Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1678/19.7S5LSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: RECURSO PER SALTUM
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLETIVO
REINCIDÊNCIA
EXTORSÃO
BURLA QUALIFICADA
FURTO
PENA PARCELAR
CÚMULO JURÍDICO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 11/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça



1. RELATÓRIO

1.1. No Juízo Central Criminal ..... – Juiz ... – foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal coletivo o arguido AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia ........., concelho ....., nascido a ...08.1980, solteiro, com a profissão ………………, com residência, quando em liberdade, sita na ......, n.º .., ..º …, na ……., atualmente em situação de privação de liberdade, a título preventivo à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional ....., e por acórdão de 19 de abril de 2021 foi deliberado:

a) Absolver o arguido AA da prática de 3 (três) crimes de roubo, previstos e punidos pelos Arts. 210º, nº 1 e nº 2, alínea b) e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea f), ambos do Código Penal, um deles igualmente pelo nº 4 do Art. 204º, do Código Penal, todos em conjugação com o disposto nos Arts. 75º e 76º, do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos Arts. 217º, nº 1 e 218º, n.º 2, alínea b), ambos do Código Penal, pelos quais se encontra, em autoria material e na forma consumada, também acusado;

b) Condenar, em concurso real e efetivo, o arguido AA pela prática, em autoria material, como reincidente, nos termos previstos dos Arts.º 75.° e 76º, ambos do Código Penal:

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art. 223º, nº 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo nº 1678/19.7S5LSB, autos principais, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos Arts. 217.°, nº 1 e 218.°, n.° 2, alínea b), ambos do Código Penal, referente aos factos ocorridos no dia 30.05.2019 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previstos e punido pelos Arts.0 223.°, n.° 1, 22.° e 23.°, todos do Código Penal, relativo aos factos de 11.05.2019, no que tange à factualidade referente ao processo apenso n.° 465/19......., respectivamente, nas penas de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 466/19......., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de 2 (dois) crimes de extorsão, ambos na forma consumada, previstos e punidos pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos ocorridos nos dias 11.09.2019 e 13.09.2019, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 1057/19......., respetivamente e por cada um deles, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de furto, na forma consumada, previsto e punido pelo Art° 203.°, n.° 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 1099/19......., na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 1449/19......., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos Art.º 217.°, n.° 1, 218.°, n.° 2, alínea b), 22.° e 23.°, todos do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 112/19......., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.º 1, do Código Penal, no que concerne aos factos de 23.12.2019 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts. 223.°, n.º 1, 22.° e 23.°, todos do Código Penal, no que tange aos factos ocorridos no dia 24.12.2019, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 1693/19......., respetivamente nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.º 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 12/20......., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

-pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 69/20......., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos de 24.01.2020 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts. 223.°, n.° 1, 22.° e 23.°, todos do Código Penal, referentes ao dia 25.01.2020, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 99/20......., respetivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 3, do Código Penai, no que diz respeito aos factos de 31.01.2020 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.0 223.°, n.° 1, 22.° e 23.°, todos do Código Penal, referentes ao dia 03.02.2020, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 152/20......., respetivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de 5 (cinco) crimes de extorsão, todos na forma consumada, previstos e punidos pelo Art.° 223.°, n,° 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos de 05.05.2020, 06.05.2020,08.05.2020,09.05.2020 e 11.05.2020, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 162/20......., respetivamente e por cada um deles, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts. 223.°, n.° 1, 22.° e 23.°, todos do Código Penal relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 56/20......., na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos de 10.05.2020 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts. 223.°, n.° 1, 22.° e 23.°, todos do Código Penal, referentes ao dia 12.05.2020, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 55/20......., respetivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

c) Condenar, pela prática dos vinte e cinco crimes retro descritos, o arguido AA na pena única de 12 (doze) anos de prisão;

1.2. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso o arguido AA, que motivou, concluindo nos seguintes termos: (transcrição):

«1. O Recorrente foi condenado como reincidente em autoria material, na Pena Única de Doze anos de Prisão pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.º 223º, n.º 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo n.º 1678/19.7S5LSB, autos principais, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos Arts.º 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, alínea b), ambos do Código Penal, referente aos factos ocorridos no dia 10.05.2019 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previstos e punido pelos Arts.º 223º, n.º 1, 22º € 23.8, todos do Código Penal, relativo aos factos de 11.05.2019, no que tange à factualidade referente ao processo apenso n.º 465/19......., respectivamente, nas penas de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.º 223.º, n.º 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 466/19......., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; dois crimes de extorsão, ambos na forma consumada, previstos e punidos pelo Art.º 223.º, n.º 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos ocorridos nos dias 11.09.2019 e 13.09.2019, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 1057/19......., respectivamente e por cada um deles, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; um crime de furto, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.º 203.º, n.º 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 1099/19. ......, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.º 223.º, n.º 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 1449/19......., na pena de 2 (dois) anos é 8 (oito) meses de prisão; um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.º 217.9, n.º 1, 218º, n.º 2, alínea b), 22.º e 23.º, todos do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 112/19......., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Artº 223.9, n.º |, do Código Penal, no que concerne aos factos de 23.12.2019 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.º 223º, n.º 1, 22.º e 23.º, todos do Código Penal, no que tange aos factos ocorridos no dia 24.12.2019, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 1693/19......., respectivamente nas penas de 2 (dois) anos é 8 (oito) meses de prisão e 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Artº 223.º, n.º 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 12/20......., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.º 223.º, n.º 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 69/20......., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Artº 223.º, n.º 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos de 24.01.2020 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Art.º 223.º, n.º 1, 22º € 23.º, todos do Código Penal, referentes ao dia 25.01.2020, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º99/20......., respectivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.º 223º, nº 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos de 3101.2020 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.º 223.º, n.º 1, 22.º e 23.º, todos do Código Penal, referentes ao dia 03.02.2020, relativamente à factualidade referente ao processo apenso nº 152/20......., respectivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; cinco crimes de extorsão, todos na forma consumada, previstos e punidos pelo Art.º 223,8, n.º 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos de 05.05.2020, 06.05.2020, 08.05.2020, 09.05.2020 e | 1.65,2020, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 162/20......., respectivamente e por cada um deles, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.” 223º, nº |, 22º é 23.º, todos do Código Penal relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 56/26......., na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.º 223º, nº 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos de 10.05.2020 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.º 223.º, n.º 1, 22º e 23.º, todos do Código Penal, referentes ao dia 12.05.2020, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 55/20......., respectivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

2. O presente Recurso tem por Objecto a Matéria de Direito, circunscrevendo-se neste aspecto à Atenuação Especial da Pena e à Medida Concreta da Pena aplicada, pelo Distinto Tribunal a quo, em 1.ª Instância ao Recorrente.

3. Efectuado o Julgamento e produzida a Prova que suportava a querela do Ministério Público, e também a que abonava o seu carácter, optou o Recorrente -em Consciência, de forma livre, sem reservas e de modo pleno - por dar palavra ao que se arrazoou contra si, confessando a totalidade dos factos assacados à sua conduta.

4. A esse propósito explicitou tudo o que o Tribunal a quo entendeu ver esclarecido conforme se atesta e decorre das Declarações que se encontram junto aos Autos.

5. Assumiu a sua responsabilidade em todos os Ilícitos que lhe eram imputados, revelando, a esse respeito, um sincero e respeitoso arrependimento pelo que havia feito.

6. Mais fez questão, com o consentimento da Senhora Juiz Presidente do Colectivo, em pedir, em plena Audiência de Julgamento, desculpas a cada um dos ofendidos.

7. Além de que, conforme decorre dos Autos, fez questão, com o contributo e ajuda dos seus familiares, de devolver todas as quantias de dinheiro de que se havia apropriado de cada um dos Ofendidos, incluindo aqueles que haviam demonstrado, por compreenderem a situação que passava no período em que ocorreram os factos, não querem ser ressarcidos.

8. No que respeita à Atenuação Especial da Pena, cumpre dizer que, escrutinado o teor do Douto Acórdão recorrido, e a Prova produzida em audiência, junta aos autos e vertida nos factos dados por provados, constata-se, com elevado e respeitoso reparo, existirem elementos especialmente Atenuadores da Pena aplicada ao Recorrente que não foram levados em conta na Decisão final.

9. Com efeito, reza o N.º 1 do Artigo 72.º do Código de Processo Penal que “1. O Tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.”

10. Efectivamente, existiram circunstâncias Prévias, Contemporâneas e Posteriores que, com o merecido respeito, não se vislumbram terem sido consideradas.

11. Desde logo resulta, quer das declarações do Recorrente, quer do teor do Relatório Social para Determinação da Sanção, que a força motriz da decisão criminosa do Recorrente adveio dos problemas de toxicodependência e das carências económicas que atravessava e que o impediam de levar o pão à boca da sua prole e de lhes provir nas necessidades básicas, bem assim, como do estado de dependência e adição à cocaína que atravessava.

12. De igual modo, não pode deixar de ser atendido o facto não ter existido qualquer violência acoplada à interacção do Arguido com os Ofendidos em todos os eventos. Aliás houve até Ofendidos que mencionaram que o Arguido nunca foi violento ou agressivo e até os tratou com respeito dirigindo-se aos mesmos de forma educada.

13. Resulta também que, posteriormente à prática daqueles ilícitos, o arrependimento lhe inundou o espírito. Bastará, para o feito, atentar nas suas declarações prestadas em Julgamento, em concreto na parte em que espera encontrar força junto dos seus familiares e filhos para reconstruir a sua vida e que está muito arrependido de tudo o que originou, seja para a sua família seja para os Ofendidos.

14. Sendo certo que pagou, com o contributo e ajuda dos seus familiares, todas as quantias de dinheiro de que se havia apropriado dos Ofendidos, incluindo aquelas que, por reconhecerem as carências e dificuldades que atravessava à época, alguns Ofendidos recusaram.

15. Deste modo, bem vistas e consideradas estas circunstâncias, não será difícil a V/Ex.ªs alcançarem, no Vosso Douto entendimento, que o Recorrente praticou todos os crimes pelos quais foi condenado, não por mero capricho criminoso, mas para alimentar o próprio vício de cocaína de que era portador e para poder prover às suas necessidades básicas e de seus filhos.

16. Por conseguinte, tidas por preenchidas as exigências da Atenuação Especial da Pena deveria o Colectivo, em sede de Sentença, ter atenuado o quantum condenatório de todos os Crimes em que o condenou.

17. Por conseguinte, tidas por preenchidas as exigências da Atenuação Especial da Pena, deveria o Colectivo, em sede de Sentença, ter atenuado os quantuns condenatórios desses Crimes, ao não o fazer violou, entre outros normativos que V/Ex.ªs doutamente suprirão, o preceituado nos Artigos 72.º, 73.º do Código Penal.

18. Relativamente à Medida Concreta da Pena relevem V/Ex.ªs que 12 anos de prisão, aplicados pelo Distinto Tribunal a quo, são manifestamente excessivos.

19. Impõe-se afirmar, quanto a esta matéria, que o Recorrente prestou Declarações em Julgamento - ainda antes da produção da Prova que suportava a querela do Ministério Público contra si - e a esse respeito assumiu de forma integral e sem quaisquer reservas os factos que havia praticado e retractou-se publicamente perante os Ofendidos, indemnizando-os quanto aos prejuízos que sofreram.

20. Declarações que serviram - em muito - para a Descoberta da Verdade Material e foram, ainda que de forma comedida, em entendimento do Recorrente, sopesadas no teor do Acórdão Recorrido a seu favor.

21. Deste modo, pese embora a Prova produzida em Julgamento permita consubstanciar o juízo de condenação, pela factualidade dada por provada, formulado pelo Tribunal a quo, ainda assim atento o supra exposto, pronunciamo-nos pela aplicação de uma Pena mais reduzida ao Recorrente.

22. Com efeito, quanto a este ponto, impõe-se afirmar que a Pena infligida ao Recorrente (Doze anos de Prisão) é naturalmente desproporcional e desadequada perante as necessidades de justiça que o caso de per si reclama. Sobretudo se se estabelecer uma comparação e analogia com outros Autos, similares e idênticos, em que as Penas aplicadas não raras vezes, por maior número e mais graves crimes são inferiores àquela que lhe foi aplicada.

23. O Direito não é matemática nem ciência exacta, é certo, porém a Justiça impõe e a Sociedade reclama que casos idênticos, senão iguais, sejam censurados em sede de Culpa e Medida da Pena em quantuns senão iguais pelo menos aproximados. O que bem vistas as coisas não ocorreu no Acórdão Recorrido, para mais quando são conhecidos - e V/Ex.ªs sabê-lo-ão melhor que o Recorrente - outros Autos em que as Penas aplicadas em iguais circunstâncias por maior número e mais graves crimes foram, e ainda que não se compreenda e aceite hão-de continuar a ser, inferiores à que foi aplicada ao Recorrente pelo Tribunal a quo.

24. Será necessário para a tutela da Prevenção Geral, aplicar Pena tão elevada a este homem aqui Recorrente da Vossa Justiça, quando em outros Autos de iguais circunstâncias - por maior número e mais graves crimes - são aplicadas Penas de Prisão (Parcelares e Únicas) inferiores àquela que lhe foi aplicada?

25. Que lhe perdoem V/Ex.ªs a singeleza da questão, mas não lhe é de todo possível coloca-la de outro modo. Sobretudo quando a Sociedade é inundada de notícias em que Crimes bem mais graves e lesivos de bens jurídicos são censurados em Penas de Prisão manifestamente inferiores àquela que lhe foi aplicada, bastará atentar nas notícias mais recentes do nosso país onde um banqueiro que, entre outros crimes, se apropriou ilicitamente de mais de 30 milhões de euros levou uma pena de dez anos de prisão e inspectores do serviço de estrangeiros e fronteiras foram condenados por ofensas à integridade física grave com resultado morte, em que deram causa à morte de um cidadão ucraniano, em penas de sete e nove anos de prisão.

26. Isto dito, assinale-se repetidamente que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das Penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no Artigo 40.º do Código Penal, nos termos do qual toda a Pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

27. Deste modo acredita-se que outra Pena - Parcelares e Única - em concreto mais benévola, logo mais Justa, será a adequada a satisfazer as premissas de tutela que o caso concreto reivindica, não se frustrando a Justiça com isso, antes pelo contrário, será ela sem qualquer dúvida a sua grande vencedora!

28. Razão pela qual o Recorrente discorda da dosimetria da Pena que lhe foi aplicada, e pugna, no essencial, por outras mais adequadas aos critérios de Justiça que o caso em concreto reclama, nomeadamente uma Pena Única inferior a Cinco anos de Prisão e a sua Execução Suspensa mediante Regime de Prova.

Em suma, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que o Recorrente praticou os Crimes em que foi condenado, como foi demonstrado que a circunstância em que os praticou, não sendo nobre, comporta factos que lhe permitem atenuar e alterar a Pena (Parcelares e Única) que lhe vier a ser aplicada para Pena abaixo do limite legal estabelecido para a prática desses Ilícitos.

Nestes termos, nos melhores e demais de Direito que os Venerandos Desembargadores da Relação  ….. suprirão, deve o presente Recurso do Recorrente AA obter Provimento e, em consequência, ser Atenuada Especialmente a Pena que lhe foi aplicada e, em conformidade, Alterada a Medida das Penas Parcelares e Única, diminuindo-se os limites das mesmas para valores mais comedidos.

1.3. Na 1ª Instância houve Resposta do Ministério Público, o qual se pronunciou pela improcedência do recurso, nos seguintes termos: (…)

«I – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Nestes autos o arguido AA, inconformado com o acórdão condenatório proferido nos autos, que o condenou, pela prática, em autoria material, de 25 crimes, a saber:

- Dezasseis crimes de extorsão, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 223º, n.º 1 do C. Penal – processos n.º 1678/19.7S5LSB, 466/19......., 1057/19....... (2 crimes), 1449/19......., 1693/19......., 12/20......., 69/20......., 99/20......., 152/20......., 162/20....... (5 crimes), 55/20.......;

- Seis crimes de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º e 223º, n.º 1 do C. Penal – processo n.º 465/19......., 1693/19......., 99/20......., 152/20......., 56/20......., 55/20.......;

- Um crime de burla qualificada, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. b) do C. Penal – processo n.º 465/19.......;

- Um crime de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. b) do C. Penal – processo n.º 112/19.......;

- Um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º do C. Penal – processo n.º 1099/19.......; na pena única de 12 anos de prisão, veio interpor recurso, cuja motivação conclui formulando as conclusões cujos pontos fundamentais serão analisados na exposição que se segue.

II – DA DOSIMETRIA DAS PENAS PARCELARES E DA PENA ÚNICA APLICADA

Sustenta o recorrente, em síntese, que as penas parcelares e, consequentemente, a pena única aplicada em razão do cúmulo jurídico das penas, é excessiva atendendo a que:

i. O recorrente confessou a totalidade dos factos de forma livre e sem reservas;

ii. Manifestou arrependimento pelo que havia feito, pedindo desculpa a todos os ofendidos e devolvendo todas as quantias de que se havia apropriado de forma ilegítima;

iii. A motivação do recorrente para a prática dos crimes prendeu-se com a sua adição à cocaína e com as dificuldades económicas por si sentidas que o impediam de prover ao sustento da sua família;

iv. O recorrente não agiu de forma violenta, existindo depoimentos de ofendidos que expressamente declararam que os abordou com correção;

v. Todas estas circunstâncias anteriores, contemporâneas e posteriores à prática dos crimes deveriam ter sido valoradas em seu favor, por forma a que a pena única aplicada não excedesse os 5 anos, possibilitando a suspensão da sua execução.

Em nosso entender, é manifesto não assistir razão ao recorrente.

Com efeito, e desde logo, importa desde logo sublinhar que o recorrente, contrariamente ao por si alegado, não efetuou uma confissão integral e sem reservas dos factos constantes da  acusação- o que possibilitaria a dispensa de produção de prova testemunhal-, limitando-se a assumir a prática de factos em relação aos quais os ofendidos o haviam reconhecido pessoalmente de forma positiva, e apenas na parte em que se socorreu de um artifício enganoso como meio de obtenção ilícito das quantias indicadas nos autos, assumindo igualmente à ocorrência da subtração numa situação.

O arguido sempre negou ter ameaçado os ofendidos a entregarem-lhe as quantias sob pena de os agredir ou de ali levar a família para partir os estabelecimentos (ameaça com mal importante que constitui elemento objetivo dos diversos crimes de extorsão), tendo sido produzida prova testemunhal neste sentido, o que denota que, as declarações do recorrente foram prestadas com reserva, procurando diminuir a gravidade da sua conduta, tentando, por esta via, a subsunção dos vários ilícitos por si praticados no crime de burla, cuja moldura penal é consideravelmente inferior à dos diversos crimes de extorsão.

Por outro lado, o arrependimento póstumo e o ressarcimento dos ofendidos apenas se verificaram após ter sido designada data para a audiência de julgamento, o que nos permite concluir com razoabilidade que o arrependimento revelado se prenderá mais com a circunstância de, tendo sido “apanhado” e de estar ciente da elevada probabilidade de vir a cumprir uma pena de prisão longa, do que propriamente com um ato de contrição e a inerente tentativa de se penitenciar junto dos ofendidos.

Haverá ainda que considerar que, a adição da cocaína e a deficitária condição económica, como bem andou o Tribunal, devem igualmente ser ponderadas em seu desfavor, por constituírem fatores potenciadores da reincidência criminosa, por existir um perigo real de recidiva no consumo de estupefacientes atendendo ao percurso de vida do recorrente.

Por último, importa referir que a circunstância do recorrente não ter agido de forma violenta não constitui um fator atendível para fixar a pena aplicável uma vez que a violência não constitui elemento objetivo dos ilícitos pelos quais foi condenado; tivesse o arguido agido com violência e o crime subsumível seria outro, mais gravoso.

Assim, em jeito de conclusão, afigura-se-nos justas, proporcionais e adequadas as penas parcelares aplicadas, bem como a pena única resultante do cúmulo jurídico das penas.

Com efeito, afigura-se-nos que, o Tribunal recorrido, atendeu aos limites abstratamente definidos na lei, sopesando para cada crime a culpa do agente, as exigências de prevenção geral e especial que, em concreto, se fazem sentir, bem como todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime depõem a favor do agente ou contra ele, em conformidade com o estatuído nos artigos 71º, n.º 1 e 2, e 40º, n.º 1 do C. Penal, pelo que, nesta parte, remetemos para a fundamentação efetuada no douto acórdão condenatório, em termos tão claros e detalhados, que torna desnecessário a reprodução dos argumentos ali aduzidos.

Ora, considerando que, as penas parcelares aplicadas se situam, na maioria dos casos, próximas do terço inferior da moldura penal, afigura-se-nos que, as penas parcelares aplicadas são adequadas, justas e necessárias.

O mesmo se diga, relativamente, à pena única aplicada, por ponderar, de forma equilibrada, os factos, a personalidade do arguido, bem como os fins da prevenção, quer geral, quer especial, nos termos estatuídos no artigo 77º do C. Penal.

Considerando o número elevado de crimes pelos quais foi condenado (25 crimes no total), a circunstância do arguido ter iniciado o cometido destes factos escassos meses após ter saído de reclusão, os quais se protelaram pelo período de 1 ano, contando já o recorrente com vários antecedentes criminais, designadamente por crimes de idêntica natureza, tendo sido condenado por reincidência, dúvidas não restam que existe uma impossibilidade jurídica de o recorrente poder beneficiar de uma pena até 5 anos de prisão, não merecendo a pena aplicada qualquer reparo, pelo que, em nosso entender, não poderá proceder o recurso do arguido.

III – CONCLUSÃO

Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do arguido não merece provimento. V. Exas, porém, e como sempre, farão JUSTIÇA!».

1.4. Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso nos seguintes termos:

«1. Por douto acórdão proferido, em 1ª Instância, no processo supra-identificado, foi decidido condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico das penas parcelares relativas aos vários crimes cometidos, na pena única de doze anos de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso circunscrito à matéria de direito. Na verdade, embora interpelasse o Tribunal da Relação ….., o certo é que a motivação se conformou com a factualidade provada, pelo que aquela Instância remeteu os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.

A tal recurso respondeu, detalhada e fundadamente, a Exma. Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância, pugnando pela respectiva improcedência.

2. Crendo-se que nada obstará ao conhecimento do recurso por parte do Supremo Tribunal de Justiça, deverá o mesmo ser apreciado em sede de conferência, de acordo com o disposto no art.º 432º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal.

Dir-se-á, assim, que a precisão e exaustividade dos argumentos aduzidos na resposta do Ministério Público – que se acompanha inteiramente – nos dispensam de maiores considerandos.

Tal como bem lembra a Exma. Colega, a “confissão” do arguido foi pouco mais que envergonhada, não denotando o seu comportamento uma verdadeira assunção de responsabilidades, alicerçada em atitudes que permitissem concluir que interiorizara o desvalor das suas condutas e não fora apenas o receio de (mais) um julgamento que motivara o ressarcimento das vítimas.

Recorde-se o que, a tal respeito, se disse no douto acórdão condenatório:

“91. O arguido confessou integralmente e sem quaisquer reservas os factos, acima dados como provados, referentes ao processo apenso n.° 1099/19......., admitindo os demais de forma parcial, fragmentada e com reservas, verbalizando arrependimento, formulando um pedido de desculpas aos ofendidos, mas num discurso autocentrado, autocomplacente e desculpabilizado denotando incipiente interiorização do desvalor das condutas e fraco sentido crítico;”

Ora, se o arguido, como afirma, não terá sido violento com as vítimas – no sentido de que as não agrediu –, nem por isso deixou de as “constranger (…), por meio de violência ou de ameaça com mal importante”, tal como exige o n.º 1 do art.º 223º do Código Penal. De contrário, nem haveria crime de extorsão, não sendo despiciendo considerar que os crimes cometidos provocam elevado – e justificado – alarme social.

Veja-se o decidido no ac TRC de 17-5-2017:

“II - São elementos constitutivos do tipo de crime de extorsão: - A acção típica isto é, que o agente, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranja outra pessoa a uma disposição patrimonial que lhe cause, ou a outrem, prejuízo; [Tipo objectivo]- O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, e o dolo específico, a intenção de obtenção, para o agente ou para terceiro, de um enriquecimento ilegítimo. [Tipo subjectivo] III - Na extorsão, o resultado, a disposição patrimonial, é alcançada por meio da violência ou ameaça com mal importante, enquanto que na burla, é alcançada através do erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados.”

Diga-se, ainda, que a sua problemática aditiva – de que as vítimas não têm culpa alguma – nem sequer foi assumida desassombradamente. O Tribunal não tem, por isso, de a relevar como circunstância que milite a seu favor; pelo contrário, como bem frisa a Exma. Sra. Procuradora da República, pois trata-se de um factor altamente potenciador de novos comportamentos criminosos.

Acresce que não pode esquecer-se o vasto passado criminal do arguido; que, aliás, foi fundamento da sua condenação como reincidente. Veja-se como o aresto impugnado se lhe referiu:

“E, manifestamente o cumprimento de penas de prisão efectivas não determinou o arguido a ajustar os seus comportamentos às normas penais, vindo a repetir comportamentos delituosos e dolosos (crimes de furto, burla qualificada e extorsão), os quais reiterou praticar.

Aliás, é concedida a liberdade condicional ao arguido a 12.02.2019, após o cumprimento sucessivo de penas de prisão efectiva, todas elas pela prática de crimes de natureza conexa, e apesar desse período significativo de reclusão, volvidos nem três meses, desde a restituição à liberdade, o arguido volta a praticar crime de idêntica natureza, o que agudiza, de forma acutilante e imperiosa, as necessidades de prevenção especial.

A que acresce a circunstância dos factos objecto deste processo serem praticados em pleno período de liberdade condicional, o que reforça a convicção segura no sentido que, as condenações anteriores aplicadas, mesmo com privação efectiva da liberdade, foram manifestamente ineficazes e insuficientes para assegurar o cumprimento das finalidades inerentes à punição, dado que o arguido não se absteve de praticar novos crimes e da mesma natureza, revelando uma personalidade desconforme à Lei e ao Direito.”

E, nestoutra passagem:

“Sem descurar que, as doze condenações anteriormente sofridas e pela prática de crimes da mesma natureza e conexa e o cumprimento de penas de prisão efectiva, sendo que o arguido foi restituído à liberdade a 12.02.2019, estava em período de liberdade condicional até 02.04.2021, começa a cometer os crimes destes autos cerca de três meses após ter sido restituído à liberdade, praticando-os sucessiva e reiteradamente entre 10.05.2019 e 12.05.2020, o que denota manifesta e inequivocamente uma personalidade avessa à Lei e ao Direito e total indiferença para com as condenações anteriormente sofridas e as privações de liberdade efectivamente vivenciadas.

Com efeito, a personalidade manifestada pelo arguido denota um absoluto desprezo para com as condenações anteriormente sofridas, uma total indiferença para com as longas privações de liberdade e persiste nessas suas condutas.

Sem olvidar que, o arguido cumpriu penas efectivas de prisão significativamente longas, tendo visto a sua liberdade condicional revogada, e restituído, desde última vez, à liberdade em 12.02.2019 (sendo que estava preso ininterruptamente desde 21.02.2013), encontrando-se (de novo) em período de liberdade condicional, volvidos cerca de escassos três meses, volta novamente a praticar crimes e da mesma natureza.”

Sendo este o contexto, afigura-se completamente irrealista pugnar por uma atenuação especial da pena, por não existirem quaisquer circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude dos factos praticados pelo arguido, a sua culpa ou a necessidade da pena, como exige o n.º 1 do art.º 72º do Código Penal.

O mesmo se dirá da eventual suspensão da execução da pena. Na verdade, como poderia o Tribunal “concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, pressuposto previsto pelo n.º 1 do art.º 50º do CP?

Parece-nos, pois, que o Tribunal a quo fez uma adequada interpretação dos critérios contidos nas disposições conjugadas dos art.ºs 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1 e 2, als. a) a c), e) e f) do Código Penal.

Atendeu-se, cremos, à vantagem da reintegração tão rápida quanto possível do arguido em sociedade; sem se esquecer, porém, que a pena deve visar também, de forma equilibrada, a protecção dos bens jurídicos e a prevenção especial e geral, neste caso particularmente relevantes.

Com efeito, as fortíssimas exigências de prevenção e a gravidade (e reiteração) do comportamento do arguido tinham, obviamente, em conformidade e de acordo com os critérios acima referidos, de ser traduzidos em pena correspondente à medida da sua culpa; o que o acórdão recorrido conseguiu de forma justa e que respeita as finalidades visadas pela punição.

Note-se, aliás, que o Tribunal fixou a pena única acrescentando, ao limite mínimo, aproximadamente, um terço da diferença entre este e o limite de 25 anos; aquele que não poderia ser ultrapassado, mas que não corresponde, sequer – bem longe disso –, à soma aritmética das penas aplicáveis.

Em suma, respeitaram-se os critérios habitualmente seguidos pela mais ampla jurisprudência. Na verdade, dificilmente se poderia ter sido mais benévolo.

3. Assim, concluindo, dir-se-á que o douto acórdão recorrido qualificou e sancionou de forma adequada e criteriosa a matéria fáctica fixada, pelo que o recurso deverá improceder».

1.5. Foi cumprido o art. 417º, do CPP.

1.6. Com dispensa de vistos, não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência.


***

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

Da acusação

1. O arguido AA dedicou-se, ao longo dos anos de 2019 e 2020, de forma praticamente diária, às atividades, nos moldes infra descritos, junto de proprietários de estabelecimentos comerciais de restauração nas zonas de ….. e limítrofes;

Processo nº 1678/19....... (autos principais):

2. Assim, no dia ... de dezembro de 2019, cerca das 22 horas, perto já da hora do fecho, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado "C........", sito em ……, explorado por DD, e pediu uma sandes, que lhe foi entregue;

3. Passados alguns instantes, o arguido disse ao ofendido DD que a sandes tinha plástico no seu interior, que lhe tinha provocado um corte na boca, exibindo os pedaços de plástico, e de imediato, pediu-lhe uma quantia, não concretamente apurada, mas superior a € 100,00 (cem euros), para pagar a consulta no dentista;

4. Face à renitência do ofendido, o arguido tornou-se muito insistente na entrega do dinheiro, acabando por dizer que, caso a quantia em causa não lhe fosse entregue, voltaria ao restaurante acompanhado da família e iria partir tudo;

5. De repente, o arguido levou a mão direita ao bolso das calças, provocando deste modo medo e inquietação no ofendido, que acabou por entregar ao arguido a quantia de € 100,00 (cem euros);

6. De seguida, e com esta quantia na sua posse, que fez sua, o arguido abandonou o local; Processo apenso n.° 465/19.......;

7. Anteriormente, no dia ... de maio de 2019, cerca das 22 horas, o arguido dirigiu-se ao restaurante "O.........", sito em ....., explorado por EE, onde pediu, e lhe foi servida, uma sandes;

8. A certa altura, o arguido saiu da casa-de-banho, dizendo que tinha encontrado pedaços de vidro na sandes e que tinha cortado o interior da boca, pelo que o ofendido EE tinha de lhe entregar a quantia de € 120,00 (cento e vinte euros);

9. Embora tivesse estranhado a situação, o ofendido, com receio do comportamento do arguido e tendo o restaurante cheio, entregou-lhe tal quantia;

10. No dia seguinte, cerca das 18 horas e 35 minutos, o arguido dirigiu-se novamente ao restaurante "O.......", informando que a despesa com o hospital tinha sido superior, exigindo agora a entrega de € 200,00 (duzentos euros), que o ofendido EE recusou entregar;

11. Face à atitude do ofendido, o arguido exaltou-se e aos gritos disse que iria regressar ao local e que iria partir tudo no estabelecimento;

12. O ofendido, neste momento, telefonou solicitando a comparência da Polícia, tendo o arguido abandonado o local;

Processo apenso n.° 466/19.......:

13. No mesmo dia ... de maio de 2019, cerca das 18 horas e 45 minutos, o arguido dirigiu-se ao restaurante "G...........", sito no ……, em ....., tendo pedido ao funcionário que lhe servisse umas peças de "sushi";

14. A determinada altura, o arguido começou a dizer ao cozinheiro do restaurante, FF, que o "sushi" tinha vidros e que tinha partido um dente, exigindo a entrega de 200,00 (duzentos euros);

15. O gerente do restaurante, GG, acabou por ser chamado ao local, negando que o que tinha sido servido pudesse ter vidros, pelo que, o arguido procurando causar receio, dizia "estás a chamar-me mentiroso. Anda lá para fora conversar, dou-te um pontapé na cabeça que vais ver";

16. O ofendido GG sugeriu então acionar o seguro, o que o arguido, de imediato recusou, dizendo "quero o dente arranjado já, ou vais comigo ao dentista ou dás-me já €200,00 (duzentos euros) que é quanto custa a consulta''';

17. O ofendido GG respondeu não ter tal quantia na sua posse, tendo o arguido argumentado de seguida "então vais já ali ao multibanco":

18. Com medo pela sua segurança e integridade física, face à ameaça verbalizada pelo arguido, o ofendido GG acabou por entregar ao arguido € 350,00 (cento e cinquenta euros), após o que este, na posse de tal quantia de que se apropriou, abandonou o local;

Processo apenso n.° 1057/19.......:

19. No dia ... de setembro de 2019, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento "V...........", explorado por HH, sito em ......, e pediu uma sandes, que lhe foi servida;

20. Passados uns minutos, o arguido deixou cair um pedaço de pão na boca, dizendo que alguma coisa o havia cortado, encontrando-se em cima do balcão alguns pedaços de acrílico;

21. O ofendido HH, suspeitando do comportamento, do arguido, informou-o que iria chamar as autoridades, e que o estabelecimento tinha seguro;

22. No entanto, o arguido chamou o ofendido para falarem e disse que ou lhe entregava € 400,00 (quatrocentos euros), ou chamava a família e iam partir tudo no estabelecimento;

23. Com receio pela sua segurança, integridade física e pelo seu património, o ofendido HH acabou por entregar ao arguido a quantia de € 200,00 (duzentos euros);

24. Alguns dias depois, no dia 13 do mesmo mês, o arguido regressou ao local, exigindo mais € 200,00 (duzentos euros), sempre dizendo que voltaria com a família para partir tudo, acabando o ofendido HH, sempre com medo, por lhe entregar, a quantia de € 60,00 (sessenta euros), de que o arguido se apropriou;

Processo apenso n.° 1099/I9.......:

25. No dia ... de setembro de 2019, cerca das 23 horas, o arguido, na companhia de II, dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado "O.........", explorado por JJ, sito em ......, pediu que lhe fosse servida uma refeição, o que foi feito;

26. Passados uns minutos, o arguido informou o ofendido JJ que a refeição tinha vidros e que tinha a boca cortada, exigindo que lhe fosse entregue a quantia de € 200,00 (duzentos euros);

27. O ofendido JJ informou o arguido que não tinha essa quantia, pedindo à funcionária, KK, que verificasse quanto dinheiro existia na caixa registadora, tendo esta retirado € 120,00 (cento e vinte euros), que colocou em cima da caixa, na zona do balcão;

28. Nesse momento, de repente, e sem que ninguém, o pudesse prever, o arguido debruçou-se sobre o balcão e agarrou no dinheiro, de que se apropriou, após o que, juntamente com a companheira, se colocou em fuga;

Processo apenso n.º 1449/19.......:

29. No dia ... de novembro de 2019, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado "O..........", explorado por LL, sito em ....., onde pediu que lhe fosse servido um croissant misto, o que sucedeu;

30. Após ter sido servido, o arguido dirigiu-se ao balcão, e perante o funcionário MM, reclamou que o croissant tinha vidros, que tinha a boca ferida e um dente partido;

31. O ofendido LL propôs efetuar a participação à companhia de seguros, o que o arguido negou, exigindo que lhe fosse entregue a quantia de € 200,00 (duzentos euros), ao mesmo tempo que dizia "ou me dás os 200 euros, ou terei que cá voltar para resolver a situação de outra forma";

32. Com medo pela sua segurança e integridade física, bem como dos seus funcionários e de outros clientes que se encontravam no estabelecimento, e também com receio de danos materiais que o arguido podia causar, e pela má imagem que da situação também podia advir, o ofendido LL entregou ao arguido a quantia de € 200,00 (duzentos euros), após o que o mesmo abandonou o local;

33. Nesta ocasião, a pedido do ofendido LL, que lhe pediu a identificação por forma a justificar a saída do dinheiro na caixa, o arguido forneceu a sua identificação, dizendo chamar-se AA, nascido a ...08. J 979, bem como forneceu o seu número de telemóvel ......915; Processo apenso n.° 112/19.......:

34. No dia ... de novembro de 2019, cerca das 18 horas e 50 minutos, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado "O.........", sito em ....., explorado por NN, tendo pedido uma alheira, que lhe foi servida;

35. Logo assim que iniciou a refeição, o arguido expeliu a comida que já havia levado à boca, e de seguida queixou-se a NN que a alheira tinha pedaços de vidro e que se tinha cortado na boca, exigindo que a situação se revolvesse o mais rápido possível, pois teria que ir receber tratamento hospitalar;

36. O ofendido NN informou o arguido que ia imediatamente accionar o seguro que tinha para esse efeito, tendo o arguido respondido que o assunto teria que ser resolvido de outra forma porque tinha pressa;

37. Nessa altura, o ofendido NN respondeu que ia telefonar à polícia, o que fez, pelo que, o arguido, apercebendo-se, sem dizer mais nada, abandonou o local, colocando-se em fuga;

Processo apenso n.° 1693/19.......:

38. No dia ... de dezembro de 2019, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento "Café ..........", explorado por OO, sito em ....., onde pediu que fosse servida uma sandes, o que sucedeu;

39. Passados alguns instantes, o arguido queixou-se que a sandes tinha vidros, que mostrou depois de insistência do ofendido OO, e exigiu a entrega da quantia de € 120,00 (cento e vinte euros), mediante a ameaça de voltar com a família para "partir isto tudo e tratarem do assunto à maneira deles", pelo que o ofendido, por se encontrar sozinho no estabelecimento e com medo pela sua segurança e integridade física, de imediato entregou;

40. No dia seguinte, o arguido voltou ao mesmo estabelecimento, exigindo desta vez a entrega de mais de € 160,00 (cento e sessenta euros);

41. No entanto, nesta ocasião, o ofendido OO solicitou a presença da Polícia, tendo o arguido sido identificado;

Processo apenso n.° 12/20………;

42. No dia ... de janeiro de 2020, cerca das 19 horas e 35 minutos, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento "J.....", sito em ....., explorado por PP, onde pediu uma sandes, que lhe foi servida e passados alguns minutos, começou a queixar-se que no seu interior havia vidros e que se tinha cortado, exigindo, pelo menos € 400,00 (quatrocentos euros), para ir ao dentista, acabando por tentar negociar, declarando aceitar quantias inferiores;

43. Uma vez que o ofendido se negou a entregar essa quantia, pois não seria possível a existência de vidros na sandes, o arguido referiu que traria a família a partiria tudo no estabelecimento, acabando aquele por lhe entregar o valor de 6 60,00 (sessenta euros), com medo, após o que o suspeito se colocou em fuga;

Processo apenso n.° 69/20.......:

44. No dia ... de janeiro de 2020, pelas 20 horas e 10 minutos, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento denominado "G...........", sito em ....., explorado por QQ, local para onde se dirigiu e entrou, dizendo que a sandes que lhe tinha sido servida, tinha vidros e que se havia cortado, exigindo dinheiro ou chamaria os amigos para resolver o assunto, causando medo e inquietação no ofendido, que acabou por lhe entregai- a quantia de € 170,00 (cento e setenta euros); Processo apenso n.° 99/20.......:

45. Dois dias depois, no dia ... de janeiro de 2020, pelas 19 horas e 15 minutos, o arguido dirigiu-se ao restaurante "R....", também sito em ....., explorado por RR, desta vez acompanhado de uma pessoa do sexo feminino e um bebé, tendo pedido farinheira;

46. A certa altura, já se encontrando a consumir tal alimento, o arguido começou a gritar, dizendo que lhe tinham estragado a vida, que a farinheira tinha vidros no seu interior e que se tinha cortado;

47. O arguido disse ainda ao ofendido RR que havia três formas de resolver a situação, sendo que ou partiria o restaurante, ou fazia queixa ou receberia a quantia de € 300,00 (trezentos euros), e se iria embora;

48. Com medo pela sua segurança e integridade física e pelo seu património, o ofendido RR entregou ao arguido a quantia de € 300,00 (trezentos euros), o que não impediu que voltasse ao mesmo local, no dia seguinte, exigindo mais € 70,00 (setenta euros) e mostrando o seu cartão de cidadão;

49. No entanto, o ofendido RR telefonou para a Polícia, pelo que o arguido se colocou em fuga, abandonando o local;

Processo apenso n.° 152/20.......:

50. Novamente, no dia ... de janeiro de 2020, o arguido dirigiu-se ao restaurante "B..........", sito em ....., explorado por SS, tendo pedido uma alheira, chegando a exibir um vidro dentro desse alimento, e exigiu que lhe fosse entregue a quantia de € 300,00 (trezentos euros);

51. Com medo pela sua segurança e integridade física, o ofendido SS acabou por lhe entregar a quantia de € 190,00 (cento e noventa euros), que o arguido fez sua;

52. No entanto, no dia 03 de fevereiro de 2020, o arguido voltou ao local, exigindo, desta vez, € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) ou que voltaria com familiares com quem partiria tudo;

53. Com medo pela sua segurança e integridade física, bem como pela destruição do estabelecimento, o ofendido SS acabou por chamar a Polícia, tendo o arguido, de imediato, abandonado o local;

Processo apenso n.° 162/20.......:

54. No dia ... de maio de 2020, cerca das 20 horas, o arguido dirigiu-se ao restaurante "Churrasqueira ............", sito na ....................., na ........., tendo solicitado, ao funcionário TT, dois frangos no churrasco, para levar, e uma salsicha no pão para consumir no local;

55. Assim que lhe foi servida a salsicha no pão, o arguido começou a gritar, dizendo que se tinha cortado na boca com um vidro que estava na salsicha e exigiu a presença do responsável do restaurante;

56. UU, proprietário do restaurante, manteve uma conversa telefónica com o arguido, a quem informou que seria impossível a presença de um vidro daquele tamanho naquele alimento, desde logo, por se tratar de um produto moído por uma máquina com um filtro que não permitiria a passagem de tal objecto;

57. No entanto, o arguido continuou a exigir a entrega de € 200,00 (duzentos euros), tendo o ofendido acabado por dar instruções ao seu funcionário para que lhe entregasse o dinheiro, o que sucedeu;

58. No dia seguinte, ... de Maio de 2020, o arguido voltou ao local e, desta vez, exigiu a quantia de € 170,00 (cento e setenta euros), para pagar os tratamentos;

59. O funcionário votou a ligar a UU que, com receio pela atitude do arguido, voltou a autorizar a entrega de tal quantia;

60. No dia ... de maio de 2020, o arguido regressou à churrasqueira, exigindo que lhe fosse entregue mais dinheiro, desta vez, € 200,00 (duzentos euros), pois continuava em tratamentos e tinha muitas dores, exibindo ainda uma factura de uma clínica dentária, no valor de € 1.000,00 (mil euros);

61. Uma vez maís, o funcionário contactou o ofendido UU que temendo pela sua segurança, e porque o arguido afirmava que se lhe entregasse o valor pretendido não voltaria mais, ordenou a entrega ao arguido da quantia de € 200,00 (duzentos euros), que este fez sua, após o que abandonou o local;

62. Mas no dia seguinte, cerca das 15 horas, o arguido regressou ao restaurante, exigindo a entrega de mais € 180,00 (cento e oitenta euros), novamente dizendo que voltaria com a família e que lhe iriam bater pelo que o ofendido lhe entregou, por medo, essa quantia;

63. No dia ... de Maio, o arguido regressou ao local, exigindo a entrega de € 80,00 (oitenta euros);

64. Como o ofendido UU respondeu que não ia pagar tal valor, o arguido afirmou que ia chamar familiares ao local e que iriam bater no ofendido, caso a quantia não lhe fosse entregue;

65. Novamente, o ofendido, com receio pela sua segurança e integridade física, e atenta a proximidade da sua residência, entregou ao arguido a quantia por este exigida;

66. O arguido, através do modo descrito, conseguiu apropriar-se da quantia total de € 830,00 (oitocentos e trinta euros);

Processo apenso n.° 56/20.......:

67. No dia ... de Maio de 2020, cerca das 20 horas, o arguido dirigiu-se à "Churrasqueira ........", explorada por VV, sita na ..................., na ........., na qual entrou e solicitou um frango no churrasco;

68. Enquanto esperava, o arguido pediu uma salsicha, para consumir de imediato, e que lhe foi servida;

69. Assim que começou a comer, o arguido começou a gritar, afirmando que se tinha cortado na boca e que tinha partido um dente, mostrando ao ofendido um pedaço de vidro que alegava encontrar-se na salsicha;

70. O ofendido VV ainda respondeu que não era possível existir um vidro na salsicha, atendendo ao tamanho do vidro que o arguido exibia e dado o modo de fabrico daquele alimento, mas o arguido, de imediato, respondeu que voltaria ao local com amigos para partir o restaurante;

71. O ofendido VV disse, de imediato, à sua esposa, WW, para chamar a Polícia, tendo o arguido respondido "a polícia não vai fazer nada";

72. No entanto, apercebendo-se da chamada para a Polícia de Segurança Pública, o arguido acabou por abandonar o local, não sem antes empurrar, o ofendido que lhe devolveu a quantia que tinha sido entregue para pagamento do pedido efectuado;

Processo apenso n.° 5S/20.......:

73. Por fim, no mesmo dia ... de maio de 2020, pelas 20 horas, o arguido dirigiu-se à "Churrasqueira ..............", propriedade de XX, sita na Avenida ......, na ......., na .........;

74. Uma vez aí, fez uma encomenda de frangos no churrasco, e pediu uma salsicha para consumir enquanto esperava, que lhe foi servida;

75. Minutos depois, o arguido começou a gritar, afirmando que tinha cortado a boca e partido um dente, mostrando ao ofendido XXum vidro que dizia estar na comida;

76. O ofendido respondeu que não era possível estar um vidro daquele tamanho no alimento, por ser moído, mas o arguido exaltou-se e respondeu que voltaria com uma declaração de quanto tinha gasto, exigindo a entrega da quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros);

77. Com receio da atitude do arguido, que dizia que ia chamar os amigos e partir o estabelecimento, tendo mesmo simulado o telefonema nesse sentido, o ofendido entregou-lhe a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros), que aquele fez sua;

78. No dia ... de maio de 2020, durante o período da tarde, cerca das 17 horas e 45 minutos, o arguido voltou ao restaurante, afirmando que ainda tinha dores e que tinha a cara inchada, exigindo nova entrega de € 150,00 (cento e cinquenta euros), para continuar os tratamentos;

79. O ofendido respondeu que não tinha mais dinheiro e que ia chamar a polícia, o que levou a que o arguido se exaltasse, tendo, entretanto, comparecido uma patrulha da Polícia de Segurança Pública, que abordou o arguido, o que fez com que este cessasse com aquele comportamento;

80. Agiu o arguido, em todas as situações descritas, na execução de planos previamente delineado, livre e conscientemente, com intenção de através de uma encenação por si elaborada e, sempre que necessário, através de ameaças aos ofendidos, no sentido de os atingir na sua integridade física, ou no sentido de vir a danificai- os estabelecimentos em que os factos ocorreram, os constranger a entregar-lhe as quantias monetárias que exigia ou que os ofendidos tivessem na sua posse, que fez suas, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade dos ofendidos, sem que que os motivos que invocava fossem verdadeiros, contra quem usou de violência, ora física ora psicológica, a quem assustou, por forma a que não resistissem e lhe entregassem quantias monetárias, bem sabendo que todas estas condutas são proibidas e punidas por lei penal;

81. O arguido não tem qualquer ocupação lícita e os seus rendimentos são provenientes da prática dos factos atrás descritos;

82. O arguido dedicou-se de forma reiterada e exclusiva à prática de crimes contra o património, crimes de roubo e extorsão, resistência e coação sobre funcionário, falsidade de testemunho e crimes rodoviários como condução sem habilitação e condução em estado de embriaguez, não lhe sendo conhecida qualquer atividade lícita através da qual provenha ao seu sustento, antes destinando-se o produto dos crimes ao seu sustento, praticando os factos descritos na presente acusação em dias muitos próximos, várias vezes ao dia num período entre dezembro de 2019 e maio de 2020, na zona de ….. e arredores;

83. O arguido regista antecedentes criminais desde 1999 pela prática de crimes como roubo, extorsão, resistência e coação sobre funcionário, falsidade de testemunho, condução sem habilitação legal e condução em estado de embriaguez;

84. Foi condenado, no âmbito do processo n.º 32/10......., em cúmulo jurídico, na pena de 6 (seis) anos de prisão, por factos praticados em 08 e ... .01.2010, e por decisão transitada em julgado em 20.06.2013, tendo sido detido em 21.02.2013 e preso preventivamente à ordem deste processo em 22.02.2013 até 27.01.2014, data em que iniciou o cumprimento da pena em que foi condenado no processo n.º 186/09....... (pena de 132 dias de prisão);

85. O arguido cumpriu ainda as penas de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão à ordem do processo n.º 12/99......., na sequência de revogação da liberdade condicional, e 4 (quatro) meses de prisão à ordem do processo n.º 436/16.......;

86. Por decisão proferida em 12.02.2019, no âmbito do processo n.º 1789/13......., foi-lhe concedida liberdade condicional pelo tempo de prisão que lhe faltaria cumprir, ou seja, até 02.04.21;

87. Os factos pelos quais se encontra acusado ocorreram em pleno período de liberdade condicional;

88. As diversas condenações do arguido em penas privativas da liberdade, tendo em conta os factos que lhe são imputados nos presentes autos, não produziram qualquer ação no sentido da adaptação da sua personalidade ou no sentido da sua reinserção social, constatando-se que, mesmo cumprindo longas penas de prisão e medidas coativas, apresenta um historial de vida pautado pela prática de crimes graves contra as pessoas e o património, altamente lesivos dos interesses e valores comuns na nossa sociedade;

89. O arguido, à semelhança de ocasiões anteriores, voltou à prática de novos crimes, semelhantes àqueles pelos quais havia sido condenado anteriormente, desta vez com particular intensidade, revelando não ter interiorizado de forma alguma o desvalor das suas condutas anteriores mas antes sentindo-se plenamente motivado para a prática de novos crimes, em regime diário e como ocupação exclusiva, revelando total desrespeito pela integridade física e património dos outros e pelas normas legais e sociais e revelando que as anteriores condenações não serviram de modo algum como advertência à prática de novos actos ilícitos, que não só não evitaram, mas pareceram potenciar a prática pelo arguido dos crimes que se encontra acusado;

90. Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas são proibidas e punidas por lei penal;

Mais se provou que:

91. O arguido confessou integralmente e sem quaisquer reservas os factos, acima dados como provados, referentes ao processo apenso n.° 1099/19......., admitindo os demais de forma parcial, fragmentada e com reservas, verbalizando arrependimento, formulando um pedido de desculpas aos ofendidos, mas num discurso autocentrado, autocomplacente e desculpabilizado denotando incipiente interiorização do desvalor das condutas e fraco sentido crítico;

92. Por conta respetivamente dos factos acima descritos:

- no decurso dos meses de janeiro/fevereiro de 2021, um familiar do arguido entregou:

- a HH, a referida quantia global de € 260,00 (duzentos e sessenta euros) e;

- a JJ o mencionado montante de € 120,00 (cento e vinte euros);

- no dia 08.04.2021, no decurso da audiência de julgamento, o arguido entregou, ficando à ordem do Tribunal, por conta dos factos acima descritos as quantias de:

- € 100,00 (cem euros), ao ofendido DD;

- € 150,00 (cento e cinquenta euros) a GG;

- € 200,00 (duzentos euros) a LL;

- € 120,00 (cento e vinte euros) a OO;

- € 60,00 (sessenta euros) a PP;

- € 170,00 (cento e setenta euros) a QQ e;

- € 150,00 (cento e cinquenta euros) a XX;

93. Do certificado de registo criminal do arguido constam as seguintes condenações:

- pela prática, em concurso, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo Art.° 292.°, n.° 1, do Código Penal e de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art° 3.°, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03/01, por factos praticados em ... .08.1998, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 619/98......., do .. Juízo Criminal do Tribunal Judicial ...., por sentença proferida a 24.08.1998, transitada em julgado a 30.09.1998, na pena única de 160 (cento e sessenta) dias multa e na pena acessória de 2 (dois) meses de proibição de conduzir veículos motorizados, declaradas extintas, pelo cumprimento, por despacho de 10.09.2010;

- pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo Art.° 210.°, do Código Penal, por factos de ... .07.1998, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 97/99, da .ª. Secção da .. Vara Criminai  ….., por Acórdão proferido a 26.01.2000, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, declarando-se um ano perdoado e o remanescente substituído por igual tempo de multa, tendo esta pena perdido a sua autonomia por cúmulo operado no processo n.° 12/99.......;

- pela prática de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos Arts.º  210.°, n.° 1 e n.° 2, alínea b) e 204.°, n.° 2, alínea í), ambos do Código Penal, por factos de ... .12.1998, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 1316/98....... (n.° 19/00), da 3.ª Secção da 2.ª Vara Criminal de ....., por Acórdão proferido a 21.06.2000, transitado em julgado a 07.07.2000, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, com perdão de um ano de prisão. Esta pena perdeu a sua autonomia por ter sido englobada no cúmulo operado no âmbito do processo n.° 12/99.......;

- pela prática de 5 (cinco) crimes de roubo, previstos e punido pelo Art.° 210. °, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados em 1999 e 2000, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 12/99......., da .. Secção da .. Vara Criminal  ....., por Acórdão proferido a 25.10.2000, transitado em julgado a 09.11.2000, tendo sido englobadas as penas aplicadas nos processos supra identificados (n.° 97/99 e n.° 1316/98.......), na pena única de 10 (dez) anos de prisão, com perdão declarado de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. Por decisão do TEP, datada de 20.02.2008, foi concedida ao arguido liberdade condicional até ao dia 26.07.2009, a qual foi revogada, e determinado o cumprimento do remanescente da pena única de prisão, por decisão do TEP, datada de 15.01.2018, referente ao processo n.° 1789/13.......;

- pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art.° 3.°, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03/01, por factos praticados em 1 ó. 10.2008, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n,°218/08......., da ..ª Secção do ..° Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de .....» por sentença proferida a 16.10.2008, transitada em julgado a 03.11.2008, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o montante global de 6 500,00 (quinhentos euros), declarada extinta, por prescrição, por despacho de 31.01.2013;

- pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art.° 3.°, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03/01, por factos praticados em ... .10.2009, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 186/09......., do Tribunal Judicial da Comarca  ..... ….., Juizo Local Criminal  ........., J.., por sentença proferida a 02.11.2009, transitada e julgado a 03.05.2010, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), convertida em 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária, por despacho de 25.05.2011 e declarada extinta, pelo cumprimento, por despacho de 15.11.2014;

- pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art.° 3.°, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03/01, por factos de ... .10.2010, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 1500/10......., do Tribunal Judicial da Comarca ..... ….., Juízo Local Criminal ........., J.., por sentença proferida a 10.02.2011, transitada em julgado a 13.03.2013, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 1 (um) ano, declarada extinta, nos termos do Art.° 57,°, do Código Penal, por despacho de 14.05.2015;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.º 223.°, n.° 1, 22.°, 23.° e 73.°, todos do Código Penal, por factos de ... .04,2010, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 1683/10 ......, do Tribunal Judicial da Comarca  …..-…, Juízo de Média Instância Criminai ......, J., .. Secção, por sentença proferida a 17.11.2011, transitada em julgado a 13.03.2013, na pena de 6 (seis) meses, suspensa na sua execução, pelo período de 1 (um) ano, declarada extinta, nos termos do Art.° 57.°, do Código Penal, por despacho de 28.04.2014;

-   pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo Art.° 210.°, n.° 1, do Código Penal, por factos de ... .08.2008, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 1294/08......., do Tribunal Judicial da Comarca ....., Juízo Central Criminal ....., J.., por Acórdão proferido a 22.02.2011, transitado em julgado a 02,04.2014, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução, por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, declarada extinta, nos termos do Art.° 57.°, do Código Penal, por despacho de 13.02.2017;

- pela prática, em concurso, de dois crimes de roubo, previstos e punidos pelo Art.° 210.°, n.° I, do Código Penal, em conjugação com o disposto nos Arts.0 75.° e 76.°, ambos do Código Penal, por factos praticados em ... .01.2010, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 32/10......., do Tribunal da Comarca …………-………, Juízo de Grande Instância Criminal ......, J.., ..a Secção, por Acórdão proferido a 02.12.2010, transitado em julgado a 20.06.2013, na pena única de 6 (seis) anos de prisão. Por decisão do TEP, datada de 12.02.2019, foi concedida a liberdade condicional até 02.04.2021, sendo que se encontrava ininterruptamente preso desde 21.02.2013;

- pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo Art.° 347.°, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados em ... .06.2010, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 445/10......., do Tribunal Judicial da Comarca ..... ….., Juízo Local Criminal ......, J.., por sentença proferida a 10.05.2017, transitada em julgado a 09.06.2017, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, declarada extinta, nos termos do Art.° 57.°, do Código de Processo Penal, por despacho de 19.10.2018;

- pela prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo Art.° 360.°, n.° 1 e n.° 3, do Código Penal, por factos de ... .11.2016, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 463/16......., do Tribunal Judicial da Comarca ..... ….., Juízo Local Criminal ........., por sentença proferida 17.07.2018, transitada em julgado a 01.10.2018, na pena de 4 (quatro) meses de prisão efectiva;

94. O arguido é reputado com um pai carinhoso e uma pessoa humilde junto das suas relações familiares;

95. Do relatório social do arguido, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:

- "o arguido vivenciou um processo de socialização inserido num contexto familiar caracterizado por um estilo de vida nómada entre Portugal e Espanha, decorrente dos hábitos culturais da sua família, …....., e da venda ambulante efetuada pelos pais. Neste contexto, o arguido não completou o 1." ciclo e desistiu do percurso escolar por falta de interesse e motivação;

- o percurso laboral, iniciado precocemente, resume-se a coadjuvação na atividade de família como vendedores ambulantes de vestuário e acessórios. Inserido em contexto social caracterizado por problemáticas de marginalidade e exclusão, onde o agregado de origem passou a fixar-se, com uma supervisão parental deficiente e com baixa auto estima e dificuldades de inserção social, foram alguns dos fatores que estiveram subjacentes à adesão ao consumo de estupefacientes na adolescência, e ao seu percurso criminal, contribuindo para o acentuar destas condutas o facto de ocupar o tempo livre sem o envolvimento em qualquer atividade estruturada e organizada e no convívio com indivíduos com hábitos similares aos seus;

- aos dezassete anos iniciou uma união de facto, da qual nasceu um filho, atualmente com vinte e dois anos de idade, e com vida já autónoma. O relacionamento conjugal marcado por desentendimentos e conflitos, terminou pouco tempo depois;

- desde os dezanove anos que o arguido regista um percurso delituoso persistente, associado a crimes contra o património, estradais e também contra as pessoas, estes associados a características de impulsividade e imaturidade. Cumpriu por duas ocasiões, penas efetivas de prisão, com registo de duas ausências ilegítimas, após a concessão de medidas de flexibilização da pena, tendo a última prisão (que incluiu a revogação de liberdade condicional) decorrido de 21.02.2013 a 12.02.2019, data em que saiu em liberdade condicional, com o termo previsto para 02.04.2021. Durante o cumprimento das penas de prisão concluiu o 6. ° ano de escolaridade. Entretanto, e durante uma ausência ilegítima durante o cumprimento da primeira pena de prisão, o arguido encetou novo relacionamento afetivo, do qual nasceram quatro filhos. Por rutura afetiva essencialmente determinada por dificuldades de comunicação e de resolução de problemas, num quadro existencial condicionado pela limitação dos rendimentos disponíveis, aqueles ficaram a cargo da avó paterna, sendo que um deles, ficou a cargo da tia paterna que reside em Espanha. Depois de sair em liberdade condicional, o arguido integrou o agregado familiar dos progenitores, porém, algum tempo depois reatou o relacionamento conjugal com a mãe dos seus quatro filhos, situação que os progenitores do arguido não aceitaram, e que levou ao seu afastamento e a deixarem de lhe falar e apoiar;

- aquando da data da prisão, o arguido vivia com a companheira, II e com os seis filhos do casal, dado que há um ano nasceram mais dois filhos gémeos, com idades compreendidas entre os dezasseis anos e um ano de idade. Devido à falta de apoio por parte dos progenitores do arguido, por não concordarem com o relacionamento afetivo do arguido e por este ter recaído no consumo de estupefacientes, o agregado familiar fixou residência em casa dos sogros do arguido, no ........., na ........., onde para além dos sogros coabitava o irmão da companheira com diagnóstico de esquizofrenia. A família subsistia com a receita resultante da atividade de feirante exercida pela sogra, da pensão de invalidez do sogro e do cunhado, do Rendimento Social de Inserção no valor de € 300,00 (trezentos euros) que beneficiava a companheira. O arguido não exercia qualquer atividade laboral, nem tinha qualquer fonte de rendimentos. Por outro lado, recaiu no consumo de estupefacientes (heroína e cocaína), e como tal, envolveu-se nas circunstâncias que levaram à sua constituição como arguido;

- em termos pessoais, o arguido revela reduzido sentido das responsabilidades recorrendo a causas externas a si próprio, para justificar a sua conduta criminal ou à sua problemática aditiva, e da qual desconhecemos a sua gravidade. Denota ainda, ser um individuo explosivo e/ou impulsivo quando contrariado ou submetido a situações geradoras de maior stress, causando algum impacto ou intimidação no seu interlocutor e do qual revela consciência;

- quando em liberdade, pretende voltar a viver em união de facto com a companheira, os filhos menores e atualmente também com a companheira do filho de dezasseis anos, que casou segundo os rituais da etnia. A companheira e os menores ocuparam uma habitação social, na ... de ….., e em morada que o próprio desconhece, mas que fica na proximidade da morada da progenitora do arguido e que, entretanto, ficou viúva, devido ao falecimento do progenitor do arguido há cerca de cinco meses. A companheira está a tentar legalizar a sua permanência na habitação ocupada;

- ao nível económico, a companheira subsiste com o Rendimento Social de Inserção, no valor de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), por mês e com o abono de família relativo aos menores no valor de € 600,00 (seiscentos euros), por mês;

- em termos laborais, e quando em meio livre, pretende trabalhar e viver com o apoio económico da progenitora, uma vez que esta é gerente de duas lojas em ........., ......, e proprietária de um grande armazém onde tem produtos que vende em feiras;

- face à atual situação jurídico-penal, o arguido reconhece a ilicitude dos factos, sem contudo efetuar uma análise critica sobre os mesmos, e sem assumir a responsabilidade no envolvimento nas circunstâncias que levaram à sua constituição como arguido, atribuindo-a à sua problemática aditiva. Contudo, e, na atualidade, não verbaliza qualquer necessidade de acompanhamento especializado para a sua toxicodependência, uma vez que está de luto pelo falecimento do progenitor, e como tal, não pode consumir estupefacientes ou ingerir bebidas alcoólicas. Assumiu, no entanto, ter tido algumas dificuldades ao nível de saúde mental devido ao falecimento do progenitor e aos sentimentos de culpa que tem, por não falar com este à data da prisão;

- como principal impacto negativo da actual situação, surge o facto de não poder acompanhar o crescimento e evolução dos filhos, aliás, como se verificou com os filhos mais velhos, também devido ao cumprimento de penas de prisão;

- no estabelecimento prisional tem mantido um comportamento adequado às normas, e toma medicação diariamente para andar mais calmo e para dormir;

- o arguido ê um individuo com um percurso de vida marcado pela cultura da etnia ....., pelo reduzido investimento a nível escolar e formação profissional, bem como, pela dedicação precoce à atividade profissional da venda ambulante junto dos progenitores, e que na prática se caracterizou pela total dependência dos progenitores, até à idade adulta e no processo educativo dos filhos menores. A inserção em contextos sócioresidenciais com problemáticas sociais e criminais, com o estabelecimento de relações de convivialidade com pares com comportamentos criminais e consumidores de estupefacientes, a precoce desinserção escolar e a ocupação dos tempos livres de formas aleatória e desestruturada, surgem assim como os principais fatores que estiveram subjacentes à sua menor interiorização do sentido das responsabilidades, da menor interiorização das normas e valores sociais em vigência, à sua problemática aditiva e consequentemente, aos sucessivos contactos com o sistema de justiça penal e ao incumprimento de medidas aplicadas ".


***


3. O DIREITO

3.1. O objeto do presente recurso atentas as conclusões da motivação do recorrente, que delimitam o objeto do recurso, prende-se com as seguintes questões:

- A dosimetria das penas parcelares e única aplicada ao arguido;

- Deve ser aplicada ao arguido a atenuação especial da pena


3.1.1. Analisando em primeiro lugar se é de aplicar ao arguido a atenuação especial das penas parcelares em que foi condenado.

Defende o recorrente que deve beneficiar da medida de atenuação especial da pena, alegando que assumiu a sua responsabilidade em todos os Ilícitos que lhe eram imputados, revelando, a esse respeito, um sincero e respeitoso arrependimento pelo que havia feito, em plena Audiência de Julgamento, pediu desculpas a cada um dos ofendidos, com o contributo e ajuda dos seus familiares, fez questão de devolver todas as quantias de dinheiro de que se havia apropriado de cada um dos Ofendidos, incluindo aqueles que haviam demonstrado, por compreenderem a situação que passava no período em que ocorreram os factos, não querem ser ressarcidos. Não existiu qualquer violência acoplada à interação do Arguido com os Ofendidos em todos os eventos. Aliás houve até Ofendidos que mencionaram que o Arguido nunca foi violento ou agressivo e até os tratou com respeito dirigindo-se aos mesmos de forma educada. Posteriormente à prática daqueles ilícitos, o arrependimento lhe inundou o espírito. O recorrente praticou todos os crimes pelos quais foi condenado, não por mero capricho criminoso, mas para alimentar o próprio vício de cocaína de que era portador e para poder prover às suas necessidades básicas e de seus filhos. Por conseguinte, tidas por preenchidas as exigências da Atenuação Especial da Pena deveria o Coletivo, em sede de Sentença, ter atenuado o quantum condenatório de todos os Crimes em que o condenou, ao não o fazer violou, entre outros normativos, o preceituado nos Artigos 72.º, 73.º do Código Penal.

A atenuação especial da pena terá que ser analisada antes de entrarmos no conhecimento da dosimetria das penas parcelares, uma vez que constitui um instituto que se coloca ex ante, já que caso se conclua pela sua procedência, estar-se-á perante uma moldura abstrata mais benévola, dentro da qual teria de encontrar-se a medida concreta da pena a aplicar a tal crime, fazendo atuar os critérios do artigo 71º do Código Penal, já dentro de uma moldura com limites mais baixos, determinados por essa atenuação.


Vejamos.

Consagra o art. 72º, nº 1, do Código Penal, que:

1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:

a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;

b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;

c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;

d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.

3 - Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.


Conforme salienta o AC do STJ de 22-02-2017, processo nº 327/15.7GDALM.L1. S1, Relatora Isabel Pais Martins:

«A atenuação especial da pena, nos termos do artigo 72.º do CP, reclama que se verifiquem “circunstâncias, anteriores ou posteriores ao crime ou contemporâneas dele, que diminuam, de forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena” (n.º 1), enunciando a lei, exemplificativamente (n.º 2), tais circunstâncias capazes de conferir ao facto uma imagem global “com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”

(Assim, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 454, p. 306)

A ideia político-criminal que preside ao instituto é a de dotar o sistema de uma válvula de segurança quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo normal de casos que o legislador terá tido em mente quando fixou os limites da moldura penal respectiva, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa ( Ibidem, § 444, p. 302)

Trata-se de um caso especial de determinação da pena que só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os “casos normais”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios” (Ibidem, § 454, p. 307).


Com efeito, salienta o Prof Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 302/307, a propósito do paralelismo entre o sistema (ou o «modelo») da atenuação especial do artigo 72º e o sistema da determinação normal da pena previsto no artigo 71º, que tal paralelismo é só aparente, pois enquanto no procedimento normal de determinação da pena são princípios regulativos os da culpa e da prevenção, na atenuação especial tudo se passa ao nível de uma acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa, e, portanto em último termo, ao nível do relevo da culpa, pelo que seriam irrelevantes as exigências da prevenção, o que não ocorre face a alguns dos exemplos ilustrativos da situação especialmente atenuante contida na cláusula geral do nº 1 do artigo 72º, ou seja, das situações aí descritas só significativas sob a perspetiva da necessidade da pena (e, por consequência, das exigências da prevenção), concluindo no § 451: princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.

A atenuação especial resultante da acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção corresponde a uma válvula de segurança do sistema, que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excecionais, em que a imagem global do facto resultante da atuação da (s) atenuante (s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo.

Daí estarmos perante um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa, com redução de um terço no limite máximo da moldura prevista para o facto e várias hipóteses na fixação do limite mínimo.

Revertendo ao caso dos autos, da matéria de facto provada não resulta quaisquer factos que revelem uma diminuição acentuada da ilicitude ou da culpa do arguido, ou da necessidade da pena, que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo.

Conforme refere o Exmº PGA junto deste Supremo Tribunal, «as doze condenações anteriormente sofridas e pela prática de crimes da mesma natureza e conexa e o cumprimento de penas de prisão efetiva, sendo que o arguido foi restituído à liberdade a 12.02.2019, estava em período de liberdade condicional até 02.04.2021, começa a cometer os crimes destes autos cerca de três meses após ter sido restituído à liberdade, praticando-os sucessiva e reiteradamente entre 10.05.2019 e 12.05.2020, o que denota manifesta e inequivocamente uma personalidade avessa à Lei e ao Direito e total indiferença para com as condenações anteriormente sofridas e as privações de liberdade efetivamente vivenciadas.

Com efeito, a personalidade manifestada pelo arguido denota um absoluto desprezo para com as condenações anteriormente sofridas, uma total indiferença para com as longas privações de liberdade e persiste nessas suas condutas.

Sem olvidar que, o arguido cumpriu penas efetivas de prisão significativamente longas, tendo visto a sua liberdade condicional revogada, e restituído, desde última vez, à liberdade em 12.02.2019 (sendo que estava preso ininterruptamente desde 21.02.2013), encontrando-se (de novo) em período de liberdade condicional, volvidos cerca de escassos três meses, volta novamente a praticar crimes e da mesma natureza.”

Sendo este o contexto, afigura-se completamente irrealista pugnar por uma atenuação especial da pena, por não existirem quaisquer circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude dos factos praticados pelo arguido, a sua culpa ou a necessidade da pena, como exige o n.º 1 do art.º 72º do Código Penal».

Assim sendo, improcede nesta parte o recurso do arguido.



***


3.1.2. Analisando agora segunda questão suscitada, ou seja, a dosimetria das penas parcelares.


O Tribunal Coletivo fundamentou a medida das penas parcelares aplicadas ao arguido, nos seguintes termos:

«Escolha e determinação da medida da pena:

Assente que está que o arguido praticou, em autoria material, em concurso real e efectivo, os crimes acima devidamente elencados, há que proceder à escolha e determinação da medida das penas que, em concreto, lhe devem ser aplicadas.

O crime de furto é punido com pena de multa de 10 (dez) dias a 360 (trezentos e sessenta) dias, ou pena de prisão de 1 (um) mês a 3 (três) anos (cfr. Arts. 203.°, n.° 1,43.° e 47.°, todos do Código Penal).

Ao crime de extorsão é aplicável a pena até 5 (cinco) anos de prisão, logo o mínimo corresponde a 1 (um) mês de prisão (cfr. Arts. 223.°, n.° 1 e 41.°, ambos do Código Penal).

Quanto à tentativa a pena é especialmente atenuada, sendo o limite máximo reduzido de um terço e o mínimo é reduzido ao mínimo legal, ou seja, é aplicável o limite mínimo de 1 (um) mês de prisão e o imite máximo de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão (cfr. Art.° 73.°, do Código Penal).

O crime de burla qualificada é punido com uma pena de 2 (dois) a 8 (oito) anos de prisão.

Por força da atenuação especial adveniente da tentativa, corresponde o mínimo legal a 1 (um) mês de prisão e o máximo legalmente aplicável é de S (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão (cfr. Art.° 73.°, do Código Penal).

Encontra-se ainda o arguido pronunciado como reincidente.

Estatuí o Art.° 75.°, do Código Penal que é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

Por seu turno, o Art.° 76.°, do Código Penal prevê que, no caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.

Assim, o limite mínimo abstractamente aplicável é elevado de um terço, ou seja, sendo o limite mínimo, e referente a todos os crimes sob colação, de 1 (um) mês de prisão, a agravação equivale ao patamar mínimo de 1 (um) mês e 10 (dez) dias de prisão, mantendo-se inalterados os limites máximos já retro mencionados.

Atendendo aos factos dados provados, conclui-se, desde já, que se mostram igualmente verificados os pressupostos da reincidência.

Pois que, aquando do dia 10.05.2019 (início da prática dos factos aqui em questão), o arguido tinha sido condenado em pena de prisão efectiva de 6 (seis) anos, por factos de 08.01.2010, por decisão transitada em julgado a 20.06.2013, pela prática de dois crimes de roubo (processo n.° 32/10.......), sendo que esteve ininterruptamente preso desde 21.02.2013 até 12.02.2019, data em que lhe foi concedida liberdade condicional, vigente até 02.04.2021.

E, manifestamente o cumprimento de penas de prisão efectivas não determinou o arguido a ajustar os seus comportamentos às normas penais, vindo a repetir comportamentos delituosos e dolosos (crimes de furto, burla qualificada e extorsão), os quais reiterou praticar.

Aliás, é concedida a liberdade condicional ao arguido a 12.02.2019, após o cumprimento sucessivo de penas de prisão efectiva, todas elas pela prática de crimes de natureza conexa, e apesar desse período significativo de reclusão, volvidos nem três meses, desde a restituição à liberdade, o arguido volta a praticar crime de idêntica natureza, o que agudiza, de forma acutilante e imperiosa, as necessidades de prevenção especial.

A que acresce a circunstância dos factos objecto deste processo serem praticados em pleno período de liberdade condicional, o que reforça a convicção segura no sentido que, as condenações anteriores aplicadas, mesmo com privação efectiva da liberdade, foram manifestamente ineficazes e insuficientes para assegurar o cumprimento das finalidades inerentes à punição, dado que o arguido não se absteve de praticar novos crimes e da mesma natureza, revelando uma personalidade desconforme à Lei e ao Direito.

Para haver responsabilização jurídico-penal do arguido não basta a mera realização por este de um tipo-de-ilícito (facto humano anti-jurídico e correspondente ao tipo legal), torna-se necessário que aquela realização lhe possa ser censurada como culpa, o mesmo é dizer, que aquele comportamento preencha também um tipo-de-culpa (como se referem Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, vol. I, 2002, p. 205).

De acordo com o Art.° 40.°, n.° 2, do Código Penal «A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa», sendo a culpa um dos elementos fundamentais em sede de aplicação de penas. A punição visa a protecção dos bens jurídicos e a intimidação para a prática de futuros delitos (prevenção geral positiva e negativa) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), cfr. n.° 1 do Art.° 40.°, do Código Penal.

Tais finalidades, de acordo com o que preceitua o Art.° 40.°, n.° 1, do citado Código, são a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo, em caso algum, a pena exceder a medida da culpa do agente, sob pena de se postergar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal que é a dignidade humana (cfr. Art.° 40.°, n.° 2, do Código Penal).

Estatui o Art.° 71,°, n.° 1 do Código Penal que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».

Importa, por isso, ponderar as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.

No caso vertente, são particularmente elevadas as exigências de prevenção geral, uma vez que, estes tipos de crimes (furto, burla e extorsão) assumem relevantes proporções, com graves consequências, no seio da comunidade e, para os recursos disponíveis do Estado, para além de situações análogas à dos autos sucederem com grande frequência, especialmente nesta comarca, o que provoca justificado temor na comunidade, abala a confiança que esta deve ter na eficácia do sistema penal, e impõe, consequentemente, uma necessidade acrescida de dissuadir a prática destes factos pela generalidade das pessoas e de incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes.

A ilicitude assume intensidade elevada, atentas as consequências dela resultantes no que respeita à lesão de bens de índole patrimonial, mas que afectam os recursos do Estado.

O dolo, atenta a reflexão necessária ao empreendimento da acção, assume intensidade significativa, por revestir a sua modalidade mais intensa, de dolo directo.

Nestes termos, a operação a efectuar na determinação da pena consiste na construção de uma moldura penal de prevenção geral de integração (em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legitimas expectativas da comunidade, com vista ao restabelecimento da paz jurídica) e cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena, sem colocar em causa a sua função de tutelar bens jurídicos.

Por outro lado, a culpa fornecerá o limite máximo inultrapassável das exigências de prevenção - a culpa como fundamento da pena e não como finalidade. Dir-se-á, assim, que a culpa é a ratio da pena.

Dentro dos limites abstractamente definidos na lei, a medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se igualmente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele (cfr. Arts.0 71.°, n.°s 1 e 2, e 40.°, n.° 1, do Código Penal).

É com base neles que ao juiz cabe "uma dupla (ou tripla) tarefa, dentro do quadro condicionante que lhe é oferecido pelo legislador. Determinar, por um lado, a moldura penal abstracta cabida aos factos dados como provados no processo. Em seguida, encontrar, dentro desta moldura penal, o quantum concreto da pena em que o arguido deve ser condenado. Ao lado destas operações - ou em seguida a elas -, escolher a espécie ou o tipo de pena a aplicar concretamente, sempre que o legislador tenha posto mais do que uma à disposição do juiz", assim o ensina o Prof. Jorge Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, pág. 193.

No respeitante à culpa do arguido, deve atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, sob pena de haver uma dupla valoração da culpa, depuserem a favor ou contra o arguido, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que o determinaram e as suas condições pessoais.

Com efeito, têm de ser ponderadas, de forma equilibrada, todas as circunstâncias para a individualização da pena aplicada ao arguido.

Assim, nas circunstâncias que antecederam, contemporâneas ou posteriores ao cometimento do delito e que influenciam a determinação da pena, de modo a concretizar-se o tipo e a gravidade da mesma, têm de ser ponderadas as circunstâncias, desfavoráveis e as favoráveis:

As primeiras:

- o grau elevado de ilicitude dos factos, atendendo ao circunstancialismo em que os mesmos ocorreram e o período de tempo em que os mesmos ocorreram, consistentemente durante cerca de um ano, entre 10.05.2019 e 12.05.2020 e em estabelecimentos comerciais que se encontravam em funcionamento, abertos ao público, alguns com clientes presentes e outros funcionários, o que requer maior energia criminosa, e denota uma conduta particularmente censurável e gravosa;

- a circunstância de logrando obter entregue de dinheiro, a insistência na conduta criminosa no mesmo estabelecimento comercial, no dia seguinte, ou data próxima, o que denota manifesta persistência na prática de crimes, veja-se que o arguido se desloca, por cinco vezes, distintas e perfeitamente autonomizáveis, ao estabelecimento comercial reportado ao processo apenso n.° 162/20......., sendo que entre essas deslocações, no dia 10.05.2020 pratica os factos (insistindo) referentes aos processos apensos n.° 56/20....... e 55/20.......;

- a existência, em todas as distintas situações, de dolo directo (na sua forma mais intensa);

- a ausência de comportamentos exteriores consentâneos com a genuína interiorização do desvalor da conduta, pois, não obstante o arguido reconhecer, em parte e de forma fragmentada, os factos acima dados como provados, a verdade é que, das suas declarações, mesmo na parte em que o foram de índole confessória, o que se extrai é uma incapacidade manifesta de descentração e de dificuldade de autocensura, denotativo de falta de sentido crítico;

- a assunção de uma postura autocomplacente e de autojustificações, ou seja, o arguido centra o seu discurso nas suas necessidades (mormente a problemática aditiva) e não no impacto que as suas condutas comportaram para os visados, quer em termos patrimoniais, quer, e sobretudo, em termos pessoais, surgindo tal dimensão sempre num patamar inferior e desvalorizado pelo arguido;

- o número elevado de ofendidos, a abrangência temporal e a dispersão geográfica;

- as doze condenações anteriores registadas no seu certificado de registo criminal, reveladoras de uma personalidade desconforme à Lei e ao Direito, o que agrava, de forma severa e acutilante, as necessidades de prevenção especial, dada propensão revelada pelo arguido para a prática de crimes e também da mesma natureza;

- aquando da prática de todos estes factos, o arguido já tinha sido condenado em penas de prisão efectiva, tendo assim vivenciado genuína privação de liberdade, o que não o demoveu da adopção da práticas criminais, sendo uma dessas doze condenações anteriores igualmente pela prática de crime de extorsão, na forma tentada, por factos de 14.04.2010, com trânsito em julgado a 13.03.2033, para além das demais condenações pela prática de crimes de roubo e de resistência e coacção sobre funcionário, cujos tipos de crimes comportam o emprego de violência (ou a ameaça do seu recurso), o que denota, por parte do arguido, uma personalidade avessa à Lei e ao Direito;

- a circunstância de ter praticado estes crimes no período de liberdade condicional de uma pena de prisão efectiva, tendo sido restituído à liberdade a 12.02.2019 (sendo que estava preso ininterruptamente desde 21.02.2013) e inicia o cometimento dos factos deste processo no dia 10.05.2019, ou seja, cerca de três meses após ter sido restituído à liberdade, o que acentua de forma veemente as necessidades de prevenção especial positiva e negativa, em face da insistência na prática de crimes;

- a prática de crimes desde 1998, sendo os últimos de 14.11.2016, sendo condenado pela prática de crimes que cometeu no decurso de 1998, 1999, 2000, 2008, 2009 e 2010, tendo já anteriormente sido revogada a liberdade condicional que tinha sido concedida a 20.02.2008 até 26.07.2009, o que denota manifestamente um padrão comportamental de prática persistente de crimes;

A favor do arguido depõem as seguintes circunstâncias:

- o reconhecimento dos factos, embora de forma parcial e com muitas reservas, pois apenas quanto aos factos referentes ao processo apenso n.° 1099/19......., ocorreu uma confissão integrai e sem reservas;

- a verbalização de arrependimento, com pedidos, em audiência, de desculpa a alguns dos ofendidos, mas acompanhada de uma postura autocomplacente, autodesculpabilizante e autocentrada, denotativa de falta de sentido crítico e fraca interiorização do desvalor da conduta;

- a integração mínima social e o amparo familiar;

- a problemática aditiva de que padece, a que o arguido recorre como causa justificativa para a resolução criminosa, e que, não obstante se afigurar tal dependência de substâncias estupefacientes pouco condizente com a sofisticação e sistematização que o estratagema arquitectado pelo arguido comporta, desde logo, pelo tempo que durava a execução de todos os gestos e actos do plano, a frieza que requer o cortar-se, o exibir de sangue, o colocar vidros/acrílicos/plásticos rijos nas peças de comida, cuja confecção tinha solicitado, o enredo de conversação quer com os ofendidos, quer com os funcionários que lá se encontrassem, o se deslocar, em dias seguintes, aos exactos estabelecimentos comerciais onde tinha ido e onde tinha logrado enriquecer (indevida e ilegitimamente) à custa do prejuízo patrimonial dos ofendidos, a exigência de um discurso articulado e lógico aquando da interacção/"persuasão" com os ofendidos, ou seja, este quadro circunstancial subjacente a todas as situações descritas não se afigura ser objectiva e razoavelmente compatível com a necessidade de satisfação premente, perturbadora e imediata de hábitos de consumo de substâncias estupefacientes;

-o facto de alguns dos ofendidos terem sido ressarcidos do prejuízo patrimonial, embora já após a remessa dos autos para julgamento e, em parte, após o início da audiência de julgamento.

Ora, a factualidade sob colação revela-se particularmente censurável, visto que a conduta do arguido denotou total desrespeito pelas normas penais vigentes, bem como os crimes em causa se revestem de incisiva gravidade e são profundamente atentatórios dos bens jurídicos fundamentais, como o património alheio e o sentimento de segurança que os comerciantes devem vivenciar aquando do exercício das suas actividades comerciais e como condutas como as preconizadas pelo arguido, de forma reiterada, metódica e renovada, geram sentimentos de desconfiança e de insegurança na comunidade jurídica e das próprias actividade comerciais.

Desta feita, relativamente ao crime de furto simples (cfr. Art.° 203.°, n.° 1, do Código Penal) o mesmo admite pena de prisão ou pena de multa.

Neste contexto, atendendo ao disposto no Art.° 70.° do Código Penal, entende o Tribunal que, para exprimir um juízo de censura pela conduta do arguido não se mostra suficiente, nem adequada a aplicação de uma pena de multa, dado ter o Tribunal a convicção de que uma pena de multa não cumprirá de forma plena as finalidades da punição, não se contribuindo para a reintegração do arguido na comunidade onde se insere, dissuadindo-o de forma positiva de praticar novos factos criminosos, o que só será alcançado pela condenação em pena de prisão, pelo se afasta a pena de multa, desde logo, atendendo às condenações anteriormente sofridas, igualmente pela prática de crimes de natureza patrimonial, entre outros, tendo o arguido sido condenado em penas de prisão efectiva.

Pois, devemo-nos nortear sobretudo pelos fins das penas na sua vertente de prevenção especial, promovendo-se a reintegração do arguido e a sua ressocialização, o que só será manifestamente atingido pela aplicação de uma pena de prisão, pelo que, se afasta, por não salvaguardar os fins das penas, a pena de multa, em relação a todos os crimes de furto (tentados e consumados) pelos quais vai condenado.

Sendo certo que, quanto aos crimes de burla qualificada e extorsão os mesmos apenas são punidos com pena de prisão.

Ponderando as circunstâncias que acima se elencaram, que militam em benefício e em prejuízo do arguido, conclui-se serem por demais prementes as necessidades de prevenção especial que urge acautelar de forma eficaz e adequada, mas justa.

Importa enfatizar que, pese embora, o arguido tenha confessado integralmente e sem reservas uma das situações, confessando parcialmente e com reservas outras situações e tenha ressarcido o prejuízo patrimonial de alguns dos ofendidos, nos moldes acima já escalpelizados, a verdade é que, a homogeneidade revelada pelas diversas actuações criminosas levadas a cabo pelo arguido e a sua contemporaneidade, a verdade é que, no que diz respeito ao mesmo tipo de crime, afigura-se que inexiste circunstância suficientemente diferenciadora que seja de repercutir na medida da pena a fixar em concreto.

Isto é, ponderando a globalidade dos factos subjacentes aos crimes em causa, entende-se que, cada uma das situações, referente ao mesmo tipo de crime, não justifica uma medida da pena distinta, em face da homogeneidade da actuação, a similitude dos valores questão e as repercussões pessoais para os ofendidos.

Assim, em face das circunstâncias expostas, entende-se ser adequado, justo e consentâneo quer com as finalidades ínsitas à punição, quer com a medida da culpa e da consciência da ilicitude, pela prática, em concurso real e efectivo, em autoria material, como reincidente, nos termos previstos dos Arts.º 75.° e 76.°, ambos do Código Penal, dos crimes supra identificados, aplicar ao arguido:

- as penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de cada um dos crimes de extorsão, na forma consumada, previstos e punidos pelo Art.° 223.°, n. °1, do Código Penal, referentes:

- ao processo n.° 1678/19.7S5LSB, autos principais;

- ao processo apenso n.° 466/19.......;

- ao processo apenso n.° 1057/19......., neste sendo pela prática de 2 (dois) crimes de extorsão, ambos na forma consumada, no que diz respeito aos factos ocorridos nos dias 11.09.2019 e 13.09.2019;

- ao processo apenso n.° 1449/19.......;

- ao processo apenso n.° 1693/19......., no que concerne aos factos de 23.12.2019;

- ao processo apenso n.° 12/20.......;

- ao processo apenso n.° 69/20.......;

- ao processo apenso n.° 99/20......., no que diz respeito aos factos de 24.01.2020;

-ao processo apenso n.° 152/20......., no que concerne aos factos de 31.01.2020;

- ao processo apenso n.° 162/20......., no que diz respeito aos factos de 05.05.2020, 06.05.2020, 08.05.2020, 09.05.2020 e 11.05.2020;

- ao processo apenso n.° 55/20......., no que se reporta aos factos de 10.05.2020;

- as penas de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de cada um dos crimes de extorsão, na forma tentada, previstos e punidos pelos Art.° 223.°, n.° 1, 22.°, 23.° e 73.°, todos do Código Penal, referentes:

- ao processo apenso n.° 465/19......., relativo aos factos de 11.05.2019;

- ao processo apenso n.° 1693/19......., no que tange aos factos ocorridos no dia 24.12.2019;

- ao processo apenso n.° 99/20......., em relação à factualidade referente ao dia 25.01.2020;

- ao processo apenso n.° I52/20......., no que concerne aos factos do dia 03.02.2020;

- ao processo apenso n.° 56/20.......;

- ao processo apenso n.° 55/20......., o que diz respeito à factualidade reportada ao dia 12.05.2020;

- a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos Arts. 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea b), ambos do Código Penal, referente aos factos ocorridos no dia 10.05.2019, no que tange à factualidade referente ao processo apenso n.° 465/19.......;

- a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previstos e punidos pelos Arts. 217.°, n.° 1, 218.°, n.° 2, alínea b), 22.° e 23.°, todos do Código Penal, referentes:

- ao processo apenso n.° 112/I9.......;

- a pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de furto, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 203.°, n.° 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 1099/19........


Vejamos:

A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1, do CP).

A determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (arts. 71º, nº 1 e 40º, nº 2, do CP), vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da ação praticada (arts. 40º e 71º, ambos do Código Penal).

E, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71º, nº 2, do Código Penal, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente as que a título exemplificativo estão enumeradas naquele preceito, bem como as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial.

A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.

A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente.

Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias[1], a propósito do critério da prevenção geral positiva, «A necessidade de tutela dos bens jurídicos – cuja medida ótima, relembre-se, não tem de coincidir sempre com a medida culpa – não é dada como um ponto exato da pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção»; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais».

E, relativamente ao critério da prevenção especial, escreve o ilustre mestre, «Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...).

A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena».


Como supra se referiu o Tribunal Coletivo condenou o arguido AA, pela prática, em autoria material, em concurso real e efetivo, como reincidente, nos termos previstos dos Arts.º 75.° e 76.°, ambos do Código Penal, nas seguintes penas parcelares:

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo n.° 1678/19.7S5LSB, autos principais, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de burla qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelos Arts. 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea b), ambos do Código Penal, referente aos factos ocorridos no dia ... .05.2019 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previstos e punido pelos Arts. 223.°, n.° 1, 22.° e 23.°, todos do Código Penal, relativo aos factos de 11.05.2019, no que tange à factualidade referente ao processo apenso n.° 465/19......., respetivamente, nas penas de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 466/19......., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de 2 (dois) crimes de extorsão, ambos na forma consumada, previstos e punidos pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos ocorridos nos dias ... .09.2019 e 13.09.2019, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 1057/19......., respetivamente e por cada um deles, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de furto, na forma consumada, previsto e punido pelo Art° 203.°, n.° 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 1099/19......., na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 1449/19....., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos Art.º 217.°, n.° 1, 218.°, n.° 2, alínea b), 22.° e 23.°, todos do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 112/19...., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.º 1, do Código Penal, no que concerne aos factos de ... .12.2019 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts. 223.°, n.º 1, 22.° e 23.°, todos do Código Penal, no que tange aos factos ocorridos no dia ... .12.2019, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.º 1693/19......., respetivamente nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.º 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 12/20......., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 69/20......., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos de ... .01.2020 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts. 223.°, n.° 1, 22.° e 23.°, todos do Código Penal, referentes ao dia 25.01.2020, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 99/20......., respetivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 3, do Código Penai, no que diz respeito aos factos de ... .01.2020 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.  223.°, n.° 1, 22.° e 23.°, todos do Código Penal, referentes ao dia 03.02.2020, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 152/20......., respetivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de 5 (cinco) crimes de extorsão, todos na forma consumada, previstos e punidos pelo Art.° 223.°, n,° 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos de ... .05.2020, ... .05.2020, ... .05.2020, ... .05.2020 e ... .05.2020, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 162/20......., respetivamente e por cada um deles, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.  223.°, n.° 1, 22.° e 23.°, todos do Código Penal relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 56/20......., na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma consumada, previsto e punido pelo Art.° 223.°, n.° 1, do Código Penal, no que diz respeito aos factos de ... .05.2020 e pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts. 223.°, n.° 1, 22.° e 23.°, todos do Código Penal, referentes ao dia 12.05.2020, relativamente à factualidade referente ao processo apenso n.° 55/20......., respetivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.


Considerando os critérios norteadores a que aludem os arts. 40º, 71º do Código Penal, bem como as exigências de prevenção especial e geral, dentro da moldura penal abstratas prevista para os crimes de extorsão, quer na forma tentada, quer consumada, burla qualificada, e furto, pelos quais o arguido foi condenado, mostram-se justas, equilibradas, proporcionais e adequadas as penas que lhe foram aplicadas pelo Tribunal Coletivo.

Neste sentido, também improcede nesta parte o recurso do arguido.


***


3.1.3. Vejamos agora a pena única em que o arguido AA foi condenado, ou seja, na pena única de 12 (doze) anos de prisão.

Consagra o art. 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal:

«1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

Conforme refere o Prof Figueiredo Dias, [2] «Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á, finalmente, da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no art. 72º, nº1, um critério especial «na determinação da medida concreta da pena [do concurso], serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente (art. 78º, 1- 2ª parte]. (…)

Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes com efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».

No mesmo sentido o AC do STJ de 27JAN16, em que foi relator o Conselheiro Santos Cabral [3] a propósito da pena conjunta derivada do concurso de infrações, defende o seguinte:

«Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade á pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”

Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais.

Em relação ao nosso sistema penal é o Professor Figueiredo Dias quem traça a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da pena no concurso de crimes. Refere o mesmo Mestre que a existência de um critério especial fundado nos factos e personalidade do agente obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78. °-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um ato intuitivo - da «arte» do juiz uma vez mais - ou puramente mecânico e, portanto, arbitrária. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72 ° nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável».

Acrescentando que «Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico. (…)

Na definição da pena concreta dentro daquele espaço e um dos critérios fundamentais na consideração daquela personalidade, bem como da culpa, situa-se a dimensão dos bens jurídicos tutelados pelas diferentes condenações. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa na destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos fundamentais como é o caso da própria vida. (…) (sublinhado nosso)

Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia uma mera pluriocasionalidade, que não radica na personalidade do arguido. Este critério está diretamente conexionado com o apelo a uma referência cronológica pois que o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes ou uma referência quantitativa pois que o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes. (sublinhado nosso)

Como é bom de ver, as necessidades de prevenção especial aferir-se-ão, sobretudo, tendo em conta a dita personalidade do agente. Nela, far-se-ão sentir fatores como a idade, a integração ou desintegração familiar, com o apoio que possa encontrar a esse nível, as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham a fazer sentir no futuro.

Igualmente importante é consideração da existência de uma manifesta e repetida antipatia na convivência com as normas que regem a vida em sociedade, quando não de anomia, e que é a maior parte das vezes evidenciada pelo próprio passado criminal.

Um dos critérios fundamentais na procura do sentido de culpa em sentido global dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa, e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que, em nosso entender, assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados á dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado importa determinar os motivos e objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. (sublinhado nosso)

Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a atividade criminosa expresso pelo número de infrações; pela sua perduração no tempo; pela dependência de vida em relação àquela atividade.

Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.

Recorrendo á prevenção importa verificar em termos de prevenção geral o significado do conjunto de atos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos. (sublinhado nosso).

Serão esses fatores de medida da pena conjunta que necessariamente deverão ser tomados em atenção na sua determinação sendo então sim o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do quantum necessário para se atingir as finalidades da mesma pena».

De igual modo o AC do STJ de 25MAI16, processo nº 101/14.8GBALD.C1.S1, Relator Pires da Graça,[4] a propósito do concurso de infrações, defende o seguinte:

«O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes. - (Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 06-02-2008 Proc. n.º 4454/07).

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado. (sublinhado nosso)

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. - Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, Proc. n.º 4454/07, (sublinhado nosso).

Por outro lado, como supra se referiu, em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.

As qualidades da personalidade do agente manifestada no facto devem ser comparadas com as supostas pela ordem jurídica e a partir daí se emitam juízos, mais fortes ou mais acentuados, de valor ou desvalor.

Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado: V. Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 09-01-2008, Proc. n.º 3177/07, Eduardo Correia, Direito Criminal, II, p. 197 e segs e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 276 e segs.

Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993,; . Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo e 3ª Secção, Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04.

Tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor nem a extensão pressupostos pelo art. 71.º..

Note-se que o artigo 71º nº 3 do Código Penal determina que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

Embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do nº 2 do mesmo artº 71º, nem por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, e, sem prejuízo de que os factores enumerados no citado nº 2, podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso. (Figueiredo dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 291)

A determinação da pena do cúmulo, exige pois um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado, nos termos expostos.

 Aliás salienta Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e comentado 18ª ed, pág. 295, nota 5) “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença.

Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”

Por outro lado, como refere Figueiredo Dias, ibidem, §422, pág. 292:

“A doutrina alemã, discute muito a questão de saber se factores de medida das penas parcelares podem ou não, perante o princípio da proibição de dupla valoração ser de novo considerados na medida da pena conjunta. Em princípio impõe-se uma resposta negativa; mas deve notar-se que aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares, ou ao conjunto deles, nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração.”


Ou seja, quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.

À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Por último, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e “ a culpa pelos factos em relação”, a qual se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do S.T.J de 12.7.2005 e Figueiredo Dias in “A Pena Unitária do Concurso de Crimes” in RPCC ano 16º, nº 1, pág. 162 e ss.

Revertendo ao caso em análise, o arguido AA, nascido a 21.08.1980, contava à data dos factos 40 anos de idade, o período temporal em que os factos ocorreram cerca de um ano - de 10.05.2019 e 12.05.2020 - contando atualmente .. anos de idade.

Relativamente à sua conduta anterior e posterior aos factos e as condições pessoais do arguido, consta da matéria de facto provada o seguinte:

94. O arguido é reputado com um pai carinhoso e uma pessoa humilde junto das suas relações familiares;

95. Do relatório social do arguido, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:

- "o arguido vivenciou um processo de socialização inserido num contexto familiar caracterizado por um estilo de vida nómada entre Portugal e Espanha, decorrente dos hábitos culturais da sua família, de etnia ....., e da venda ambulante efectuada pelos pais. Neste contexto, o arguido não completou o 1º ciclo e desistiu do percurso escolar por falta de interesse e motivação;

- O percurso laboral, iniciado precocemente, resume-se a coadjuvação na actividade de família como vendedores ambulantes de vestuário e acessórios. Inserido em contexto social caracterizado por problemáticas de marginalidade e exclusão, onde o agregado de origem passou a fixar-se, com uma supervisão parental deficiente e com baixa auto estima e dificuldades de inserção social, foram alguns dos factores que estiveram subjacentes à adesão ao consumo de estupefacientes na adolescência, e ao seu percurso criminal contribuindo para o acentuar destas condutas o facto de ocupar o tempo livre sem o envolvimento em qualquer actividade estruturada e organizada e no convívio com indivíduos com hábitos similares aos seus;

- Aos dezassete anos iniciou uma união de facto, da qual nasceu um filho, atualmente com vinte e dois anos de idade, e com vida já autónoma. O relacionamento conjugal marcado por desentendimentos e conflitos, terminou pouco tempo depois;

- desde os dezanove anos que o arguido regista um percurso delituoso persistente, associado a crimes contra o património, estradais e também contra as pessoas, estes associados a características de impulsividade e imaturidade. Cumpriu por duas ocasiões, penas efetivas de prisão, com registo de duas ausências ilegítimas, após a concessão de medidas de flexibilização da pena, tendo a última prisão (que incluiu a revogação de liberdade condicional) decorrido de 21.02.2013 a 12.02.2019, data em que saiu em liberdade condicional, com o termo previsto para 02.04.2021. Durante o cumprimento das penas de prisão concluiu o 6.° ano de escolaridade. Entretanto, e durante uma ausência ilegítima durante o cumprimento da primeira pena de prisão, o arguido encetou novo relacionamento afetivo, do qual nasceram quatro filhos. Por rutura afetiva essencialmente determinada por dificuldades de comunicação e de resolução de problemas, num quadro existencial condicionado pela limitação dos rendimentos disponíveis, aqueles ficaram a cargo da avó paterna, sendo que um deles, ficou a cargo da tia paterna que reside em Espanha. Depois de sair em liberdade condicional, o arguido integrou o agregado familiar dos progenitores, porém, algum tempo depois reatou o relacionamento conjugal com a mãe dos seus quatro filhos, situação que os progenitores do arguido não aceitaram, e que levou ao seu afastamento e a deixarem de lhe falar e apoiar;

- aquando da data da prisão, o arguido vivia com a companheira, II e com os seis filhos do casal, dado que há um ano nasceram mais dois filhos gémeos, com idades compreendidas entre os dezasseis anos e um ano de idade. Devido à falta de apoio por parte dos progenitores do arguido, por não concordarem com o relacionamento afetivo do arguido e por este ter recaído no consumo de estupefacientes, o agregado familiar fixou residência em casa dos sogros do arguido, no ........., na ........., onde para além dos sogros coabitava o irmão da companheira com diagnóstico de esquizofrenia. A família subsistia com a receita resultante da atividade de feirante exercida pela sogra, da pensão de invalidez do sogro e do cunhado, do Rendimento Social de Inserção no valor de € 300,00 (trezentos euros) que beneficiava a companheira. O arguido não exercia qualquer atividade laboral, nem tinha qualquer fonte de rendimentos. Por outro lado, recaiu no consumo de estupefacientes (heroína e cocaína), e como tal, envolveu-se nas circunstâncias que levaram à sua constituição como arguido;

- em termos pessoais, o arguido revela reduzido sentido das responsabilidades recorrendo a causas externas a si próprio, para justificar a sua conduta criminal ou à sua problemática aditiva, e da qual desconhecemos a sua gravidade. Denota ainda, ser um individuo explosivo e/ou impulsivo quando contrariado ou submetido a situações geradoras de maior stress, causando algum impacto ou intimidação no seu interlocutor e do qual revela consciência;

- quando em liberdade, pretende voltar a viver em união de facto com a companheira, os filhos menores e atualmente também com a companheira do filho de dezasseis anos, que casou segundo os rituais da etnia. A companheira e os menores ocuparam uma habitação social, na …. de ….., e em morada que o próprio desconhece, mas que fica na proximidade da morada da progenitora do arguido e que, entretanto, ficou viúva, devido ao falecimento do progenitor do arguido há cerca de cinco meses. A companheira está a tentar legalizar a sua permanência na habitação ocupada;

- ao nível económico, a companheira subsiste com o Rendimento Social de Inserção, no valor de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), por mês e com o abono de família relativo aos menores no valor de € 600,00 (seiscentos euros), por mês;

- em termos laborais, e quando em meio livre, pretende trabalhar e viver com o apoio económico da progenitora, uma vez que esta é gerente de duas lojas em ........., ......, e proprietária de um grande armazém onde tem produtos que vende em feiras;

- face à atual situação jurídico-penal, o arguido reconhece a ilicitude dos factos, sem contudo efetuar uma análise critica sobre os mesmos, e sem assumir a responsabilidade no envolvimento nas circunstâncias que levaram à sua constituição como arguido, atribuindo-a à sua problemática aditiva. Contudo, e, na atualidade, não verbaliza qualquer necessidade de acompanhamento especializado para a sua toxicodependência, uma vez que está de luto pelo falecimento do progenitor, e como tal, não pode consumir estupefacientes ou ingerir bebidas alcoólicas. Assumiu, no entanto, ter tido algumas dificuldades ao nível de saúde mental devido ao falecimento do progenitor e aos sentimentos de culpa que tem, por não falar com este à data da prisão;

- como principal impacto negativo da atual situação, surge o facto de não poder acompanhar o crescimento e evolução dos filhos, aliás, como se verificou com os filhos mais velhos, também devido ao cumprimento de penas de prisão;

- no estabelecimento prisional tem mantido um comportamento adequado às normas, e toma medicação diariamente para andar mais calmo e para dormir;

- o arguido ê um individuo com um percurso de vida marcado pela cultura da etnia ....., pelo reduzido investimento a nível escolar e formação profissional, bem como, pela dedicação precoce à atividade profissional da venda ambulante junto dos progenitores, e que na prática se caracterizou pela total dependência dos progenitores, até à idade adulta e no processo educativo dos filhos menores. A inserção em contextos sócio residenciais com problemáticas sociais e criminais, com o estabelecimento de relações de convivialidade com pares com comportamentos criminais e consumidores de estupefacientes, a precoce desinserção escolar e a ocupação dos tempos livres de formas aleatória e desestruturada, surgem assim como os principais fatores que estiveram subjacentes à sua menor interiorização do sentido das responsabilidades, da menor interiorização das normas e valores sociais em vigência, à sua problemática aditiva e consequentemente, aos sucessivos contactos com o sistema de justiça penal e ao incumprimento de medidas aplicadas ".

93. Do certificado de registo criminal do arguido constam as seguintes condenações:

- pela prática, em concurso, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo Art.° 292.°, n.° 1, do Código Penal e de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art° 3.°, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03/01, por factos praticados em ... .08.1998, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 619/98......., do ..° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de ...., por sentença proferida a 24.08.1998, transitada em julgado a 30.09.1998, na pena única de 160 (cento e sessenta) dias multa e na pena acessória de 2 (dois) meses de proibição de conduzir veículos motorizados, declaradas extintas, pelo cumprimento, por despacho de 10.09.2010;

- pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo Art.° 210.°, do Código Penal, por factos de ... .07.1998, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 97/99, da ..ª. Secção da ..ª Vara Criminai de ….., por Acórdão proferido a 26.01.2000, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, declarando-se um ano perdoado e o remanescente substituído por igual tempo de multa, tendo esta pena perdido a sua autonomia por cúmulo operado no processo n.° 12/99.......;

- pela prática de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos Arts.º 210.°, n.° 1 e n.° 2, alínea b) e 204.°, n.° 2, alínea í), ambos do Código Penal, por factos de ... .12.1998, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 1316/98....... (n.° 19/00), da 3.ª Secção da 2.ª Vara Criminal de ....., por Acórdão proferido a 21.06.2000, transitado em julgado a 07.07.2000, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, com perdão de um ano de prisão. Esta pena perdeu a sua autonomia por ter sido englobada no cúmulo operado no âmbito do processo n.° 12/99.......;

- pela prática de 5 (cinco) crimes de roubo, previstos e punido pelo Art.° 210.°, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados em 1999 e 2000, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 12/99......., da ..ª Secção da .." Vara Criminal de ....., por Acórdão proferido a 25.10.2000, transitado em julgado a 09.11.2000, tendo sido englobadas as penas aplicadas nos processos supra identificados (n.° 97/99 e n.°1316/98.......), na pena única de 10 (dez) anos de prisão, com perdão declarado de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. Por decisão do TEP, datada de 20.02.2008, foi concedida ao arguido liberdade condicional até ao dia 26.07.2009, a qual foi revogada, e determinado o cumprimento do remanescente da pena única de prisão, por decisão do TEP, datada de 15.01.2018, referente ao processo n.° 1789/13.......-H;

- pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art.° 3.°, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03/01, por factos praticados em 1 ó. 10.2008, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n,°218/08......., da ..ª Secção do ..° Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de .....» por sentença proferida a 16.10.2008, transitada em julgado a 03.11.2008, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o montante global de 6 500,00 (quinhentos euros), declarada extinta, por prescrição, por despacho de 31.01.2013;

- pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art.° 3.°, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03/01, por factos praticados em 14.10.2009, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 186/09......., do Tribunal Judicial da Comarca de ..... ….., Juizo Local Criminal da ........., J.., por sentença proferida a 02.11.2009, transitada e julgado a 03.05.2010, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), convertida em 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária, por despacho de 25.05.2011 e declarada extinta, pelo cumprimento, por despacho de 15.11.2014;

- pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art.° 3.°, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03/01, por factos de 27.10.2010, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 1500/10......., do Tribunal Judicial da Comarca de ..... ….., Juízo Local Criminal da ........., J.., por sentença proferida a 10.02.2011, transitada em julgado a 13.03.2013, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 1 (um) ano, declarada extinta, nos termos do Art.° 57,°, do Código Penal, por despacho de 14.05.2015;

- pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.º 223.°, n.° 1, 22.°, 23.° e 73.°, todos do Código Penal, por factos de ... .04,2010, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 1683/10......., do Tribunal Judicial da Comarca da ………-……, Juízo de Média Instância Criminai de ......, J.., ..ª Secção, por sentença proferida a 17.11.2011, transitada em julgado a 13.03.2013, na pena de 6 (seis) meses, suspensa na sua execução, pelo período de 1 (um) ano, declarada extinta, nos termos do Art.° 57.°, do Código Penal, por despacho de 28.04.2014;

- pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo Art.° 210.°, n.° 1, do Código Penal, por factos de ... .08.2008, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 1294/08......., do Tribunal Judicial da Comarca de ....., Juízo Central Criminal de ....., J.., por Acórdão proferido a 22.02.2011, transitado em julgado a 02,04.2014, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução, por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, declarada extinta, nos termos do Art.° 57.°, do Código Penal, por despacho de 13.02.2017;

- pela prática, em concurso, de dois crimes de roubo, previstos e punidos pelo Art.° 210.°, n.° 1, do Código Penal, em conjugação com o disposto nos Arts. 75.° e 76.°, ambos do Código Penal, por factos praticados em ... .01.2010, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 32/10......., do Tribunal da Comarca da ……..-……, Juízo de Grande Instância Criminal de ......, J.., ..a Secção, por Acórdão proferido a 02.12.2010, transitado em julgado a 20.06.2013, na pena única de 6 (seis) anos de prisão. Por decisão do TEP, datada de 12.02.2019, foi concedida a liberdade condicional até 02.04.2021, sendo que se encontrava ininterruptamente preso desde 21.02.2013;

- pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo Art.° 347.°, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados em ... .06.2010, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 445/10......., do Tribunal Judicial da Comarca de ..... ...., Juízo Local Criminal de ......, J.., por sentença proferida a 10.05.2017, transitada em julgado a 09.06.2017, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, declarada extinta, nos termos do Art.° 57.°, do Código de Processo Penal, por despacho de 19.10.2018;

- pela prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo Art.° 360.°, n.° 1 e n.° 3, do Código Penal, por factos de ... .11.2016, foi o arguido condenado, no âmbito do processo n.° 463/16......., do Tribunal Judicial da Comarca de ..... ...., Juízo Local Criminal de ........., por sentença proferida 17.07.2018, transitada em julgado a 01.10.2018, na pena de 4 (quatro) meses de prisão efectiva;


Do exposto resulta que tudo leva a concluir que se trata de um delinquente com uma personalidade com tendência para a criminalidade não sendo possível formular um juízo de prognose positivo que de futuro não mais voltará a reincidir em tais condutas.


No que se refere à proteção de bens jurídicos, que constitui uma das finalidades das penas (art. 40º, nº1, do CP), no crime de burla é o património e no crime de extorsão o bem jurídico protegido é o património, a que acresce a tutela do bem jurídico liberdade de decisão e de ação. No crime de furto o bem jurídico protegido é a propriedade.


As exigências de prevenção geral são elevadas, devido à sua frequência e facilidade no seu cometimento deste tipo de crimes e ao sentimento geral de repúdio por este tipo de condutas.

No que se refere às exigências de prevenção especial – são elevadíssimas, considerando que o arguido, não obstante as condenações já sofridas, designadamente em crimes contra o património, revelam que a personalidade do arguido tem tendência para a prática deste tipo de ilícitos, demonstrando incapacidade para adequar a sua conduta em conformidade com a ordem jurídica e os valores da sociedade.

A que acresce a circunstância dos factos objeto deste processo foram praticados em pleno período de liberdade condicional, o que reforça a convicção segura no sentido que, as condenações anteriores aplicadas, mesmo com privação efetiva da liberdade, foram manifestamente ineficazes e insuficientes para assegurar o cumprimento das finalidades inerentes à punição, dado que o arguido não se absteve de praticar novos crimes e da mesma natureza, revelando uma personalidade desconforme à Lei e ao Direito.


Na determinação da medida da pena o modelo mais equilibrado é aquele que comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente[5].

Partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre um mínimo de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses [correspondente à pena concreta mais elevada] e 25 (vinte e cinco) anos de prisão, limite máximo aplicável ao caso concreto, (limite previsto no artigo 41.°, n° 2, uma vez que a soma das parcelares perfaz 65 anos), deve definir-se um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente.

O espaço contido entre esse mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e esse máximo consentido pela culpa, configurará o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração do agente.

Atendendo à moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre um mínimo de 4 (quatro) de prisão e 25 (vinte e cinco) anos de prisão, considerando o critério e princípios supra enunciados, designadamente a consideração em conjunto dos factos e a personalidade do agente, as exigências de prevenção geral e especial, procedendo ao cúmulo jurídico, das penas parcelares nos termos do art. 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal, mostra-se justa, necessária, proporcional e adequada pena a única de 12 (doze) anos de prisão, em que o arguido AA foi condenado.


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4. DECISÃO.

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.

Custas pelo arguido, fixando a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’S.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


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Lisboa, 03 de novembro de 2021



Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)


Nuno Gonçalves

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[1] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, pág., 241-244
[2] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Ed. 199, páginas 290 a 291.
[3] Proc. 178/12.0PAPBL.S2, disponível in dgsi.pt
[4] Disponível in dgsi.pt
[5]Figueiredo Dias, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3º, Abril/Dezembro, pág. 186.