Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
221/08.8TCLSB-B.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: MANUEL BRAZ
Descritores: NOVOS MEIOS DE PROVA
RECURSO DE REVISÃO
TESTEMUNHA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Sumário :
I - O recurso de revisão representa a procura do adequado equilíbrio entre o valor da segurança na afirmação do direito e o valor da realização da justiça. O caso julgado não é absoluto, mas, em defesa do valor que representa, só pode ceder em casos excepcionais, em casos de gravíssima injustiça.
II - Para efeito do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, enquanto fundamento do recurso de revisão, a novidade dos meios de prova exige, pelo menos, que não tenham sido apreciados no processo em que foi proferida a sentença condenatória.
III -Quando está em causa prova testemunhal, meios de prova são as testemunhas, e não cada uma das versões que elas apresentem dos factos. Por isso, se a testemunha já foi ouvida no processo em que foi proferida a sentença cuja revisão se pretende, não se está perante um novo meio de prova.
Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

No processo nº 221/08.8TCLSB da 6ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 11/09/2008, AA foi condenado
-na pena de 9 anos de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, agravado pelo resultado, p. e p. pelos artºs 144º, alínea d), 145º, nº 1, alínea b), e 146º, nºs 1 e 2, com referência ao artº 132º, nº 2, alínea g), todos do CP, na versão anterior à da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro;
-na pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de sequestro p. e p. pelo artº 158º, nº 1, do mesmo diploma; e
-em cúmulo jurídico, na pena única de 10 anos de prisão.

Esta decisão de direito assentou nos seguintes factos tidos por provados (transcrição):
«1. Em data não Procº nº 221/08.8tclsb-B.S1
concretamente apurada, pelo menos três indivíduos não identificados dirigiram-se à Reboleira, na Amadora, e obrigaram o BB, conhecido pela alcunha de ‘Maninho”, a entrar numa viatura em que aqueles se faziam conduzir.
2. No interior dessa viatura, os referidos indivíduos não identificados taparam a cara do BB com um capuz e transportaram-no para uma casa.
3. No dia seguinte àquele em que o BB foi levado para a aludida casa, vários indivíduos não identificados conduziram o CC para o mesmo local.
4. No interior da referida casa encontravam-se cerca de 10 indivíduos não identificados.
5. Enquanto esteve na mencionada casa, o BB foi questionado sobre o desaparecimento de droga e agredido com pontapés.
6. O BB e o CC estiveram fechados em diferentes divisões da casa.
7. No dia 13-03-2004, pelas 20h30, o arguido AA, que é conhecido pela alcunha de “Xoné’, e um número indeterminado de indivíduos encapuzados, mas superior a três, em execução de plano entre todos delineado, deslocaram-se ao Bairro da Cova da Moura, na Buraca, Amadora, com o intuito de levarem pelo menos o DD para a mencionada casa, contra a vontade deste e com recurso à força física.
8. Os elementos do grupo constituído pelo arguido e seus acompanhantes deslocaram-se em várias viaturas não identificadas, que estacionaram em local em concreto não apurado.
9. Uma vez apeados, pelo menos parte dos elementos desse grupo seguiu pela Rua de S. Nicolau, fazendo disparos de armas de fogo indiscriminadamente, em várias direcções.
10. Ouvindo o barulho na rua, o EE aproximou-se da janela do 1° andar do número 7 da referida Rua de S. Nicolau, juntamente com alguns familiares, local onde foi atingido por um disparo de arma de fogo na zona do hemitorax esquerdo.
11. Entretanto, elementos do grupo constituído pelo arguido e seus acompanhantes continuaram a percorrer o Bairro da Cova da Moura, disparando armas de fogo de características não concretamente apuradas, indiscriminadamente.
12. A certa altura, na Travessa de S. Vicente, o arguido avistou o DD e o FF.
13. Com o intuito de imobilizar pelo menos o DD e transportá-lo para a referida casa, o arguido efectuou vários disparos de arma de fogo, em número em concreto não determinado, na direcção do primeiro e do FF, em momento em que estes se encontravam próximos um do outro.
14. Um destes disparos atingiu o DD.
15. Enquanto o FF fugia, com receio do que lhe pudesse acontecer, elementos do grupo constituído pelo arguido e seus acompanhantes agarraram no DD e arrastaram-no, passando pela Rua de S. Nicolau, até ao local onde se encontravam estacionadas as aludidas viaturas.
16. De seguida, o grupo de que o arguido fazia parte levou o DD, contra a vontade deste, para a mesma casa onde o CC e o BB se encontravam fechados.
17. A certa altura, pessoa não identificada decidiu levar o DD até ao Hospital Particular de Lisboa, a fim de este receber assistência médica.
18. Indivíduo não identificado retirou ao BB um bilhete de identidade que este tinha consigo, pertença de um amigo do segundo que se encontrava em França, chamado HH , a fim de tal documento ser entregue na recepção do referido hospital e fazer o DD passar pelo HH .
19. Nesta sequência, pouco depois das 00h00 do dia 14-03-2004, dois indivíduos de raça negra não identificados, fazendo-se transportar numa viatura pequena de cor vermelha, conduziram o DD ao Hospital Particular de Lisboa, local onde o entregaram para ser assistido ao ferimento produzido pelo projéctil disparado na ocasião descrita nos pontos 13 e 14.
20. O DD morreu instantes antes de ser visto por médico.
21. O projéctil que atingiu o DD tinha natureza de instrumento de natureza perfuro-contundente e a direcção do seu trajecto foi da direita para a esquerda, de baixo para cima e da frente para trás.
22. O disparo referido no ponto 14 provocou no DD:
-orifício na coxa direita, terço superior da face anterior, situado
13 cm abaixo do plano horizontal que passa na crista ilíaca antero-superior direita e 6,5 cm para a esquerda do plano vertical que passa na crista ilíaca antero-superior direita, com eixo maior oblíquo para baixo e para a esquerda com 1,5 cm de comprimento e 1 cm de largura máxima (orifício de entrada);
-orifício na região glútea esquerda, situado 6,5 cm para a esquerda do sulco longitudinal posterior e 4 cm abaixo do plano horizontal que passa no rebordo superior e posterior da asa ilíaca esquerda, arredondado com 1,4 cm de diâmetro médio (orifício de saída).
23. Como consequência directa e necessária de ter sido atingido pelo referido disparo, o DD sofreu:
-hemoperitoneu de sangue líquido e coágulos com cerca de 1685 cc;
-ferida perfuro-contundente transfixiva, com início no orifício referido no ponto 22.1 e terminando no orifício referido no ponto 22.2, definindo um trajecto em túnel com infiltração sanguínea perifocal e interessando:
-os músculos da coxa direita até cerca de 3 cm para a direita da
sínfise púbica e logo acima do ramo ílio púbico direito, com ferida perfuro-contundente, tronsfixiva, da veia femural direita;
-duas feridas perfuro-contundentes, transfixivas, do mesentério, nos terços proximal e médio;
-três feridas perfuro-contundentes, transuxivas do intestino delgado, no ileon;

-ferida perfuro-contundente, transfixiva, do recto;
-ferida perfuro-contundente, transfixiva, dos músculos da bacia, logo abaixo da articulação sacro-ilíaca esquerda, terminando no orifício referido no ponto 22.2;
-estômago com escasso líquido castanho, sem cheiro característico;
-hemorragias subendocórdicas;
-rins de shock;
-vísceras anemiadas.
24. A morte do DD foi devida a hemorragia consecutiva às graves lesões traumáticas vasculares da coxa direita e abdominais referidas no ponto 23.
25. Estas lesões traumáticas foram causa necessária da morte do DD.
26. Como consequência directa e necessária de ter sido atingido pelo disparo referido no ponto 10, o EE sofreu:
-ferida perfurante (por bala) no hemitorax esquerdo;
-hemotorax esquerdo coexistindo colapso quase total do pulmão esquerdo e grande parte do lobo superior e língula e opacificação quase completa do lobo inferior provavelmente por preenchimento hemático;
-no lobo inferior hiperdensidade espontânea relacionada com sangue recente e fraca heterogeneidade do parenquima pulmonar em relação com laceração;
-bala situada adjacente a apófise espinhosa de vértebra dorsal à esquerda;
-hemotorax abundante (cerca de 3 litros), duas feridas do diafragma e ferida sangronte do lobo inferior.
27. Estas lesões traumáticos provocadas por disparo de arma de fogo são idóneas, por si só, a poderem causar a morte.
28: Tais lesões determinaram para o EE um período de doença de 329 dias, sendo 45 dias com afectação para o trabalho geral e 329 com afectação da capacidade para o trabalho profissional.
29. Em consequência do disparo mencionado no ponto 10, resultaram para o EE as seguintes consequências permanentes:
-cicatrizes;
-perda do lobo inferior do pulmão esquerdo;
-status pós-colostomia esquerda; e
-permanência de bala adjacente a apófise espinhosa da vértebra dorsal, à esquerda.
30. Das lesões referidas, resultou em concreto perigo para a vida do EE.
31. O arguido tinha conhecimento de que efectuava disparos de arma de fogo na direcção do DD nas circunstâncias acima descritas e, ainda assim, apesar de representar como possível que algum dos projécteis pudesse atingir este, quis agir dessa forma, conformando-se com tal possibilidade.
32. O arguido tinha consciência de que ao agir pela forma descrita, disparando
uma arma de fogo na direcção do DD, algum dos projécteis disparados podia atingir zona do corpo deste e causar lesões que pusessem em perigo a sua vida, mas conformou-se com essa possibilidade.
33. O arguido representou como possível que em consequência dos disparos de arma de fogo por si efectuados o DD pudesse morrer, mas actuou confiando que a morte deste não sobreviria, como sobreveio, em consequência da agressão por si produzida.
34. O arguido tinha conhecimento de que transportava para a referida casa o DD, contra a vontade deste e, ainda assim, quis agir pela forma mencionada, em conjugação de esforços e de intentos com os seus acompanhantes.
35. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
36. O arguido esteve preso preventivamente à ordem dos presentes autos, ininterruptamente, desde 23-04-2008, tendo sido detido em 22-04-2008.
37. O arguido nasceu num meio sócio-familiar desfavorecido e pouco estruturado, e foi o terceiro de uma fratria de quatro descendentes de um casal que viria a separar-se quando ele tinha 2 anos de idade.
38. O progenitor do arguido, após abandonar o agregado, emigrou para França.
39. Os hábitos alcoólicos da progenitora do arguido, aliados ao facto de o agregado habitar no “Bairro da Pedreira dos Húngaros, no concelho de Oeiras, caracterizado pela gravidade dos problemas sociais, em particular a emergência de intensos fenómenos de delinquência juvenil, determinaram para aquele um deficiente processo de desenvolvimento e uma adolescência conturbada, com comportamentos pouco normativos.
40. A incapacidade revelada pela progenitora do arguido no que se refere ao processo educativo dos descendentes e o aplicação àquele de uma medida de internamento pelo Tribunal de Menores de Lisboa, levou o mesmo a mudar-se para França, onde integrou o agregado paterno.
41. O arguido permaneceu junto do progenitor durante cerca de quatro anos, até atingir a maioridade, altura em que regressou a Portugal.
42. O percurso escolar do arguido decorreu, primeiro, em Portugal, até aos 14 anos, idade com que completou o primeiro ciclo do ensino básico, numa trajectória marcada por elevado absentismo e insucesso e, depois, em França, onde completou o 8º ano de escolaridade.
43. No regresso a Portugal, o arguido obteve a equivalência ao 9º ano de escolaridade.
44. O percurso laboral do arguido, iniciado aos 18 anos de idade, como indiferenciado da construção civil, pautou-se, nos primeiros tempos, por grande instabilidade.
45. Em 2002, o arguido começou a trabalhar numa oficina de automóveis, cujas quotas veio a adquirir, em 2003, juntamente com o seu progenitor, tendo passado, desde então , a trabalhar como gerente desse estabelecimento.
46. Em 1996, o arguido iniciou relacionamento com a actual companheira, de quem teve três filhos, actualmente com 11, 7 e 3 anos de idade.
47. Quando ocorreram os factos acima descritas, o arguido vivia em união de facto com a actual companheira e com os seus filhos, trabalhando aquele na aludida oficina de automóveis.
48. Em Janeiro de 2004, o arguido e a sua companheira adquiriram uma casa em Belas, onde passaram a residir.
49. Entre Fevereiro de 2005 e Maio de 2006, o arguido esteve em França a trabalhar como ladrilhador, junto do pai, tendo a companheira daquele permanecido em Portugal com os filhos e a tomar conta da oficina.
50. Antes de estar preso, o arguido ocupava os seus tempos livres na prática de desporto.
51. Em Outubro de 2007, o arguido vendeu as suas quotas na oficina, com o objectivo de abrir um stand de aluguer e venda de automóveis, para o que se encontrava a diligenciar pela obtenção de alvará.
52. A companheira do arguido passou o beneficiar do fundo de desemprego.
53. A prisão do arguido à ordem destes autos provocou um profundo impacto na família nuclear e na família de origem daquele, que passou a disponibilizar-lhe incondicionalmente todo o apoio afectivo e material.
54. Após a prisão do arguido, a companheira e os filhos do mesmo têm subsistido apenas com as economias resultantes da venda das quotas na oficina, tendo aquela deixado, entretanto, de beneficiar do fundo de desemprego.
55. No estabelecimento prisional, o arguido mantém comportamento normativo-institucional adaptado, isento de registos disciplinares.
56. O arguido apresenta algumas fragilidades, nomeadamente no que toca à tomada de decisões, onde revela défices de assertividade, imaturidade e impulsividade.
57. O arguido não tem antecedentes criminais.
58. Na sequência do disparo referido no ponto 10, o EE foi transportado aos serviços de urgência do Hospital de S. Francisco Xavier para receber tratamento médico adequado às lesões que sofreu.
59. Esse tratamento importou no montante de € 14.097,18».


Este acórdão foi integralmente confirmado por acórdão da Relação de Lisboa de 14/01/2009.
Dando provimento parcial ao recurso interposto do acórdão da relação, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 14/05/2009, transitado em julgado em 01/06/2009, alterou a medida da pena aplicada pelo crime de ofensa à integridade física grave e qualificada, agravado pelo resultado, e da pena única, as quais passaram a ser de, respectivamente, 7 anos e 6 meses de prisão e 8 anos e 6 meses de prisão.


O condenado vem agora interpor recurso extraordinário de revisão, concluindo assim a sua motivação:
«a) O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão.
b) Na motivação da decisão o douto acórdão de 1ª instância, confirmado pelas instâncias superiores, considerou que o elemento determinante e decisivo para dar por assentes os factos foi o depoimento da testemunha FF.
c) Acontece que, o arguido vem agora apresentar novos meios de prova que só por si e/ou conjugados com os então produzidos suscitam graves duvidas sobre a justiça da condenação.
d) Em primeiro lugar, uma declaração redigida e subscrita pela testemunha FF onde reconhece que não falou a verdade quando prestou declarações neste julgamento.
e) Em segundo lugar, o acórdão proferido no âmbito do processo 322/04. 1PRLSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, onde co-arguidos do requerente foram julgados pelos mesmos factos e em cuja motivação de facto se resume o depoimento da testemunha FF sendo o mesmo contraditório com o que proferiu no julgamento dos presentes autos.
f) Aliás, o depoimento dessa testemunha consta gravado e do mesmo resulta, em pormenor, flagrante contradição com o que proferiu nos presentes autos.
g) Estes elementos de prova, só por si, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.
h) Acresce que, estes novos elementos de prova quando conjugados com os produzidos em sede de julgamento mais dúvidas suscitam à justiça da condenação.
i) Com efeito, as únicas testemunhas que presenciaram os factos – II, JJ e EE – depuseram no mesmo sentido daquele que a testemunha FF depôs no julgamento do processo 322/04, bem como do constante da declaração junta aos autos.
j) Por outro lado, o teor da declaração da testemunha FF, junta aos autos, está em consonância com as declarações prestadas no âmbito do julgamento no processo 322/04.
k) Diga-se ainda que o teor desses depoimentos e declaração estão também em consonância com o referido pelo testemunha agente da PSP KK que referiu ter-se deslocado ao local dos factos e não existir iluminação pública tendo necessidade de utilizar focos dos bombeiros para verem».


Prestando a informação a que alude o artº 454º do CPP, o senhor juiz do tribunal de 1ª instância pronunciou-se no sentido de ser negada a revisão.
No Supremo Tribunal de Justiça, o senhor procurador-geral-adjunto foi de parecer que o pedido de revisão deve ser rejeitado e considerado manifestamente infundado.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.


Fundamentação:
O recurso de revisão é um meio extraordinário de reagir contra sentenças e despachos equiparados transitados em julgado nos casos em que, como ensinava Alberto dos Reis, “o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa”; “visa eliminar o escândalo dessa injustiça” (Código de Processo Civil anotado, Vol. V, reimpressão, 1981, página 158).
O caso julgado confere estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito, segurança que é um dos fins do processo penal. Mas fim do processo é também a realização da justiça. O recurso de revisão representa a procura do adequado equilíbrio entre estes dois valores. O caso julgado não é absoluto, mas, em defesa do valor que representa, só pode ceder em casos excepcionais, em casos de gravíssima injustiça.
Nos termos do artº 29º, nº 6, da Constituição, «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença».
A lei regula a matéria nos artºs 449º e seguintes do CPP, descrevendo-se no nº 1 do primeiro destes preceitos os fundamentos da revisão.
O recorrente invoca o fundamento da alínea d), que admite a revisão de sentença transitada em julgado quando «se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação».
Com vista a demonstrar a existência deste fundamento alega:
-o «elemento de prova fundamental e decisivo para dar por assentes os factos foi o depoimento da testemunha FF»;
-encontra-se junta aos autos uma declaração na qual essa testemunha afirma não ter a certeza se foi o recorrente quem desferiu o disparo e que não podia ter visto tal facto, na medida em que os indivíduos que disparam estavam todos encapuzados;
-a mesma testemunha, ouvida na audiência em que foram julgados pelos mesmos factos os co-arguidos, no âmbito do processo nº 322/04.1PRLSB, também da 6ª vara criminal de Lisboa, de onde os presentes autos foram separados, em virtude de o recorrente não ter então sido encontrado, declarou que não sabia identificar o autor ou autores dos disparos;
-estes dados, que, só por si, colocariam graves dúvidas sobre a justiça da condenação do recorrente, quando conjugados com os restantes meios de prova produzidos no julgamento, fulminam completamente o depoimento do FF ali prestado;
-na verdade, como resulta do acórdão condenatório, as testemunhas II, JJ e EE presenciaram os factos e não conseguiram identificar os seus autores por estarem encapuzados, ser de noite e não existir iluminação pública;
-e a testemunha KK, que se deslocou após os factos ao local, afirmou que a iluminação pública estava desligada;
-além disso, foi determinada a extracção de certidão a fim de ser entregue ao MP, para os devidos efeitos, sendo óbvio que o objectivo é a instauração de procedimento criminal contra a testemunha FF por falsidade de testemunho.
O que o recorrente alega é, pois, a descoberta de «novos meios de prova». Estes novos meios de prova seriam a declaração escrita da testemunha FF, datada de 19/11/2008, afirmando que está “com a consciência pesada”, pois não tem a certeza se foi “o AA a atirar”, “nem podia ver pois estavam todos encapuzados”. Acrescenta ter dito na audiência de julgamento que identificou o recorrente como o autor dos disparos por estar com “raiva por ter perdido um amigo”, tendo agido “sem pensar e dizer aquilo que todas as pessoas diziam”: “que tinha sido o AA”; “queria que alguém pagasse pela morte” do seu amigo, tendo, porém, chegado à conclusão que não fez “a coisa certa”, o que o levou a escrever esta declaração. E ainda o depoimento prestado pela mesma testemunha no julgamento dos outros acusados pelos mesmos factos, em processo do qual este foi separado, em virtude de na altura o recorrente se encontrar na situação de contumácia.
Vejamos.
A novidade dos meios de prova exige, pelo menos, que não tenham sido apreciados no processo em que foi proferida a sentença condenatória. No caso, o meio de prova que o recorrente entende ser novo resume-se a declarações de uma testemunha – FF – ouvida no julgamento que terminou com a prolação daquela sentença. Ora, quando está em causa prova testemunhal, meios de prova são as testemunhas, e não cada uma das versões que elas apresentem dos factos. Por isso, se a referida testemunha já foi ouvida no processo em que foi proferida a sentença cuja revisão se pretende, não se está perante um novo meio de prova.
Mesmo que assim não fosse e devesse entender-se que declarações diferentes das prestadas por uma testemunha no processo da condenação constituem novo meio de prova, não haveria no caso novo meio de prova.
Com efeito, as afirmações do FF na referida declaração de 19/11/2008 identificam-se com a versão dos factos por ele apresentada na audiência de julgamento dos outros acusados pelos mesmos factos, realizada em 2006, no mencionado processo nº 322/04.1PRLSB, do qual foi destacado o processo em que foi proferida a sentença cuja revisão se pede. Ali, como se vê das transcrições das gravações da prova feitas no requerimento de revisão, já a referida testemunha disse não ter identificado os autores dos disparos que atingiram a vítima por estarem com o rosto coberto por capuzes ou gorros.
E essa versão dos factos já foi tida em conta no acórdão que é objecto do pedido de revisão. Com efeito, como resulta da motivação da respectiva decisão sobre matéria de facto, depois de se dizer que o depoimento da testemunha FF, que identificou o recorrente como a pessoa que com um revólver fez o disparo que atingiu a vítima, “foi determinante para dar como assente que o arguido teve intervenção nos factos em causa”, acrescentou-se:
Poderia pôr-se em causa o depoimento que a testemunha FF prestou em sede de audiência de discussão e julgamento devido à circunstância de, como o próprio admitiu, em anteriores diligências deste processo ter omitido a identificação do arguido. No entanto, a explicação que a testemunha FF apresentou para tal comportamento apresenta-se como plausível. Na verdade, tendo em conta o receio de represálias, é muito diferente incriminar alguém que se encontra em liberdade ou quem, como sucede actualmente com o arguido, está preso preventivamente”.
Donde se conclui que as concretas declarações esgrimidas no pedido de revisão já foram objecto de apreciação no processo da condenação.
Deve ainda dizer-se que àquela declaração assinada pela testemunha, mesmo que representasse um novo meio de prova, sempre faltaria a verosimilhança necessária à suscitação de «graves dúvidas sobre a justiça da condenação». Efectivamente, não tem qualquer lógica a afirmação da testemunha de que, apesar de não pode ver quem disparou, por estarem todos encapuzados, identificou o recorrente como o autor dos disparos por estar com “raiva por ter perdido um amigo”, agindo “sem pensar”, visto que o depoimento prestado no julgamento deste processo teve lugar mais de 4 anos após os factos e mais de 2 anos depois do julgamento dos outros acusados, onde essa “raiva” não se fez sentir, não obstante então se estar muito mais perto dos factos.
Não constituindo os elementos apontados pelo recorrente novos meios de prova, não há que conjugá-los com os que foram apreciados no processo, designadamente os depoimentos das testemunhas II, JJ, EE e KK. Essa conjugação já foi feita pelo tribunal que proferiu a decisão, nos termos que seguem:
É certo que poderia desde logo questionar-se como poderia a testemunha FF ter visto o arguido se, como referiu a testemunha JJ, a iluminação pública estava desligada (apesar de a testemunha JJ estar na Rua de São Nicolau e a testemunha FF ter afirmado que os disparos efectuados pelo arguido ocorreram na Travessa de São Vicente, a testemunha KK referiu que em ambos as artérias a iluminação pública estava desligada). No entanto, é precisamente a circunstância de, não obstante iluminação pública estar desligada, ter sido possível às testemunhas II, JJ e EE verem a partir de um 1º andar tudo o que descreveram que permite concluir que também a testemunha FF podia ver tudo o que referiu.
(…) Poderia ainda realçar-se a estranheza de, conforme a testemunha FF afirmou, o arguido envergar uma ‘camisa com capuz’ mas tal capuz estar caído para trás, quando o que seria normal era o segundo pretender dificultar a sua identificação. De todo o modo, desta afirmação da testemunha FF no se pode extrair qualquer conclusão definitiva no sentido de pôr em causa a veracidade do por si afirmado, apresentando-se como plausível que o referido capuz tenha simplesmente saído da cabeça do arguido em consequência da sua movimentação. Por fim, poderia colocar-se a questão de a testemunhaFF ter um qualquer interesse em prejudicar o arguido. No entanto, nada nos autos permite sequer suspeitar que tal pudesse ter acontecido, sendo que é o próprio arguido quem afirma que não conhecia nem nunca antes tinha visto a testemunha FF. Nesta medida, ponderando tudo o acima exposto, atenta a espontaneidade e a forma convincente como a testemunha FF prestou depoimento em sede de audiência de discussão e julgamento, o tribunal não teve qualquer dúvida em atribuir credibilidade ao que o mesmo afirmou e, nessa medida, fundar a decisão em tal depoimento”.
O recorrente não concorda com o juízo assim expresso pelo tribunal que proferiu a decisão condenatória, mas essa discordância é inoperante em sede de recurso de revisão.
Não se estando perante novos meios de prova, fica desde logo afastado o fundamento da alínea d) do nº 1 do artº 449º, restando apenas a possibilidade de um eventual depoimento falso, a relevar no âmbito da alínea a), se essa possibilidade vier a obter confirmação por sentença transitada em julgado.



Decisão:
Em face do exposto, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça decidem negar a revisão.
O recorrente vai condenado a pagar as custas, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça.

Lisboa, 04 de Fevereiro de 2010


Manuel Braz (Relator)
Santos Carvalho
Carmona da Mota