Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A2956
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO CRUZ
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
REVERSÃO
PODERES DO TRIBUNAL
PRÉDIO
CASO JULGADO
Nº do Documento: SJ200710230029561
Data do Acordão: 10/23/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário :

I. A declaração de utilidade pública é um acto de administrativo.
II. O Tribunal Administrativo só tem competência para o poder anular.
III. A autorização de reversão do prédio pode ser consequência da anulação mas é novamente um acto acto administrativo porque é a Administração que a ordena
IV. O Tribunal por sua vez, ordena a adjudicação.
V. O que define um prédio é a sua realidade física, formatizada através dos elementos que o constitui, utilidades a que está afecto, áreas e respectivas confrontações, e não propriamente o número matricial que lhe é atribuído, que funciona como um simples índice, elemento acessório, de referência, para uma mais fácil identificação nos órgãos da administração e sua ligação a um titular.
VI. A reversão só pode incidir sobre prédio que antes tenha sido objecto de expropriação por utilidade pública.
VII. Mesmo admitindo que a autorização de reversão seja parcial, esta há-de encaixar-se fisicamente no espaço objecto de anterior expropriação, sendo para isso irrelevante a disfunção dos artigos matriciais atribuídos, bastando que não haja dúvidas que o prédio cuja reversão foi autorizada fazia parte do anterior prédio expropriado.
VIII. Não se forma caso julgado contra leis da natureza
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA (herdeira universal de BB) e CC bem como DD ( estas, filhas consaguíneas de EE, por sua vez, filho da BB) intentaram ao abrigo do disposto no art. 77.º/1 da Lei n.º 168/99, de 19/09 (Código de Expropriações/99) contrao FFe GG, SA (1)assim como contrao Estado Português, uma acção especial de adjudicação de imóvel cuja autorização de reversão foi autorizada, onde pedem, entre outras coisas, que lhes seja adjudicado o prédio rústico sito na freguesia de Sines, constituído por uma parcela de terreno com a área de 4,2417 hectares, denominado “Cerca da Figueira”, que fazia parte de um prédio com a área de 9,050 hectares e que fora expropriado à sua antecessora BB, área aquela que dizem ser actualmente correspondente ao art. 34.º da sec. M, da CRP de Sines.
Subsidiariamente, formulam o pedido de adjudicação do prédio do art. 39.º da secção M.
Para o efeito alegaram, em síntese, que:
- Haviam requerido ao Senhor Ministro do Planeamento e Administração do Território a declaração de reversão do prédio expropriado à BB pelo GAS (Gabinete da Área de Sines), ou seja, o prédio denominado “Cerca da Figueira” com a área de 9.050 hectares, requerimento esse que no entanto lhes foi tacitamente indeferido.
- Desse indeferimento tácito as ora requerentes e a viúva do EE (de nome Georgina) interpuseram recurso de anulação junto do STA.
- Esse Tribunal veio a dar parcial provimento ao recurso, indicando na parte decisória que as recorrentes têm o direito de reversão que invocam no que toca à parte do prédio “Cerca das Figueiras”, agora inscrito sob parte do art. 39.º da secção M da freguesia de Sines, com a área de 4, 2417 hectares, que fazia parte do terreno expropriado (à BB) e se encontrava entretanto afecto à DGF (Direcção Geral de Florestas).
- O Senhor Secretário de Estado Adjunto lavrou despacho onde, referiu que, “em cumprimento do Ac. de 25 de Junho de 2002, proferido pelo STA no processo 37651”, determinava a reversão parcial do anterior prédio expropriado a favor das ora Requerentes e de HH, identificando-o como fazendo parte do prédio “Cerca da Figueira” agora descrito sob o art. 39.º da secção M (uma vez que o art. 11.º da secção M foi eliminado) da freguesia de Sines, com a área de 4,2417 hectares, identificando-o nos mesmos termos indicados pelo STA.
- O Perito da lista oficial ao intervir para efectuar o Relatório com a estimativa das depreciações que o prédio a reverter apresenta no seu estado actual, veio a constatar que o prédio expropriado à BB não é o que actualmente se encontra na matriz sob o art. 39.º, mas sim sob o actual art. 34.º, tirando tal conclusão através do confronto das estremas, composição dos solos e parcelamento cultural entre o prédio expropriado e o actualmente inscrito sob o art. 39.º da secção M e do cotejo com tais elementos em relação ao prédio a que respeita o actual art. 34.º, tomando como base os relatórios de avaliação da arbitragem, os laudos periciais elaborados pelos peritos judiciais e o auto de vistoria que constam do processo de expropriação.
- O prédio a que corresponde a actual descrição do art. 34.º vem identificado na CRP de Sines como “ Cerca das Figueiras”, com a área de 9,050 hectares e corresponde à soma das duas parcelas com as áreas de 4,2417 hectares e 4,8083, a que se refere o Ac. do STA, enquanto que a do prédio descrito actualmente sob o art. 39.º cuja área é de 7,2500 respeita ao prédio Brejo da Fontinha, e que fora adquirido pelo GAS por acordo amigável com II, sua anterior dona, e vem identificado na CRP como Brejo da Fontinha ou Mal Pensada .
- Iriam pedir a rectificação ao STA daquilo que consideravam um erro de escrita, por forma a que nele se viesse a dizer que a parte do prédio objecto de reversão não era a indicada no art. 39.º, mas sim no art. 34.º
- O STA, no entanto, indeferiu-lhes a pretensão, não alterando a identificação do artigo matricial do prédio reverter.
- Impunha-se no entanto alterar a referência ao art. 39.º, na fase de adjudicação, por existir completa incompatibilidade física com a descrição do prédio objecto de reversão, e ser também contrária ao que dos documentos oficiais consta, designadamente o registo predial e as presunções que este estabelece.
.As AA. juntaram diversa documentação e fizeram alusão a relatório de Perito constante da lista oficial onde pretendem demonstrar a existência de erro grosseiro na correspondência do indicado artigo 39.º com a identidade física do prédio a reverter.

Ouvidas a sociedade PGS- Promoção e Gestão de Areas Industriais e de Serviços, SA, assim como o IAPMEI, (ainda antes de vierem a ser declaradas partes ilegítimas) vieram tais entidades a opor-se à adjudicação , invocando como excepção a “ausência de título para a adjudicação”, uma vez que se verificava a total coincidência dos elementos identificativos do prédio na declaração de reversão com a do pedido de adjudicação, sublinhando que no caso dos autos, não fora reconhecida às AA., pelo STA, o direito de reversão sobre o prédio descrito no art. 34.º da secção M (mas sim sobre o 39.º), e que a adjudicação também deveria ser recusada face ao art. 39.º, pois são as próprias requerentes a referir nunca tal prédio lhes ter pertencido ou à já referida BB.
A primeira instância decidiu não ter competência jurisdicional para o desiderato das Requerentes, sustentando que o despacho de adjudicação tem que se conformar com o despacho de reversão, e, para esse efeito, não tem ele competência para proceder à alteração do artigo matricial referido no título de reversão (fls. 132 a 137).
Em despacho posterior.(fls. 189 a 195), julgou extinta a instância por impossibilidade da lide.
As AA. recorreram para a Relação, mas esta negou-lhes provimento.
As AA. insistiram com pedido de aclarações e arguiram nulidades, mas a Relação entendeu que não havia fundamento para tal, sustentando que tudo estava claro no Acórdão recorrido e não havia qualquer nulidade a suprir.
As AA. agravaram de novo, sendo o recurso aceite por este Tribunal uma vez que o despacho de extinção da instância, a transitar, poria fim ao processo.
Nas alegações que as AA. apresentaram foram formuladas as conclusões seguintes:
“1) No presente processo não se discute o direito de reversão – ele entrou já na titularidade dos requerentes (Discute-se, tão só, os montantes da indemnização e da estimativa apresentada (cfr. Art. 78.º-/1 do CE) relativamente ao prédio expropriado, pois só esse pode ser objecto de reversão; fls. 135, linhas 13 a 15.
2) No caso dos autos foi expropriante o Gabinete do Planeamento de Desenvolvimento da Área de Sines – ver fls 136, linhas 11 e 12;
3) A certidão junta aos autos a fls. 14 a 22 reporta-se ao prédio inscrito sob o n.º 304 da CRP de Sines, que, em 81.07.03, passou a estar inscrito na matriz de Sines sob o art. 34.º da Sec. M, com a área de 9,0500 há, conforme averbamento dele constante;
4) Portanto, só o prédio expropriado no processso movido pelo GAS a BB, por esse Tribunal, com o n.º 88/80 – 1.ª Sec. poderia ter sido objecto de reversão;
5) Na área do prédio do art. 39.º da Secção M (7,2500 ha, no máximo - ver fls. 12 e 13) não cabem as duas parcelas com as áreas de 4,8083 e 4,2417, em que o Ac. do STA de 25.06.02 "dividiu" o prédio objecto do pedido de reversão - o denominado “Cerca das Figueiras”, expropriado pelo GAS a BB no Proc, 88/80 – 1.ª, com a área total de 9,0500 ha ­concedendo a reversão sobre a última parcela e recusando-a quanto àquela primeira, sendo que em tal impossível e descabida "divisão" - contra as leis da matéria, da Física e do Direito-, insistiu, incompreensível e infundamentadamente, o acórdão do STA de 11.03.03. Ver fls. 59 e 60.
6) A presunção estabelecida pelo art. 7.º do Cód. do Reg. Predial não pode ser ilidida pelo Tribunal, oficiosamente, nem por simples requerimento de qualquer interessado.
7) Com efeito, os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados, sem que simultaneamente seja pedido o seu cancelamento (artigo do C. Reg. Predial).
8) A certidão predial de fls. 16 prova que o prédio do art° 304°, a fls, 5 do Liv. B-2, que estava inscrito sob parte do art° 11 da Sec, M, passou à matriz cadastral sob o art° 34 da Sec, M, em 03.07.1981.
9) Como impõe o art.7.º do Cód. Reg. Predial, este registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao seu titular.
10) O prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 39-M não foi expropriado, mas sim adquirido, por compra pelo GAS, à sua proprietária JJ, por escritura outorgada em 26.10.98, no 6° Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 26 e segs. do Liv. E-55, pelo que não foi - nem podia ser -, objecto do processo de expropriação e muito menos do que o GAS moveu contra a BB (o que, repete-se, correu pelo Tribunal recorrido com o n.º 88/80 – 1.ª Sec. e no qual foi proferida sentença em 22/01/81, que se encontra certificada a fls. 127 v. a 130 v., nos autos do apenso n.º 88/80-1.ª Secção, desse Tribunal - pelo que, necessariamente, não é susceptível de reversão, por imposição legal.
11) Acresce que o prédio do art.º 39 da Sec. M está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 309, a fls. 8 do Liv. 13-2, e nunca foi expropriaoo nem foi propriedade de BB, como decorre do alegado na antecedente al. b).
12) Ora é precisamente o prédio descrito sob o n.º 304 a fls. 5 do Liv. B-2, na Conservatória do Registo Predial de Sines, que os Acs. do STA de 25.06.2002 - doc, ora junto sob o n.º 2 -, e de 11.03.2003 (fls. 59) consideram parcialmente revertido para as requerentes, sendo em cumprimento daquele acórdão de 25.06.02 que o despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território, proferido em 27.07.2002, ordenou a entrega às requeridas do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 304, denominado "Cerca das Figueiras" e com a área de 9,0500 ha.
13) - Assim, o acórdão agravado omitiu pronunciar-se sobre as questões relevantes para a correcta identificação do prédio objecto da reversão, e não apreciou nem interpretou correctamente a prova documental abundante nos autos e da qual resulta rigorosamente identificado o prédio objecto da reversão, isto é, o prédio que foi expropriado a BB, pelo GAS, no processo n" 88/80 – 1.ª Secção, apenso aos presentes autos.
14) As ora requerentes em 04.02.1994 dirigiram ao Senhor Ministro do Planeamento e da Administração do Território" um requerimento "no qual pedia a reversão do prédio rústico denominado Cerca das Figueiras, sito na freguesia e concelho de Sines, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n" ... e inscrito na matriz cadastral rústica sob parte do art" 11 da Sec. M" - F1s. 1 do texto do acórdão;
15) Em 26.05.80 fo(ra) lavrado auto de investidura pelo qual o Director dos Serviços Adjuntos do GAS foi investido na posse e propriedade do prédio rústico denominado Cerca das Figueiras, com a área de 9,0500 ha, sito na freguesia e concelho de Sines, descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o n° 304, a fls. Sv" do Livro 6-2 e inscrito na matriz predial rústica sob parte do art.º 11 da Sec.M", em cumprimento do despacho proferido.
16) Não é verdade que a parte do terreno denominado Cerca das Figueiras esteja inscrita na matriz sob o art. 39.º da Sec. M, uma vez que esse é o n.º da inscrição do prédio Brejo da Fontínha, como provam de forma irrefutável as certidões identificadas no n.º 19 al. c);
17) O prédio denominado “Cerca das Figueiras” de que foi pedida a reversão "só em parte concedida" tem a área de 9,0500 ha - o que está perfeitamente de acordo com a área do terreno expropriado a BB, como consta da sentença proferida a fls. 127 v a 130 v dos autos do apenso da expropriação, em 22.01.81".
18) Na sentença proferida em 22.01.81, a fls. 127 v e segs. do apenso, o imóvel expropriado é identificado pela descrição predial n.º 304, a fls. 5.º do Liv B-2 e inscrito na matriz sob parte do art. 11 da Sec. M.
19) Só por lapso - ou por confusão -, pode entender-se a referência à inscrição matricial sob o art. 39.º da Sec. M do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n" 304 a fls. 5 v do Livro B-2, uma vez que, como prova a certidão de fls. 181 emitida pelo Registo Predial de Sines, o prédio inscrito na matriz sob o art. 39 da Sec. M está descrito sob o n.º 309 a fls. 8 do Liv. B-2.
20) Finalmente, é a própria Lei - art.º 79" do Cód. do Registo Predial – DL n.º 533/99, de 11.12 -, que define e impõe o meio idóneo e legal de identificação dos prédios ao considerar no seu n.º 1 que: "a descrição tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios".
21) - Resulta assim inexorável a conclusão de que o imóvel objecto ­da reversão está correcta e eficazmente identificado na decisão exequenda, como sendo o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Sines, sob o n° ..., a fls. 5 do livro B-2 e que à data da expropriação estava inscrito na matriz sob parte do art.º 11 da secção M a que corresponde actualmente o art.º 34 da Sec. M. Ver certidão de fls. 16.
22) Qualquer omissão, erro ou deficiência na identificação da inscrição matricial, é de todo irrelevante para por em dúvida - e muito menos neutralizar - a identificação constante da descrição predial;
23) De tudo quanto vem exposto resulta que a óbvia, manifesta e insanável contradição existente na identificação matricial no prédio objecto da reversão e da respectiva área, por parte dos acórdãos de 25.06.2002 e 11.03.2003, em nada afecta a identificação do mesmo prédio a qual é feita pela respectiva descrição predial, nos termos impostos pelo art. 79.º n.s 1 e 2 do Cod. Reg. Predial;
24) O terreno objecto do pedido de reversão está assim, correctamente identificado nos autos (salvo no que respeita à confusão existente quanto à inscrição matricial) -, pelo que o douto acórdão agravado devia como tal ter considerado o prédio rústico sito na freguesia e concelho de Sines, inscrito na matriz sob o art° 34 da Sec. M, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., a fls. 5 verso do Liv, 8-2 e que foi expropriado pelo GAS a BB através do processo de expropriação urgente n.º 88/80-1.ª secção do Tribunal recorrido, encontrando-se à data da expropriação inscrito na matriz sob arte do art. 11.º da secção M.
25) Ao decidir da forma que consta do respectivo teor, o douto Acórdão agravado, de 2006.11.30 violou as normas sancionadas pelos arts.
- 8.º/1 e 2 e 79.º do CRP;
- 659.º, 660.º/2, 265.º/3, 266.º/1 e 2, 156.º/1, 666.º/2 e 3, 668.º/1b),c) e d), 158.º, 264.º/2 e 3, do CPC;
- 202.º/1 e 2; 205.º e 20.º/1,4 e 5 da CRP;
- 78.º/2 da Lei n.º 168/99, de 18/09.
Deve, pois, ser proferido (…) Acórdão que declare nulo o douto Acórdão agravado, não deixando porém de conhecer do objecto do agravo (art.º 715.º, 716.º, 749.º e 755.º do CPC), com os legais efeitos.
Assim se julgará com legalidade e Justiça!”
O M.º Público contra-alegou, pugnando pela negação do agravo.
II. Âmbito do recurso
Da leitura das conclusões apresentadas vemos que tudo se resume a determinar a solução para as questões seguintes:

- Omissão de pronúncia a respeito dos elementos identificativos do prédio
- Poderes do Tribunal adjudicante face ao título que autoriza a reversão

III. Fundamentação

III-A) Os factos
Com interesse para a apreciação do recurso, os factos a ter em consideração são os já constantes do Relatório.
III-B) O Direito
III-B)-a) Da nulidade por omissão de pronúncia a respeito dos elementos identificativos do prédio
Entendem as Agravantes que o Acórdão incorreu em nulidade por não se haver pronunciado sobre esta questão.
Vejamos:
O que em primeiro lugar constatamos quando lemos o Acórdão recorrido é que a questão determinante que levou a que fosse julgada extinta a instância, foi o facto de se ter entendido que no despacho de adjudicação teria o Juiz de se conformar inteiramente com o despacho que autorizava a reversão, sustentando-se, por outro lado, que o problema da identificação do prédio objecto de reversão já havia sido colocada ao STA, e este reafirmara que o prédio em causa (objecto de reversão) era o indicado sob a denominação “Cerca das Figueiras”, com a área de 4, 2417 hectares, sob parte do art. 39.º da secção M da freguesia de Sines, (e não sob o art. 34.º) , mais se indicando que não era da sua competência fazer a correcção da correspondência matricial pedida, cabendo essa eventual correcção à entidade administrativamente competente para a decretar, sendo neste caso, o Senhor Secretário de Estado do Planeamento e Ordenamento do Território.
Com esta decisão, o que o Acórdão recorrido fez foi suscitar como questão prévia matéria integrável no pressuposto processual da sua incompetência material, in casu, o poder para alterar/rectificar eventual desconformidade ou lapsos materiais já objecto de decisões de outro Tribunal (STA) e mantida no despacho Ministerial que, “em cumprimento daquele”, veio a declarar a reversão de parte do bem, anteriormente expropriado.
Ao decidir pela sua incompetência material a respeito da questão em crise, o Tribunal recorrido tornou automaticamente ininvocável a apreciação da questão como fonte de nulidade, dada a relação de prejudicialidade nesse seu raciocínio.
Não chegou, por isso, o Acórdão a cometer a alegada nulidade.

III-B)-b) Dos poderes do Tribunal adjudicante

Há que ver, no entanto, se a decisão de julgar desde já extinta a instância será de manter:

Convém ter presente, em primeiro lugar, que na vigência do CE/91 (em vigor à data dos factos, e por isso aqui aplicável), a competência para a adjudicação de entrega de prédio anteriormente expropriado e cuja reversão fosse autorizada nos termos 70.º a 72.º do mencionado Código, competia ao Tribunal de Comarca da respectiva situação – cfr. art. 73.º -1 desse diploma (2).
Por esse artigo se colhe que o pedido de adjudicação deveria vir acompanhado de diversos documentos, designadamente, da comunicação da autorização da reversão, da certidão passada pela Conservatória Registo Predial contendo a descrição e todas as inscrições em vigor (…), da certidão matricial (…), da indicação da indemnização (…), e, em certos casos, de um relatório pericial …
Com a junção de tais documentos visavam-se obter essencialmente dois objectivos:
a) em primeiro lugar, que o prédio a adjudicar correspondesse efectivamente ao prédio cuja reversão fora autorizada;
b) em segundo lugar, que pela análise e confronto de todos os elementos, ficasse assegurada a fidedignidade identificativa do prédio objecto do despacho de autorização de reversão (acto administrativo) com o do despacho de adjudicação (acto judicial), para depois se virem a proceder as alterações subsequentes junto dos organismos competentes (designadamente, a nível de cadastro registal e fiscal) quer quanto à nova identificação e titularidade do prédio, quer quanto à alteração do seu valor patrimonial.
Aqui chegados, pergunta-se:
Poderá uma simples divergência na identificação do artigo matricial (mas não na identificação física do prédio) servir de fundamento para considerar inexequível a adjudicação do prédio cuja reversão, em todos os demais elementos identificativos se vier a constatar que ter sido autorizada?
Salvo o devido respeito, entendemos que não:
Por um lado, o que verdadeiramente se impõe é que se continue a respeitar escrupulosamente a identificação do prédio nos seus elementos essenciais, não devendo ser obstáculo a que se possa vir a corrigir ou a alterar o artigo matricial indicado no despacho de autorização de reversão, se se vier a constatar que a única não coincidência é essa.
Na verdade, na identificação de um prédio a reverter, o que tem efectivamente valor determinante, isto é, o que constitui os seus elementos essenciais, é a sua realidade e compatibilidade física, dada pela situação, área e confrontações. É necessário que o prédio a reverter seja fisicamente sobreponível ou se encaixe (em caso de reversão parcial) com a situação espacial e identificativa traçada no processo de expropriação, e não necessariamente com um artigo matricial.
Por certo que a natureza, ligação ao tipo de culturas (exploração económica), denominação e sucessão de titularidade documental muito contribuirão para essa identidade de correspondência.
A questão de divergência com o artigo identificativo é uma questão secundária ou acessória, que pode ser perfeitamente corrigida, sem se deturpar o sentido e a vontade da entidade que decretou a autorização de reversão.
O artigo administrativamente atribuído é um simples número de referência, que não pode ser elevado ao estatuto de elemento essencial da identificação, comportando-se como um índice num livro, mas que vive do que diz o capítulo ao qual se reporta.
O que se mostra verdadeiramente importante é que não haja dúvidas que o título de autorização de reversão incide efectivamente sobre o prédio anteriormente expropriado ao revertente ou a um seu antecessor e não a uma terceira pessoa.
A autorização de reversão não pode, por outro lado, incidir sobre prédio que nunca foi expropriado, nem muito menos sobre prédio de que nunca tivessem sido donas as revertentes ou seu(s) antecessor(es), como afirmam as AA. relativamente ao art. 39.º.
O suposto erro material (a que as AA. chamam grosseiro) pode vir a ser livremente corrigidos pelo Tribunal adjudicante, se porventura vier a verificar-se que o artigo 39.º a que se reporta não lhe corresponde por impossibilidade física.
O Direito não tem a possibilidade de mudar as leis da natureza, pelo que não pode definir-se (maxime, constituir ou formar-se caso julgado) em contradição com esta.
Essencial é que no presente processo venha a constatar-se que a peticionada adjudicação a que se reporta a autorização de reversão se encaixa (porque se trata de uma reversão parcial) no espaço físico do imóvel bem expropriado à referida BB.- o que pode ser feito, designadamente, por sobreposição das cartas topográficas ou ortofotogramétricas à mesma escala, e que podem consultar-se em ambos os processos
A partir daí, e respeitando sempre a descrição integral do prédio cuja autorização de reversão foi concedida, com a área, denominação e situação física aí definida, nada pode obstar que o Juiz rectifique o artigo que lhe foi feito corresponder e o substitua por aquele que, em termos físicos, de acordo com a natureza, actualmente lhe corresponde.
Embora o caminho preconizado pelo Acórdão da Relação - de suscitar o problema junto da entidade que autorizou a reversão fosse absolutamente válido (e talvez o mais directo) - , nem por isso deve o Tribunal recusar a hipótese de poder ser ele mesmo a rectificar o suposto erro, pois não se trata de definir um novo direito em contradição com o já julgado, mas sim o de alterar um número de artigo administrativamente atribuído como índice ou referência daquele.
O direito está no objecto, e não na referência que o artigo lhe faz.
Acontece que há já nos autos abundante documentação, constituída por documentos autênticos não impugnados, e que com a ajuda dos elementos recolhidos ou a recolher no processo de expropriação do imóvel e até, porventura, com a ajuda de outros elementos novos a obter na fase instrutória, possam vir a dissipar-se eventuais dúvidas na correspondência do actual artigo 34.º ao prédio a adjudicar , fazendo com se aceite não ser possível o seu encaixe físico e jurídico ao do prédio ora descrito sob o art. 39.º.
O agravo deve por isso obter provimento.
IV. Deliberação
No provimento do agravo, revoga-se o não obstante Acórdão recorrido substituindo-o por outro que, fazendo baixar os autos à Relação, venha esta a ordenar a indispensável instrução tendo como primeiro objectivo o rigoroso apuramento se o prédio descrito como sendo objecto da autorização de reversão se encaixa fisicamente no que foi indicado no processo de expropriação, e, no caso afirmativo, se proceda à rectificação do artigo que física e legalmente se impõe corresponder-lhe, sem prejuízo, neste caso, da prossecução do processo – arts 73.º a 75.º do CE/91.
Sem custas.

Lisboa, 23 de Outubro de 2007

Mário Cruz (Relator)
Faria Antunes
Moreira Alves
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(1) Julgadas entretanto partes ilegítimas
(2) Hoje já não é assim – cfr. art. 77.º do CE aprovado pela lei n.º 168/99, de 18/09: A competência para a adjudicação cabe ao Tribunal Administrativo de Círculo da área do imóvel.
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