Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2399/19.6T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A declaração de preferência (art. 416.º, n.º 2, do CC) representa o acto de exercício de um direito potestativo constitutivo e, nessa medida, deve ser qualificada como um negócio jurídico unilateral receptício.

II - Para efeito da contagem do prazo de caducidade da declaração de preferência (declaração receptícia ou recipienda), a data relevante é a da chegada da declaração ao âmbito do poder ou da actuação do destinatário e não a data da sua expedição.

III - A recorrente (preferente) sabia, face à carta recebida dos réus vendedores em 18-10-2018, que tinha oito dias para fazer chegar a estes a sua intenção de exercer o direito de preferência, estando perfeitamente ciente que, remetendo a carta no último dia do prazo (26-10-2018 – oitavo dia posterior à data da recepção da comunicação de preferência), e recebida pelos réus vendedores no dia 29-10-2018, chegou ao âmbito do poder e do conhecimento dos réus vendedores no 11.º dia posterior à recepção pela autora da comunicação para exercer o direito de preferência, logo, para além do prazo legalmente aplicável.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO 

Em acção declarativa, com processo comum, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ...... (Juízo Central Cível ...... - Juiz ..) AA, intentou acção com processo comum contra BB, CC, DD, e EE, e FF, peticionando:

A) Seja declarado e reconhecido o direito de preferência da A. na compra e venda celebrada entre as RR., por contrato de 31 de Outubro de 2018, relativamente ao prédio misto denominado "……", sito em ……, na freguesia ......., concelho ....., descrito na Conservatória do Registo Predial ....... sob o n.° …64, da referida freguesia, sendo a parte rústica composta por Montado de Sobro ou Sobreiral, inscrita na matriz predial rústica sob o artigo …, secção .., da referida freguesia, e a parte urbana, composta por edifício de R/C e dependência, inscrita na matriz predial urbana sob o artº ….47;

B) Seja reconhecido o direito da A. de haver para si o referido prédio, substituindo-se aos RR compradores na posição que estes ocupam no referido contrato de compra e venda;

C) Sejam os RR. compradores condenados a entregar o referido Prédio à A., livre e desocupado;

D) Seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que os RR. compradores (Adquirentes) hajam feito a seu favor em consequência da compra do referido Prédio e, bem assim, outros que estes vierem a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem.

Alegou, em síntese, que estão reunidos todos os pressupostos legais para o exercício do direito de preferência, o qual lhe está a ser negado pelos réus com fundamento na caducidade do direito, por tardia comunicação de intenção de o exercer.

Contestaram os réus, defendendo que a autora não cumpriu o prazo de oito dias que lhe foi concedido para o exercício do direito de preferência, pelo que tal direito caducou, devendo a ação ser julgada improcedente.

Foi proferido saneador-sentença no qual se declarou verificada a caducidade do direito de preferência exercido pela autora e, consequentemente, declarou-se improcedente a acção e se absolveram os réus do pedido.

Não se conformando com a sentença a autora interpôs recurso de apelação e a Relação, por acórdão de 03.12.2020, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida.

A autora interpôs recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 672º nº 1 alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil, que foi admitido por acórdão da Formação de 14 de Maio de 2021.

São as seguintes as CONCLUSÕES da autora:

QUANTO AO OBJECTO DO RECURSO

A. Na sua fundamentação, o acórdão recorrido, entendeu que o exercício do direito de preferência pela recorrente foi intempestivo, em virtude de a manifestação de vontade em preferir ter chegado ao conhecimento do destinatário após o oitavo dia do prazo previsto no n.º 2 do art.º 416.º do CC e, nessa conformidade, considerou ter caducado o direito de preferência.

B. Em síntese, o acórdão recorrido entendeu que o momento relevante para aferir da tempestividade do exercício do direito de preferência é o momento em que a declaração do preferente a manifestar a sua vontade de preferir chega ao conhecimento do obrigado à preferência, fazendo, assim prevalecer o regime da eficácia da declaração previsto no n.º 1 do art.º 224.º do CC sobre o regime da caducidade.

C. Com esse entendimento, o tribunal ad quo violou o regime previsto no n.º 1 do art.º 224.º do CC, bem como no n.º 2 do artº 298.º do CC, n.º 1 do art.º 331.º do CC, no n.º 2 do art.º 416.º do CC e n.º 1 in fine do art.º 224.º do CC, uma vez que, estando em causa um prazo de caducidade, o que releva é o momento da prática do acto e não o momento em que o mesmo chega ao conhecimento do destinatário.


QUANTO AOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

D. O acórdão recorrido está em contradição com a jurisprudência mais esclarecida, recente e consolidada dos tribunais superiores, proferida sobre a mesma questão essencial de direito, designadamente com o Acórdão da mesma Relação de Évora, proferido em 30/05/2019 no processo 2888/16.4T8FAR.E1 (Acórdão Fundamento), que, em sentido totalmente oposto ao da decisão recorrida, afirma, logo no seu sumário, o seguinte (cfr. Cit. Doc 1): “I - O momento relevante para aferir da caducidade do direito de preferência é a data da prática do acto, ou seja, a data em que o preferente emite a sua declaração de vontade de preferir no negócio de compra e venda que lhe foi comunicado, e não a data em que o obrigado à preferência recebe tal comunicação.”

E. O acórdão fundamento, transitado em julgado, entendeu que, sendo de caducidade, o prazo para o exercício da preferência, estão em causa razões de protecção jurídica das relações e garantias da confiança, absolutamente essenciais para o desenvolvimento e progresso económico e paz social, e que, nessa conformidade, de acordo com o regime legal em vigor, o momento relevante para aferir da tempestividade do exercício do direito de preferência é o da prática do acto:

Efectivamente, o momento para aferir da caducidade do direito é a data da prática do acto, ou seja a data da em que o preferente emite a sua declaração de vontade de preferir no negócio de compra e venda que lhe foi comunicado, e não a data em que o obrigado à preferência recebe tal comunicação. (…)

Se assim não fosse, estar-se-ia a diminuir o prazo legal de 8 dias concedido ao preferente para emitir a sua declaração, pois, remetendo o preferente a sua resposta por escrito teria que a expedir com a necessária antecedência para que a mesma chegasse por via postal ao destinatário antes do termo do prazo, ficando ainda sujeito às contingências de eventuais demoras na distribuição e entrega do correio e a ter que provar que o atraso não decorreu de culpa sua.

F. O Tribunal da Relação de Évora, na sua decisão de 30/05/2019, foi inequívoco quanto ao momento que considera relevante para aferir da caducidade do exercício da preferência no termos do n.º 2 do ar.tº 416.º do CC. E esse momento, é o da prática do acto, rectius: A expedição da carta contendo a declaração a manifestar a vontade de preferir.

G. O acórdão da Relação de Évora, acima citado transitou em julgado (cfr. cit. Doc. 1), e está em oposição com o Acórdão recorrido quanto à mesma questão essencial de direito, no domínio da mesma legislação, designadamente no âmbito do regime previsto nos arts. 416.º n.º 2, 331.º n.º 1, 298.º n.º 2, 224.º e 1410.º n.º 1, todos do CC.

H. Quer no Acórdão Recorrido, quer no Acórdão Fundamento, a questão de facto é nuclearmente idêntica, prendendo-se com a tempestividade do exercício do direito de preferência no âmbito do direito de propriedade sobre bens imóveis, à qual é aplicável a mesma legislação, máxime o regime do n.º 2 do art.º 416.º, n.º 1 do art.º 331.º, n.º 2 do art.º 298.º e art.º 224.º, todos do CC.

I. Analisando o núcleo factual dos dois acórdãos, concluímos que em ambas as situações estavam em causa os seguintes factos:

- Uma das partes na acção, é proprietária e legítima possuidora de um bem imóvel, e, a outra parte, é potencial compradora do mesmo;

- Está em causa do direito de propriedade sobre imóveis;

- O proprietário enviou ao preferente, a missiva para exercício do direito de preferência.

- O preferente enviou ao proprietário, uma carta, expedida por correio registado com aviso de recepção, manifestando a sua intenção de exercer o direito de preferência na compra e venda do prédio;

- A referida missiva foi expedida no oitavo dia do prazo previsto no n.º 2 do art.º 416.º do CC, ou seja, no último dia do prazo.

- O proprietário do imóvel recebeu a comunicação de preferência para além do oitavo dia do prazo.

- Apesar da comunicação do preferente a manifestar a sua intenção de preferir, o proprietário do imóvel, celebrou a escritura pública de compra e venda com um terceiro.

- Em ambas as situações, existia um direito de preferência, sujeito ao prazo do n.º 2 do art.º 416.º do CC;

- Em ambas as situações, os preferentes exerceram o seu direito no último dia do prazo, i.e., no oitavo dia.

- Em ambos os processos, estava em causa a tempestividade do exercício do direito de preferência.

J. A identidade dos factos é, pois, nítida.

K. Perante a mesma questão fundamental de direito [tempestividade do exercício do direito de preferência no âmbito do direito de propriedade sobre bens imóveis] verificou-se, porém, um conflito jurisprudencial, porquanto, os mesmos preceitos legais foram interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos.

L. Sobre a mesma questão fundamental de direito, inexiste acórdão de uniformização de jurisprudência.

M. Em face do acima exposto, está verificado o requisito previsto na alínea c) n.º 1 do art.º 672.º do CPC, devendo o recurso ser admitido e tramitado como Revista Excepcional.

N. Além do patente conflito jurisprudencial, nos termos acima expostos, verifica-se outrossim que o quid essencial em análise assume uma enorme relevância, porquanto, a decisão sobre o presente recurso excepcional de revista, interpretando e aplicando corretamente o regime previsto no n.º 2 do art.º 416.º, n.º 1 do art.º 331.º, n.º 2 do art.º 298.º e art.º 224.º, todos do CC, contribuirá seguramente para uma melhor aplicação do direito.

O. O acórdão recorrido afastou-se do entendimento acertado quanto á caducidade, o que, seguramente, contribuirá para gerar dúvida na comunidade jurídica, quanto à boa interpretação do n.º 2 do art.º 416.º do CC, daí decorrendo a incerteza em saber qual, afinal, o prazo de que dispõe o preferente para se decidir: se os oito dias previstos na norma legal, ou se, inevitavelmente, um prazo inferior, conforme assim decorre do entendimento vertido no acórdão recorrido.

P. A clarificação que resultará da presente revista excepcional, contribuirá inequivocamente para a melhor aplicação do direito, pois não deixará aos intérpretes da lei, incluindo magistrados, advogados e outros profissionais do foro, margem para dúvidas quanto ao regime da caducidade no exercício do direito e preferência, servindo de prevenção para futuras decisões incorrectas em matéria de caducidade do preferência.

Q. Em face do acima exposto, está verificado o requisito previsto na alínea a) n.º 1 do art.º 672.º do CPC:.

R. A questão sobre a caducidade do exercício do direito de preferência assume outrossim particular relevância social, porquanto, o que está em causa, para o comum dos cidadãos, é saber se o preferente dispõe de um prazo de oito dias para reflectir sobre o exercício do direito de preferência, ou se, afinal [conforme resulta do acórdão recorrido] esse prazo é mais curto, em razão da necessidade de assegurar a sua expedição e a recepção pelo obrigado à preferência, dentro dos oito dias.

S. Para o preferente não é indiferente a resposta à questão porquanto, a compra de um bem imóvel, como é o caso dos autos, não é uma decisão que possa ser tomada da noite para o dia, dado que, o comum das pessoas - até das empresas - não faz destas transações o seu modo de vida, daí que o legislador quisesse atribuir a este um período mínimo de reflexão. Período esse que é de oito dias, e não menos.

Ora, o acórdão recorrido, estando em contradição com a jurisprudência mais recente e consolidada, contribui para que os sujeitos económicos se comportem de forma desarmoniosa, consoante o prazo que entendam utilizar para o exercício da preferência.

U. Acima de tudo, está em causa o próprio instituto da preferência, previsto no art.º 416.º do CC, porquanto, o entendimento do acórdão recorrido, ao impor ao preferente uma redução do seu período de reflexão, para um prazo inferior a oito dias, irá certamente originar muitas situações de não exercício do direito de preferência, simplesmente por falta de tempo: tempo para decidir a sua vontade, tempo para aferir se tem condições para preferir, tempo para avaliar os prós-e-contras, tempo para aferir da utilidade do investimento, etc….

V. Em face do acima exposto, está verificado o requisito previsto na na alínea b) n.º 1 do art.º 672.º do CPC.

QUANTO AOS FUNDAMENTOS DO RECURSO:

W. A recorrente instaurou a acção de preferência, tendo em vista exercer a sua preferência na aquisição do prédio misto, denominado “........”, sito em ........, na freguesia ......., concelho ...., descrito na Conservatória do Registo Predial ..... sob o n.º …64, da referida freguesia, sendo a parte rústica composta por Montado de Sobro ou Sobreiral, inscrita na matriz predial rústica sob o artigo .., secção .., da referida freguesia, e a parte urbana, composta por edifício de R/C e dependência, inscrita na matriz predial urbana sob o art.º …..47

X. A questão essencial do presente recurso resume-se exclusivamente à questão da CADUCIDADE do direito de preferência exercido pela RECORRENTE.

Y. O prazo estabelecido no n.º 2 do no art.º 416.º do CC é um prazo de caducidade, como aliás tem sido entendido pelos tribunais superiores, citando-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da RELAÇÃO DE LISBOA, proferido em 23.04.2009, processo n.º 549/1998.L1-2: “II O prazo de caducidade de oito dias, decorrente do artigo 416º do C.Civil, refere-se ao exercício do direito de preferência;

Z. Resulta da letra do n.º 2 do art.º 298.º e n.º 1 do art.º 331.º do CC, que a caducidade afere-se pelo momento em que o acto foi praticado pelo titular do direito: “...um direito deva ser exercido dentro de certo prazo...”

AA. A caducidade é uma sanção imposta ao titular do direito como consequência pela sua inércia. Sansão essa que só pode aferir-se pela sua conduta, Nesse sentido, e a título de exemplo, veja-se o acórdão da RELAÇÃO DE ÉVORA, proferido em 16.01.2014, no processo n.º 30/07.1TBADV.E1:

Por outro lado, como a caducidade legal é determinada por «estritas razões objectivas de segurança jurídica», ela verificar-se-á se não for praticado o acto que a impede,”

BB. No caso vertente, o prazo para o exercício da preferência da recorrente extinguia-se às 00.00 h do dia 27.10.2018, isto é, depois de completados os oito dias dentro dos quais deveria ter sido comunicada a declaração de preferência aos recorridos vendedores.

CC. O primeiro dia do prazo de oito dias para a recorrente para exercer a preferência foi o dia 19/10/2018 e o oitavo dia do mesmo prazo foi o dia 26/10/2018.

DD. Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 416.º do CC, conjugado com o regime previsto no n.º 2 do art.º 298.º n.º 1 do art.º 331.º e n.º 1 do art.º 224.º in fine do mesmo diploma legal, a comunicação de preferência, expedida pela recorrente aos recorridos vendedores, em 26/10/2018, deve ser considerada tempestiva.

EE. Este é entendimento mais esclarecido e consolidado na jurisprudência dos tribunais superiores, desde logo no Acórdão Fundamento, acima citado, proferido pela RELAÇÃO

DE ÉVORA, em 30/05/2019, no processo n.º 2888/16.4T8FAR.E1, onde se pode ler no seu sumário:

“I - O momento relevante para aferir da caducidade do direito de preferência é a data da prática do acto, ou seja, a data em que o preferente emite a sua declaração de vontade de preferir no negócio de compra e venda que lhe foi comunicado, e não a data em que o obrigado à preferência recebe tal comunicação”.

FF. Atendimento esse que é igualmente acolhido pela RELAÇÃO DE COIMBRA, no Acórdão proferido em 23/06/2015, no processo n.º 1275/12.8TBCBR.C1, onde se pode ler no seu sumário:

“1. - O que releva, para aferir da (in)tempestividade da manifestação de vontade de exercer o direito de preferência, não é a data em que o vendedor recebeu a missiva do preferente, mas a data em que este lha enviou e na qual está plasmada a sua declaração de preferir.”

GG. Nessa conformidade, não se verifica a caducidade do direito de preferência da recorrente.

HH. Não se verificando a excepção de caducidade invocada pelos recorridos, a acção deve ser julgada procedente por provada conforme peticionado pela recorrente.

II. O tribunal ad quo incorreu no vício de violação de lei, nomeadamente, por incorreta aplicação do regime previsto no n.º 1 do art.º 224.º do CC, e por violação do regime previsto no n.º 2 do artº 298.º do CC, n.º 1 do art.º 331.º do CC, por violação do disposto no n.º 2 do art.º 416.º do CC e por violação do n.º 1 in fine do art.º 224.º do CC.

JJ. O entendimento diverso do aqui perfilhado pela recorrente, sempre conduziria a um intolerável e totalmente injustificado encurtamento do prazo para o exercício do direito de preferência, posto que aos oito dias que a lei confere ao preferente para o exercício do direito, teria que subtrair os necessários para a assegurar a expedição postal.

KK. Circunstância a que acresce a tremenda incerteza no comércio jurídico decorrente do facto do preferente não conseguir controlar ou sequer antever o tempo que os serviços postais despenderão para fazerem chegar a comunicação para o exercício da preferência ao seu destinatário, o que se revela totalmente incompatível com o instituto da caducidade, que tem por fundamento a necessidade de impor certeza e segurança no comércio jurídico.

LL. O legislador, ao conferir ao preferente o prazo de oito dias para exercer o seu direito de preferência, quis reservar-lhe um determinado período de reflexão, que não deve ser encurtado ou condicionado pelo processo de expedição postal.

MM. Não é compreensível a afirmação contida no acórdão recorrido, de que a recorrente teve tempo suficiente para decidir, em virtude de os recorridos vendedores terem enviado anteriormente informação adicional, em 28/08/2018, na sequência de um pedido de informações adicional

NN. A comunicação à recorrente para exercer a preferência, só se considerou efectuada em 18/10/2018, em virtude de, só nesta data, terem sido comunicados a esta todos os elementos essenciais do negócio (vide Ponto 5 da matéria de facto).

OO. Só quando a recorrente tomou conhecimento de todos os elementos essenciais do negócio, o que apenas ocorreu em 18/10/2018, é que se deu por efectuada a comunicação prevista no n.º 1 do art.º 416.º CC.

PP. Assim, só a partir de 18/10/2018, a recorrente ficou em condições de poder reflectir sobre a possível aquisição do imóvel.

QQ. Se assim não fosse, os recorridos vendedores, ao invés de enviarem à recorrente os elementos considerados essenciais, teriam simplesmente comunicado a caducidade da preferência por falta de manifestação de vontade em adquirir o imóvel dentro do prazo concedido na primeira comunicação, datada de 19/09/2018, recebida em 25/09/2018 (vide PONTO 1 da matéria de facto).

RR. Pelo que, também por este fundamento, o acórdão recorrido, violou o regime do art.º 416.º do CC.

SS. Levando ao limite o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, uma situação de extravio da declaração de preferência, não imputável ao destinatário, tornaria virtualmente impossível o exercício da preferência, posto que o titular do direito não poderia prevalecer-se do regime do n.º 2 do art.º 224.º do CC. Esta situação é inadmissível no nosso ordenamento jurídico e incompatível com o regime da caducidade a que o legislador quis sujeitar a declaração da preferência.


Termina pedindo que seja o revogado o acórdão recorrido e nessa conformidade ser o mesmo substituído por decisão proferida por este Supremo Tribunal de Justiça, que julgando a acção instaurada pela ora recorrente totalmente procedente:

A) Seja declarado e reconhecido o direito de preferência da recorrente na compra e venda celebrada entre os recorridos por contrato entre estas celebrado em 31 de Outubro de 2018, relativamente ao prédio misto denominado “........”, sito em ........, na freguesia ....., concelho....., descrito na Conservatória do Registo Predial ..... sob o n.º …64, da referida freguesia, sendo a parte rústica composta por Montado de Sobro ou Sobreiral, inscrita na matriz predial rústica sob o artigo ….32, secção .., da referida freguesia, e a parte urbana, composta por edifício de R/C e dependência, inscrita na matriz predial urbana sob o art.º …47;

B) Seja reconhecido o direito da recorrente de haver para si o referido prédio, substituindo-se aos recorridos compradores na posição que estes ocupam no referido contrato de compra e venda;

C) Sejam os recorridos compradores condenados a entregar o referido prédio à recorrente livre e desocupado;

D) Seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que os recorridos compradores (adquirentes) hajam feito a seu favor em consequência da compra do referido prédio e, bem assim, outros que estes vierem a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem.


Os recorridos EE e marido FF contra-alegaram, tendo produzido as seguintes CONCLUSÕES:

A. Por carta datada de 18 de Setembro de 2018, os co-RR vendedores comunicaram à A./apelante que pretendiam vender por 220.000€ o prédio misto “........” que lhes pertencia e era confinante com um prédio rústico da A./apelante, a qual lhes solicitou algumas informações adicionais.

B. Os co-RR. vendedores prestaram as informações solicitadas pela A. por carta registada com A.R., recebida pela A./apelante em 18/10/2018.

C. Os co-RR vendedores finalizaram a referida carta nos seguintes termos: Após o envio de informação adicional…solicita-se a V. Exª, nos termos da legislação aplicável, que comunique por escrito, no prazo de 8 (oito) dias, contados desde a data da receção da presente carta, a sua intenção de exercício de esse direito findo esse prazo e não obtendo resposta, considerar-se-á que V. Exª renuncia ao direito de preferência.

D. A “legislação aplicável” é obviamente a constante do artº 416º/2, CC: Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade…

E. A A./apelante, por carta registada com A/R., entregue na estação dos CTT ........., em …., no dia 26/10/2018, para ser expedida para a morada da co-ré DD, em ….., pretendia informar os RR vendedores que é minha intenção exercer o direito de preferência que me assiste na compra do referido imóvel.

F. Ao escolher como forma de comunicação da declaração de preferência, a carta registada com A.R.. – e ao enviá-la, no último dia do prazo de 8 dias, ….. com destino a ..... - sabia a A. (ou devia saber) que tal comunicação nunca seria entregue pelos CTT à destinatária no próprio dia do seu registo em …..

G. Não estando o exercício do direito de preferência sujeito a formalidades obrigatórias, pode ser feito verbalmente ou por escrito, atendendo à responsabilidade das partes, optando por determinada forma de exercício do seu direito, sempre tem a recorrente de assumir as responsabilidades decorrentes das vicissitudes temporais de tal opção.

H. Tem aplicação ao caso o disposto no artº 224º/1. CC: A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida.

I. No ensinamento do Prof. Dr. António Menezes Cordeiro, as declarações negociais são recipiendas ou não recipiendas consoante tenham ou não um destinatário (cfr. TRATADO DE DIREITO CIVIL PORTUGUÊS, I, Parte Geral, Tomo I, 1999, pg. 289).

J. E mais à frente do seu tratado, escreveu o referido professor: A doutrina actual explica ainda que a “receção” implica a chegada da declaração ao âmbito do poder ou da atuação do destinatário (cfr. op.cit. pg. 291).

K. No ensinamento do Prof. Dr. Pedro Pais de Vasconcelos, a declaração negocial pode ter um declaratário específico a quem é dirigida, ou ser dirigida a uma ou mais pessoas indeterminadas. Quando tenha um destinatário específico chama-se declaração negocial recipienda ou receptícia …(TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL, VOL. I, pg. 205).

E mais adiante, escreve o referido Professor: As declarações negociais recipiendas tornam-se perfeitas, segundo o Código, no tempo em que chegam ao poder do declaratário ou são dele conhecidas (cfr. op.cit., pg 207).

M. É pacífico na doutrina que “a declaração de preferência representa o acto de exercício de um direito potestativo constitutivo e, nessa medida, deve ser qualificada como um negócio jurídico unilateral receptício” (cfr. O EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA, dissertação de doutoramento do Doutor Agostinho Cardoso Guedes, Publicações Universidade Católica, 2006, pg. 516).

N. Na mesma linha de orientação, o Dr. Carlos Lacerda Barata, no seu estudo DA OBRIGAÇÃO DE PREFERÊNCIA (Contributo para o Estudo do artigo 416º do Código Civil, Coimbra Editora), escreve a pgs. 142: … como acontece com a denuntiatio, também a declaração de preferência constitui uma declaração receptícia. Portanto, para que seja eficaz deverá chegar ao poder do destinatário (o obrigado à preferência) dentro do prazo legalmente aplicável (normalmente oito dias a contar da receção ou conhecimento do aviso para preferir…).

O. No seu DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, 6º Ed., Coimbra Editora, o Prof. Inocêncio Galvão Telles, na nota de rodapé 2, pg 151, escreveu: A declaração de preferência deve ser recebida dentro do prazo, não bastando que seja expedida dentro dele.

P. Como assim, é incontornável que a DECLARAÇÃO DE PREFERÊNCIA da A., expedida, mediante carta registada nos CTT, em ….., em 26/10/2018 (8º dia posterior à data da recepção - 18/10/2018 - da comunicação de preferência), e recebida pelos RR vendedores no dia 29/10/2018, chegou ao âmbito do poder e do conhecimento dos RR vendedores, no 11º dia posterior à recepção pela A. da comunicação para exercer o direito de preferência, logo, para além do prazo legalmente aplicável.

Q. O direito de preferência considera-se exercido quando a declaração do preferente chega ao conhecimento do obrigado à preferência, o que deve suceder no prazo de oito dias após ser notificado para tal. Sendo a elaboração de carta contendo tal declaração e sua expedição pelos correios, mero acto preparatório do exercício do direito de preferência.

R. Daí que, sem a mínima sombra de dúvida, ex vi nº 2 do artº 416º CC, conjugado com o disposto no artº 224º/1. CC, na referida data de 29/10/2018, já tivesse ocorrido a caducidade do direito de preempção da A. relativamente à compra e venda em causa nos autos.

S. Deverá ser fixada jurisprudência no sentido plasmado no acórdão a quo.

T. Deve ser mantido na integra o acórdão a quo, improcedendo a presente revista excepcional, por não se verificar qualquer violação dos normativos legais invocados designadamente, o n.º 1 do art.º 224.º do Código Civil, em conjugação com o n.º 2 do art.º 298.º do CC, n.º 1 do art.º 331.º, n.º 2 do art.º 416 do e n.º 1 in fine do art.º 224 do todos do Código Civil.


Termina, dizendo que deverá ser julgado improcedente o recurso de revista excecional, mantendo o acórdão inalterado.


Após os Vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto

Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

- Por carta datada de 18/09/2018, recebida em 25/09/2018, os réus BB, CC e DD, comunicaram à autora a intenção de proceder à venda do prédio misto, denominado "…", sito em ......., na freguesia ....., concelho ....., descrito na Conservatória do Registo Predial ..... sob o n.° ….64, da referida freguesia, sendo a parte rústica composta por Montado de Sobro ou Sobreiral, inscrita na matriz predial rústica sob o art. …32, secção .., da referida freguesia, e a parte urbana, composta por edifício de R/C e dependência, inscrita na matriz predial urbana sob o art. ….47

- A autora é proprietária do prédio rústico denominado ".........." ou ".........", com área de 24,20 hectares, sito em ......., descrito na Conservatória do Registo Predial ......, sob o n.° ….12, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..82 - Secção ..., da freguesia .... .

3 º- Os prédios descritos em 1º e 2º são confiantes e têm ambos aptidão e fim agrícola.

- Por carta datada de 02/10/2018, recebida em 03/10/2018, a autora respondeu à carta referida em 1º, solicitando o envio de informações adicionais para exercício do direito de preferência.

- Por carta datada de 03/10/2018, recebida em 18/10/2018, os réus vendedores comunicaram à autora os elementos do negócio em falta na carta mencionada em 1º, nos seguintes termos: "No seguimento de recebimento de ofício de V.Ex.a, recepcionado dia 03 de Outubro do corrente ano, referente ao exercício de direito de preferência sobre a aquisição do prédio misto denominado “........”, situado em ........, em que a parte rústica é composta por montado de sobro ou sobreiral, com a área total de 549500 m2, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ........... sob o artigo .., da secção .. e a parte urbana é composta por edifício de rés do chão e dependências, com a superfície coberta de 45 m2, sita matricialmente em ........, na freguesia ......., concelho ............, inscrita na matriz predial urbana da freguesia........... sob o artigo …47, e descrito na Conservatória do Registo Predial .........., sob a descrição .../....0204, da freguesia ......., informa-se V.Ex.a que de acordo com o que estipula o número 1, do artigo 416. ° do Código Civil, na comunicação efetuada anteriormente foi comunicado o projeto de venda, bem como as cláusulas que serviram de base à concretização do negócio. No entanto, remete-se, valor informativo da descrição da Conservatória do Registo Predial ....., a fim de poder ser analisado por V.Ex.", onde se pode verificar que à data da emissão do mesmo, não se encontravam registados ónus ou encargos no prédio. Mais se informa que: O prédio não se encontra arrendado; Não tem rede de abastecimento de água pública, apenas uma fonte, não se tendo conhecimento sobre o estado atua! da mesma; O prédio não tem eletricidade; A última tirada de cortiça foi efetuada em 2016, com pouco rendimento; O prédio não está vedado. Não se tem o devido conhecimento para informar sobre a classificação dos caminhos ou estradas que atravessam o prédio. Após o envio de informação adicional, ainda que a mesma não tenha sido objeto do projeto de venda, solicitase a V.Ex.a, nos termos da legislação aplicável, que comunique por escrito, no prazo de 8 (oito) dias, contados desde a data de receção da presente carta, a sua intenção de exercício desse direito. Findo esse prazo e não obtendo resposta, considerar-se-á que V.Ex."renúncia ao direito de preferência. Com os melhores cumprimentos".

- Por carta expedida em 26/10/2018, recebida em 29/10/2018, a autora comunicou aos réus a "(…) intenção de exercer o direito de preferência que me assiste na compra do referido imóvel".

- Em 31/10/2018, no Cartório Notarial da Drª GG, sito na ........, …, em ....., os réus celebraram um contrato de compra e venda, do prédio identificado em 1º, pelo preço de € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros).

- Por carta datada de 31/10/2018, recepcionada em 02/11/2018, os réus vendedores comunicaram à autora que “a declaração de preferência constante da V/carta datada de 26.10.2018, chegou ao conhecimento de D. DD, já depois de completado o prazo de 8 dias para exercer o direito de preferência, donde a caducidades deste”.

 

B) Fundamentação de direito 

A questão que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, consiste em saber se o direito de preferência da autora, ora recorrente, na compra do prédio a que os autos se reportam, caducou por não ter sido exercido dentro do prazo de oito dias previsto no n° 2 do artº 416° do Código Civil.

O artigo 416º do Código Civil, sob a epígrafe (Conhecimento do preferente) preceitua o seguinte:

“1. Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.

2. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo”.


A primeira instância julgou a acção improcedente, entendendo que se verificava a caducidade do direito de preferência da autora, pois a declaração de preferência, apesar de ter sido expedida dentro do prazo, foi recebida pelas vendedoras fora do prazo de 8 (oito) dias previsto no artigo 416º nº 2 do Código Civil.

O acórdão da Relação confirmou a sentença com a mesma fundamentação.


A questão essencial consiste em saber se a resposta que a autora, ora recorrente, deu aos vendedores através da carta enviada em 26.10.2018, e recebida por estes em 29.10.2018, se encontrava dentro do prazo estipulado de oito dias a que alude o nº 2 do art°416°doCC.


Para melhor aplicação do direito no que refere à questão da caducidade prevista no artigo 416º nº 2 do Código Civil, importa relembrar o núcleo essencial dos factos a este respeito.


Assim, de acordo com a matéria de facto provada:

(i). Os réus vendedores, por carta datada de 18.09.2018, recebida em 25.09.2018, comunicaram à recorrente a intenção de proceder à venda do prédio misto denominado " ……..", sito em ....., na freguesia de ......, concelho de .... .

(ii). Por carta datada de 02.10.2018, recebida em 03.10.2018, a recorrente respondeu à carta referida (recebida em 25.09.2018), solicitando o envio de informações adicionais para o exercício do direito de preferência.

(iii). Por carta datada de 03.10.2018, recebida em 18.10.2018, os réus vendedores comunicaram à recorrente os elementos do negócio em falta na carta datada de 18.09.2018, tendo solicitado à recorrente que comunicasse por escrito no prazo de oito dias, contados desde a data de receção da presente carta, a sua intenção de exercício desse direito. Findo esse prazo e, não obtendo resposta, consideravam a renúncia ao direito de preferência.

(iv). A recorrente, por carta expedida em 26.10.2018, recebida pelos réus vendedores em 29.10.2018, comunicou a estes a intenção de exercer o direito de preferência na compra do referido imóvel.


Do artigo 416º nº 2 resulta que a recorrente (preferente) devia exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, uma vez que também foi esse o prazo que os réus vendedores fixaram na carta que lhe enviaram.


Recebida a carta pela recorrente, iniciou-se a contagem do prazo de oito dias.

Para efeito da contagem do prazo de oito dias importa saber qual a data inicial a ter em conta: a data da entrega da carta para expedição pelos CTT da declaração de preferir ou a data da recepção pelo obrigado à preferência daquela declaração?

Duas teses se confrontam.

A tese do acórdão recorrido que acolheu a segunda hipótese e a tese da recorrente e do acórdão da Relação de Évora de 30 Maio de 2019 (211 a 227), transitado em julgado e proferido no processo nº 2888/16.4T8FAR.E1, que optaram pela primeira.


Vejamos o que diz a doutrina.

A carta enviada pelos vendedores, recebida em 18.10.2018 pela autora (preferente), esta só respondeu em carta expedida em 26.10.2018, recebida pelos réus vendedores em 29.10.2018, comunicando a estes a intenção de exercer o direito de preferência na compra do referido imóvel.


Para Inocêncio Galvão Teles[1] a comunicação pelo proprietária ao titular do direito de preferência, do projecto da venda e das cláusulas do respectivo contrato, é uma declaração com um destinatário – declaração recipienda (ou receptícia) – e por isso deve entender-se  que produziu efeito quando chegou ao poder da preferente, visto as declarações dessa natureza se tornarem eficazes no momento em que são recebidas pela pessoa a quem se dirigem  ( ou no momento em que, antes mesmo de as receber, essa pessoa toma eventual conhecimento do seu conteúdo). Assim decorre do preceituado no artº 224º nº 1, 1ª parte do Código Civil).


Seguindo esta doutrina, tornada eficaz em 18.10.2018 a aludida comunicação, foi nesse dia que começou a correr o prazo legal de oito dias, estabelecido no nº 2 do artigo 416º do Código Civil, para a autora exercer, sob pena de caducidade, o seu direito de preferência- exercício traduzido numa declaração de preferir dirigida por sua vez aos vendedores.

Estamos aqui, mais uma vez, em face de uma declaração recipienda – declaração dirigida a determinada pessoa e, como tal, só susceptível de adquirir eficácia quando da sua recepção (ou eventual conhecimento anterior) por parte dessa pessoa.

De acordo com a matéria de facto, a carta de 26.10.2018 consubstancia uma declaração de preferência, essa declaração não chegou a adquirir eficácia, porque só a adquiriria na data da sua recepção pelos destinatários (réus vendedores) e, nessa data - 29.10.2018 – já estava esgotado o prazo para legal de oito dias para preferir.

Por esta razão, deve dar-se como caduco o direito de preferência da autora, proprietária do terreno rústico confinante referido nos pontos 1º, 2º e 3º da Fundamentação de facto.

Ora, seguindo o pensamento do mesmo autor, quando uma declaração recipienda está sujeita a prazo, como na hipótese vertente, deve entender-se que ela só produz efeito se chegar ao seu destino dentro desse prazo. Não basta que seja expedida dentro dele; é preciso que seja dentro dele recebida, Por conseguinte, o declarante deve fazer sair a declaração do seu poder a tempo de ela entrar no poder do declaratário antes de o prazo expirar. Resulta isto, desde logo, da circunstância de a declaração recipienda só se tornar eficaz quando da sua recepção, como expressamente estatui o artigo 224º nº 1 do Código Civil.


O acto jurídico, em si, fica completo com a declaração, ou seja, com a formulação ou exteriorização da vontade (emissão). Mas para que o acto, no caso das declarações recipiendas, adquira eficácia, é necessário que acresçam dois factos; que a declaração saia da órbita do declarante (expedição) e ingresse na do declaratário (recepção), em termos de este poder tornar-se ciente do seu conteúdo (conhecimento). A recepção, ou seja, a chegada da declaração ao poder do destinatário, é o momento decisivo que lhe dá relevância jurídica.


E continua o mesmo autor, referindo que, Vaz Serra, em estudo elaborado com vista ao Código, acentua que “as declarações recipiendas, que têm de fazer-se dentro de um prazo, devem, em princípio, chegar ao seu destino pontualmente”, esclarecendo (…) “que, porém, o declarante não pode ser prejudicado quando o destinatário obsta com a sua conduta à observância do prazo”. Mais adiante volta a vincar que “ao impor a declaração dentro de certo prazo, quer-se que o declarante faça chegar ao destinatário a declaração dentro desse prazo”[2].


No mesmo sentido se pronunciou Carlos Lacerda Barata, a propósito do prazo para a declaração de preferência:

“Conhecido o teor do aviso para preferir, pode o titular do direito de preferência exercê-lo mediante a respectiva declaração de preferência.

Tal manifestação de vontade deverá ter lugar nos prazos indicados, sob pena de caducidade do direito de preferência. Note-se que, como acontece com a denuntiatio, também a declaração de preferência constitui uma declaração receptícia. Portanto, para que seja eficaz deverá chegar ao poder do destinatário (o obrigado à preferência) dentro do prazo legalmente aplicável (normalmente, oito dias, a contar da recepção ou conhecimento do aviso para preferir” [3].


Sobre a matéria, Pires de Lima e Antunes Varela, ensinaram que “ o exercício do direito de preferência dentro do prazo de oito dias (…) diz respeito à declaração de preferência (…) o não exercício do direito de preferência dentro do prazo devido provoca a caducidade ( e não a simples prescrição) do direito, por ser essa a solução que melhor quadra à necessidade de definir as relações com a maior brevidade possível, no interesse da segurança do comércio jurídico[4]”.


Também Agostinho Cardoso Guedes se pronunciou sobre o assunto, dizendo que “a declaração de preferência representa o acto de exercício de um direito potestativo constitutivo e, nessa medida, deve ser qualificada como um negócio jurídico unilateral receptício” [5].

O mesmo ensina Pedro Pais de Vasconcelos: “a declaração negocial pode ter um

declaratário específico a quem é dirigida, ou ser dirigida a uma ou mais pessoas indeterminadas. Quando tenha um destinatário específico chama-se declaração negocial recipienda ou receptícia”[6].

E mais adiante, escreve o referido Professor: “As declarações negociais recipiendas tornam-se perfeitas, segundo o Código, no tempo em que chegam ao poder do declaratário ou são dele conhecidas”[7].


Também Mário Júlio de Almeida Costa se refere ao assunto, dizendo que “ Uma vez recebida a comunicação, o beneficiário dispõe de oito dias para a declaração de preferência, excepto se do próprio pacto resulta outro prazo, ou se, ao notificá-lo, o obrigado lhe conceda um prazo mais longo do que o convencionado ou definido por lei a título supletivo. Não se efectuando a declaração de preferência dentro do prazo devido, o correspondente direito caduca[8].


Na nota de rodapé nº 2, pág. cit escreve o mesmo autor que “a caducidade cominada no artigo 416º nº 2, resulta de uma atitude passiva do titular do direito de preferência, que, em face de uma comunicação correcta do projecto do contrato com terceiro, nada declara dentro do prazo devido. Corresponde a uma renúncia tácita”[9].


Terminamos com a citação de António Menezes Cordeiro refere: "As declarações negociais são recipiendas ou não recipiendas consoante, tenham ou não um destinatário. Na normalidade dos casos, as declarações que visem integrar um negócio contratual são recipiendas". Mas, acrescenta o mesmo Professor, que o C. Civil, veio consagrar nesta matéria, "a doutrina da recepção, temperada embora nalguns dos seus aspectos, designadamente pelo papel dado ao conhecimento. A doutrina actual explica ainda que a recepção implica a chegada da declaração ao âmbito do poder ou da actuação do destinatário, de modo a que ele possa conhecê-la"[10].


A jurisprudência pouco se tem debruçado sobre o assunto em causa.


No acórdão do STJ de 15.06.1989[11], citado no acórdão recorrido (pág 8 a fls 174) foi decidido que a aceitação do titular do direito de preferência devia chegar ao conhecimento do alienante no prazo de oito dias nos termos do artigo 416º nº 2 do Código Civil.


Caduca o direito de preferência quando não é exercido dentro do prazo devido (nº 2 do referido artº 416º do Código Civil – Ac STJ 11.03.1992[12].


No mais recente acórdão do STJ de 09.04.2019[13] foi decidido que “se o preferente declarar que pretende exercer o seu direito, em resposta que, no prazo estipulado, chegue ao poder ou ao conhecimento do proprietário, este fica vinculado à realização do negócio com o preferente”.

 

Sobre tal questão existe divergência jurisprudencial, pelo menos ao nível das Relações.

Assim, o acórdão da Relação de Coimbra de 23.06.2015[14] decidiu que:

“O que releva, para aferir da (in)tempestividade da manifestação de vontade de exercer o direito de preferência, não é a data em que o vendedor recebeu a missiva do preferente, mas a data em que este lha enviou e na qual está plasmada a sua declaração de preferir”.


E o acórdão da Relação de Évora de 30.05.2019, aqui invocado como acórdão-fundamento (fls 211-227)[15]:

“O momento relevante para aferir da caducidade do direito de preferência é a data da prática do acto, ou seja, a data em que o preferente emite a sua declaração de vontade de preferir no negócio de compra e venda que lhe foi comunicado, e não a data em que o obrigado à preferência recebe tal comunicação”.


Chegados aqui, guiados pela doutrina exposta e pela jurisprudência, divergindo esta entre si, é tempo de concluir que não assiste razão à recorrente, uma vez que a mesma sabia, face à carta recebida dos réus vendedores em 18.10.2018, que tinha oito dias para fazer chegar a estes a sua intenção de exercer o direito de preferência, estando perfeitamente ciente que remetendo a carta no último dia do prazo (26.10.2018), a mesma não era recepcionada atempadamente pelos réus.


SUMÁRIO

- A declaração de preferência (artº 416º nº 2 do Código Civil) representa o acto de exercício de um direito potestativo constitutivo e, nessa medida, deve ser qualificada como um negócio jurídico unilateral receptício.

- Para efeito da contagem do prazo de caducidade da declaração de preferência, (declaração receptícia ou recipienda) a data relevante é a da chegada da declaração ao âmbito do poder ou da actuação do destinatário e não a data da sua expedição.

- A recorrente (preferente) sabia, face à carta recebida dos réus vendedores em 18.10.2018, que tinha oito dias para fazer chegar a estes a sua intenção de exercer o direito de preferência, estando perfeitamente ciente que, remetendo a carta no último dia do prazo (26.10.2018- oitavo dia posterior à data da recepção da comunicação de preferência), e recebida pelos réus vendedores no dia 29.10.2018, chegou ao âmbito do poder e do conhecimento dos réus vendedores no 11º dia posterior à recepção pela autora da comunicação para exercer o direito de preferência, logo, para além do prazo legalmente aplicável.


III - DECISÃO

Atento o exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela autora.

Lisboa, 14 de Julho de 2021


Ilídio Sacarrão Martins (Relator) (Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 20/20, de 01 de Maio, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade).

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Ferreira Lopes

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[1] Direito de Preferência – Parecer publicado na Col. Jur Ano IX – 1984, Tomo I, pág. 6 a 13, máxime 11 a 12. No mesmo sentido, o mesmo autor, in “Direito das Obrigações” 6ª edição, nota de rodapé 2, pág. 151 escreveu; “A declaração de preferência deve ser recebida dentro do prazo, não bastando que seja expedida dentro dele”.
[2] Vaz Serra, “Perfeição da declaração de vontade. Eficácia da emissão da declaração. Requisitos especiais da conclusão do contrato”, nº 3, Separata do Boletim do Ministério da Justiça, 103.
[3] Da Obrigação de Preferência”, Coimbra Editora, 1990, pág. 142.
[4] Código Civil Anotado, Volume I, 3ª Edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 366 e 367.
[5] O Exercício do Direito de Preferência, Publicações Universidade Católica, Porto 2006, pág 515 a 519.
[6] Teoria Geral do Direito Civil, 9ª Edição, Almedina, 2019, pág. 459
[7] Autor e ob cit pág. 460.
[8] Direito das Obrigações, 11ª Ed., Almedina, pág 448.
[9] Ob e pág. cit
[10] Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, Tomo I, 3ª ed., 2005, pág 548-549.
[11] Publicado no BMJ nº 388, pág. 484.
[12] BMJ 415º-569.
[13] Procº nº 3094/17.6T8FNC,L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj e junto a fls 85-89.
[14] Procº nº 1275/12.8TBCBR.C1, in www.dgsi.pt/jtrc
[15] Procº nº 2888/16.4T8FAR.E1, in www.dgsi.pt/jtre