláusula Especial 01 e Cláusula Particular 07 da apólice, que a entidade empregadora, na qualidade de tomadora de seguro, estava obrigada a enviar mensalmente à seguradora as folhas de vencimento remetidas à Segurança Social, das quais, naturalmente constam apenas os valores auferidos sujeito a descontos para a Segurança Social.

Contudo, essa não é a única obrigação declarativa imposta pelo referido quadro legal e contratual.

Com efeito, juntamente com o envio das folhas de retribuições, a entidade empregadora estava igualmente obrigada a declarar a “totalidade das remunerações previstas na lei como parte integrante da retribuição para efeito de cálculo, na reparação por acidente de trabalho” e ainda a comunicar “os praticantes, aprendizes e os estagiários”.

É esta a interpretação possível e coerente entre os vários normativos, sendo de destacar que a análise da Cláusula Particular 07 em conjugação com as demais nos leva a concluir que o respectivo escopo se reconduz “apenas” à forma de cálculo anual do prémio variável e que tal cálculo é feito pela seguradora e não pela entidade empregadora.  Ou seja, a Cláusula Particular 07 não afasta o dever mensal de comunicação, tendo “tão só”, como âmbito objectivo, a determinação da forma como será calculado o prémio variável, cuja actualização é anual.

Isto é, encontramos, pelo menos, 3 obrigações declarativas directamente subjacentes ao dever de declaração/comunicação, as quais, no caso concreto, implicavam que a Ré – empregadora estivesse obrigada a:

(i) remeter as folhas de vencimento enviadas para a Segurança Social (o que fez);

(ii) declarar o valor de subsídio de refeição e de subsídio de deslocação (este último apenas na folha de Setembro);

(iii) informar que o ora Autor, se encontrava em regime de estágio (de molde a permitir o cálculo da remuneração equiparada).

É, pois, manifesto que a Ré - empregadora incumpriu duas das suas obrigações declarativas.

Resta então determinar qual é a consequência, em termos de responsabilidade, do incumprimento das referidas obrigações por parte da Ré-  empregadora, para cuja conclusão importará analisar não só as normas legais e contratuais, como também socorrermo-nos do elemento teleológico da interpretação.

Vejamos.

Os seguros obrigatórios, nos quais se inclui o seguro por acidentes de trabalho, têm uma função social, in casu proteger a força de trabalho dos trabalhadores por conta de outrem, pelo que a teleologia associada à sua existência deve ser considerada na análise do regime de reparação infortunística. E a esta teleologia não são alheias as seguradoras, as quais beneficiam da obrigatoriedade do seguro e de outros aspectos do regime legal (v.g. responsabilidade do F.A.T. em caso de insolvência)[20], características que implicam que o aplicador da norma deva analisar o contrato e o regime aplicável tendo em consideração a realidade subjacente à sua previsão.

Neste tipo de contrato, o sinalagma contratual encontra-se esbatido, o que ressalta, por exemplo, (i) das normas do regime do contrato de seguro que impõe que nem sempre o conteúdo e as vicissitudes do contrato de seguro obrigatório sejam oponíveis ao terceiro beneficiário, isto é, ao trabalhador; (ii) da análise da lógica subjacente aos seguros de acidentes de trabalho com prémio variável, sujeito a posteriores acertos e desligado dos valores concretos mensais de remuneração que serão considerados a final para rectificação do prémio provisório; (iii) da imposição de seja considerado sempre, no mínimo, o valor da retribuição mínima garantida para efeitos de cálculo das indemnizações por acidente de trabalho.

Cientes deste contexto, quem deverá suportar a (i) diferença entre a retribuição equiparada e a retribuição base real declarada (e o salário mínimo) do ora Autor, e (ii) a diferença correspondente aos subsídios de refeição e de compensação?

O clausulado tem várias normas que importa interpretar conjuntamente, compatibilizar e harmonizar entre si, juntamente com as normas imperativas da Apólice Uniforme e da LAT.

Vejamos.

Cabia à entidade empregadora comunicar à seguradora a qualidade de estagiário e dos elementos que permitissem o cálculo da retribuição equiparada, tal como impendia sobre si a obrigação de declarar a retribuição real auferida pelo trabalhador.

Prevê a cláusula 23º do contrato, correspondente à cláusula 23º da Apólice Uniforme, de natureza relativamente imperativa, e ao artigo 79º, nº4 da LAT que caberá à entidade empregadora suportar a diferença no valor indemnizatório quando a retribuição declarada seja inferior à retribuição real.

Não resulta desta norma qualquer menção à retribuição equiparada, a qual não tem obviamente correspondência com a retribuição real.

Sucede que, in casu, não estamos perante um erro na declaração da retribuição recebida. A retribuição base declarada está correcta, é a real. Ou seja, a entidade empregadora cumpriu a obrigação de declarar a retribuição real (excepto na parte dos já referidos subsídios de refeição e de deslocação).

A obrigação incumprida é outra: a obrigação de declarar que o trabalhador é estagiário/aprendiz/formando e, consequentemente, informar qual a retribuição anual média ilíquida de um trabalhador com a mesma categoria profissional correspondente à formação/aprendizagem/estágio.

Significa isto que a situação, como a dos autos, em que não foi comunicada a qualidade de estagiário de um trabalhador e, consequentemente, não foi apurada a retribuição equiparada, não cabe dentro do elemento literal do referido preceito.

Este raciocínio encontra ainda reforço no elemento histórico da interpretação, bem descrito pelo Tribunal da Relação:

Cremos ser importante, ainda, relevar aqui que a evolução da previsão da AU para a insuficiência dos salários seguros conforta esta solução.

Assim, na Norma n.° 22/95-R do ISP, publicada no D.R., III Série, de 20 de Novembro de 1995, pp. 21.785 e seguintes, dispunha-se no artigo 12.° que:

"No caso de o salário ou ordenado declarado ser inferior ao mínimo legal ou ao efectivamente pago, ou não havendo declarações de qualidade de menores de 18 anos ou de aprendiz ou tirocinante, e respectivos salários de equiparação, o tomador de seguro responderá pela parte excedente das indemnizações e pensões e proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes, despesas judiciais e de funeral, e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado. "

Também na AU constante da Norma n.° 12/99-R, do I.S.P., de 8 de Novembro de 1999, publicada no D.R., II Série, de 30 de Novembro de 1999, pp. 18.062 e seguintes, que revogou a Norma n.° 22/95-R e entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, se estabelecia no seu artigo 12.°, sobre a mesma matéria, que:

Note-se que a hipótese da alínea b), do n.° 1, da cláusula 27.a da AU não se mostra contemplada no n.c 2 da cláusula.

"No caso de a retribuição declarada ser inferior à efectivamente paga, ou não havendo declarações de qualidade de praticante, aprendiz ou estagiário, e respectivas retribuições de equiparação, o tomador de seguro responderá:

i) pela parte excedente das indemnizações e pensões;

ii) proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado "

A Norma n.° 11/2000-R, do I.S.P., de 13 de Novembro de 2000, publicada no D.R., II Série, de 29 de Novembro de 2000, que alterou diversos artigos das condições gerais uniformes do seguro de acidente de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, não buliu com o referido artigo 12.° da Norma n.° 12/99-R.

O mesmo sucedeu com a Norma n.° 16/2000-R, do I.S.P., de 21 de Dezembro de 2000, publicada no D.R., II Série, de 19 de Janeiro de 2001, que também alterou as condições gerais uniformes do seguro de acidente de trabalho para trabalhadores por conta de outrem e não referenciou o artigo 12.°.

E também com a Norma n.° 13/2005-R, do I.S.P., de 18 de Novembro de 2005, publicada no D.R., II Série, de 7 de Dezembro de 2005, que não mudou o regime do artigo 12.°.

Mas a Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n.° 1/2009-R, aplicável ao caso sub judice, veio estabelecer de modo diverso, omitindo para o caso da falta de declaração da qualidade de praticante, aprendiz ou estagiário, e respectivas retribuições de equiparação, a responsabilidade do tomador de seguro pela reparação correspondente à parte excedente. Efectivamente a sua cláusula 23 .a, sob a epígrafe "insuficiência da retribuição segura" veio estabelecer que:

"No caso de a retribuição declarada ser inferior à efectivamente paga, o tomador do seguro responde:

a)Pela parte das indemnizações e pensões correspondente à diferença;

b) Proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado.”.

De igual modo prescreve a cláusula 23 .a das condições gerais da apólice do contrato de seguro celebrado entre as RR., junta pela seguradora a fls. 3 e ss. dos autos (vide fls. 5 verso).

E nos mesmos termos veio a estabelecer a Portaria n.° 256/2011, de 05 de Julho, que aprova a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respectivas condições especiais uniformes, actualmente em vigor, cuja cláusula 23.a tem o seguinte teor:

"Cláusula 23." Insuficiência da retribuição segura

1. No caso de a retribuição declarada ser inferior à real, o tomador do seguro responde:

a) Pela parte das indemnizações por incapacidade temporária e pensões correspondente à diferença;

b) Proporcionalmente pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica.

2 - No caso previsto no número anterior, a retribuição declarada não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida. "

Deixando definitivamente de estabelecer a responsabilidade do empregador tomador do seguro pela reparação correspondente à parte excedente no falta de declaração da qualidade de praticante, aprendiz ou estagiário, e respectivas retribuições de equiparação.”.

Ao invés, no que concerne à divergência parcial entre o valor declarado (retribuição base) e o valor total da retribuição (que inclui os subsídios de refeição e de deslocação), estamos efectivamente perante uma situação directamente subsumível ao artigo 23º do contrato correspondente ao artigo 23º da Apólice Uniforme e ao artigo 79º, nº 4 da LAT, pelo que caberá à Ré - empregadora suportar a diferença, a não ser que outra norma de natureza especial afaste aquela previsão.

Sucede que analisado todo o contexto legal e contratual (cfr. artigos 71º, nº 8 e 11, 79º, nº 4, da LAT, e artigos 23º, nºs 1 e 2, 16º, nº 1, c), e 28º da apólice), concluímos que as partes convencionaram consequência distinta para as situações em que a entidade empregadora não remete a informação mensal devida (folhas de vencimento, valores totais de retribuição e qualidade do trabalhador): a possibilidade de resolução por parte da seguradora e/ou o exercício de direito de regresso se o dispêndio da quantia for imputável ao incumprimento[21].

E, ainda da conjugação do disposto nos artigos 71º, nº 8 e 11, 79º, nº 4 da L.A.T. e artigos 23º, nºs 1 e 2, 16º, nº 1 c) e 28º da apólice que enforma o contrato de seguro celebrado entre as Rés, concluímos que a consequência prevista no artigo 79º, nº 4 da L.A.T. e 23º, nº 1, do contrato de seguro (apólice) só é aplicável na parte em que efectivamente a Ré empregadora comunicou um valor inferior ao valor real efectivamente pago (por não haver norma que afaste a aplicação da regrado artigo 23º da apólice) e não à parte em que foi omitida a outra obrigação declarativa, posto que neste último caso, as partes contratantes previram solução distinta.

E mais se compreende que assim tenha sido, numa situação como a dos autos em que o prémio é variável, na medida em que o acerto do prémio que restabelece o sinalagma contratual é efectuado apenas anualmente.

Seria mesmo contraditório nos seus termos que a seguradora, que aceita actualizar os prémios apenas anualmente e com base em listagens anuais, viesse recusar-se a proceder ao pagamento de quantias devidas ao trabalhador, ora Autor, já que, mesmo que lhe tivesse sido comunicada a qualidade de estagiário daquele e a retribuição equiparada em Agosto de 2011 (data em que o Autor entrou ao serviço da 2ª Ré), por força das referidas cláusulas, o prémio só seria actualizado em Janeiro de 2012, por ocasião da actualização anual

Qual seria o sentido da previsão do corpo do artigo 16º, nº 1, da apólice? Se a seguradora pode resolver o contrato e/ou exercer direito de regresso em determinadas situações, não poderá certamente exercer simultaneamente um direito incompatível: recusar-se a pagar pelo valor da remuneração equiparada.

Aliás, note-se que a redacção do corpo do nº1 do artigo 16º da apólice contratada assenta em duas remissões: (i) remissão para o direito de resolução previsto no artigo 7º, nº3 e (ii) remissão para o direito de regresso previsto no artigo 21º, nº1, alínea c).

Ora, optando as partes por esta redacção por remissão, ditam as regras da experiência comum e a diligência do homem médio que se pretendessem aplicar outra consequência, como a que está prevista no artigo 23º da apólice, teriam feito igualmente remissão para tal norma. E bem se compreende que não o tenham feito, pelo singelo motivo de que tal seria intrinsecamente contraditório nos seus termos, conforme supra referido.

Ademais, em bom rigor, não parece existir uma sanção expressa para a falta de comunicação da retribuição equiparada, posto que é fixada uma consequência para a divergência entre o valor real e o declarado e uma consequência para a omissão da indicação da qualidade de estagiário, sendo que é o cumprimento desta última obrigação que implicará a posterior determinação da retribuição equiparada que apenas relevará caso venha a ocorrer um acidente de trabalho.

E mais: a Condição Especial 01, relativa aos seguros de prémio variável (como o seguro em causa nos autos), cuja relação com as condições gerais há-de ser de especialidade, sobrepondo-se no que for incompatível, prevê expressamente no respectivo nº 4 que caso o tomador do seguro não cumpra a obrigação prevista no artigo 16º, nº 1, c) ( o artigo ainda se refere ao artigo 24º, nº1 a) que corresponde ao 16º, nº 1, c), para além do direito de resolução, a seguradora pode cobrar um prémio correspondente a 30% do prémio provisório anual  e exigir ainda o complemento do prémio que se apurar ser devido em função das retribuições que realmente deviam ter sido declaradas.

E embora esta consequência pareça reportar-se à 1ª parte da alínea c) do artigo 16º, por se referir a “folhas de retribuições periodicamente enviadas” parece afastar-se, mais uma vez, da aplicação da regra geral prevista para a divergência entre a retribuição real e a retribuição declarada.

E mais: esta cláusula faz referência a “retribuições anuais previstas” no nº 2 por oposição a “total de retribuições efectivamente pagas”, o que nos leva a concluir que estamos perante regras destinadas a determinar a forma de actualização do prémio com base em retribuições reais e retribuições previstas. E a norma do nº 4 remetendo para o incumprimento da obrigação de remessa das “folhas de retribuição” parece reportar-se apenas ao incumprimento da obrigação de comunicar as folhas de vencimento, não cabendo directamente na norma as situações de divergência entre retribuição declarada e retribuição real nem a omissão da qualidade de estagiário do trabalhador.

Esta parece ser a melhor interpretação, considerando que o campo de aplicação desta cláusula tem de ser harmonizado com o disposto no artigo 23º e com a Condição Especial 07, assim se alcançando a compatibilização entre todas.

A análise da Condição Especial 01 permite ainda concluir que não há relação directa entre o prémio e o valor das remunerações, pois a forma de cálculo socorre-se das listas actualizadas anualmente, relegando o restabelecimento do sinalagma contratual para o momento anual da actualização. E esta manifesta mitigação do sinalagma contratual faz claudicar desde logo a argumentação da Ré - seguradora, quando se insurge sobre a possibilidade de ter de assumir a responsabilidade pela remuneração equiparada e não pela remuneração declarada (real), quando o prémio não foi pago tendo tal circunstância em consideração.

Concluímos assim que, para as situações que não se compreendem na mera divergência entre retribuição real e retribuição declarada, as partes, através das cláusulas da apólice, convencionaram regimes e consequências contratuais distintas.

Em suma:

- no que concerne à omissão de comunicação do subsídio de refeição e do subsídio de deslocação que as instâncias já consideraram que integram a retribuição, estamos perante uma omissão de componentes remuneratórios reais, isto é, efectivamente pagos ao trabalhador, logo cabe à empregadora suportar a diferença nos termos do artigo 79º, nº 4,1ª parte da LAT e 23º da apólice;

- quanto à diferença reportada à remuneração equiparada, deverá a Ré- seguradora assumir a total responsabilidade.
Improcede, assim, a revista da seguradora.

Passando à revista da Ré- empregadora, importa saber se o agente/mediador de seguros transmitiu à Ré - empregadora o modo como devia proceder às comunicações da retribuição de forma errada, vinculando a Ré - seguradora, afastando-se assim a responsabilidade da entidade empregadora.
No entender da recorrente, e como acertadamente se refere no douto parecer da Ex.ª PGA, a Ré – empregadora tenta prevalecer-se do exercício do direito baseado no incumprimento do dever de comunicação nos termos legais e contratuais quando foi a seguradora, através do agente de seguros, quem informou e determinou a forma de cumprimento dessa obrigação, cujos actos seja pelos artºs 500.º ou 800.º do Cod. Civil deve a seguradora assumir.
Sem razão, contudo.

É que da análise da factualidade provada não é possível concluir que a mediadora de seguros tenha dado instruções erradas à entidade empregadora, posto que o procedimento de carregar a folha de vencimentos na plataforma digital da Ré - seguradora é efectivamente um procedimento adequado – cfr. Factos S1 e S2.

Mas é-o para cumprir uma das obrigações da entidade empregadora, mas não para cumprir as outras duas obrigações declarativas.

E em face do que resulta da lei e da apólice, não podia a entidade empregadora desconhecer tais obrigações.

Não vislumbramos, pois, sequer qualquer fundamento fáctico para imputar alguma conduta incorrecta à mediadora, que pudesse ter implicado um prejuízo para a Ré - empregadora e que pudesse exigir o funcionamento do instituto do abuso de direito, com vista a bloquear a obrigação dessa Ré de assumir o pagamento do que resulta da diferença entre a retribuição declarada e os subsídios cuja declaração foi omitida.

Note-se, aliás, que a própria seguradora apenas poderia questionar ou não aceitar algo de que tivesse conhecimento. Se desconhecia que um dos trabalhadores se encontrava em regime de estágio e que auferia outros componentes remuneratórios, não parece exigível que questionasse a entidade empregadora, independentemente de o valor de retribuição declarado ser inferior ao salário mínimo. A obrigação impendia sobre a entidade empregadora e nada consta da factualidade provada que permita concluir que a seguradora se apercebeu de que havia sido omitida alguma informação e que, ainda assim, não tivesse reagido indagando junto da entidade empregadora.

Claudica assim o argumento da Ré- empregadora no sentido de que a Ré- seguradora teria agido em abuso de direito.

Acresce que, de todo o modo, o quadro factual em conjugação com o regime da mediação e com a cláusula 33º da apólice[22], com o artigo 30º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro e o artigo 8º do Decreto-lei nº 144/2006[23], não permite determinar qual a relação existente entre a Ré- seguradora e a mediadora de seguros, nomeadamente, se estamos perante uma mediadora ligada, uma agente de seguros ou uma correctora de seguros e/ou se a mediadora tinha poderes de representação da Ré- seguradora. Não obstante, in casu, o apuramento de tal contexto sempre seria irrelevante, na medida em que não se provou que a mediadora tenha induzido em erro ou prestado informação errada à entidade empregadora.
Improcede, assim e igualmente, o recurso da Ré- empregadora.

x

Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em negar ambas as revistas, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas dos recursos pelas respectivas recorrentes.

                                              

Lisboa, 22/06/2022

Ramalho Pinto (Relator)                                                              

Domingos Morais

Mário Belo Morgado

_____________________________________________________


[1]   Jurisprudência uniformizada, n.° 10/2001, publicada no D.R. l.a série -A, n.° 298, de 27 de Dezembro de 2001. Júlio Vieira Gomes chama a atenção de que este AUJ partiu de premissas legislativas distintas das que hoje vigoram e para os termos em que a jurisprudência o tem interpretado, in Seguro de acidentes de trabalho: para uma interpretação restritiva - ou mesmo a revisão - do acórdão uniformizador de jurisprudência n° 10/2001, de 21 de Novembro, in Revista do Ministério Público, Lisboa, n°l 16 (Out.-Dez.2008), pp. 5 e ss.
[2] Os sublinhados são nossos.

[3] A Portaria nº 256/2011 de 05.07 que aprovou a “parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respectivas condições especiais uniformes” já estava em vigor à data do acidente, mas não é aplicável ao caso concreto, porquanto nos termos do respectivo artigo 4º, nºs 1 e 2 apenas se aplica aos contratos celebrados antes da entrada em vigor, a partir da primeira renovação posterior à mesma e com determinadas condicionantes.

[4] Com natureza relativamente imperativa.
[5] Com natureza relativamente imperativa.
[6] Com natureza absolutamente imperativa.
[7] Com natureza relativamente imperativa.
[8] Com natureza absolutamente imperativa.
[9] Com natureza relativamente imperativa.
[10] Com natureza supletiva.
[11] Com natureza relativamente imperativa.
[12] Com natureza supletiva.
[13] Com natureza absolutamente imperativa.
[14] Constante da Adenda de fls 10 e 11. Não corresponde a nenhuma cláusula da Apólice Uniforme.
[15] Constante da Adenda de fls 10 e 11 e sem correspondência exacta nas “condições” de fls 2 a 7, tendo correspondência parcial no artigo 24º. Corresponde à cláusula 24º da Apólice Uniforme.
[16] Constante da Adenda de fls 10 e 11. Corresponde à cláusula 27º, b) da Apólice Uniforme.
[17] Corresponde à cláusula 23º da Apólice Uniforme
[18] Corresponde à clausula 21º, nº8 da Apólice Uniforme
[19] A remissão reporta-se ao artigo 24º corresponde parcialmente, de acordo com o que resulta da adenda, ao artigo 16º.
[20] Neste sentido, Júlio Vieira Gomes, in Seguro de Acidentes de Trabalho, Revista do Ministério Público, nº116, pag. 17.
[21] Realce-se que não cabe no escopo da presente acção determinar se existe efectivamente direito de regresso ou aumento do prémio em 30%, porquanto tal deverá discutido em acção ulterior, se for o caso, em que seja Autora a ora Ré Seguradora e seja Ré a entidade empregadora. No âmbito da causa de pedir que delimita o objecto do litígio este tribunal apenas decide que quantias devem ser pagas ao Autor e por quem. Não cabe ao STJ determinar, no caso concreto, como se regulará a relação entre as Rés fora deste processo.

[22] Correspondente à cláusula 31º da Apólice Uniforme.
[23] Regime aplicável à data dos factos.